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segunda-feira, 28 de maio de 2018

QUANDO MUITA COISA FALTA...

★★★★★☆☆☆☆☆
Título: Geek
Ano: 2017
Gênero: Documentário, Jornalístico
Classificação: Livre
Direção: Carla Albuquerque
Elenco: Vários
País: Brasil
Duração: 22 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
O que é ser geek? É isso o que a série vai tentar esclarecer ao longo de oito temas que fazem parte deste universo que parece complexo, mas que todo mundo tem um pouco dentro de si.

O QUE TENHO A DIZER...

Geek é o termo atual que define todo aquele tipo de pessoa que se interessa e aprofunda seu conhecimento por coisas específicas, incomuns, complexas, peculiares, pouco difundidas ou até bastante conhecidas, mas compreendidas além do superficial. Seja amador ou entusiasta, embora não sejam assuntos ou comportamentos de massa, mas de nichos, grande parte envolve a cultura pop em geral e que acaba atingindo a massa de uma maneira ou de outra. Jogos de tabuleiro ou eletrônicos, cinema e TV, livros e histórias em quadrinhos, moda, música, culturas, coleções ou época específicas... Não existe limite para aquele que se considera tal.

A série, produzida pela brasileira Medialand, mostra um pouco dessa cultura, mas não consegue desmistificar alguns preconceitos sobre esse universo dominado por assuntos tão específicos que não somente inundam o imaginário de quem se alimenta dele, como também atuam como combustíveis criativos para quem vive dele.

Não significa necessariamente que a produção tinha esse objetivo, mas deveria, já que para se compreender um assunto devemos ser mergulhados em sua origem e concepção. Embora a produtora, encabeçada por Carla Albuquerque e Beto Ribeiro, tenha um vasto currículo de produções, muitas delas são de qualidade bastante duvidosa. É o que acontece com a recém aderida pelo Netflix, Velhas Amigas. Mesmo duas produções de teor completamente diferentes, onde uma é uma mistura debochada de drama e comédia da pior espécie e a outra uma série mais jornalística do que documental, os defeitos e problemas se mostram os mesmos: a falta de um roteiro consistente, de uma produção mais polida e caprichada. Detalhes que definitivamente tirariam essa sensação de produto amador ou improvisado, feito de última hora apenas para entregar algo encomendado e garantir os incentivos e fundos conquistados.

Aqui a coisa se torna até mais séria quando, na falta de um conteúdo mais consistente, a edição reutiliza imagens numa repetitividade que não aconteceria em um produto bem pensado e desenvolvido, como acontece numa frequência até irritante no último episódio, em que no meio de uma entrevista que nunca sai do mesmo lugar, e no meio de uma vasta coleção de action figures que deixaria qualquer geek enlouquecido, o que vemos é mais de 20 minutos de imagens que se repetem na mesma proporção que o entrevistado: um investigador e sua evidente obsessão militar.

Óbvio, não é o entrevistado o culpado, mas a produção que não tinha um briefing consistente para o episódio, um roteiro definido e, muito menos, uma edição efetiva o suficiente pra dar suculência no material e peneirar aquilo que o espectador não precisa saber.

A intenção de se aprofundar no universo Geek nunca se mostra tão consistente como, em partes, a série Brinquedos Que Marcaram Época, também no serviço de streaming, consegue. Uma produção norteamericana igualmente simples, que trata de um tema recorrente desse universo, mas com uma relevância documental muito mais segura e que deveria ter sido levada como referência.

Aqui tudo é tratado com muita superficialidade, baseado apenas em relatos que são interessantes, mas não é criada qualquer introdução ou contexto em volta. Há muita pouca pesquisa, menos ainda sobre a história que envolve o tema abordado em cada episódio, como a origem do assunto, o impacto dele localmente e no mundo, a maneira como a massa é influenciada por aquilo, ou como aquilo chega até a massa, etc.

Tudo começa com o primeiro episódio, em que dão destaque à história profissional de Ivan Reis, mas não mostram nada além do que está exposto ao seu redor. Ivan, que é um dos mais renomados e importantes desenhistas da DC Comics, não deveria ser o único a ser entrevistado, já que temos diversos outros brasileiros respeitadíssimos nessa indústria, como Joe Bennett ou Mike Deodato, só pra citar alguns. Não que apenas a historia de Ivan não seja interessante, mas se aprofundar mais no interesse de saber como o cenário brasileiro começou a fazer parte de um mercado internacional tão complexo e competitivo teria sido motivador e um grande diferencial.

Os demais episódios se perdem da mesma forma. Se esquecem do propósito esclarecedor pra se tornar uma matéria jornalística simplista e comum.

A produção não se atenta em nenhum momento em criar uma narrativa que aproxime o espectador do assunto, e que o faça compreender que além da excentricidade, existe uma grande importância sociocultural que envolve o comportamento. Seja na cultura gamer ou gráfica, cinematográfica ou literária, existe um grupismo ou uma individualidade saudável e produtiva. O que se assiste é algo que parece específico para quem já conhece o assunto, e não um conteúdo, de fato, informativo e agregador.

Não adianta querer se autodenominar uma série documental quando não é sequer esclarecido ao espectador o que seja, por exemplo, a Comic Con, como acontece no terceiro episódio. Ao invés disso, soltaram um personagem de uma das próprias produções B da Medialand para sair entrevistando pessoas aleatórias como uma esquete improvisada. Pode ser cômico, mas não tem coerência, além de zero consistência sobre um evento mundialmente conhecido e que foi se popularizar no país apenas nessa década. Um episódio que poderia ter, sim, tido seu lado cômico, mas uma narrativa documental nele teria sido essencial. Para piorar, o nome da feira sequer é citado no episódio, talvez porque sequer foram atrás de autorização para filmagem, pois é isso que faz parecer.

Essa atitude um tanto aleatória e alienada da série apenas reforça a imagem esquisita e desconexa da realidade que o tema aderiu com o tempo e que tanto se fortalece entre aqueles não familiarizados com ele, ao invés de mostrar que a feira, por exemplo, seja a consequência de indústrias da cultura e do entretenimento que movimentam milhões porque finalmente resolveram dar relevância a um grupo que sobreviveu pelas sombras da exclusão por muito tempo.

O mesmo acontece sobre o episódio que trata dos jogos de tabuleiro e de RPGs de mesa. O que são jogos de tabuleiro? O que são RPGs? Onde essas pessoas se encontram para isso? De onde veio essa cultura ou desde quando ela existe com consistência? Que mercado é esse? Nada disso é respondido. Novamente, o que se vê são pessoas aleatórias relatando experiências que, para quem não é familiarizado, irá interpretar a situação como um bando de gente esquisita, desocupada e hedonista.

Alguma coisa um pouco diferente acontece no episódio em que os fundadores do canal Overloadr e do arcade house VR Games são entrevistados. Eles conseguem dar aquela consistência necessária ao conteúdo por mérito próprio, e não porque a direção ou o roteiro da produção foi efetivo. Eles próprios tomam a iniciativa de não apenas darem seus relatos pessoais, mas contar um pouco da história de como tudo começou, de como as idéias para o arcade house ou para o canal surgiram, a qual nicho eles pertencem e quem é o público atingido. Esclarecedor de uma forma que 80% da produção deveria ser, mas não é.

O resultado de tudo não chega a ser desinteressante ou constrangedor como a maioria das demais produções da Medialand constumam ser, mas está longe de ter uma consistência necessária para corresponder com a proposta informativa que o desconhecido termo exigiria. Seria adequado como um quadro especial do Fantástico, mas não como um conteúdo exclusivo do Netflix, o que demostra que a empresa tenha endossado o projeto mais para inflar a quantidade de produções locais em seu catálogo do que por querer investir em conteúdo de qualidade de fato.

Novamente é uma pena uma produtora independente ter o interesse em produzir conteúdo diferenciado, conseguir captar recursos através de incentivos e fundos governamentais, mas não atingir um nível de qualidade que poderia. Ao invés disso, cai na mesmice e simplicidade dignas de estudantes de cinema realizando um projeto para a média do bimestre.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

ENTREGUE COMO PROMETIDO...

★★★★★★★☆☆☆
Título: Os Vingadores: Guerra Infinita (Avengers: Infinity War)
Ano: 2018
Gênero: Ação, Comédia
Classificação: 12 anos
Direção: Anthony Russo, Joe Russo
Elenco: Chris Hemsworth, Robert Downey Jr., Scarlett Johanson, Chris Pratt, Josh Brolin, Chris Evans
País: Estados Unidos
Duração: 149 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Para colocar o seu plano em prática, Thanos agora segue atrás das Pedras do Infinito e daqueles que as protegem.

O QUE TENHO A DIZER...
Quando era criança eu preferia Flashman a Changeman, dois seriados japoneses do estilo Tokusatsu, febres nos anos 90. Ambos eram parecidos, similares nos 5 personagens que usavam macacões coloridos e capacete.

Mas minha preferência era baseada em uma única situação: os Flashman são derrotados.

No 15º episódio o monstro Zas Konder não apenas dá uma bela surra no grupo como deixa em migalhas o robô gigante do Comando Estelar, simbolo do poder e força da equipe. A derrota feriu o orgulho do grupo, e deprimidos pela tragédia, chegaram até a questionar valores heroicos.

Essa fase dos Flashman, que durou alguns episódios, é a minha preferida, e a definição daquilo que me faz apreciá-los mais do que qualquer outra série Super Sentai que existiu, não porque eles perderam, mas porque era uma novidade, uma quebra do enjoativo padrão narrativo de que nenhum herói é passível de derrota.

Essa é uma razão para eu também achar a série animada dos X-Men, de 1992, um dos melhores desenhos animados do gênero, pois também nunca escondeu as fraquezas e derrotas de seus heróis.

Logo, não é à toa que Guerra Infinita pode até ser o filme "menos Vingadores" dos Vingadores, mas sem dúvida é o mais respeitável deles se partirmos por esse ponto de vista trágico do qual todos sempre foram poupados até então.

Isso pode soar como um grande spoiler, mas nessa altura do campeonato não tem uma pessoa no mundo que não saiba do que o filme se trata, ao menos para aqueles que acompanharam o mínimo possível do Universo Marvel no cinema por esses 10 anos, ou conheça o básico da Marvel nos quadrinhos.

Claro que Guerra Infinita alimentou os mais profundos medos dos fãs ao longo de toda essa década de cultivo, principalmente sobre qual herói iria ou não ser afetado por este evento que, mais do que físico, também é moral.

A derrota de qualquer herói pode muitas vezes ser sentida como a perda de alguém próximo e que temos confiança, como foi com o emocionante final de Logan (2017). Pode parecer comédia, como quando Superman morre em A Origem da Justiça (2016). Pode também levar à revolta, como quando Charles Xavier é simplesmente desintegrado por Fênix logo na fabulosa sequência inicial de X-Men - O Confronto Final (2006), uma das poucas coisas que tenham funcionado nesse filme, diga-se de passagem, mesmo que não muito apreciado.

Derrotar, matar, ou até mesmo maquinar um genocídio quase apocalíptico entre heróis é sempre um movimento tenso no tabuleiro de xadrez da cultura pop, mas o que Guerra Inifita propõe não é mostrar a fraqueza de seus personagens, mas torná-los mais fortes depois disso. É isso o que a história quer nos passar.

Agora, a intenção real é chegar ao tão aguardado fim de um ciclo que a Marvel inaugurou no cinema em 2008 e dar início a outro, para uma nova geração. Assim as eras são renovadas tal como também acontece nos quadrinhos.

Este terceiro filme oferece tudo aquilo que todo mundo esperou, menos uma grande reunião de heróis, no sentido de grupo e unidade, com o título nos faz compreender. Para quem esperava um grande trabalho em equipe, organizado e sincronizado tal qual é visto na sequência inicial e final de A Era de Ultron, ficará um tanto decepcionado porque temos basicamente três filmes distintos em um só. Tem o filme Capitão América Visita Wakanda, o filme Homem de Ferro no Planeta Inóspito e Thor Perdido no Espaço. Fica livre ao espectador escolher ir para o banheiro no meio daquele que menos lhe interessar. E esse excesso é sentido nas quase duas horas e meia de filme.

Brincadeiras à parte, essa distinção de cenários novamente tem duas razões. Na razão lógica, seria muito confuso enfiar tantos personagens em um mesmo cenário. No primeiro e segundo filmes até funcionou, mas agora o número de heróis duplicou, seria muita informação de uma vez só, o que foi evitado. Na razão narrativa, isso tudo é consequência da grande catástrofe separatista que ocorreu em Capitão América - Guerra Civil, também conhecido como a sequência não oficial d'Os Vingadores

É nessas horas que percebemos como todo o universo cinematográfico da Marvel foi muito bem planejado, e como o desenvolvimento das histórias de todos seus filmes apresentam uma progressão convincente. Aqui a premissa deixada pelo último filme do Capitão é mantida, dando a constante sensação do impacto que a dissolução do grupo trouxe na dinâmica de heróis que não conseguem mais dialogar a partir do momento que a diferença de ideais falou mais alto do que o bem comum. Ao mesmo tempo, esses mesmo heróis não conseguem encontrar identidade com outros grupos ou indivíduos, como acontece quando Thor se depara com os Guardiões, ou quando Tony Stark se encontra com Doutor Estranho. Situações inconvenientes onde todos querem falar a mesma coisa, mas nunca usam a mesma língua.

Enquanto isso Thanos se aproveita dessas brechas para traçar seu ambicioso plano de manutenção do Universo (e não de destruição, segundo ele) que, apesar dos pesares, tem um certo sentido dentro da realidade distorcida do personagem, mas que o roteiro não consegue desenvolver ao ponto dele se transformar em um vilão mal compreendido, ou em um vilão em conflito, aquele tipo que até tem uma atitude nobre, mas extremista ao ponto do inaceitável. Por mais que o roteiro tente criar momentos de empatia com o vilão para desenvolver esse seu lado mais emocional, como na sua relação com Gamorra, a intenção falha, e sempre voltamos a odiar Thanos porque temos que odiá-lo e nada mais.

Sem dúvida que levar a crueldade de Thanos e sua impiedosa personalidade para uma franquia familiar foi como andar em corda bamba, e por mais que seja um personagem digital, Josh Brolin conseguiu imprimir uma personalidade nele que não apenas zomba da fraqueza de seus inimigos como também faz questão de demonstrar não sentir um pingo de graça ou empatia com piadinhas fora de hora, o que pode ser levado até como uma metacrítica não só nos dois filmes anteriores dirigidos por Joss Whedon, mas também algo que vinha incomodando muito nos últimos filmes da Marvel.

A escolhas dos irmãos Russo para dirigir Guerra Inifita foi certeira. Eles aboliram tudo aquilo que não funcionou com Joss Whedon, principalmente na velocidade das cenas que era tão rápida ao ponto de não se compreender quem era quem ou o quê. Toda aquela sobriedade e seriedade de Soldado Invernal e Guerra Civil foram bem portadas, ao mesmo tempo que adequaram essa identidade para um público mais abrangente, sem cair na demanda da ação absurda e escapista que Taika Waititi fez em Thor: Ragnarok, e que de fato preocupou muita gente. Até porque seria muito personagem piadista em um único elenco. Já tem o Tony Stark de Robert Downey Jr. que definitivamente é um excesso por si só, seguido do novo Homem Aranha de Tom Holland em uma hiperatividade juvenil irritante. Tem o sempre bem humorado e motivado guardião Peter Quill, além do mais novo "mestre" do improviso e da piada pronta chamado Thor e, por último, Bruce Banner, que a cada novo filme se torna mais patético. Ou seja, tinha tudo pra dar errado se não tivessem sido bem dosados pelos roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely, os mesmos de Guerra Civil também.

Tem os momentos absurdos de sempre, como Thor falar no espaço, Tony Stark sobreviver depois de Thanos literalmente arremessar uma lua em cima dele, ou o campo de força de Wakanda suportar um impacto meteórico de uma nave, mas não conseguir resistir uma horda de extraterrestres. Absurdos esquecíveis, mas que a gente não deveria ser obrigado a ver em um projeto que ficou por 10 anos em uma encubadora, custou mais de US$350 milhões e já arrecadou quase US$2 bilhões no mundo com um mês de exibição.

Por mais que seja tudo aquilo que os fãs respeitosamente podem esperar, Guerra Infinita está longe de ser perfeito ou tão bom e empolgante quanto o primeiro da série, mas depois de Pantera Negra, é mais uma prova de que a Marvel, como toda boa indústria, se adequa aos tempos modernos, e resgatar certa sobriedade se mostrava uma necessidade.

Sem contar que ainda é apenas o penúltimo capítulo do fim de uma era. A princípio era para ser um filme dividido em duas partes, mas por razões inexplicáveis decidiram transformar a saga definitivamente em uma tetralogia. Não que essa mudança muda consideravelmente alguma coisa além de que novos conceitos poderão ser apresentados. E se você assistir assim como eu, que por momentos acreditou que o que tudo que acontecia poderia ser uma pegadinha do Loki, ficará mais surpreso ainda ao descobrir que, não... não é.

E, sim, se você leu em vários lugares que Guerra Infinita é um episódio de mudanças drásticas no Universo Cinematográfico da Marvel, acredite nisso. É um mistério, uma dúvida e uma incógnita até agradável o que virá depois dele.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

QUANDO A FALTA DE QUALIDADE CONSTRANGE...

★★☆
Título: Velhas Amigas
Ano: 2018
Gênero: Comédia
Classificação: 12 anos
Direção: Carla Albuquerque, Beto Ribeiro
Elenco: Carla Pagani, Keila Taschini, Alejandra Sampaio
País: Brasil
Duração: 30 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Três amigas de longa data que vivem no mesmo bairro de Higienópolis, em São Paulo, confidenciam problemas familiares, amorosos e cotidianos.

O QUE TENHO A DIZER...
Maria Antônia (Carla Pagani), entre preocupações triviais da vida, como decidir em qual restaurante almoçar, gasta seu salto andando de um lado para outro dentro de seu amplo apartamento em Higienópolis, um dos bairros mais tradicionais - e caros - de São Paulo. Seu apartamento é tão espaçoso e reflete tão bem sua posição socioeconômica que tem a possibilidade de ter três salas: uma dedicada ao estar, uma dedicada à TV, e um escritório.

Dinheiro ou tempo não é problema pra ela, que se arruma sem pressa para sair com seu marido que acabara de comprar um carro. Ela nem fica surpresa com a notícia do novo artigo de luxo porque já está tão acostumada com isso que acha a situação tão entediante quanto o marido sempre escolher a mesma cor.

Nervosa com um brinco de pérolas que não atarraxa e com o cheiro de cigarro que o marido deixou no apartamento ao fumar no escritório, ainda por cima não consegue encontrar seu celular que toca, enquanto Conrado solta uma frase machista sem sentido sobre "as mulheres e seus celulares", como se celular fosse uma moda, um artigo, ou um acessório unicamente feminino e de preocupação feminina tanto quanto um absorvente.

"Você está ouvindo ele tocar, Conrado?", pergunta ela duas vezes enquanto volta aos fundos, balançando as mãozinhas de um lado para outro, cabeça erguida, na mesma falta de pressa. Uma caricatura típica de madame cansada de perder as coisas em casa, ensaiadíssima na procura enquanto a câmera não tira o foco de seu cansativo ir e vir. Como Conrado não responde, provavelmente ele não ouviu nem o telefone, e nem ela perguntar. Não que ele não tenha ouvido, mas na vida real teria, e deliberadamente ignoraria. Primeiro porque o telefone que toca não seria problema seu, e segundo porque a pergunta de Maria Antônia não faz o menor sentido, já que não apenas ela ouvia o telefone tocar, como a gente também. Talvez o único momento realmente acertivo do roteiro ao reproduzir uma situação cotidiana de "como ignorar uma pessoa irritante fazendo uma pergunta irritante", me lembrando de Francisco Milani e de seu irritadiço personagem Saraiva.

Depois do hercúleo sacrifício, Antônia atende o telefone, e na linha estão Violeta (Alejandra Sampaio) e Lurdinha (Keila Taschini) conversando em conferência, algo que o roteiro resolveu colocá-las fazendo pela primeira vez justo no primeiro episódio, só para terem um diálogo pra lá de antiquado e completamente descontextualizado sobre "linhas cruzadas" e "extensão de telefone", uma coisa que no Brasil praticamente não existe mais há mais de 20 anos, e que elas, mesmo com seus celulares com mais de cinco polegadas de modernidade, sequer haviam se dado conta até então.

Por incrível que pareça, toda essa situação de abertura, que culmina com uma terrível ironia da vida com Conrado sofrendo um infarto dentro de seu carro novo, é incômoda. Incômoda porque é perceptível o amadorismo de tudo por todos os cantos. Dos diálogos mal interpretados, às situações forçadas e sem qualquer naturalidade, de um elenco mal escolhido que não evolui até sequer demonstrar qualquer química.

A direção de Carla Albuquerque e Beto Ribeiro (este, que também assina o roteiro), parece não saber que dirigir um projeto não é simplesmente carregar a câmera de um lado para o outro, e que tomadas longas (ou planos sequência) não significa maestria ou contemporaneidade quando feito sem coerência, como é o caso. É bonito, ousado e empolgante quando acontece, mas não funciona quando não se tem a menor noção do que se fazer com isso.

Ao mesmo tempo que as cenas evitam os cortes, a câmera concentra-se em planos fechados, limitando a liberdade e a naturalidade que essa técnica de filmagem permite e oferece, soando redundante. Veja em O Rebu (2014), por exemplo, em que José Luiz Villamarim usou os planos sequência com abundância no intuito de dar liberdade de movimento e atuação aos personagens, assim como já fez em séries anteriores que dirigiu, levando para a TV uma técnica de teatralização de cena que foi muito bem vinda. Mas aqui, a condução dessa técnica parece só ter o propósito de economizar nos custos da edição, porque no resto só evidenciou mais ainda a atuação ensaiada e devidamente marcada, ampliando os defeitos como uma lupa, como no episódio do noivado da filha de Lurdinha, em que a tecnica só serviu para reduzir mais ainda o tamanho do ambiente e causar uma sensacao claustrofóbica de gente acumulada em volta de uma camera (sem falar que o teor "Sai de Baixo" do episodio simplesmente é desastroso, e uma personagem como a da e.pregada é o típico excesso que qualquer roteiro deve evitar).

Nem mesmo durante os momentos no cemitério, no segundo episódio, em que o plano consegue ser sequenciado e mais aberto, a situação evita cair no constrangedor. Um momento que poderia ter rendido uma excelente situação tragicômica se torna um pesadelo ruim de doer com atrizes que apenas falam o que leem e nada mais. Nunca há emoção ou um comprometimento convincente com o papel. Toda fala é retilínea e uniforme, sem qualquer presença. Nem no teatro amador a coisa é tão terrivelmente séria assim, nem mesmo em Malhação os atores novatos conseguem ser tão inexpressivos, nem Ricardo Macchi parece mais ser tão ruim assim. E por mais qualidade de ponta que a produção possa ter usado, são detalhes como esses que passam a impressão de precariedade e amadorismo que não precisava.

Para ajudar tudo (botão da ironia apertado), há os momentos de flashback que mostram a adolescência das personagens no final dos anos 70 em um desenho de produção que nunca parece ser de época. Nem mesmo no cabelo ou na maquiagem houve, sequer, algum esforço. A única coisa que eu conseguia reparar era em um ou dois figurantes que passavam desmotivados em segundo plano, praticamente arrastando os pés, com calça e camisa colorida qualquer só pra dar um tonzinho de naturalidade cotidiana. Risos, risos... foi engraçado.

Mas voltando... Quando as três se juntam em um determinado momento, trocando respostas ao mesmo tempo que trocam de lugar sincronizadamente como em um jogral, parece que estamos assistindo Chiquititas, e que do nada a Mili vai pular em frente a câmera e cantarolar para todas remexerem bem com as mãos, com os pés e com a cabeça.

É tão desmotivante a imaturidade da direção/roteiro que causa até constrangimento, junto com uma leve labirintite.

E entre citações de autor desconhecido, e até de Miley Cirus (sim, acredite), é assim que todo episódio começa, sempre havendo o suficiente para aqueles que adoram se torturar e pagar suas penitências pelos pecados cometidos na vida.

Dizer que a ideia é boa não parece ser suficiente, porque nem consistência existe. As personagens não tem profundidade além de dinheiro. Violeta é a reservada e tradicionalista, Lurdinha é a moderna e liberal, e Antônia a meio termo. A velha fórmula dos dois extremos com um centro. Os conflitos são rasos, fúteis, esquecíveis, que se apoiam em diálogos de fofocas e acontecimentos duvidosos. Nada que justifique tantos episódios para tão pouco.

Depois temos uma história que, mais elitista e alienada seria impossível, mas talvez porque o texto baseado em estereótipos sempre é o caminho mais fácil pra quem tem inabilidade em criar camadas e arcos dramáticos. O problema nunca é um enredo ter como pano de fundo a classe média paulistana, carioca ou seja lá de onde for, mas na maneira como ela se desenvolve. Nem Higienópolis consegue ter o destaque, ou se transformar em um personagem vivo como Nova York se torna em Sex And The City, ou São Paulo como um todo em O Signo da Cidade (2007). Um desperdício de oportunidade, de cenário e de aproveitamento daquilo que a própria série tenta se promover em cima.

Começar o texto descrevendo o primeiro episódio, e os conflitos de viver la vida de madame loca de Maria Antônia e companhia, é carecidamente a essência de toda a série e das demais personagens, mostrando quão mal tudo começa, e como tão mal tudo continua. Sem falar que o etarismo é jogado no texto o tempo todo: a tecnologia que elas não compreendem, a prisão nostálgica que vivem, os discursos politicamente corretos e matriarcais, a confusão do que é sexualidade e gênero... e assim o título da série perde sua ambiguidade e torna-se literal. Perde seu interesse e se torna banal. Deixa de ser uma ironia, uma sátira, ou uma ode ao tabu da moderna independência feminina depois do casamento, da separação ou da viuvez para se tornar algo sem qualquer tempero. Artificial e mal colocado. Se fossem esquetes de vizinhas trocando receitas e fofocas pela janela, teria sido mais interessante.

É sempre louvável ver produções brasileiras ainda serem feitas, principalmente quando encabeçadas por produtoras independentes, como é o caso. Isso deveria ser mais difundido, e as leis de incentivo poderiam favorecer mais isso. Mas se tem uma coisa que o Brasil ainda precisa aprender com o cinema norteamericano é a maneira como as produtoras independentes conseguem peneirar o conteúdo que escolhem, principalmente no roteiro e na seleção de elenco, porque se ao menos a direção é ruim, o resto consegue se virar de algum jeito.

A série infelizmente não decola em nenhum momento, e o ranço amador é tão grande que apenas reforça o preconceito de que conteúdo nacional não tem qualidade. O que tem voltado com força na opinião pública nesse atual momento do mercado de produções nacionais se dedicarem demais a comédias de situação banais, sem qualquer espontaneidade ou perspicácia.

Mas pra não dizer que tudo seja ruim, a calorosa conversa lida entre Lurdinha (Keila Taschini) e Jean Carlos (Wagner Galvão), no terceiro episódio, além de ser dramática como uma novela mexicana, consegue ter uma reviravolta surpreendente... como uma novela mexicana. Um pastiche até apreciável se esse fosse o objetivo desde o início.

É nessas horas que percebemos como as décadas de monopólio e da influência da Rede Globo e da Globo Filmes prejudicou demais a criatividade e a livre autoria. A impressão que temos é que, mesmo tentando fugir de certos padrões, seja divagando sobre a vida feminina depois dos 50, ou da vida cosmopolita moderna, apostar em um elenco desconhecido em sua maioria, ou até abusar de técnicas cinematográficas pouco utilizadas por aqui, a cultura cinematográfica brasileira está tão condicionada a um padrão que, toda vez que existe uma tentativa de sair dela, o material desanda pela inabilidade de conseguirem caminhar com as próprias pernas, justamente por não existir tantas outras referências ou experiências frescas e relevantes o suficiente que favoreça o desenvolvimento de outros padrões sem a perda de qualidade.

É uma grande pena que o resultado final dessa produção seja algo frustrante, porque ser uma pequena produção não é sinônimo de péssima qualidade. Os melhores filmes que assisti ao longo de todos os meus anos são aqueles que tiveram os menores orçamentos, e na televisão eu também acredito que isso seja bastante possível. Mas uma pequena produção que não sabe do que falar, ou como falar, não faz qualquer sentido existir.

Carla Albuquerque e Beto Ribeiro podem até ser os cabeças da Medialand, produtora responsável pela série e empresa com um currículo considerável de produções televisivas, mas terem abraçado o projeto com as próprias mãos em praticamente todos os sentidos, definitivamente não foi uma boa escolha. E um produto que merecia uma melhor atenção, uma boa filtragem e uma excelente polida, acabou se tornando mais um pastelão malfeito tanto quanto os filmes B que Beto Ribeiro dirigiu para uma série de cinco telefilmes transmitida no Canal Brasil. A diferença é que esses telefilmes eram para ser assim, ao contrário de Velhas Amigas, que nem mesmo se fosse uma sátira (será que é mesmo?) precisava ser tão mal desenvolvida. E se o padrão continuar o mesmo, não vai ser de admirar que Gamebros, a próxima empreitada da dupla, tenha a mesma qualidade duvidosa.

Mas se você é do tipo que não se importa com qualidade e até gosta de produções com essa pegada "vamos juntar as vizinhas do condomínio e filmar uma série", então ela é pra você. E para aqueles que adoram ver humor e se divertem com defeitos, aí sim, Velhas Amigas será um prato cheio.
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