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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

POLÊMICAS E BIN LADEN NA HORA MAIS ESCURA...

★★★★★★★
Título: A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty)
Ano: 2012
Gênero: Drama, Ação, Guerra
Classificação: 14 anos
Direção: Kathryn Bigelow
Elenco: Jessica Chastain, Jason Clarke, Kyle Chandler, Jennifer Ehle
País: Estados Unidos
Duração: 157 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Os dez anos de busca e finalmente captura e assassinato de Bin Laden.

O QUE TENHO A DIZER...
Este filme é dirigido por Kathryn Bigelow, aquela que em 2010 surgiu do "nada" com o filme Guerra Ao Terror (The Hurt Locker, 2008) e abocanhou o Oscar de Melhor Filme e Direção, entrando para a história da premiação como a primeira mulher a receber o prêmio nas duas categorias. Eu felizmente tive a oportunidade de assistí-lo pouco tempo depois de seu lançamento, ainda no começo de 2009, e sempre o considerei um filme bom e um grande concorrente antes mesmo da sua fama. Na época fiquei bastante surpreso e feliz com sua presença no Oscar 2010, já que ele só foi entrar na premiação quase um ano e meio depois do seu lançamento.

Muita gente não se conforma com isso, já que ela derrubou o favoritismo de Avatar (2009) que, por sinal, é do seu todo-poderoso-ex-marido-James-Cameron, o qual também foi responsável até mesmo por convencê-la a realizar aquele filme. Hoje em dia críticos alegam que os prêmios dados a ela foi a oportunidade que tiveram para esnobar a arrogância de James Cameron e também para dizer que a Academia não é machista, misógina ou preconceituosa, e que mesmo o filme tendo sido, a princípio, um grande fracasso de bilheteria (ele foi conseguir se recuperar apenas 1 ano depois por conta da publicidade adquirida no Oscar), ele tinha suas qualidades. E ele realmente tem.

Por isso que vale dizer que Guerra Ao Terror é um excelente filme. Ele não deve ser diminuído (como foi na época) por não ser uma grande produção (custou apenas US$15 milhões, o filme mais barato a receber o prêmio da Academia de Melhor Filme). Tecnicamente é um filme complexo, que sofreu grandes problemas de produção por conta das dificuldades de filmagem no Iraque, do perigo por toda a equipe ter trabalhado em um território hostil, além de seu orçamento limitadíssimo ao ponto de várias pessoas, tanto da equipe técnica quanto de atores, terem desistido no meio das filmagens. Mas ao mesmo tempo vários atores importantes acreditaram no projeto e fizeram questão de participar, como Guy Pearce, Ralph Fiennes e David Morse, sem contar que o filme revelou Jeremy Renner.

O prêmio de direção recebido por Kathryn foi merecido, ela soube unir diferentes estilos de filmagem para construir um filme de poucos diálogos e cenas de ação, mas tenso, carregado de um terrorismo psicológico realista ao mostrar a vida difícil de soldados do esquadrão antibombas. Tem gente por aí que diz que ela só se tornou alguma coisa por causa de James Cameron. Que seja. Se foi com ele que ela aprendeu algo, ela soube fazer direitinho as lições de casa, e isso deve ser levado como um mérito, assim como vários outros bons e atuais diretores também tiveram grandes mentores dentro da própria família, como Sophia Coppola e Jason Reitman. E sozinha ela conseguiu fazer sua história e um currículo de filmes que a crítica diz serem "tipicamente masculinos", o que também é um grande diferencial de seu estilo.


Em A Hora Mais Escura, ela dá uma certa continuidade ao filme anterior, voltando para os territórios hostis do Oriente Médio, trabalhando novamente com o jornalista e roteirista Mark Boal, o mesmo de Guerra Ao Terror.

As polêmicas começaram logo na fase de pré-produção e a possibilidade de uma parceria partidária, já que o filme estava agendado para ser lançado um mês antes das eleições norte-americanas, o que poderia favorecer a re-eleição de Barack Obama. Isso foi negado pela distribuidora Sony, que afirmou que a data de lançamento foi escolhida porque era a época mais favorável para o gênero do filme, e até mesmo o roteirista foi a público negar qualquer parceria. Por conta dessa polêmica o filme acabou tendo lançamento limitado para críticos e para a consideração de premiações, e o lançamento público e oficial foi reagendado para Dezembro de 2012.

O filme recebeu críticas positivas e o favoritismo para a temporada de premiações foi imediato, mas outras polêmicas envolvendo o desenvolvimento do roteiro acabaram denegrindo tudo isso. O roteirista e a diretora sempre foram claros ao dizer que o filme é baseado em fatos reais e que as cenas de tortura foram feitas em cima de fontes primárias. Isso ajudou o Senado a acusar a CIA e a adminsistração de Obama de ter oferecido informações confidenciais à diretora e ao roteirista, o que colocou a própria CIA e o Departamento de Segurança a investigar se isso realmente aconteceu.


Tanto o roteirista quanto a diretora negaram a participação do governo, mas a veracidade pela qual o tema é tratado no filme convence o serviço de inteligência secreta norte-americano de que houve vazamento de informações secretas e classificadas como altamente confidenciais, o que acabou sendo bombástico para sua reputação. A CIA inclusive chegou a se reportar em público, contradizendo veementemente ao negar, sem qualquer escrúpulo, de que ela não utiliza métodos violentos de interrogatório para obter informações de seus inimigos (podemos rir dessa piada?). Há inclusive um momento no filme em que aparece uma reportagem com Obama na televisão fazendo a mesma afirmação, o que é um tanto irônico e o grande ponto de mudança do filme.

O governo agora realiza uma caça às bruxas para abafar isso, e Kathryn Bigelow e Mark Boal passam por maus bocados, já que o Governo agora exige a retratação dos fatos e a verdadeira fonte dessas informações confidenciais, o que é proibido nos EUA até mesmo sob leis de liberdade de expressão, pesquisa jornalística, ou coisas desse tipo. Parece que todos os envolvidos na produção ainda correm o risco de serem julgados e até mesmo presos se nada disso for contornado. Ou seja, é uma situação complicada e que fez com que a mídia virasse a casaca e passasse a atacar o filme. Tanto foi assim que foi uma surpresa a diretora não estar entre os cinco finalistas na categoria de Melhor Diretor no Oscar 2013, o que aparenta ter sido uma medida tomada de última hora pelos membros da Academia para se absterem de qualquer partido nisso que se tornou uma guerra pública e política.


Também não é mais segredo para ninguém que o filme narra a histórica caça a Osama Bin Laden, que durou 10 anos. Mark Boal já tinha um roteiro pronto para o filme, que narraria os anos de uma busca infeliz e frustrada, que matou milhares de inocentes, colocou a economia americana e mundial em risco e que não teve sucesso algum. Mas pouco antes da pré-produção do filme ter início, Osama foi encontrado e assassinado pela CIA, e o roteirista teve que mudar toda a história. O filme também mostra a obsessão de uma agente da CIA em chegar até as últimas consequências em descobrir seu paradeiro, já que ela dedicou toda sua carreira nisso. Mostrada no filme pelo nome fictício de Maya, ela é real, mas ainda permanece disfarçada e é proibida de dar entrevistas a jornalistas por motivos de segurança. Alguns colegas que realmente trabalharam com ela afirmam que a caracterização dada pela atriz Jessica Chastain é bem próximo da realidade, principalmente a respeito da sua dedicação e temperamento.

Sem dúvida é um filme bem feito, e ao contrário do que a crítica aponta, ele não favorece a tortura. Ele apenas mostra que a tortura foi uma das atitudes tomadas pelos agentes, uma atitude desesperada até, já que a pressão sobre eles era constante e se tornou cada vez maior e mais pesada com o passar dos anos. Também não são cenas tão chocantes quanto a mídia pinta. Eu realmente assisti preparado para ver o pior, e o pior não é nem tão chocante assim, não com imagens. O choque é muito mais psicológico, porque a situação é lidada de forma bem crua, ao ponto de dar a impressão de poder sentir até o cheiro do ambiente. Não vemos chicotamento, laceração, queimaduras, nada disso... é apenas o confronto entre uma pessoa que se fortifica com a constante fragilização do outro. Em nenhum momento o filme se posiciona sobre o uso da tortura, mas ele deixa a situação duvidosa por vários momentos.


O crítico Rubens Ewald Filho acredita que se a personagem Maya tivesse verbalizado uma opinião que desaprovasse as situações, por mais curta que fosse, teria diminuído o peso sobre o filme. Mas isso não é necessário, a própria postura da personagem e seu semblante já demonstram isso a todo instante, incluindo uma sequencia em que ela mesma incita a tortura, mas logo em seguida se martiriza sozinha no banheiro pela ação extrema tomada. Portanto, sobre isso, é o que a própria diretora afirmou, o filme é duvidoso quando a própria história é duvidosa - como o uso da tortura, e acertivo quando a própria história é acertiva - como o assassinato de Bin Laden.

Na verdade o filme pode ser macro-dividido em duas partes, a primeira que mostra o uso da tortura e nenhum avanço nas buscas, e a segunda parte em que é usado a pesquisa e investigação, o que leva diretamente a Bin Laden. Por causa disso Michael Moore chegou a até ironizar, dizendo como é engraçado oito anos de tortura não levarem a nada e dois anos de investigação levar diretamente ao terrorista. Essa "mudança de planos" que ocorre no filme é outra questão que fundamenta que ele não deve ser taxado como pró-tortura. Enfim... essa questão é muito mais sensacionalismo da mídia e de críticos que assistem filmes igual fazem leitura dinâmica, apenas cinco minutos do começo, do meio e do fim, apenas para dar um parecer.

É mais um daqueles filmes lentos, que demoram pra desenvolver, além de longo. Muito longo. São 157 minutos que parecem durar o dobro pela falta de cenas mais dinâmicas e algo que realmente prenda a atenção. Mas é um filme histórico, não é um filme intencionado a descarregar adrenalina. Apesar disso, Bigelow consegue manter um clima de perigo constante ao soltar em momentos imprevisíveis os diversos atentados terroristas que ocorreram durante os 10 anos, e nisso ela tem muito êxito, pois ficamos paranóicos tanto quanto os personagens, acreditando que a qualquer momento algo pode acontecer. É ela novamente trabalhando com o terrorismo psicológico, tal qual feito em Guerra Ao Terror, em um clima que já é tenso logo quando a apresentação silenciosa do filme termina e algumas das gravações feitas entre vítimas do atentado de 11/09 são ouvidas em uma tela preta.


Embora Maya seja baseada em uma figura real e cuja participação na busca tenha sido crucial, achei a personagem bastante comum e sem uma grande participação no filme, o que é estranho. A figura na qual a personagem é baseada é tida como uma mulher determinada, chamada de "a assassina de Washington". Mas não vemos muito disso, aliás, quase nada. Pelo contrário, grande parte do filme a vemos como uma pessoa frágil, submissa, perdida, de poucas palavras. Há apenas uma cena e outra em que ela se impõe um pouco mais numa histeria desesperada, mas em definitivo não é nada que verdadeiramente justifique o favoritismo de Jessica Chastain ao Oscar, estando longe de ser um grande papel cativante como o que ela desempenhou em Vidas Cruzadas (The Help, 2011).

O filme poderia ter salvo um pouco de tempo para abordar outras situações que não foram sequer citadas como, por exemplo, o treinamento tático que os agentes tiveram em uma réplica da fortaleza de Bin Laden construída na Carolina do Norte, nos EUA, para justificar como é que o ataque foi realizado com tanta precisão, como é mostrado no final do filme, sendo uma das melhores sequências. Filmado de forma documentada, é a sequência que justifica o título original do filme, que se refere ao termo dado ao horário mais escuro da noite, às 0h30, horário no qual ocorreu o ataque (o relógio marcando esse horário pode ser visto logo no início dessa sequencia). É a única parte em que o filme é realmente escuro e que usa com excesso câmeras noturnas, mas é de uma tensão e de um tempo de filmagem preciso, em uma edição perfeitamente sincronizada, tanto que o filme tem concorrido nesta categoria em várias premiações, incluindo o Oscar. Bigelow fez questão de que essa cena fosse a mais realista possível, tanto que o tempo de ataque no filme dura 25 minutos, um pouco menos do que durou na realidade.

Em nenhum momento Bigelow apela para o sentimentalismo ou o excesso de drama. O tiro é dado na cabeça. Pronto! Não há dramatização em cima, não há trilha sonora, não há floreios. É ela agindo de forma certeira e fazendo seus personagens agirem de forma mais humana e realista possível. A bomba explodiu, tudo vai pelos ares. O foco muda e o filme continua. Até mesmo no assassinato de Bin Laden, uma cena que poderia ter sido o uso e abuso do cliché em mãos de diretores como Spielberg ou Terrence Malick, mas em nenhum momento ela faz disso um espetáculo ou um grande mérito da nação norteamericana, como é esperado. É um filme que tenta evitar partidos e posicionamentos.

Polêmicas à parte, vale ser visto por fazer um bom apanhado dos 10 anos e revelar importantes situações que são desconhecidas publicamente. A trama e os acontecimentos históricos são bem costurados ao ponto de transformar o espectador em uma parte daquilo tudo e fazê-lo pensar várias vezes "eu lembro de quando isso aconteceu" ou "eu lembro de ter lido algo a respeito disso", um espectador ativo e vivo dentro da história. O que é sempre muito interessante.

CONCLUSÃO...
Bigelow acerta mais uma vez em um filme mais tático do que de guerra, tal qual seu filme anterior Guerra Ao Terror. Aqui os grandes pontos positivos são o desenvolvimento da história, que amarra bem os fatos reais com os (possivelmente) fictícios, e o tom humano e verdadeiro da direção precisa e direta de Bigelow, sem dramatizar ou sentimentalizar demais situações em que outros diretores poderiam facilmente ter exagerado para o bem do drama. Também é um filme que coloca em discussão a polêmica do uso da força versus inteligência, e deve ser visto assim, e não como um filme que favoreça a tortura, como a mídia e críticos tem esboçado sobre ele.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

PODERIA SER UMA FICÇÃO SE NÃO FOSSE VERDADE...

★★★★★★
Título: Compliance
Ano: 2012
Gênero: Drama, Suspense
Classificação: 14 anos
Direção: Craig Zobel
Elenco: Dreama Walker, Ann Dowd, Pat Healy
País: Estados Unidos
Duração: 90 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma gerente de um restaurante recebe um telefonema de um policial que investiga um furto que ele acredita ter sido feito por uma de suas funcionárias.

O QUE TENHO A DIZER...
Compliance ainda é inédito no Brasil, sendo o segundo filme escrito e dirigido por Craig Zobel. O filme teve estréia no Festival de Sundance de 2012 sob forte controvérsia, pois durante sua exibição muitos da platéia deixaram a sala enquanto outra parte chegou a vaiar. Mas apesar disso, ele foi bem recepcionado pela crítica especializada e também pelo público em geral, atingindo uma pontuação de 6.5 no IMDb e de 66% no Rotten Tomatoes, o que é uma média relativamente boa para um filme independente e de baixo circuito.
Conta a história de um oficial que liga para Sandra (Ann Dowd), gerente de uma lanchonete. Ele é um dos policiais que está investigando um roubo que aconteceu dentro do estabelecimento que ela gerencia e a suspeita é Becky (Dreama Walker), uma de suas funcionárias. Ele explica que, por estar ao mesmo tempo investigando outro caso, isso o impossibilita de ir para o local de imediato, mas para agilizar as coisas ele pede para que Sandra realize alguns procedimentos regulares. Porém isso acontece numa das noites mais movimentadas da lanchonete, o que faz com que Sandra acabe delegando a função para outras pessoas, incluindo seu noivo. Porém os pedidos começam a ficar sérios, e as pessoas que ficam responsáveis por Becky estranham os procedimentos exigidos por telefone.

Se você não quer saber mais da história, então não leia o resto...

Mas obviamente que, logo que o filme começa, já percebe-se que se trata de um trote, e a questão que paira no ar é: como que Becky e as pessoas que ficaram responsáveis por ela, incluindo sua chefe, se deixaram levar pela situação sem ao menos questionarem o comportamento irregular da pessoa do outro lado da linha, ou simplesmente ter desligado o telefone e esperado uma apresentação oficial?
Bom, primeiramente, se alguém tivesse simplesmente desligado o telefone, o filme acabaria nos seus primeiros 10 minutos, e eu com certeza teria feito se acontecesse comigo de verdade, ou caso eu não fosse uma pessoa sugestionável.

As pessoas tendem a ser sugestionadas e/ou convencidas facilmente em situações estressantes, principalmente se feitas por alguém em qualquer nível hierárquico superior. Ha também o fato da maioria das pessoas serem obedientes sem questionar quando diretamente confrontadas por alguém aceito com superioridade. No caso do filme o próprio ambiente de trabalho e a situação desenvolvida é estressante isoladamente, e a obediencia frente a um superior foi respeitada por acreditarem que ele realmente fosse um oficial de polícia por conta de toda eloquência do impostor e sua agilidade em desenvolver situações que direcionassem suas vítimas a realizarem tudo que ele exigia sem questionarem ou se negarem com veemência. E lógico, tudo isso baseado na ignorância coletiva e a falta da educação questionadora, herança de uma cultura formada para obedecer, não questionar e não confrontar, como cordeiros. E talvez seja por isso que um restaurante de fast-food tenha sido não somente o cenário escolhido para o filme, mas o cenário perfeito escolhido pelo criminoso, já que o filme é baseado em casos comuns reais.

Como o próprio filme diz, foram mais de 70 casos registrados de ligações para restaurantes ou lojas de conveniência de alguém que, se passando por um oficial de justiça, pedia para que fosse realizadas revistas íntimas nos "suspeitos" ou outros procedimentos padrão da polícia. Casos como esse aconteceram nos EUA por praticamente dez anos, até finalmente levar ao principal suspeito que foi preso em 2006.

O filme é especificamente baseado no caso de Mount Washington, no estado de Kentucky, nos EUA, que ocorreu dentro de um estabelecimento do McDonald's. Segundo as descrições do caso, o filme reproduz com bastante detalhe a situação real sofrida pela atendente Kim Dockery e as três horas e meia de cárcere privado, incluindo o abuso sexual que ela sofreu pelo noivo de Donna Summers, a gerente do restaurante.

Toda a situação constrangedora sofrida por Kim foi filmada por câmeras de segurança dentro do escritório. Após esse incidente, Donna Summers foi demitida do cargo por ter violado regras estipuladas para gerentes do McDonald's, que impedem a realização de vistorias íntimas em caso de suspeitas de furto e pela autorização de entrada de pessoal não autorizado dentro do escritório. A atendente, maior vítima de todo o caso, foi transferida de local de trabalho, mas ficou em tratamento pós-traumático por três anos após o ocorrido. O noivo da gerente, Walter Nix, foi indiciado por abuso sexual, e o impostor, Dave Stewart, foi preso em 2006 por falsa identidade e sodomia. As vítimas do caso, incluindo as testemunhas que participaram de alguma forma, afirmam que houve momentos de dúvida e de que todo o processo não estava correto, mas por alguma razão, um bloqueio ou uma necessidade de cumprir ordens de um "homem que dizia ser oficial da justiça", eles acabavam seguindo adiante com a situação, com medo de que algo pior pudesse acontecer.

O McDonald's foi processado em 2007 sendo acusado de ter 50% de culpa de todo o caso, já que trotes como esse já haviam acontecido em 4 outros estabelecimentos da mesma rede em 4 diferentes estados e nenhuma providência foi tomada pela rede para alertar seus gerentes da possibilidade de reincidência. Kim Dockery recebeu mais de US$6 milhões de dólares entre danos morais e compensatórios, e Donna Summers um pouco mais de US$1 milhão. Além disso, o McDonald's também foi obrigado a pagar outros US$2,5 milhões em custos do processo.

Depois de conhecer essa história maluca, fica mais fácil de acreditar no filme e levar a sério toda a tensão e constrangimento sofrido não apenas pela vítima, mas por todos os que direta ou indiretamente participaram desse caos. O diretor e roteirista consegue manter esse clima com pouco. Os mais de 90 minutos do filme se passa inteiramente dentro de apenas um cenário e a maior parte dos diálogos ocorre entre o criminoso e a vítima pelo telefone. Seria um filme monótono, mas que são bem conduzidos pelo roteiro e as atuações, e uma trilha sonora que é tocada discretamente no fundo e que aumenta o clima da pressão psicológica da situação sem incomodar ou soar invasivo. Ann Dowd realmente está fantástica como a gerente Sandra, papel pelo qual ela recebeu grandes críticas positivas e o prêmio de melhor atriz coadjuvante pela National Board Of Review, e infelizmente a baixa campanha do filme não ajudou para que seu papel pudesse ser melhor reconhecido por outros prêmios maiores.

Talvez o grande defeito do filme tenha sido não se aprofundar melhor nas razões do impostor ter feito o que fez. Não se sabe se a razão dele ter feito isso foi por algum tipo de perversão sexual ou alguma outra obsessão, já que no caso real foram encontrados na casa do criminoso diversos pertences como uniformes, distintivos e fichas de inscrição para trabalhar no departamento local de polícia.

É um filme tenso, constrangedor e triste por mostrar como é necessário pouco para pessoas se tornarem vítimas, e que nem todo mundo é dotado de uma malícia nata para impedir que determinadas coisas aconteçam, além da inabilidade das pessoas de lidarem com pressões psicológicas.

CONCLUSÃO...
Por mais absurdo que seja é uma história que não somente é baseada em um fato real como mostra tudo com detalhes, e é necessário saber que tudo é bastante próximo da realidade para poder levar o filme a sério e admirar um bom trabalho realizado pelo diretor e roteirista, que apenas erra a mão em algumas situações que podem soar exageradas para aqueles que não souberem dos fatos, ou também por não ter deixado mais claro as razões do criminoso e se tudo é uma perversão sexual ou algum outro tipo de obsessão. Um filme independente que mais funciona pelo clima construído em cima de pouco.

domingo, 27 de janeiro de 2013

A "XICA DA SILVA" DE TARANTINO...

★★★★★★★
Título: Django Livre (Django Unchained)
Ano: 2012
Gênero: Ação, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington, Samuel L. Jackson
País: Estados Unidos
Duração: 165 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Django está livre e com a ajuda de um caçador de recompensas alemão ele vai atrás de sua mulher para resgatá-la das mãos de um perigoso fazendeiro.

O QUE TENHO A DIZER...
Não é uma tarefa fácil falar de Tarantino, porque o cara enfia tanta coisa em um filme só que o problema não é ficar perdido, mas admirar como é que ele consegue misturar tantas coisas de uma forma coerente que soa fantástica, mas não absurda. Enfim, ele não é simplesmente um cineasta qualquer, ele é uma enciclopédia humana do que existe do melhor e do pior no cinema, na cultura pop e na história. Talvez essa gigantesca capacidade dele de absorver coisas úteis e inúteis como uma esponja justifique a razão dele ter uma cabeça tão grande e uma excentricidade hiperativa que deixa evidente a velocidade com que aquele cabeção funciona.

Tarantino é a Madonna do cinema, já que as polêmicas e o frisson que envolvem cada novo trabalho são sempre as mesmas, o que já ocorre numa frequência injustificável que nem ele mesmo suporta mais ao ponto de, logo no começo do ano, ter discutido ao vivo com o repórter Krishnan Guru-Murthy quando este tentou indiretamente associar a violência de seus filmes com a violência real, como que tentando de forma indireta responsabilizá-lo por incentivar o comportamento violento e da insanidade coletiva frequentes nos Estados Unidos, coisa que a mídia adora fazer, culpando a ficção ao invés de culpar quem realmente é e deve ser culpado. Nesta entrevista o diretor se impôs numa postura ofensiva em um sarcasmo arrogante típico da sua persona e do seu estilo, colocando o entrevistador no lugar devido em um constrangimento seguido do outro. Isso porque Django Livre nem é o mais violento de seus sete longa metragens. Há balas voando por todos os lados, e sangue jorrando como geisers num exagero pastelão que mais causa riso do que assombro.

A grande violência mostrada é a relação brutal e desumana que os brancos tinham com os negros durante o período de escravidão, e mesmo mostrando algumas situações fortes de tortura, abusos e constrangimentos, ao mesmo tempo ele também não mostra mais do que o necessário, o foco é o confronto das situações e suas sobreposições. Por exemplo: grande parte das cenas os escravos estão bem vestidos e arrumados, no mesmo ambiente que seus donos, mas tratados como animais domesticados, porque é nessa caracterização que ele nos faz questionar porque essa diferença existia se a realidade é que não há diferença alguma?

O filme conta a história de Django (Jamie Foxx), um escravo rebelde que foi separado de sua mulher, Broomilda (Kerry Washington), para ser vendido na maior feira de escravos do Mississipi. No caminho ele é interceptado por por Schultz (Christoph Waltz), um caçador de recompensas alemão com ideais abolicionistas que precisa de Django para identificar três foragidos. Shultz compra sua liberdade e, sensibilizado pela história do escravo e de sua mulher, promete ajudá-lo a recuperar sua amada depois do inverno, tempo necessário para que o caçador cumpra suas missões e prepare Django para o ato final do filme.

É uma história de amor e vingança que, a princípio, Tarantino nunca contou, já que o tema principal é a relação entre Django e Broomilda. Mas isso nada mais é do que um motivo para o diretor e roteirista mudar o repertório e adentrar na sua zona de conforto preferida quando o personagem descobre que, se tornando um caçador de recompensa juntamente com seu mentor, ele terá a oportunidade de destruir todos aqueles que fizeram sua vida ser mais miserável do que já era. E assim o filme se transforma naquilo que todos os filmes anteriores de Tarantino são, a da justiça sendo feita pelas próprias mãos custe o que custar.

A vontade de Tarantindo de fazer um Bang Bang moderno, com cavalos, pistolas, botas com espora e o pastelão típico que envolve o estilo, é velha, mas ele sempre foi talhado pelos chefões. Isso não o impediu de fazer experiências e misturar esse estilo nos seus trabalhos no decorrer dos anos, como as constantes referências existentes do estilo em Kill Bill (2003/2004), ou a trilha sonora western e os personagens caricatos de Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, 2009). Logo, Django Livre é a concretização de um sonho antigo, que às vezes dá certo, mas por muitas outras ele erra a mão.

O filme não é ruim, mas peca pelo excesso, a começar pelos exagerados 165 minutos, que chegam a isso por conta de inúmeras sequências tarantinescas desnecessárias e a constante necessidade que ele tem de incrementar situações com piadinhas fora de hora e situações patéticas para deixar explícito que tudo que ele faz é uma fantasia do seu circo particular.

Não há como negar que ele consegue fazer isso muito bem, mas esse excesso de auto-confiança às vezes é seu maior defeito, pois essas situações são propositais para quebrarem a expectativa coletiva e são os ganchos necessários pra ele brincar com o inusitado como ele sempre faz, mas isso se torna frustrante muito mais por não serem coerentes com a narrativa e situação do momento, do que pela concretização da expectativa do espectador em si. Isso é evidente, por exemplo, na sequencia em que Django é revelado a Broomilda. O reencontro dos dois é o ápice do filme, o momento mais esperado, e a tensão nessa sequencia cresce de maneira tão natural e emocionante que de repente esse clima todo construído é jogado no lixo como uma facada no peito, numa frustração brochante tal qual a do assassinato de Hitler no seu filme anterior, um momento de igual catarse e tensão que se tornou banal e só soltou um "não acredito que o filme inteiro foi pra ser simples assim", do público.

A tentativa de Tarantino de reproduzir seus sucessos anteriores também é bem evidente, como a narrativa épica de Kill Bill, tanto que há diversas sequências muito similares entre os dois filmes, só mudando o sexo do personagem principal e colocando uma pistola no lugar da katana. O mesmo pode ser dito sobre a cena do jantar, em que Calvin Candie (Leonardo DiCaprio) realiza um discurso no mesmo tom perverso ao de Hans Lanza em Bastardos Inglórios, um deja vu que teria sido muito apropriado se não fosse tão recente. Sem falar no teor "gangsta" e a cultura negra que sempre foram presentes desde Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992), Pulp Fiction (1994) e o estilo blaxploitation de Jackie Brown (1997).

Essas similaridades do filme com os anteriores fizeram fãs divulgarem massivamente a teoria de que todos os filmes do diretor se passam dentro de um mesmo universo e que há relacões diretas que ligam uns aos outros. Mas segundo o próprio Tarantino sobre o filme, a construção, o desenvolvimeto e a narrativa de Django é muito similar ao de Bastardos Inglórios, e por isso, sem querer, ele se viu dentro de uma idéia de uma trilogia de vinganças históricas que irá se completar com seu próximo filme, que ainda não tem título ou data de produção, mas que a idéia existe e que talvez se passe durante a invasão da Normandia, o Dia D. Talvez seja por isso que a sensação de "eu já vi essa cena antes" seja bem recorrente nesse filme.

Os personagens são bem construídos e os atores bem caracterizados. Leonardo DiCaprio está bem convincente como o vilão, mas Tarantino fez escola quando criou o personagem Hans Lanza para Christoph Waltz, que foi o responsável por dar uma caricatura ao personagem que posteriormente virou referência para a construção de outros como Charles Rakes (Guy Pearce) de Os Infratores (Lawless, 2012) e até mesmo Raoul Silva (Javier Bardem), de 007: Operação Skyfall (Skyfall, 2012), personagens bastante similares e igualmente brilhantes. Mas esses vilões com sexualidade duvidosa, que agem com delicadeza para atrair a simpatia do espectador para depois surpreendê-los com a perversidade oculta, agora mostra sinais de cansaço com DiCaprio. O ator Christoph Waltz, que agora faz um personagem do lado dos mocinhos, é de longe um dos mais interessantes, juntamente com Samule L. Jackson, que só vai aparecer mais no final do filme no papel do negro racista, o Sr. Stephens.

Mesmo cansativo e cheio de momentos frustrantes, Django tem lá as qualidades natas do diretor, como os enquadramentos perfeitos das cenas, posicionamento de atores e toda a perfeição cenográfica que ele faz questão, além do dinamismo de filmagem referente aos clássicos japoneses que ele nunca escondeu ser um grande admirador, ou o estilo "pastiche mexicano" que também é uma forte referência no seu estilo. Sem contar que o roteiro é sempre o grande trunfo das suas produções, já que ele não é somente um roteirista, mas um autor que preza pela construção de personagens e diálogos inteligentes que são sempre a atração principal do grande mundo sarcástico que ele vive... o grande problema são as páginas extras desnecessárias.

CONCLUSÃO...
Novamente digo que não é um filme ruim, mas o excesso faz ele ser frustrante diversas vezes numa narrativa que a princípio começa muito bem, mas da metade em diante parece desandar e desenvolver aos tropeços, perdendo a identidade e não sabendo onde se colocar. Está longe de ser um dos melhores filmes do diretor, e Django nada mais é do que um punhado de cenas e sequencias que Tarantino já fez nas suas últimas produções e que poderia soar nostálgico se não fossem tão recentes.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

"O SOL NASCE EM MOONRISE KINGDOM"...

★★★★★★★★
Título: Moonrise Kingdom
Ano: 2012
Gênero: Comédia, Romance, Drama
Classificação: 12 anos
Direção: Wes Anderson
Elenco: Jared Gilman, Kara Hayward, Bruce Willis, Edward Norton, Bill Murray, Frances McDormand, Tilda Swinton, Bob Balaban
País: Estados Unidos
Duração: 94 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um casal de adolescentes apaixonados fogem da pequena cidade de New Penzance para refazer o mesmo caminho de migração de colheita de uma antiga tribo, colocando a pequena população da cidade em polvorosa, ao mesmo tempo que se transforma em um grande acontecimento em um lugar onde nada interessante acontece.

O QUE TENHO A DIZER...
O filme é dirigido e produzido por Wes Anderson, e o roteiro original é escrito por ele em parceria com Roman Coppola, filho de Francis Ford Coppola, com quem ele já havia trabalhado anteriormente em Viagem A Darjeeling (The Darjeeling Limited, 2007).

Juntamente com Os Excêntricos Tenembauns (The Royal Tenenbaums, 2001), é o filme mais lucrativo e de sucesso nos cinemas de Wes Anderson. Custou US$15 milhões e arrecadou mundialmente mais de US$65 milhões. O que é um fato bastante estranho para um diretor de 44 anos e com sete longas metragens no currículo, incluindo a elogiada animação O Fantástico Senhor Raposo (The Fantastic Mr. Fox, 2009), que foi praticamente ignorada pelo público naquele ano e pelo Oscar, perdendo a estatueta pelo bom, mas não melhor, Up - Altas Aventuras (Up, 2009).

Ele também é conhecido por suas parcerias, como a com o ator Owen Wilson, que já atuou e também colaborou com o roteiro de vários outros títulos, incluindo o próprio Tenembauns, com o qual concorreram ao Oscar de Melhor Roteiro Original em 2002, perdendo para o filme de Robert Altman, Assassinato em Gosford Park (Gosford Park, 2001). Ou também a parceria com os atores Bill Murray e Angelica Houston. É um diretor muito bem quisto no meio, sendo por vezes comparado a diretores, seja pelo visual ou pela condução das histórias, como Tim Burton, Michel Gondry, Spike Jonze, Tarsem Singh e até mesmo os irmãos Cohen.

Moonrise tem uma história um pouco diferente de seus filmes anteriores, já que é uma dramédia romantica que trata do amor entre dois jovens que estão entrando na adolescência e são apaixonados um pelo outro por conta de suas particularidades e excentricidades em comum, além da constante curiosidade por coisas que ninguém tem interesse e a vontade de explorarem juntos um mundo fora do que existe na pequena cidade onde moram. E assim eles fogem com o intuito de refazer um caminho que era realizado por uma tribo antiga durante o período de colheita. O desaparecimento dos dois coloca a cidade de pernas para o ar, e ao mesmo tempo se transforma em um inusitado acontecimento que também se transformará em um grande espetáculo por conta de uma forte tempestade que se aproxima da ilha onde vivem.


Anderson é conhecido por suas cenas visualmente interessantes e pela coerência de uma estranha mistura cenográfica que foge do perfeccionismo, colocando seus personagens em situações estranhas e cômicas numa alienação do comportamento convencional. Ele faz isso para intensificar o incomum e trazer do idílico para a realidade (e vice-versa) de que o imperfeito faz parte daquilo que é mostrado e também do nosso próprio cotidiano. E esse filme é novamente o diretor brincando com o diferente e o esquisito. Há sempre elementos nas cenas que se destacam e que quebram a perfeição e homogeneidade, como uma marca, ou um defeito, que simboliza essa metáfora de que o diferente não deve partir dos olhos de quem vê, mas de que está lá o tempo todo e é comum.


Assim como todos seus filmes anteriores, tudo se passa em um mundo fantástico onde há sempre uma contradição não apenas nos cenários, mas também nos personagens. Aqui os personagens infantojuvenis agem como uma metáfora do comportamento adulto, mas por um ponto de vista ingênuo do amor, do medo e do companheirismo. Ao mesmo tempo vemos adultos que já perderam a ingenuidade agindo como crianças por pura ignorância. Também temos personagens de bela aparência com comportamentos transviados e personagens com aparências estranhas tendo atitudes comuns. É como colocar o menino com o tapa-olho no meio dos desmais escoteiros em seus perfeitos uniformes; ou em um outro momento, em que os personagens principais vão para um lugar isolado para conversar e de repente um menino começa a pular em uma cama elástica; ou a estranha casa na árvore; ou a relação romântica, porém crua e nada melosa dos personagens. É a forma de Anderson quebrar com os padrões, e ao mesmo tempo fazer o espectador ser obrigado a mudar o foco de atenção sem se dispersar, apenas para prestar atenção nos detalhes. É exatamente o que o personagem principal faz quando começa a explicar todos os instrumentos utilizados em uma música orquestrada. Ou seja, expandir a visão limitada para que ela dê atenção ao belo que é pouco visto, e o belo não significa ser perfeito.


O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original, mas novamente não será o favorito, assim como é mais um filme do diretor esquecido em outras categorias. Talvez seja seu melhor filme até o momento por ser a junção de todas as excelentes qualidades que ele colecionou e fez disso um estilo único ao longo da carreira. Também há uma certa e interessante semelhança entre a relação construída dos personagens com os da comédia romântica O Lado Bom Da Vida (Silver Linings Playbook, 2012). Nem por todas suas grandes qualidades é um filme que se abstém de defeitos, mas não são defeitos técnicos, muito menos da direção perfeccionista e de um roteiro sem tropeços ou buracos, mas defeitos nossos por não estarmos acostumados a assistir filmes como esse.

CONCLUSÃO...
É uma história de amor inconvencional, em um filme inconvencional, de um diretor inconvencional, para um público que esteja aberto ao inconvencional.

sábado, 19 de janeiro de 2013

SPIELBERG SEM MUITOS EXAGEROS...

★★★★★★★★★☆
Título: Lincoln
Ano: 2012
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Daniel Day-Lewis, Sally Field, Tommy Lee Jones, David Strathairn, Joseph Gordon-Lewitt, Lee Pace
País: Estados Unidos
Duração: 150 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Os fatos históricos durante os dois últimos meses da vida de Abraham Lincoln e as dificuldades do presidente norte-americano em por fim à Guerra Civil e a votação favorável da 13ª Emenda Constitucional, que aboliria a escravatura no país.

O QUE TENHO A DIZER...
Lincoln nada mais é do que mais um filme que vira e mexe Spielberg realiza para alimentar seu patriotismo republicano e igualitário, cuja moral não é diferente de nenhum de seus filmes anteriores do gênero. Sua história com esse filme já dura 12 anos, desde quando ele se interessou em comprar os direitos do livro Teams Of Revival: The Political Genious Of Abraham Lincoln, de Doris Goodwin, antes mesmo dela começar a escrevê-lo.

Os direitos foram adquiridos em 2001, e logo em seguida o roteiro foi desenvolvido. Em 2005 Liam Neeson já havia assinado contrato para fazer o papel do presidente, mas vários problemas adiavam a produção do filme como a constante insatisfação do diretor com o roteiro e a preocupação da Paramount de que o filme pudesse ser similar ao fracasso Amistad (1997), também de Spielberg. Isso acabou forçando o ator a abandonar o projeto em 2010, afirmando que acreditava estar muito velho para o papel, embora boatos digam que o abandono do ator foi por causa da morte de sua mulher. Com um novo roteirista e Daniel Day-Lewis escalado para substituir Neeson, as filmagens finalmente começaram em 2010.
Ao contrário de seus filmes anteriores sobre guerra ou as discussões políticas que as envolvem, este filme pouco mostra sobre o conflito armado durante a famosa Guerra Civil Americana no século XIX, ou Guerra da Secessão, que durou quatro anos e teve quase 1 milhão de mortos. O roteirista Tony Kushner, com quem Spielberg já havia trabalhado em Munique (Munich, 2005), manteve o foco apenas nos dois últimos meses de mandato do presidente, detalhando os conflitos políticos e de interesses gerados para a votação da 13ª Emenda Constitucional Americana, que poria fim à escravidão e a qualquer condição de servidão involuntária.

Abraham Lincoln é pouco conhecido por aqui, mas nos Estados Unidos é um dos presidentes mais influentes (se não for o mais) na história e na cultura patriotista do país por ser considerado o presidente mais humano que a nação já teve. O filme também pouco aborda sobre sua vida, sua origem sulista e pobre, seu autodidatismo, seu casamento com Mary Todd, ou os dramas sofridos por ele e sua fiel companheira após o casamento. Na verdade há poucas pinceladas sobre isso ao citarem a morte prematura do segundo filho e algumas menções bem discretas sobre a neurose de sua esposa que sofria de enxaqueca crônica e de outras doenças, e por isso era popularmente considerada maluca.

O roteiro se mantém fixo na proposta de mostrar as dificuldades, os trâmites, os jogos de poder e até mesmo a corrupção por trás da emenda constitucional que deu liberdade e finalmente considerou todos os americanos como cidadãos, independente de sua cor ou raça. Também coloca em pauta a questão sobre até que ponto o líder de uma nação deve agir para o bem comum. Isso se dá por conta de algumas atitudes inconstitucionais e corruptas que Lincoln se sentiu obrigado a fazer para instaurar a paz e ao mesmo tempo promulgar a abolição, ao invés de favorecer os brancos e a elite social, como é de praxe.

É um filme bastante lento, que caminha contando os passos da vitória de Lincoln com sua 13ª Emenda até seu assassinato, que novamente é mostrado de maneira muito discreta, apenas para dar gancho a um final com um discurso inspirado do presidente e ainda apropriado para os dias de hoje. Por conta disso possui uma narrativa muito chata e cansativa e até mesmo confusa nas suas mais de duas horas de duração, principalmente para aqueles que desconhecem o sistema político americano daquela época. Mesmo assim é um importante material sobre um capítulo histórico que influenciou diversas nações, inclusive na abolição da escravatura no Brasil.

Tecnicamente é o melhor filme do diretor, que finalmente alcançou a "tal" perfeição técnica que ele vem buscando há anos. Seu estilo está lá o tempo todo, mas finalmente ele não peca nos excessos como costumeiro nas suas produções anteriores. Ele tenta se manter o mais discreto possível num estilo de filmagem mais clássico e coerente com a época do filme, onde a câmera estática e as angulações atuam apenas como um observador, deixando de lado o abuso do uso de trilhos, grua ou câmera suspensa e aquela terrível mania de focalizar os atores durante frases de efeito, como ele incansavelmente costuma fazer para causar impressões grandiosas ou intensificar a participação do espectador. Essa mudança é notável principalmente no início do filme, única parte em que ele mostra o conflito direto entre soldados e civis de maneira bastante brutal e realista, mas sem soar moderno e documentado como ele fez, por exemplo, nos 15 minutos iniciais de O Resgate do Soldado Ryan  (Saving Private Ryan, 1998).

A trilha sonora de John Williams (colaborador de longa data do diretor) também sofreu uma mudança significativa não apenas por também estar mais discreta, como também por aparecer apenas em momentos muito específicos e que são, por excelência, os poucos momentos que Spielberg faz questão de não abrir mão da cafonice costumeira de pesar no sentimentalismo e na impressão, marcas registradas do seu estilo, como na cena da votação da 13ª Emenda, em que o Juíz também resolve dar o seu voto em uma situação que ele afirma "não ser incomum, mas ser histórica", um dos raros momento de Spielberg sendo o Spielberg de sempre.

O diretor faz tudo bem dosado com o único propósito: valorizar o grande material que ele tinha em mãos, principalmente do talento ímpar de seu elenco. As atuações são surpreendentes. Daniel Day-Lewis está irreconhecível em uma maquiagem discreta e que chega bem próximo àquilo que Lincoln deveria ser, numa atuação segura, confortável e absolutamente convincente de um personagem histórico que era mais que um político, mas um grande pensador e contador de histórias, o nível de perfeição e domínio tal qual o de Meryl Streep em A Dama de Ferro (The Iron Lady, 2011). Diz a história que Lincoln era um homem muito alto e de presença, e Spielberg sempre se utiliza de truques de câmera e tablados para reproduzir isso de maneira até exagerada, errando na dose algumas vezes e soando forçado, mas que não tiram o brilho e a grandiosidade natural de Day-Lewis.

Sally Field, como Mary Todd, tem uma participação bastante coadjuvante e até pequena, o que é uma pena, pois sua presença é sempre marcante, sendo um dos seus áureos momentos na cena em que ela faz um discurso pra lá de irônico a Thaddeus Stevens, personagem de Tommy Lee Jones. Spielberg a princípio não queria escalá-la para o papel, por considerá-la muito velha (ela é dez anos mais velha que Day-Lewis e vinte anos mais velha que Mary Todd na época em que é retratada), mas ela estava tão determinada que implorou uma chance ao diretor de realizar um teste de cena junto com ator com a finalidade de convencer Spielberg de que ela podia interpretar o papel apesar da grande diferença de idade. O ator foi tão solícito que saiu da Irlanda (onde mora) para os Estados Unidos simplesmente para o teste, e Sally Field o agradeceu publicamente diversas vezes por essa atitude bastante considerável, nobre até.

O filme conseguiu 12 indicações ao Oscar, incluindo melhor filme, diretor, ator, ator coadjuvante, atriz coadjuvante e roteiro adaptado, além das demais categorias técnicas como figurino, produção de arte e fotografia, que usa e abusa da caracterização do ator tal qual a história pinta. Mas as demais premiações dessa temporada não tem demonstrado favoritismo ao filme, com excessão de Day-Lewis, que merecidamente deve ser agraciado com uma terceira estatueta numa carreira bem traçada de filmes e personagens memoráveis (se igualando, até mesmo, a Meryl Streep).

CONCLUSÃO...
É um filme desenvolvimento lento, que foge bastante de tudo aquilo que Spielberg já realizou até hoje, e ao mesmo tempo é o filme mais bem dirigido e comedido, sem muitos dos exageros cometidos nos seus filmes anteriores. Alguns momentos cafonas e bem característicos do diretor ainda estão lá, mas não ofuscam o grande material e o grande elenco dessa produção.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

SEXO ENTRE AMIGOS NUNCA FOI TÃO REPRODUTIVO...

★★★★★★★★★☆
Título: Gayby
Ano: 2012
Gênero: Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Jonathan Lisecki
Elenco: Jenn Harris, Matthew Wilkas
País: Estados Unidos
Duração: 90 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma mulher hetero e seu melhor amigo gay resolvem ter um filho, porém ela quer que o filho seja feito à moda antiga, num filme onde o sexo entre amigos nunca foi tão reprodutivo.

O QUE TENHO A DIZER...
Gayby é escrito, dirigido e também atuado por Jonathan Lisecki (ele faz o melhor amigo do protagonista). É seu primeiro longa metragem, mas sua relação com o filme é antiga.

Tudo começou quando sua melhor amiga de infância quis ter um filho com ele (ele é gay na vida real e casado com o crítico de música Alex Ross). O resultado disso foi que ela resolveu ter o filho com outra pessoa, enquanto ele resolveu utilizar essa bagagem para, depois de alguns anos de testes em busca dos atores para o papel, conheceu Jenn Harris e Mathew Wilkas, amigos na vida real, e então produziu um curta metragem de mesmo nome contando essa história de maneira cômica. O curta teve um sucesso inesperado, sendo exibido em mais de 100 lugares entre amostras culturais e cinemas de circuito independente.

Já com experiência no teatro independente, ele não tinha a pretensão de transformar o curta em um longa, mas sempre soube que havia mais na história para ser contada, e em 2011 resolveu trabalhar no roteiro, inspirando-se nas comédias dos anos 30/40 e na sua própria vida, e então logo em seguida as filmagens começaram, mantendo a mesma dupla de atores.

Em 2012, antes mesmo de seu lançamento no famoso festival South by Southwest (SXSW) em 2012, o filme começou a ter um boca a boca interessante, se tornando um dos mais comentados e vistos no festival, além de muito bem aceito pela crítica e público, o que foi uma grande alavanca promocional para a pequena produção. Por conta disso, merecidamente, o filme já se tornou um cult inesperado na comunidade GLS, fóruns e sites de compartilhamento de vídeos, já que é um filme de baixíssimo orçamento, mas que foi feito com bom gosto e vontade de dar certo.


Jenn (Jenn Harris) e Matt (Matthew Wilkas) são amigos de longa data, ela é professora de Yoga e heterossexual, e ele, gay, trabalha em uma loja de revistas e histórias em quadrinhos, além de ser desenhista nas horas vagas. Jenn começa a sentir a necessidade de ser mãe, e propõe a Matt que façam um filho juntos, mas nada de inseminação artificial ou usando seringas de "rechear peru", como eles mesmos dizem. Ela quer que o filho seja feito à moda antiga. Matt aceita toda a situação tranquilamente, mas as constantes tentativas se tornam desgastantes e ao mesmo tempo passa a interferir na vida particular um do outro.


O título se refere aos casais gays que resolvem ter um filho, e ao invés de ser chamado de "baby", é chamado de "gayby", sendo esta a inspiração e o nome do personagem em quadrinhos que Matt cria.

A história pode não ser original, pois já vimos isso antes em algum lugar, mas o grande atrativo do filme são os diálogos rápidos e inteligentes de todos os personagens, dos principais aos que aparecem apenas para fazer uma pontinha. As situações são naturalmente cômicas, como a cena antes da primeira tentativa de Jenn e Matt, que poderia facilmente cair no ridículo e cliché, mas ambos desenvolvem uma situção tão naturalmente desconcertada que ela deixa de ser constrangedora para se tornar delicada e hilária, ou quando eles desistem das constantes tentativas ao cairem na real de que a situação desnecessária é ridícula para ambos, e só eles que ainda não tinham percebido isso.

Apesar de aparentar um filme para a televisão por conta das limitações e da qualidade de imagem e som bastante inferiores, os personagens nunca se diminuem ou se idiotizam para forçar situações engraçadas como é de praxe em produções do gênero, sendo este o grande tom de bom gosto e refinamento do roteiro e que elevam a qualidade da produção como um todo, em um tempo de comédia certeiro.

É um filme tipicamente temático, que novamente usa e abusa dos difrentes estereótipos para reforçar a imagem e idéia de que os gays são legais, inteligentes e culturalmente bem estabelecidos, e é por isso que todo mundo os adoram. Mas ao mesmo tempo equilibra esse exagero ao colocar os personagens em atitudes e decisões que fogem um pouco do óbvio, como o personagem principal ser um nerd romântico que trabalha numa loja de revistas ao invés de ser um maquiador ou cabeleireiro, ou Jenn ser uma mulher independente que apenas quer ter um filho ao invés de ter um amor platônico pelo amigo gay, e ambos terem uma vida normal de trabalho e desilusões comuns do cotidiano. Também tem muitas referências que o público hetero poderá não entender ou relevar sem algum amigo gay traduzir, pois não faz parte da sua cultura, mas isso não os impede da oportunidade de apreciar as inúmeras outras qualidades e a linguagem universal ainda sim mantida.

Os atores são desconhecidos e com poucos trabalhos no currículo, mas com certeza grandes revelações, principalmente Jenn Harris, que oferece uma caricatura bem incomum, além da química entre ambos ser bastante sólida e realista graças a amizade real entre eles, tanto que o filme começa com exibição de fotos que, segundo o diretor, são autênticas e retirada dos álbuns no facebook dos próprios atores. Uma comédia inusitada sobre amizade, sexo, solidão e sobre a família que escolhemos ter.

CONCLUSÃO...
Sem dúvida é um daqueles filmes pequenos e independentes, mas relevantes, que não tem pretenções ou intuitos de bater de frente com produções maiores, uma das grandes surpresas de 2012, feito para um público que desesperadamente necessita de diferenciais no gênero e que Jonathan Lisecki consegue oferecer de uma forma autêntica mesmo quando utilizando as caricaturas e estereótipos mencionados.

PARA CADA FRASCO DE REMÉDIO HÁ UMA TAMPA...

★★★★★★★★
Título: O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook)
Ano: 2012
Gênero: Drama, Romance, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: David O. Russel
Elenco: Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert De Niro, Jacki Weaver, Julia Stiles
País: Estados Unidos
Duração: 122 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um homem que sofre de bipolaridade acaba de sair de uma clínica psicoterápica depois de 8 meses em reclusão judicial. Ele acredita estar apto para se reintegrar à sociedade e provar à sua ex-mulher de que eles ainda podem retomar o casamento de onde parou. Mas ele conhece uma jovem depressiva que passa a mostrar as coisas sobre outros pontos de vista e por um lado bom da vida que ele não imaginava existir.

O QUE TENHO A DIZER...
Filme dirigido e escrito por David O. Russel, o mesmo de Três Reis (Three Kings, 1999), A Vida É Uma Comédia (I Hurt Huckabees, 2004) e O Vencedor (The Fighter, 2010). É uma adaptação do livro homônimo de Matthew Quick. Além disso, também é o segundo filme produzido pelo ator Bradley Cooper, que mais uma vez acerta a mão nessa comédia romântica inusitada tanto quanto ele acertou com o thriller Sem Limites (Limitless, 2011).

Raramente somos agraciados com um diferencial em um gênero tão batido. A história começa com a saída do personagem Pat Soletano (Bradley Cooper) de uma clínica psicoterápica após 8 meses de tratamento por conta de um repente violento que ele teve após encontrar sua mulher com o amante, tudo levado por conta da condição bipolar que ele até então desconhecia. Ele acredita estar reabilitado e pronto tanto para a reintegração social quanto para perdoar sua mulher e retomar o casamento, caso não houvesse uma restrição judicial que o impeça de se aproximar dela por menos de 150m. É quando ele conhece Tiffany (Jennifer Lawrence), uma garota que ficou viúva há pouco tempo e que sofre de depressão crônica. Ela é a única que pode se aproximar da ex-mulher de Pat, e ele se aproxima de Tiffany com o interesse de fazê-la entregar uma carta, porém a jovem só aceitará fazer este favor se ele também retornar alguns favores em troca, já que ela está apaixonada por ele e, de uma forma manipuladora, vai tentar conquistá-lo durante o processo.

Então conheçam Pat Soletano e Tiffany, dois personagens que não tem absolutamente nada em comum além de sofrerem de disturbios psiquiátricos. Um tem repentes violentos e de raiva, enquanto a outra tem repentes de tristeza, angústia e incompreensão. Juntos eles poderiam formar o casal que menos daria certo, mas são exatamente seus problemas e dificuldades que os aproximam, criando uma linguagem entre eles que funciona.

É um filme que mistura diversos gêneros e consegue até fazer algumas referências bem interessantes às comédias românticas antigas. Tem sido bastante elogiado e com razão, pois realmente consegue dar um certo ar de novidade e até ser genuído em determinados momentos. O filme começa como um drama, lembrando um pouco O Casamento de Rachel (Rachel Getting Married, 2008) por conta da situação perturbada do personagem e do clima de dúvida de um passado que desconhecemos, bem como o uso constante da câmera na mão na tentativa de aumentar a sensação de proximidade e intimidade entre o espectador e o filme. Vagarosamente ele se apresentar mais leve e sutilmente engraçado, construindo um tom de comédia em cima das situações constrangedoras que os personagens se colocam e nos absurdos que desarrolam naturalmente. O ato final do filme é a comédia romântica propriamente dita, com direito a todos os clichés que foram evitados durante mais de uma hora.

Mas nada disso se destoa ou incomoda, pelo contrário, o roteiro não deixa o filme cair em deslizes ou degraus muito altos entre um estilo e outro, e tudo funciona como se deve. Até mesmo a câmera suspensa manualmente também não chega a ser inconveniente, pois o diretor parece ter tomado cuidado nos exageros comuns de diretores que optam por esse estilo de filmagem que já se tornou antiquado nos últimos anos pelo excesso de produções que utilizaram esta técnica.

O filme foi indicado a 8 Oscars: Direção, Filme, Ator, Atriz, Ator Coadjuvante, Atriz Coadjuvante, Roteiro Adaptado e Edição (eu tenho lá minhas dúvidas sobre o valor dessa categoria no filme). As sete primeiras categorias são as principais e raramente um filme consegue esse feito, embora seja difícil que ele vença em um ano bem concorrido. As atuações também são os grandes pontos positivos de todo o elenco. Todos tem seu momento de importância e sempre são muito bem colocados em cena e nas situações, dando oportunidade a todos sem ninguém ofuscar o outro com o brilho. Bradley Cooper não apenas tem desmonstrado seus talentos como empreendedor (ele tem recebido dezenas de propostas e sabido escolher a dedo seus filmes) como também um ator versátil que sabe se adequar em filmes menores e mais complexos e também enfatizar sua panca de galã em filmes maiores e mais populares. Jennifer Lawrence brilha e rouba a maioria das cenas em uma personagem também psicologicamente difícil, mantendo um platô entre não aparentar ser depressiva demais e transformar o filme em um drama, e não ridicularizar demais para não forçar situações engraçadas que facilmente cairiam no ridículo. Robert De Niro obviamente está em uma performance que há tempos não se via, com direito até a lágrimas sinceras de um lado dramático que raramente se viu nos papéis do ator. Jacki Weaver, no papel da mãe que está a todo o tempo segurando as pontas por todos os lados, sempre com o semblante carregado de que a qualquer momento qualquer deslize pode por tudo água a baixo, está fenomenal.

Para o filme, cada frasco de remédio tem sua tampa, já que é uma história que a todo momento faz alusão ao ditado de que para todo caldeirão há uma tampa. É o ser humano precisando de pouco, tanto para se desmanchar em pedaços que se perdem e deixam buracos, quanto para se restabelecer substituindo as peças perdidas por outras que, podem não combinar, mas se encaixam.
Mas no meio de tantas qualidades é uma pena que o continuísta desse longa seja tão ruim, tanto que cada vez que Jennifer Lawrence é focalizada numa mesma sequência, ela está com o cabelo diferente, talvez os momentos de maior piada de todo filme.

CONCLUSÃO...
Faz jus a todos os comentários positivos que vem recebendo e definitivamente é um diferencial no gênero nos últimos anos. Não é uma comédia romântica na sua excelência, mas consegue se fazer genuíno na dramédia romântica construída, já que o filme também possui pitadas dramáticas bem grandes. Para aqueles que esperam algo mais engraçado em um estilo Judd Apatow de se fazer comédia, estará redondamente enganado, mas com certeza, depois de um certo tempo, se deixará levar por um dos casais mais estranhos que o cinema não apenas conseguiu juntar, mas também colocar nos eixos.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

OS PREMIADOS DO GLOBO DE OURO 2013

O Globo de Ouro neste domingo foi uma decepção, favorecendo filmes e atores que, dentre os concorrentes, eram os mais fracos, numa apelação para elevar e manter a popularidade de jovens estrelas para a nova geração de Hollywood, uma grande bobagem que poderíamos ter sido poupados. Para ver a lista completa, CLIQUE AQUI:

MELHOR FILME
-Drama: Argo
-Musical/Comédia: Os Miseráveis

Nota: Na categoria drama Argo já era um favorito, mas está longe de ser o melhor. Django Livre, de Tarantino e, principalmente Lincoln, de Spielberg, são de longe os melhores. Mas agora há essa necessidade de engrandecer Ben Affleck, talvez como uma forma de se desculparem por anos de críticas negativas e perseguição sofrida pela mídia. Mesmo assim, uma grande tolice.

MELHOR ATOR

-Drama: Daniel Day-Lewis
-Comédia/Musical: Hugh Jackman

Nota: A performance de Day-Lewis em Lincoln tem sido, de longe, considerada sublime, tal qual Meryl Streep no ano passado por A Dama de Ferro. Uma das poucas categorias que souberam valorizar um trabalho genuinamente bom. Hugh Jackman, na categoria musical/comédia, era um forte concorrente juntamente com John Hawkes por As Sessões, mas a popularidade de Os Miseráveis tem sido alta, enquanto As Sessões é um filme pequeno que chamou atenção apenas de poucos críticos e acabou entrando nas listas de premiações para completar buracos. Uma pena.

MELHOR ATRIZ
-Drama: Jessica Chastain
-Musical/Comédia: Jennifer Lawrence

Nota: São as duas favoritas do ano e que disputarão a tapas o Oscar na categoria, tiveram a sorte de estarem em filmes de gêneros distintos, o que deu a oportunidade de ambas receberem o prêmio, como se fosse um empate. De fato, não são as melhores atuações do ano, além do fato do Globo de Ouro ter ignorado completamente Emmanuelle Riva por Amor. Foi outra categoria bastante previsível.

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Christoph Waltz

Nota: E mais uma vez a parceria Christoph/Tarantino deu certo. Em 2010 ele já havia vencido a mesma categoria tanto no Globo de Ouro quanto no Oscar por sua performance em Bastardos Inglórios. Prêmio merecido mais uma vez, o ator autríaco de 56 anos era o mais forte candidato, e seus trabalhos são sempre excelentes.

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Anne Hathaway

Nota: Outra grande decepção. Premiada pela popularidade, pela simpatia e por um talento que existe, mas ainda não muito bem explorado. Sally Field e Helen Hunt são de longe as melhores performances do ano, mas é Hollywood mantendo a tradição de dar valor aos jovens talentos e esquecer os velhos e melhores.

MELHOR DIRETOR
Ben Affleck

Nota: Pra mim essa é a grande piada da premiação, tal qual foi o Critics Choice. O talento existe, mas de nenhuma forma consegue ser maior do que de Ang Lee, Spielberg ou Tarantino, mas nem em uma situação isolada como a de Argo. Lincoln é a melhor direção de Spielberg e do ano. Lamentável mais uma vez.

MELHOR ROTEIRO
Quentin Tarantino

Nota: Se alguma justiça pode ser feita, esta é uma delas. Django Livre pode não ser o melhor do diretor, pode ter sido ignorado nas outras categorias, mas que Tarantino é um roteirista/escritor grandioso, isso não há dúvida. Volto a dizer que ele é uma metralhadora quando se trata de roteiros, pois conhece exatamente todos os passos e técnicas, além de ser um autor, não apenas roteirista.

domingo, 13 de janeiro de 2013

A ENTIDADE É UM ARTISTA...

★★
Título: A Entidade (Sinister)
Ano: 2012
Gênero: Terror
Classificação: 14 anos
Direção: Scott Derrickson
Elenco: Ethan Hawke, Juliet Rylance
País: Estados Unidos
Duração: 110 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um escritor muda-se para uma casa onde uma família foi assassinada para pesquisar os acontecimentos para seu novo livro, porém uma sequencia de situações sinistras começam a acontecer quanto mais próximo ele chega da verdadeira história.

O QUE TENHO A DIZER...
Escrito e dirigido por Scott Derrickson, que tem no seu currículo apenas O Exorcismo de Emily Rose (The Exorcism Of Emily Rose, 2005) como trabalho relevante, depois dele veio o terrível, esquecível, desnecessário e fracassado remake de O Dia Em Que A Terra Parou (The Day The Earth Stood Still, 2008). A Entidade fez até um sucesso mediano de público, mas foi extremamente lucrativo custando aproximadamente US$3 milhões e arrecadando mais de US$60 milhões no mundo todo, ou seja, 20x mais do que custou.

O filme tem a legenda informando que foi produzido pelo mesmo cidadão de Atividade Paranormal (Paranormal Activity, 2007/2010/2011/2012) e de outro sucesso, o chatíssimo e mal feito Sobrenatural (Insidious, 2010), e nem vou me dar ao trabalho de citar seu nome porque eu não vejo mérito algum em ter no currículo esses filmes.

A história é a mesma mesmice de sempre. Um escritor muda-se por uma casa onde uma família inteira foi assassinada. Ele quis fazer isso pra poder ter aquele repente criativo de "mergulhar dentro dos fatos". É quando ele descobre uma caixa contendo um projetor e rolos de filme Super 8 (nada mais cliché) contendo filmagens de assassinatos bizarros cometido por um sujeito oculto e filmado por alguém mais oculto ainda. Como em todo filme do gênero, conforme ele se aprofunda mais na pesquisa, mais ele descobre, despertando a ira de uma entidade sobrenatural que começa a assombrá-lo fazendo barulho pela casa, ligando e desligando coisas, aparecendo e desaparecendo de repente, batendo portas e andando pelo sótão. Aquilo tudo que quem já está cansado de ver esses filmes não vai se sentir nenhum pouco surpreso.

É um dos piores filmes deste gênero que segue a onda da maldição em cadeia inauguradas por filmes como O Chamado (The Ring, 2002), O Grito (The Grudge, 2005) e demais genéricos importados do Japão. É um estilo que já está cansado, batido e precisa de umas boas férias tal qual teve na década de 90, quando as produções de horror pararam porque as idéias já estavam repetitivas e não surpreendiam mais ninguém, tal qual como agora. O diretor e roteirista tenta manter um clima sombrio e tenso o tempo inteiro com truques de câmera (câmera na mão, planos fechados e angulados, edição falha,), de imagem (imagem granulada e cores opacas), além de  exagerar em um som de fundo caótico, descontinuado e de trás pra frente para perturbar o espectador e fazê-lo acreditar que a situação é assustadora, enquanto a verdade é que inconscientemente ele está apenas desconfortável e ansioso em resposta do seu cérebro que não consegue processar essa bagunça sonora. Isso não é absurdo, isso é a técnica sinestésica mais batida que existe para forçar uma sensação que a pessoa não teria normalmente, tal qual encher uma cena dramática com o som choroso do violino. Ou seja, isso justifica a fraqueza do filme, que se não fosse por truques como esse não causaria a mínima impressão.

Além dos assassinatos mirabolantes de deixar Jigsaw orgulhoso, tem o fato da "tal" entidade se manifestar no plano real tal qual acontecia em Sobrenatural, mas a novidade é que agora esse monstrinho danado gosta de brincar com equipamentos eletrônicos como computador, filmadoras digitais, sabe desenhar, escrever e, nos momentos mais retrôs, gosta de brincar com a velha filmadora Super 8. Se um dia perder o emprego ele facilmente consegue trabalhar em um atelier.

Ethan Hawke, ator conhecido por sua seriedade e por saber escolher filmes certos, sejam eles art house ou mais comerciais, acabou escolhendo este talvez porque queria trocar o carro, fazer uma viagem internacional ou engordar o fundo de segurança dos filhos. Vai saber, não é?!

CONCLUSÃO...
Mais um filme pra assustar só adolescente que não está acostumado com o gênero ou aqueles que raramente assistem filmes até mesmo na televisão. O mais triste de tudo é que nem pra rir o filme serve.

A ADOLESCÊNCIA SÉRIA E ADULTA...

★★★★★★★★
Título: As Vantagens de Ser Invisível (The Perks Of Being A Wallflower)
Ano: 2012
Gênero: Drama, Romance
Classificação: 14 anos
Direção: Stephen Chbosky
Elenco: Logan Lerman, Emma Watson, Ezra Miller, Dylan McDermott, Kate Walsh, Paul Rudd
País: Estados Unidos
Duração: 102 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um garoto introspectivo sofre com o primeiro ano do ensino médio e a falta de amigos até conhecer um grupo tão incomum quanto ele que serão responsáveis por grandes experiências que ele não imaginava conhecer tão cedo.

O QUE TENHO A DIZER...
Este filme foi escrito e dirigido por Stephen Chbosky, também autor do livro homônimo do qual o filme foi adaptado. Raramente assistimos um filme sobre adolescentes bom e que não trate tudo como uma comédia ou em teores irônicos. Esse mistura drama e romance em um período de transição para a fase adulta muito confuso na vida a qualquer pessoa.

A história é sobre Charlie (Logan Lerman), um garoto inteligente e introspectivo que, por ser assim, passa a sofrer com o assédio de alunos veteranos ao engressar no primeiro ano do ensino médio. Além disso, ele também não tem amigos, encontrando dificuldade para fazê-los, já que não consegue se encaixar em nenhum grupo. Isso muda quando ele conhece Patrick (Ezra Miller) um gay do último ano que assiste aulas na mesma turma que Charlie, pois sempre é reprovado nesta matéria. Patrick, por sua vez, apresenta Sam (Emma Watson), e os três começam a desenvolver uma relação intensa de amizade, companheirismo, troca de idéias, conhecimentos e experiências, o que acaba sendo um grande acréscimo na vida de cada um. Mas o grande problema surge quando o fim do ano está chegando e Sam e Patrick estão prontos para entrar na Universidade, enquanto Charlie ainda tem mais dois anos pela frente.

Há a abordagem de vários temas, como o assédio moral, abusos, a adolescência, a descoberta sexual, o uso de drogas e sexualidade, mas tudo no filme é tratado de maneira séria e que evita os clichés. Chega a ter uma linguagem madura demais para a maioria dos jovens dessa idade, mas tudo soa tão natural que acaba sendo motivador e de um grande incentivo para os que assistirem. Stephen Chbosky foge do pensamento comum ao mostrar um grupo de jovens intelectuais preocupados com boa música, bons livros, saraus e a liberdade de experimentarem o que é novo sem serem inconsequentes, permitindo a todos curtirem essa fase da maneira mais intensa possível sem partir para o senso comum e ignorante da maioria dos demais da mesma idade que se preocupam com a futilidade e em consumir o descartável.

Fiquei apaixonado pela mágica fantástica contida dentro deste filme de que a grandiosidade presente nos seres humanos deve ser cultivada e que nunca há excessos para isso. Logo no começo do filme Patrick oferece um brinde, parabenizando Charlie por sua capacidade de ver e compreender. O que o personagem afirma ao dizer isso, e o que também acaba sendo o grande sentido do filme, é na dificuldade que as pessoas tem de ver, observar e compreender sem julgamento ou pré-conceitos, transmitindo uma mensagem bastante bonita e extremamente positiva de que essa compreensão ultrapassa meras diferenças de sexo, classe social, idade e ideais, e que o compartilhamento de tudo isso apenas gera bons frutos quando existe a boa intenção. E de boas intenções este filme está cheio.

As Vantagens de Ser Invisível tem recebido críticas positivas e o público tem adorado, embora não tenha sido lançado em grande circuito. Tem um elenco jovem promissor e apenas Emma Watson (a eterna Hermione) como a mais famosa deles, mas nem por isso a melhor. Mesmo cortando o cabelo e realizando cenas mais ousadas e maduras, é difícil não enxergar seus esforços para se libertar dos vícios de interpretação herdados da personagem que lhe deu fama e na qual ficou presa por 8 anos. Há também um certo tom arrogante em sua persona, algo natural e bastante recorrente em jovens que ficaram famosos e ricos muito rapidamente em Hollywood, um tipo de "maldição" pela qual eles dificilmente conseguem escapar. Mas as interpretações tanto de Logan Lerman, quanto de Ezra Miller, além de serem naturais e convincentes, são emocionantes (isso também inclui Emma Watson em alguns momentos importantes). Todos os personagens são bem construídos, com as histórias de cada desenvolvidas e aprofundadas com clareza e em momentos corretos. Todas elas honestas o suficiente e sem exageros, as bagagem que cada um levará por toda a vida nos difíceis passos do amadurecimento, fardos passados que deixaram cicatrizes assim como em qualquer um de nós.

CONCLUSÃO...
Um belo filme sobre a adolescência, os conflitos, erros e acertos de uma complicada fase de transição da vida, feito numa linguagem moderna e madura que evita clichés e vai direto ao ponto sem demagogia ou melodrama. Dramático de forma natural, romântico de maneira ingênua, e emocionante para todos já que o tema é sobre a vida e a forma como a construímos e a fazemos ser relevante.
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