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segunda-feira, 28 de março de 2016

A PRESSA É O INIMIGO...

★★★★★
Título: Batman vs Superman - A Origem da Justiça (Batman vs Superman)
Ano: 2016
Gênero: Super Herói, Ação
Classificação: 14 anos
Direção: Zack Snyder
Elenco: Henry Cavill, Ben Affleck, Jesse Eisenberg, Amy Adams, Gal Gadot, Laurence Fishburne, Jeremy Irons, Diane Lane
País: Estados Unidos
Duração: 151 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Batman e Superman duvidam das reais intenções heróicas um do outro, surgindo uma inimizade alimentada por um plano de Lex Luthor para que um conflito iminente entre eles aconteça.

O QUE TENHO A DIZER...
A Warner, detentora dos direitos da DC Comics, pode até ter sido um tanto que pioneira nas adaptações de quadrinhos, principalmente quando Tim Burton foi responsável por Batman, entre 1989 e 1991. Digam o que quiserem, sejam fãs ou não de suas adaptações, Burton mostrou que havia possibilidade de adaptar esses universos de outras formas sem descaracterizá-los. Tanto que aquilo que ele criou foi - e ainda é - referência. Basta assistir a trilogia de Christopher Nolan para ter a certeza absoluta disso. Os elementos básicos do ponto de vista criativo de Burton ainda estão lá, confirmados pelo próprio Nolan que afirmou na época que não tinha intenções de esquecer do legado deixado pelo diretor.

O grande problema é que a Warner nunca soube lidar com seus heróis no cinema, e coube à Marvel desbravar esse território com muita esperteza e coerência. A empresa não apenas está há 16 anos adaptando seus próprios heróis com sucesso como criou um novo gênero. Tal qual o estilo Faroeste se tornou um gênero ao longo das décadas, assim se tornaram os filmes de Super-Herois graças à Marvel. E quando essa reprodução assexuada de gêneros acontece, é sinal de que vieram para ficar em definitivo.

O que a Marvel fez foi algo realmente inédito. Criou um universo infinito e que se auto renova tal como seu universo nos quadrinhos. Mais do que isso, inventou uma fórmula, que vem sido repetida com sucesso há aproximadamente uma década, já mostrando sinais de cansaço, mas que ainda funciona.

Apenas os filmes baseados nos heróis da Marvel já arrecadaram no mundo, em uma conta bem rápida, em torno de US$15 bilhões ao longo desses 16 anos. O que é mais que a soma de vários títulos de diversos estúdios por aí no mesmo período.

A intenção de levar A Liga da Justiça para o cinema sempre existiu e os fãs sempre clamaram por isso, mas o milhonário orçamento (que entre 2000 e 2010 beirava os US$350 milhões), assustava e inviava o projeto. Foi com a ousadia da Marvel na reunião de heróis em Os Vingadores (The Avengers, 2012) que a Warner finalmente sacou que isso era possível, e então retomaram a idéia para abocanhar sua parte em um mercado tão lucrativo.

O diferencial da Marvel é que ela, por quase uma década, amaciou o mercado em doses homeopáticas até Os Vingadores se tornar uma trilogia em quatro partes (é isso mesmo), coisa que a Warner não fez em nenhum momento. E como que a correr contra o tempo e compensar a falta de estratégia, resolveu fazer de A Origem da Justiça o ponto de partida de sua empreitada, tentando (reforço: tentando) seguir os mesmos passos e, quiçá, reinventar a fórmula da rival.

Embora Batman sempre seja um sucesso até mesmo quando seja ruim (como as tristes adaptações de Joel Schumacher nos anos 90), o mesmo não se diz mais sobre Superman, um herói alienígena simples que vive a favor da humanidade, sem grandes complexidades, iconizado, solidificado e enferrujado no tempo. Por isso que a adaptação de Bryan Singer não foi mais do que um boo-hoo nostálgico, enquanto o reboot desnecessário de Zack Snyder foi uma tentativa fracassada de obscurecer e dramatizar o herói em um festival de exageros que cometeu o erro mais clássico de todos, e que Burton, lá atrás, já ensinava não fazer: descaracterizar o personagem.

Aliás, é um tanto esquisita a escolha de Zack Snyder para continuar a franquia, já que O Homem de Aço (Man Of Steel, 2013) não recebeu críticas muito positivas, tal qual os filmes anteriores do diretor. Talvez tenha sido a pressa do estúdio em desenvolver esse universo da DC no cinema, ou a falta de disponibilidade de algum diretor mais competente já que, apesar de todos os defeitos de Snyder, seus filmes são visualmente marcantes, como foi 300 (2006) - talvez seu único trabalho digno de nota.

E esse é o grande problema do diretor, pois ele consegue engrandecer personagens em imagens, usando filtros, angulações de câmera, enquadramentos e efeitos que os enaltecem em fotografias bastante cartoonizadas, como quadrinhos pintados por Alex Ross, mas ao mesmo tempo os personagens sofrem nos desenvolvimentos exagerados para coisas muito simples, resultando tudo numa densidade tão profunda quanto um pires.

Isso tudo é notório naquele que foi seu mais ambicioso projeto até hoje, o filme Sucker Punch (2011), visualmente deslumbrante, mas vazio, um exemplar daquilo que se deve e ao mesmo tempo não se deve fazer no cinema fantasioso.

E o tom de A Origem da Justiça é o mesmo. Snyder engrandece os heróis através desse surrealismo das imagens, transformando em titãs os dois personagens principais, além de fazer a participação de Mulher Maravilha (Gal Gadot) ser distanciada de qualquer cafonice de outrora, fazendo valer a interminável espera por sua aparição nos cinemas. Mas isso tudo dura muito pouco e decepciona no resultado final.

A história é uma continuação direta de Homem de Aço, tanto que na sequência inicial revemos a destruição de Metropolis durante a batalha de Superman (Henry Cavill) com o General Zod através do ponto de vista de Bruce Wayne (Ben Affleck), e só vai entender dessa forma quem assistiu ao filme anterior. Para quem não assistiu, a cena será como algo aleatório e sem sentido. A partir daí alguns meses se passam, e Wayne tenta responsabilizar Superman pelo grande massacre civil ocorrido naquele evento. Ao mesmo tempo, Superman considera Batman um mercenário perigoso pela forma tirana com que lida com as coisas, e através de sua identidade de Clark Kent, tanta expô-lo dessa forma usando o Planeta Diário para isso. Enquanto isso, Lex Luthor (Jesse Eisenberg) precisa tirar Superman de seu caminho, aquecendo essa rivalidade ao maquinar um plano "diabólico" para que Batman se volte contra Superman, e vice-versa.

O enredo é até interessante, e se teve algo realmente bom em toda a história foi o ponto de partida de tudo porque os roteiristas utilizaram as críticas que O Homem de Aço recebeu para favorecer a trama. Na época os críticos pelo mundo levantaram a questão de que, já que Superman é um herói e sua missão é salvar vidas, foi bastante incoerente o filme fazê-lo destruir mais da metade da cidade e matar mais gente do que salvar. Foi um grande erro na história e na personalidade do herói simplesmente para favorecer a ação barata e o espetáculo de efeitos visuais que transformou o filme em um disaster movie por excelência. Então, ponto positivo para o roteiro que usou a própria realidade como referência e transformou essas críticas em parte dos questionamentos de Wayne sobre a conduta de Superman.

Só que, se por um lado o começo parecia interessante e promissor, o desenvolvimento de tudo se mostra desastroso. Há uma incoerência de situações e cronologia que não convencem, a começar pela visível diferença de idade entre os personagens. Luthor é mais jovem que Superman, e Batman é mais velho que todos. A impressão que se tem é que tiraram Luthor do seriado Smallville (2001-2011) e o velho Batman de sua versão da série em quadrinhos O Reino do Amanhã (Kingdom Come, 1996), no qual está 20 anos mais velho e sem credibilidade.

Eisenberg dá uma caricatura a Luthor que mais irrita do que impressiona, fazendo do personagem um repeteco empobrecido do Coringa, longe, mas muito longe da diversão que era a versão canastrona de Gene Hackman, ou até mesmo na versão mais sisuda de Kevin Spacey. E falando em distância, o que dizer sobre Cavill? Tão longe da candura de Christopher Reeve, ou tão longe da doçura de Brandon Routh. A personalidade agora introspectiva e cascuda é coerente com algumas fases negras do herói nos quadrinhos e na sua crescente perda de esperança nos humanos, mas no cinema aparenta descaracterizado porque em nenhum momento houve uma construção que levasse a esse ponto com consistência.

Triste também é Lois Lane (Amy Adams), que assim como no filme anterior, entra e sai correndo de cena sem motivos. E por mais que Martha Kent (Diane Lane) tenha uma certa importância na conclusão da história, ela na verdade só aparece para literalmente nos lembrar a todo instante que é mãe do herói e nada mais. Duas atrizes desperdiçadas, que poderiam ter sido poupadas tanto quanto Jeremy Irons no mais insosso Alfred que existe, ou Holly Hunter como a Senadora Finch, que poderia ter sido um excelente acréscimo em toda a franquia como o único grande ponto mediador entre humanos e meta-humanos.

Por incrível que pareça, Ben Affleck é o único que consegue atuar no meio de tudo, o que prova que seus cabelos brancos valeram para algo em uma carreira de ator que mostrou-se melhor na direção. Anos luz distante da interpretação constrangedora de Demolidor (Daredevil, 2003), aquilo que parecia um equívoco supreendentemente não atrapalha. As cenas de batalha de seu personagem são as épicas batalhas de Batman por excelência, cheia de malabarismos, arsenais tecnológicos e porrada. Muita porrada bruta e seca de um Batman velho e impaciente, que deixou a tática de lado para encarar tudo de frente. Se o filme fosse apenas dele - o que quase é - teria sido muito mais empolgante.

E são em sequências como essa que vale a pena assisti-lo, mas tem que ter muita paciência. Snyder arrasta a história desnecessariamente em um filme que consegue ser mais longo que Os Vingadores em sequências de dar bocejo em gente grande. A diferença é que Os Vingadores tem todo um background que fortalece sua história, o que não acontece aqui. Ao contrário, o excesso de informação, de tramas e subtramas é justamente para, como dito acima, compensar o que não se fez até hoje.

Então, o filme parte do errôneo princípio de que nada antes dele aconteceu e que nenhum dos personagens já tiveram suas histórias contadas inúmeras vezes antes. Fica difícil nos convencermos de que eles não conseguem compreender seus métodos de justiça e que ignoram completamente seus atos heróicos pregressos. O roteiro poderia ter sido mais sucinto e usado Lex Luthor de uma forma mais inteligente para gerar uma conspiração mais convincente, menos forçada e artificial como é. Mas ao invés disso trata o espectador até com certa ignorância, pois a maneira como os heróis se tornam inimigos é feita de forma tão banal como se Gothan City e Metropolis fossem dois mundos completamente diferentes e distantes, e que nenhum deles nunca tivesse ouvido falar um do outro ou de suas intenções. Se a rivalidade tivesse surgido por uma coisa mais simples ou cliché como inveja pela popularidade ou pela importância de algum deles, acredite... teria sido muito mais interessante.

Mas mais banal ainda é a hora errada em que certas verdades são reveladas justamente por quem fez segredo sobre elas durante toda a trama capenga, estragando em definitivo o grande efeito surpresa do tão esperado duelo. É frustrante e simplório como magicamente a intriga se resolve depois de Batman passar mais de uma hora sangrando os olhos para destruir um arqui-inimigo que, na verdade, nem ele sabe de verdade porque é. E então, pra compensar esse grande e horroroso desfecho, o vilão Doomsday (que mais parece um troll burro do Senhor dos Anéis) surge em sequências de computação gráfica bem ruins, onde insistem na idéia de que para um monstro ser assustador ele tem que gritar e soltar o bafo fedorento contra a câmera. Tudo muito no escuro para tentar disfarçar defeitos indisfarçáveis, entre um e outro momento dramático profundamente dispensáveis. Aliás, Snyder não se cansa do escuro e dos filtros borrados, coisas que ficam muito piores no 3D.

O roteiro foi estranhamente escrito por Chris Terrio e David Goyer. Estranhamente porque Terrio foi o responsável pelo roteiro de Argo (2012), por sinal dirigido por Affleck, um filme simples com um desenvolvimento empolgante e comedido, elogiado exatamente por isso. E Goyer foi responsável pela trilogia O Cavaleiro das Trevas, de Nolan, elogiados justamente pela trama bem costurada e desenvolvida sem rebosteios. Então é espantoso ver dois roteiristas talentosos e com qualidades tão interessantes oferecerem algo tão desorientado e redigido às pressas, o que prova novamente que o diretor simplesmente deu qualquer atenção a isso.

Não é à toa que a crítica não tem sido favorável, da mesma forma como ele não foi o estrondoso sucesso que se esperava em seu final de semana de estréia. Claro que foi uma estréia boa (US$170 milhões), mas não ultrapassou a de Os Vingadores (US$207 milhões). Portanto acredita-se que o interesse pelo filme caia como uma pedra no oceano nas próximas semanas, e que chegar a US$1 bilhão se torne uma missão custosa, já que é essa a cifra que garantirá as próximas continuações.

O que algumas pessoas me perguntaram, e foi o que perguntei quando pessoas que eu conheço assistiram antes de mim, é se vale a pena e é legal. Vale a pena e é legal, não por todo o produto em si, mas pela materialização da idéia. Ver os três heróis juntos, agigantados na megalomania visual de Snyder, mesmo que por um breve momento, parece valer o preço do ingresso. Mas a história, não se pode negar, por mais que os fãs argumentem nos fóruns por aí, é banal e até ridícula.

Como um todo, vai agradar os fãs mais desesperados e aqueles que pouco se importam com o resto além da ação - e que também há pouco, diga-se de passagem - embora é possível ver que muitos deles sairam desapontados do cinema. A grande preocupação é se a próxima sequência, já entitulada como A Liga da Justiça, cairá nos mesmos problemas, já que insistirão do tenebroso erro de manter Snyder na direção, diretor que provou por A + B que, fora o seu próprio ego, não tem talento suficiente para sustentar outras coisas grandiosas.

CONCLUSÃO...
Aparentemente não é um tipo de filme para ser inteligente, mas o que diferencia as histórias da DC da Marvel é justamente o fato das histórias da DC serem mais densas e adultas, com tramas mais elaboradas, sem muitos alívios cômicos e que fogem do habitual sem deixar de entreter como se deve. Baseando-se nos roteiristas, poderia ter tido o desenvolvimento simples de Argo, com uma trama melhor elaborada como foi O Cavaleiro das Trevas, mas ao invés desse desenvolvimento simples, focado e efetivo, é um filme disperso, cheio de reviravoltas desnecessárias para dar a falsa impressão de grandiosidade que ele de fato não tem. E se existe um verdadeiro inimigo em tudo isso, ele se chama "pressa", algo que a Marvel não teve e, por isso, se manterá no pódio por mais alguns bons anos.

sexta-feira, 11 de março de 2016

DEMOROU...

★★★★★★★☆☆☆
Título: A Visita (The Visit)
Ano: 2015
Gênero: Suspense, Terror, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: M. Night Shyamalan
Elenco: Olivia DeJonge, Ed Oxenbold, Deanna Dunagan, Peter McRobbie, Kathryn Hann
País: Estados Unidos
Duração: 94 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um casal de irmãos decide documentar a visita de uma semana que fazem aos avós que nunca conheceram.

O QUE TENHO A DIZER...
O indiano M. Night Shyamalan teve uma ascensão muito rápida e brusca com O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), talvez o filme que tenha realmente resgatado o terror do ostracismo que viveu nos anos 90. O sucesso do filme o catapultou, da noite para o dia, para a lista dos 10 principais diretores da época, posição que conseguiu manter, entre tropeços, até seu terceiro longa, Sinais (Signs, 2002). A partir de então, seus sete filmes seguintes desceram uma ladeira sem freio no desgosto. A única coisa que o manteve ativo na indústria foi o fato de suas produções ainda serem lucrativas por conta da curiosidade do público. Com os anos, Shyamalan se tornou um nome esquecido no tempo, ficando na memória aqueles poucos filmes de início de carreira, e na fila, aqueles poucos gatos pingados de fãs xiitas esperançosos de que, algum dia, ele voltasse à sua forma.

Desde o princípio, ele nunca escondeu sua vontade de ser um grande nome no cinema, aquele onde as pessoas conseguissem identificá-lo simplesmente assistindo seus filmes. Chegou até a citar como exemplo de objetivo, seu grande ídolo, Spielberg. É por isso que também cultiva a imagem de "diretor autoral", por também escrever histórias originais para todos os filmes que dirige, com excessão de O Último Mestre do Ar (The Last Airbender, 2010) e Depois da Terra (After Earth, 2013), adaptações dizimadas pela crítica sem dó nem piedade.

De certa forma ele conseguiu ser esse grande nome, mais pela má fama do que o contrário, porque aquilo que era pra ser um grande diferencial de sucesso, na verdade pouco significou em sua carreira. Shyamalan nunca conseguiu oferecer o mesmo impacto do seu primeiro grande sucesso, o qual sempre buscou e viveu sob a sombra, muito menos conseguiu se provar um grande roteirista. Suas produções passaram a virar piadas de críticos pelo mundo afora, que consideraram seus "finais inesperados" um padrão desconfortável porque apostavam na falta de lógica para causar surpresa fácil, se tornando experiências mais frustrantes do que surpreendentes apenas para manterem sua assinatura autoral enquanto subestimava a inteligência das pessoas.

Ele reconheceu a brusca queda de qualidade de seus filmes, e atribuiu a culpa aos estúdios, alegando que trabalhar para eles exigia abrir mão da liberdade artística.

Por isso que, na tentativa de conseguir novamente esse controle, A Visita é um filme independente e o mais barato de sua carreira.

Funcionou?

Em partes.

É claro que ele segue o mesmo estilo narrativo de todos seus filmes anteriores, a diferença é o formato documentado, desgastado ao longo da última década, mas que funciona mesmo assim por ser imediatista, já que na maior parte do tempo somos os "olhos" dos protagonistas, e é isso que facilita os sustos e justifica certa previsibilidade. Claro que há aqueles momentos que deixar a câmera ligada ou até mesmo carregá-la em todo e qualquer lugar não faz sentido, ou nos já manjados momentos de "confessionário" como acontece em todo filme com esse formato. Então, mesmo usando um estilo que ofereça mais liberdade, é impossível ignorar essas artificialidades.

Não é uma história confusa, tudo é até bastante simples e que funciona em grande parte por isso e pelo bom uso dos elementos surpresa até mesmo quando clichés. Mas o mais interessante é que, embora o roteiro de Shyamalan ainda pereça dos mesmos defeitos de sempre, como a falta de coerência de alguns fatos, ou o excesso de informações disconexas que pouco fazem sentido na história, há um humor ambíguo que intensifica a atmosfera inquieta e perturbadora que ele constrói.

Da mesma forma como fez interessante uso do ícone do herói e do vilão em Corpo Fechado (Unbreakable, 2000), aqui ele faz uso de simbologias sociais, como a de que crianças são meigas e idosos inofensivos, ou vice-versa. E quando as coisas se mostram não ser bem assim, e a bizarrice do casal de idosos junto à curiosidade ainda infantil do casal de irmãos entram em conflito, é esse contraste interessante que faz aflorar o humor negro junto ao horror clássico e mais técnico.

O diretor afirmou ter feito três versões do filme: uma cômica, uma assustadora, e outra que ficasse no meio termo. A versão final optou pela terceira opção. Óbvio que nada seria tão efetivo se não fossem os atores, principalmente a avó (Deanna Dunagan), uma figura que é esquisita logo de cara, e Tyler (Ed Oxenbould), a personificação da Formiga Atômica e do humor cartoonizado, pois os dois são os extremos dos dois estilos que se fundem muito bem e que igualmente funcionam muito bem sozinhos.

Há momentos em que muita coisa não faz sentido, que o espectador mais atento irá perceber e que não dá pra citar sem estragar as surpresas, mas são defeitos que, ao contrário de seus últimos filmes, conseguem ser perdoáveis e irrelevantes.

Mais uma vez ele aposta na reviravolta final da trama, só que deixa o absurdo de lado e opta pela simplicidade funcional como há muito, muito tempo não fazia, talvez desde Corpo Fechado. A conclusão um tanto repentina pode acabar frustrando, como geralmente seus filmes fazem, mas não dá pra negar que o fim entre num terreno de brutalidade psicológica que ele nunca havia pisado antes.

O interessante de Shyamalan é que realmente ele é melhor diretor que roteirista, conseguindo construir atmosferas apreensivas e conduzir o espectador para os temores do desconhecido que poucos outros conseguem, e ainda por cima dar um tom espiritual em tudo. O problema é que esse desenvolvimento vai tão longe e atinge um ápice com tanta força que a conclusão não consegue superar ou manter o mesmo nível, se tornando simplória demais, fadada a um final banal. Não que isso aconteça aqui, mas é o que vemos em seus filmes no geral.

Felizmente o resultado não é tão frustrante, e A Visita é um misto bem interessante de humor e terror, enquanto o primeiro é mais sutil e o segundo se fortalece mais a cada nova sequência. Independente da previsibilidade, ele cumpre os sustos que promete e vai deixar muita gente que andava desgostada, satisfeita.

CONCLUSÃO...
Se é o retorno de Shyamalan à sua forma, ou a retomada do controle criativo daquilo que ele produz, ainda é cedo dizer, mas não há dúvidas de que é o primeiro filme que realmente pode ser chamado de interessante depois de longos anos. Um pedido de desculpas àqueles que esperaram por tanto tempo algo, no mínimo, divertido.

quinta-feira, 3 de março de 2016

SESSÃO DA TARDE OU DE DOMINGO...

★★★★★☆
Título: Já Estou Com Saudades (Miss You Already)
Ano: 2015
Gênero: Drama, Comédia
Classificação: 12 anos
Direção: Catherine Hardwicke
Elenco: Toni Collette, Drew Barrymore
País: Reino Unido
Duração: 112 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
A longa amizade de duas amigas é testada quando uma delas descobre estar com câncer.

O QUE TENHO A DIZER...
Quando se fala em duas amigas, na qual uma delas fica doente, é impossível não se lembrar da comédia dramática de Garry Marshal, Amigas Para Sempre (Beaches, 1988), talvez o exemplo máximo do dramalhão norteamericano feito para o público feminino.

Mas o que fez dele um clássico do lenço molhado foi a parceria perfeita de Bette Midler e Barbara Hershey, além de uma história que não apenas é comovente como também havia subtramas cômicas que davam consistência ao filme, como os altos e baixos da carreira artística da personagem CC Bloom (Midler) até sua ascensão à fama, que por consequência renderam números musicais memoráveis no filme e uma trilha sonora digna de nota, tudo feito maravilhosamente por Bette Midler.

Difícil achar um filme que seja tão cliché e, ao mesmo tempo, que tenha dado tão certo quanto o filme de Garry Marshal. Nem mesmo Chris Columbus, um dos mestres do cinema comercial dos anos 90, conseguiu fazer de Lado a Lado (Stepmom, 1998) algo tão interessante quanto, nem mesmo com Julia Roberts e Susan Sarandon encabeçando o elenco.

Portanto, é difícil esperar que um filme com basicamente o mesmo tema dê muito certo nas mãos de Catherine Hardwicke que, convenhamos, não é tão boa diretora assim para conseguir lidar com um tema tão batido de maneira que atraia o interesse do espectador como se fosse novidade.

Mesmo tendo excelentes intenções no cenário cinematográfico e de empoderamento das mulheres ao se dedicar a filmes que tenham temáticas, elenco e equipe mais femininas, além de todos os roteiros de seus longas terem sido escritos por mulheres (ou em parceria com elas), é impossível em casos como esse de evitar cair no cliché até leviano.

Foram poucas as vezes que Hardwicke realmente ousou e deu certo, como fez no filme Aos 13 (Thirteen, 2003), em Os Reis de Dogtown (Lords Of Dogtown, 2005) ou até mesmo no seu mais recente curta metragem, Till It Happens To You (2015). Tanto é assim que o esforço para levar a trama por caminhos alternativos é bastante evidente, mas a roteirista Morwenna Banks apenas roda e roda para acabar caindo no mesmo lugar.

O trabalho que Toni Collette e Drew Barrymore desenvolvem é bastante interessante e até convincente porque as duas oferecem situações dramáticas e cômicas da mesma forma e em diferentes ocasiões, equilibrando e até mantendo o filme dentro de um platô seguro que não caia nem na piada pronta, e nem no choro fácil, até mesmo quando Collette resolve fazer a clássica cena de raspar os cabelos em frente a câmera.

Mas elas carregam o filme nas costas, tanto que é possível até sentir um certo cansaço de ambas para que tudo dê certo e funcione. A direção deixa a desejar, e sua opção pela câmera constantemente na mão e excesso de planos fechados, sempre focalizando mais o rosto das atrizes do que toda a cena e sua composição, são muito enjoativos. É como se ela pressionasse o espectador para notarem como elas estão sendo hilárias ou como elas estão sendo dramáticas. Não é assim que se constrói emoções e sentimentos.

Banks desenvolve uma trama extremamente difícil para as mulheres, que é o câncer de mama e as transformações durante o processo que interferem brutalmente no psicológico e na feminilidade da mulher, como a perda dos cabelos, a mutilação cirúrgica, o medo da rejeição e preconceito. E apesar de tantos erros essas situações até são construídas de maneira respeitosa e delicada, o que é bom e até um alívio.

As tramas paralelas também se desenvolvem sem tantos exageros, mas como todos os problemas que surgem são em decorrência da doença de Milly (Toni Collette) e suas consequências, esse efeito dominó no filme não é muito bem organizado, ficando pouco convincente e aleatório, como quando Jess (Drew Barrymore) afirma que Milly tem agido como alguém que usa a doença como desculpa para seus erros e problemas, quando o que ela mais fez durante a maior parte do filme foi totalmente o contrário. E aí fica bastante óbvio que, para criar um conflito momentâneo necessário para uma reviravolta estrutural na história, o roteiro tenta nos convencer de algo que ele não havia desenvolvido com clareza até então.

A relação de ambas só vai ficar realmente complicada no fim, quando a possibilidade de Milly se recuperar diminui cada vez mais. Como todo bom drama, é nesse ponto em que as atrizes dão tudo de si e fica impossível segurar as lágrimas e se sensibilizar de fato com toda a situação.

Mas como um todo, apesar de ser um tema pesado, essa tentativa de Hardwicke e Banks em tentar optar por caminhos alternativos aliviaram bastante o peso do drama inútil, e o bom humor predomina nos principais momentos. A pena de tudo é ser uma zona complicada demais para se explorar, porque já foi explorada com exaustão por outros diretores, sendo pouquíssimos os que se bem sucederam.

CONCLUSÃO...
Em resumo é mais um filme sessão da tarde ou de domingo, e que mesmo sendo bastante feminino, não é apenas para mulheres. Catherine Hardwicke e a roteirista Morwenna Banks até tentam sair da receita comum de se fazer um drama, mas é inevitável uma hora ou outra.

quarta-feira, 2 de março de 2016

NOSSOS 30 ANOS...

★★★★★★★☆
Título: Mistress America
Ano: 2015
Gênero: Comédia
Classificação: 12 anos
Direção: Noah Baumbach
Elenco: Greta Gerwig, Lola Kirk
País: Estados Unidos, Brasil
Duração: 84 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
A vida de Tracy era sem graça e desmotivante, até conhecer sua irmã postiça, Brooke.

O QUE TENHO A DIZER...
Se é fixação de Greta Gerwig em estar perdida no que ser ou fazer nos redores dos 30 anos em Nova York, então parece até justo considerá-la uma excelente aspirante a uma versão feminina, mais contemporânea e despretenciosa de Woody Allen. O que é uma excelente coisa visto que o cinema atualmente carece dessa autoria mais introspectiva, utilizando o cotidiano como uma análise pessoal de escolhas e vontades, e como ele interfere em tudo isso.

Em Frances Ha (2012), filme também dirigido por Baumbach e estrelado por Gerwig (e escrito pelos dois), a protagonista estava prestes a completar 30 anos e se encontrava na difícil situação de se encaixar em algum lugar. O que salvava Frances de crises existenciais era seu inabalável otimismo, que mesmo sem ter onde morar ou dinheiro para comer, conseguia enxergar nas pequenas coisas um motivo para seguir em frente. De qualquer forma, dentro de Frances havia uma frustração, uma agonia por ainda não ter conseguido chegar lá, naquele lugar que ela não sabia exatamente qual era.

Aqui a narrativa é pelo ponto de vista de Tracy (Lola Kirke), uma jovem que acabou de completar 20 anos e que está tendo dificuldades de se adaptar na rotina acadêmica da faculdade por sofrer de procrastinação e pela maneira um tanto inútil com que as matérias são conduzidas. Ela se sente desencaixada do mundo, pois as pessoas a sua volta não pensam como ela e não agem de maneira bastante inteligente como ela espera. Seu hobbie é escrever histórias, e sua aspiração é ser um dia uma grande e reconhecida escritora de sucesso, interessante e rodeada de pessoas importantes em um belo apartamento. Sua atual frustração é não conseguir fazer parte do seleto clube literário da faculdade, o único lugar no qual tem real interesse e acredita que será o ponto de partida de seu promissor futuro. Enquanto não consegue ser aceita pelo grupo, divide seu tempo trocando e comentando textos com seu único amigo e confidente, Tony (Matthew Shear).

Se ignorássemos a sinopse, seria até fácil imaginar que a atriz Lola Kirk representasse uma versão adolescente da protagonista e que a qualquer momento Gerwig entraria em cena em outro espaço e tempo como uma versão mais madura e atual, já que o início do filme causa essa impressão, além de Kirk ter uma semelhança física e comportamental com Gerwig muito grande. Mas na verdade Gerwig é Brooke, a irmã postiça que Tracy terá assim que seus respectivos pais se casarem. Elas não se conheciam, e quando isso acontece a identificação de ambas é imediata, quase simbiótica. O estilo de vida de Brooke, junto com sua personalidade extrovertida, livre e cativante a faz ser uma personagem marcante de uma fantasia que Tracy alimenta para si, aquilo que ela gostaria de ser, mas não imagina um futuro que a faça ser. E a partir de um comentário fantasioso de sua nova irmã, junto com todas as saudáveis impressões construídas, tudo a incentiva escrever sobre isso, e então a Mistress America do título (ou Dona America) surge, em conotação ao seu grande poder e importância.

Toda essa determinação e autoconfiança de Brooke nada mais são do que autodefesas para sua frustração e insatisfação em estar nos seus 30 anos mas sem ter conquistado algo sólido. Como ela mesma caracteriza, uma fase em que a cada ano que se passa as vontades aumentam e se tornam maiores porque as possibilidades se tornam cada vez menores. E tudo na vida da personagem agora se baseia apenas nisso. E por não ser um drama, o que faz toda essa desconfortante situação não se tornar um peso que puxe o filme para baixo é, justamente, o otimismo.

Sim, é como se Brooke desse sequência à vida de Frances na parceria anterior de Noah Baumbach e Greta Gerwig, onde Frances representa o começo de uma vida adulta insegura e indeterminada, e Brooke seja a segunda fase desse processo, em que o foco existe, mas as possibilidades ainda sejam limitadas. Ao mesmo tempo Tracy é um meio termo entre duas personagens tão cotidianas, talvez a caracterização da motivação que as fazem seguir em frente, independente das dificuldades.

É mais um filme interessante dos dois, que dá oportunidade para Gerwig novamente explorar esses conflitos e contradições da vida adulta jovem no seu tom bem humorado, peculiar e despretencioso. Uma visão um tanto "aestética" da realidade, ou seja, com certo tom de improviso, que não segue padrões estéticos convencionas, tal como uma música de Clarisse Falcão, em que tudo a princípio parece não ter ordem nem sentido, mas no fim tem compasso e coerência. E mesmo Gerwig saindo do protagonismo e dando maior espaço para Lola Kirk brilhar, é impossível não dar atenção ao seu carisma, sendo ele quem toma conta de toda a história no fim das contas.

E para Noah Baumbach, que dirige e também divide o roteiro com Gerwig, toda essa visão tragicômica das coisas é um prato cheio para sua perspicácia que igualmente evita o comum sem deixar de lado a vitalidade clássica das coisas, seja na segurança com que conduz as cenas, seja no caos organizado que consegue criar principalmente quando a história engata em alguma situação absurda que promete, como a visita de Brooke a uma antiga colega. É quando percebemos que o roteiro é muito mais sólido do que simplesmente um slice of life (representação de um pedaço da vida ou do cotidiano), mas um condensado contundente de que muitas das nossas vontades e aspirações afloram com o sucesso de outros, e sem querer essa cobiça se transforma em nossas piores frustrações numa cadeia que não tem idade para começar e nem para terminar.

O filme é leve e sem pretenções alguma, assim como foi Frances Ha, e nem por isso deixa de fazer seu espectador pensar sobre a vida ou se identificar com esses filmes e personagens. E tudo isso de forma muito simples e acessível, sem necessidade alguma de tomadas longas com discursos existenciais complexos e alienantes, pelo contrário, tudo dentro de um humor simples, inspirador e motivante.

CONCLUSÃO...
A parceria entre Baumbach e Gerwig é como Tracy e Brooke, e Mistress é mais um filme dos dois que dá certo e que de novo nos leva a fases complicadas da vida, mas que os dois conseguem sintetizar tudo com delicadeza e simplicidade.

terça-feira, 1 de março de 2016

MUDANÇAS E VALORES...

★★★★★★☆
Título: O Verão do Skylab (Le Skylab)
Ano: 2011
Gênero: Comédia
Classificação: 12 anos
Direção: Julie Delpy
Elenco: Julie Delpy, Eric Elmosnino, Emmanuelle Riva, Denis Menochet
País: França
Duração: 114 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Durante o verão de 1979, toda uma família francesa se reune para comemorar os 67 anos da matriarca, e aquilo que parecia uma reunião, se transformou em uma experiência marcante e transformadora.

O QUE TENHO A DIZER...
Julie Delpy é um daqueles multitalentos que raramente se vê. Ela dirige, escreve, atua, edita, compõe e canta. E é difícil citar apenas um que ela seja boa porque faz todos muito bem. Fazer parte da trilogia Antes do Amanhecer, Antes do Por do Sol e Antes da Meia Noite, não é o suficiente para resumir seu talento. Embora a abordagem aqui seja completamente diferente da comédia romântica 2 Dias Em Paris (2 Days In Paris, 2007), ou no drama histórico A Condessa (The Countess, 2009), Skylab não deixa de ser igualmente interessante.

Em uma viagem de trem com seu marido e filhos, Albertine (Karin Vilard) tenta reorganizar os passageiros do vagão para que sua família possa ficar unida. Sem sucesso, ela se senta separada dos demais, e por um momento se permite voltar ao passado. Suas memórias voltam ao verão de 1979, quando tinha apenas 11 anos e sua grandiosa família se reune às vésperas da primeira estação espacial, Skylab, reentrar na atmosfera por um acidente, ameaçando cair em algum território habitado.

Dessa vez Delpy mergulha em uma nostalgia resgatada de sua própria infância em um filme mais autobiográfico do que pareceu ser 2 Dias Em Paris, mas acima de tudo, nos traz de volta uma época que há muito foi esquecida, onde computadores, celulares e a internet não interferiam na natural decorrência de experiências e aventuras da idade. Uma época em que crianças brincavam livres nos quintais de suas casas, exploravam o mundo que as rodeavam e ouviam conversas adultas cujos significados pouco importavam. Adultos e crianças misturados, assuntos dos mais diversos com conotações sexuais e políticas que hoje soariam chocantes, mas eram tão naturais quanto fumar em ambientes fechados. E nem por isso a infância era perdida ou a inocência corrompida, nem mesmo em uma praia de nudismo. Cada um sabia sua idade, seu lugar, e seu respeito. Não havia excesso de malícia, e isso era o que bastava.

Em uma primeira parte a história não evolui muito além de embalar o espectador nessa viagem nostálgica um tanto Woody Allen de ser pelo ponto de vista da pequena e curiosa Albertine. É muito mais apreciada principalmente por quem nasceu entre os anos 70 e 90, pois irão se identificar mais facilmente com essa bagunça familiar costumeira e aquela sensação grandiosa da infância e pré adolescência de que tudo era possível e que apenas o céu era o limite.

Delpy desenvolve uma narrativa que faz toda uma época ter sentido, e constrói com imagens memórias e situações que se perderam com o tempo, como a da família como uma unidade inviolável mesmo entre escândalos da matriarca aniversariante na mesa de almoço enquanto uma discussão política acontece entre uma parte de esquerdistas feministas e outra de direitistas fascistas.

Mas em uma segunda parte, que coincidirá com a queda do Skylab, é quando Delpy emerge a densidade na história e a sensação de tudo estar passível de mudanças é exposto, desde o tio que voltou da guerra com profundos traumas psicológicos, ou até mesmo a própria Albertine que repentinamente atinge a puberdade, pegando todos de surpresa. Uma simbólica metáfora de que o tempo não para e que a modernidade tem feito a maturidade chegar mais precocemente do que se espera, e junto com ela a perda de certos valores morais que a própria Albertine adulta havia perdido. A diretora e roteirista usa a histeria coletiva da possível queda do Skylab como um excelente ponto de tragédia, seja para Albertine que se confronta pela primeira vez com a possibilidade de morrer, como será para os outros o fim de uma era de medo e dúvidas e o começo de um provável futuro promissor.

Com um visual memorável que relembra os principais detalhes da época, e uma bela fotografia que acentua mais ainda o poder familiar perdido e a importância da infância como um fator obrigatório de descobertas e mudanças, Skylab é delicado até mesmo nos momentos em que tenta ser denso, pois Delpy injeta comedidas doses de humor trágico para que esta comédia familiar não se transforme em um drama desnecessário. Afinal, a intenção é mostrar as aventuras e desventuras, os prazeres e desprazeres que transformam indivíduos tão únicos e diferentes em uma unidade tão forte sem uma razão óbvia.

Não é um filme de narrativa dinâmica ou hilária. Um pouco longo até sua conclusão por conta de excessos de cenas para construir essa atmosfera familiar com o espectador, mas que com o passar dos minutos se transforma em uma viagem interessante ao passado, contada de maneira bastante clássica e confortante mesmo assim. Porém, não entrega tudo aquilo que promete. Não é tão cativante quanto se espera, nem tão impressionante como parecia. Poderia ter estendido um pouco mais os conflitos políticos e as diferenças de ideais em um período de ascensão feminista e declínio de intenções comunistas, não pelo drama, mas pelos argumentos em si, pois os melhores diálogos do filme acontecem justamente quando esses temas são postos sobre a mesa.

CONCLUSÃO...
Uma bela e nostálgica viagem ao tempo que devolve valores há muito esquecidos. Se perde um pouco no tempo, se estendendo em situações que pouco levam a algo, e encurtando outras que fariam do roteiro algo não mais interessante, mas que traria um equilíbrio mais apreciável entre o humor cáustico de Delpy e a densidade que a história não construiu apropriadamente.
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