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sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A NOVA FACE DA TRANQUILIDADE...

★★★★★★★★
Título: Enlightened
Ano: 2011/2013
Gênero: Drama, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Laura Dern, Mike White, Diane Ladd, Luke Wilson, Sarah Burns
País: Estados Unidos
Duração: 25 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Amy Jellicoe deixou pra trás suas dores do mundo e agora tem o objetivo de se tornar uma agente de mudanças. Mas ninguém está preparado para isso, nem mesmo ela.

O QUE TENHO A DIZER...
Enlightened foi um seriado diferente - e também um tanto quanto desconfortável - dentro de suas grandes intenções. Criado por Laura Dern e Mike White (ambos atores principais e também produtores do seriado), o roteiro foi escrito inteiramente por White, sem falar da direção, que contou com nomes importantes como Jonathan Demme e até o próprio ator/roteirista. O seriado começou a ser desenvolvido ainda em 2010, e foi ter sinal verde da HBO em 2011, quando estreou no final do ano e agora, em 2013, foi cancelado após 2 temporadas, em um total de apenas 18 episódios.

Basicamente conta a história de Amy Jellico (Laura Dern), uma empresária que dedicou 15 anos de sua vida na empresa Abbaddon Industries e que, depois de aguentar as constantes piadas, gozações e assédio sofrido no seu trabalho por ter sido a "amante abandonada do chefe", tem uma crise nervosa que resulta em um surto histérico e quase psicótico dentro do ambiente de trabalho. A empresa, por medidas óbvias, afasta Amy de seu cargo, e ela se interna em um centro de recuperação mental e espiritual no Havaí, onde fica por aproximadamente 3 meses. Lá ela descobre um novo sentido da vida, e passa a acreditar que sua missão no mundo é transformar as pessoas que vivem a sua volta e curá-las daquilo que ela considera doenças sociais. Empenhada em retomar seu cargo e fazer a diferença, ela volta para a empresa cheia de idéias inovadoras, totalmente transformada e engajada em filosofias espirituais e sustentáveis em um total desajuste com a realidade das outras pessoas e do trabalho realizado por elas. Sua insistente vontade de ser prestativa, amiga e colega, juntamente com o intenso positivismo frente às coisas e sua inesgotável vontade de ser alguém notada e importante para os outros - principalmente para aqueles que a desdenham - causam estranhamento. Junto a isso soma-se a sombra do complexo de inferioridade e da imensa carência afetiva que a acompanha pela ausência familiar e de um ex-marido autodestrutivo, desencadeando uma grande necessidade de atenção numa ingênua dificuldade de nunca saber onde termina o seu espaço e onde começa o dos outros, se tornando uma pessoa inconveniente por acidente. Amy passa a ser vista como uma ameaça, e a discriminação por parte de todos se torna um hábito. Por conta disso ela é transferida para o subsolo da empresa, em um setor onde nem mesmo as próprias pessoas que trabalham em Abbaddon sabem que existe, pois é lá onde são realocados todos aqueles empregados que um dia causaram algum tipo de problema ou constrangimento e não se encaixam em um perfil considerado normal para o ambiente, e por razões legais não podem ser demitidos. Lá ela descobre um outro mundo, o do isolamento, do abuso do poder e de tudo aquilo que movimenta a pior natureza de qualquer ser humano. É lá também que ela vai conhecer sua verdadeira missão e o lugar o qual será o ponto de partida para uma grande transformação.

Tudo em Amy Jellico é um exagero, e é por isso que ela é uma daquelas raras personagens complicadas que conseguem cativar e repelir. Ao mesmo tempo que ela empurra com seus constrangimentos constantes e vergonhas alheias imensuráveis sem intervalo ou descanso, ela conquista o espectador que a compreende, levando-o para dentro de um mundo particular e confuso de compaixão e sentimentos que ela não consegue lidar por conta de uma ingenuidade intrínseca e latente que não se encaixa no mundo sarcástico e plástico no qual vive, onde o humor deixou de ser um alívio e a falsidade virou um pré requisito, e ambos juntos se transformaram em uma arma apontada e pronta para ser disparada na cara de cada um daqueles que temos vontade de ferir, muitas vezes sem nem saber o porquê.

O seriado foi considerado de forma bastante justa como um dos melhores das temporadas de 2011 e 2012, mas o barulho que ele causou não foi suficiente para ser mantido, e sua produção foi cancelada por conta da baixa audiência. A verdade é que, assim como suas produções, por mais que o público da HBO seja diferenciado, ele não conseguiu compreender o sentido e a grande moral que Amy tentou trazer a tona. A vida desajustada, a falta de senso de realidade, a dificuldade de interagir socialmente e de ser compreendida faz existir um grande abismo entre o mundo que ela vive do mundo em que habita. Isso claramente desperta um desconforto imediato a quem não tem paciência o suficiente de compreender toda essa confusão e de onde vem toda essa natureza.

Isso tudo aconteceu de forma bastante similar como o ocorrido com o brilhante seriado The Comeback (2005), uma produção também da HBO de apenas oito episódios e que lidou com uma personagem igualmente desarticulada dos padrões, vivida por Lisa Kudrow. Além de serem igualmente constrangedoras, Valerie Cherish e Amy Jellico compartilham outras características importantes. Além de sofrerem dos mesmos dilemas, como a contida histeria, a dificuldade de sociabilização e compreensão, a falta de equilíbrio entre o excesso de ingenuidade e a falta de malícia, a passividade frente a grandes problemas e conflitos, elas também são vítimas de uma sociedade maldosa e indiferente, que pisa, maltrata, zomba e fere gratuitamente para se sentir superior de alguma forma, sendo falsos exemplos e despertando em suas personalidades a ignorante idéia de que, para serem respeitadas, é necessário ser alguém notado, importante e que aja de maneira igualmente imoral. Sim, elas são os exemplos da imagem da ingenuidade corrompida e determinista de que o meio transforma o homem, e não o inverso.

"Você sente, mas não pensa... atazana e lamenta, mas não compreende nada", é o que diz o presidente da empresa para Amy no último episódio. Esse discurso soaria um argumento um tanto infantil, mas é o que resume todo o seriado. Amy Jellico é isso, emocional e impulsiva, e ninguém está interessado em saber se ela tem intenções de compreender tudo aquilo que não sabe ou desconhece.

Dentro de uma realidade idealista, sim, Amy não é somente uma grande heroína cheia de boas intenções - mesmo que muitas vezes pessoais e egoístas para suprir necessidades, vazios e carências geradas por uma sociedade interesseira e individualista - mas uma metáfora de tudo aquilo que temos vontade de ser e fazer, porém somos constantemente interrompidos por conta de um cabresto que nos guia e nos freia o tempo todo.

Embora um seriado que pese no constrangimento e na perda de oportunidades da personagem ficar calada ou evitar situações piores, ele é extremamente sutil, motivador e emocionante na hora de tratar de valores respeitáveis como o companheirismo, a honestidade, a sinceridade e objetivos de vida que nos façam crescer e nos elevar como indivíduos, mental e espiritualmente, mesmo que cometendo erros e enfrentando caminhos tortuosos, uma filosofia budista propriamente dita e um seriado repleto de simbolismos verdadeiros e humanos sem ser piegas ou cliche.

CONCLUSÃO...
Vida longa às poucas e valiosas lições que esta grande personagem proporcionou em um seriado que definitivamente mercia mais atenção e espaço do que teve.
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