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segunda-feira, 29 de julho de 2013

TRANSE BANAL...

★★★★
Título: Em Transe (Trance)
Ano: 2013
Gênero: Ação, Suspense
Classificação: 14 anos
Direção: Danny Boyle
Elenco: James McAvoy, Vincent Cassel, Rosario Dawson
País: Reino Unido
Duração: 101 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um auxiliar de leilões se vê envolvido em uma trama onde é utilizada a hipnose para descobrir o paradeiro de uma obra de arte a qual sumiu sem vestígios de suas próprias mãos.

O QUE TENHO A DIZER...
Em Transe é dirigido pelo britânico Danny Boyle. Para quem já conhece sua tragetória e seus filmes, poderia dispensar comentários, mas para quem não conhece ou conhece pouco, vale a pena saber.

Não é à toa que Boyle é por mérito um dos melhores diretores contemporâneos, sua carreira e trajetória por si só demonstram isso. A principal razão é, sem dúvida, a linguagem visual que ele constrói, principalmente nas composições criadas para demonstrar situações bastante subjetivas como a psicose que gradualmente toma conta dos personagens no tardiamente reconhecido Cova Rasa (Shallow Grave, 1994) - um thriller independente que chamou atenção de muitos só quando foi cair nas prateleiras das locadoras, quando tudo ainda era VHS; ou a letargia psicotrópica no cult lisérgico e uma referência de uma geração chamada Trainspotting (1996) - o qual marcou tanto uma década que é difícil encontrar alguma pessoa que não faça referência a ele ou não tenha assistido; ou o horror realista e desesperador de uma guerra pandêmica incontrolável em Extermínio (28 Days Later, 2002); e a atenção dos pequenos aos mínimos detalhes em Quem Quer Ser Um Milhonário? (Slumdog Millionaire, 2008).

Teve filmes pouco expressivos ou lembrados, como o megaproduzido A Praia (The Beach, 2000), que não fez o sucesso esperado e recebeu críticas de mistas a negativas; ou o limite entre a ingenuidade e a corrupção moral do metafórico Caiu do Céu (Millions, 2004); além da brilhante e injustiçada ficção científica Sunshine (2007), uma das únicas homenagens ao clássico espacial de Kubrick que deu certo.

Os pontos altos da carreira do diretor ocorreram em dois momentos:

1) Extermínio, quando ele acertou em cheio ao alavancar o renascimento de um gênero basicamente esquecido, o "survivor horror" classicamente conhecido pela "Trilogia dos Mortos", de George Romero produzido entre as décadas de 70 e 80. Querendo ou não, este filme se tornou uma referência nos que foram lançados posteriormente - incluindo o atual Guerra Mundial Z (World War Z, 2013) - tanto que ganhou uma continuação em 2007 (dirigido pelo espanhol Juan Carlos Fresnadillo), além de uma campanha mundial de fãs que anseiam por um terceiro episódio que Boyle sempre cogitou a vontade de dirigir, mas que pelo excesso de produções e a falta de uma idéia inovadora sejam motivos para ele não realizá-lo.

2) Quem Quer Ser Um Milhonário?, talvez o auge de sua consagração até o momento, além de um dos seus filmes mais redondos e perfeccionistas no sentido narrativo e técnico. O filme concorreu a 10 Oscars, levando 8, incluindo Melhor Diretor e Melhor Filme, dando oportunidade para, dois anos depois, ele novamente acertar com 127 Horas (127 Hours, 2010), novamente utilizando o jogo de imagens para reproduzir a angústia e o sofrimento da solidão e do desespero. Outra vez concorreu a 6 Oscars, incluindo Melhor Filme.

E assim é a carreira de Boyle. Entre altos e baixos e filmes que se bem sucedem ou não, ele é um diretor relevante que conseguiu reestilizar as maneiras de se contar histórias através do apelo visual, em edições ágeis e cortes precisos que exigem atenção do espectador e, inclusive, uma atividade cerebral de leitura dinâmica de imagens, despertanto associações automáticas e uma certa noção semiótica de forma bastante natural e até mesmo didática, dispensando a necessidade de conhecimentos técnicos de tudo isso para haver a compreensão.

Mas claro que uma carreira não é brilhante integralmente, e Boyle já errou em filmes como Por Uma Vida Menos Ordinária (A Life Less Ordinary, 1997) e, agora, com Em Transe.

Em Transe é novamente Boyle brincando com imagens. O filme vem erroneamente sendo associado a Trainspotting (embora Boyle já tenha cogitado a idéia de dirigir uma continuação deste título), e muito do que ele realizou no seu primeiro grande cult está aqui nas edições, nos cortes, o uso do subliminar e também da omissão de informações. Com essas táticas chaves, algumas utilizadas mais, outras menos, ele constrói uma história que engana o espectador a todo momento com cenas confusas e - por poucas vezes - surreais que levam o espectador a se surpreender através da falsa dedução criada pelas ferramentas que Boyle oferece para isso. Isso seria brilhante, caso o filme não tivesse caído em fadados clichés que não costumam ser característicos do diretor.

O filme conta a história de Simon (James McAvoy), um auxiliar de leilões treinado para salvar os objetos valiosos em situações de risco. Obviamente que, durante um leilão, ele seria vítima de um assalto. Agindo de forma ágil para salvar a obra de arte, durante o procedimento de segurança ele é abordado pelo assaltante Franck (Vincent Cassel), que o golpeia na cabeça deixando-o em coma. O problema é que quando Franck abre a bolsa, descobre que dentro dela há apenas a moldura sem a tela. Ao se recuperar, Simon é novamente capturado por Franck, que quer saber onde ele escondeu a obra de arte, mas Simon não sabe dizer, já que agora sofre de uma amnésia que não se sabe se é temporária ou não. Franck busca alternativas e descobre que a hipnose pode ajudar Simon a descobrir o paradeiro da tela. É quando entra em cena a terapeuta Elizabeth (Rosario Dawson), que será uma peça chave para todo o desfecho da trama.

Assim como todos seus filmes anteriores, Em Transe é visualmente interessante, e poderia ter sido excelente se não fosse tão confuso e obsoleto. Assim como dito por Rubens Ewald, o filme até poderia ter funcionado em outra época, quando o uso de uma tática/justificativa tão boba como a hipnose para buscar a solução de fatos insolucionáveis ainda não era banalizado, ou numa época em que filmes de ação com situações absurdas não causavam constrangimento.

A verdade é que, para um diretor tão preciso e atento a detalhes sérios e realistas até mesmo quando fictícios, este filme soa como um grande acidente de percurso. O roteirista Joe Ahearne apresentou o roteiro do filme pela primeira vez a Boyle em meados de 1994, o qual foi recusado pelo diretor que alegou que o filme poderia ser bastante difícil para um roteirista iniciante. Em 2001 o roteirista conseguiu transformar a história em um filme para a televisão, e apenas em 2011 Boyle teve o interesse de dirigí-lo para o cinema com auxílio do roteirista e amigo John Hodge. Mas devido aos preparativos das Olimpíadas em Londres (a qual Boyle foi responsável pela direção da abertura e encerramento), o filme teve um atraso na sua finalização, e a pós produção ocorreu apenas no final de 2012.

A qualidade da produção é indiscutível. As características de Boyle estão explícitas a todo momento. A câmera ágil que busca ângulos inusitados, o jogo de imagens que Boyle faz para criar a atmosfera confusa, a atenção a detalhes e a fluidez. A habilidade do diretor em lidar com tudo isso de forma sublime é inegável, mas o roteiro, mesmo tendo quase duas décadas para ser maturado, não conseguiu deixar de lado o ranso do tempo, sofrendo de absurdos que não cabem mais no século XXI, ainda mais com a facilidade de se encontrar informações sobre qualquer coisa e em qualquer lugar. Chega a ser até constrangedor um erro como o do momento em que estão todos os persnagens em um carro com um cadáver apodrecido no porta mala há semanas e ninguém nem ao menos ter percebido. Só esta pequena situação já coloca o filme com um dos piores desenvolvimentos que assisti nos últimos anos.

Querendo ou não querendo o filme explora a atitude do sonho inconsciente e consciente, além da possibilidade da implantação de idéias, tal qual ocorreu na tentativa frustrada do filme A Origem (Inception, 2010). A diferença é que, visualmente, o contexto de Boyle é muito mais verossímel e sinestésico do que no filme de Chritopher Nolan, justamente pela experiência de Boyle em brincar com imagens e sensações ser maior e a grande característica e trunfo de seus filmes. Mas o roteiro mal desenvolvido não evitou sair da essência interessante para cair no grande cliché romântico. Também não se atentou por construções mais simples, e o resultado de tudo isso é um filme que, tal qual como o filme de Brian De Palma que recentemente assisti, Passion (2012), ele pode até ter uma grande coerência dentro da idéia do próprio diretor, mas para o público em geral - até mesmo para seus fãs - tudo vai soar como algo sem sentido ou fundamento, pois a tentativa de compreendê-lo se torna fútil e frustrante por conta de uma linguagem extremamente complicada para uma resolução simples. Ou seja, pra mim, é aquilo que chamo de redundância cinematográfica, algo que soma absolutamente nada, embora tente demonstrar e fazer o espectador acreditar no contrário a todo momento.

CONCLUSÃO...
Um erro no percurso brilhante na carreira de Boyle. Em Transe pode até ser visualmente interessante e até se bem suceder ao conseguir enganar o espectador utilizando truques de edição e omissão, mas sua resolução se torna boba conforme as peças se encaixam e o espectador conclui a trama. Uma pena e um desperdício que pode até ser salvo pelo ótimo elenco e as habilidades natas de Boyle, mas o roteiro furado se destaca pelo excesso de exageros desnecessários.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

A MAIOR HISTÓRIA DE AMOR DE TODAS...

★★★★★★★★★☆
Título: Antes da Meia Noite (Before Midnight)
Ano: 2013
Gênero: Drama, Comédia, Romance
Classificação: 14 anos
Direção: Richard Linklater
Elenco: Ethan Hawke, Julie Delpy
País: Estados Unidos
Duração: 109 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Nove anos novamente se passaram. Celine e Jesse agora não são mais jovens como há 18 anos atrás, e nem estão na crise dos 30 anos como nove anos antes. Eles agora passaram dos 40, e junto com a idade chegaram outras responsabilidades e outra forma de enxergar um futuro não diferente, mas mais concreto e definido do que aquele que viam quando se conheceram.

O QUE TENHO A DIZER...
Em 1995 Richard Linklater teve uma idéia simples e que sem querer mudou a linguagem do que significa uma comédia romântica e nos maravilhou ao apresentar a francesa Celine (Julie Delpy) e norte-americano Jesse (Ethan Hawke), duas pessoas que se conheceram no vagão de um trem para Viena, ambos no auge da juventude e de sonhos a serem realizados e concretizados numa mistura entre a linguagem francesa e americana de se contar uma história de amor genuína.

A narrativa intimista de um filme simplesmente baseado no diálogo entre apenas dois personagens teria soado entediante, mas a forma como Linklater conduziu tudo, juntamente com a naturalidade e a química entre os dois atores e os diálogos inteligentes que vagavam aleatoriamente entre assuntos políticos, ironias, divagações e um certo cinismo romântico foram a porta de entrada para uma intimidade que nascia naturalmente aos olhos de quem os via, e o melhor, nos fez acreditar que aquilo era verdade.

Poderia soar como um conto de fadas moderno, onde duas pessoas se encontram por um puro acidente de percurso e sem querer descobrem o grande sentido da vida e do amor em sua forma mais plena, natural e espontânea. Tudo era perfeito, com excessão do tempo, que a cada minuto que passava encurtava as esperanças e aumentava as expectativas. E ao amanhecer o filme acabou com um ponto de interrogação que marcou o gênero naquela década. Jesse voltou para os Estados Unidos, e Celine voltou para Paris, e quem os conheceu ficou na dúvida se eles realmente se encontraram um ano depois como eles combinaram e descombinaram até finalmente entrarem em um acordo de se reencontrarem no mesmo lugar exatamente um ano depois a partir daquele dia.

O final não foi feliz, mas também não significou o contrário. Linklater deixou a situação aberta para todos terem a liberdade de construírem a própria continuação para ambos. Mas Antes do Amanhecer (Before Sunrise, 1995) foi uma surpresa tão grande para os amantes de cinema que a dúvida se transformou em um grande eco e deixou um gosto de querer mais tão forte que, em 2004, ele, bem como os atores, voltaram a se reunir para filmar uma inesperada continuação. E assim Antes do Pôr do Sol (Before Sunset) marcou o segundo capítulo de uma história que teve um brilhante início, e que foi digno de uma continuação tão boa quanto.

No segundo filme o diretor e roteirista agora contava com o apoio dos atores no roteiro, que improvisaram nos diálogos a maior parte do tempo, rendendo mais um episódio baseado em diálogos que agora voltavam ao passado para justificarem o presente. Agora Jesse era um escritor famoso, que transpôs para as páginas um romance vivido por ele mesmo nove anos antes e que agora se tornara um Best Seller, e durante o período de promoção em Paris, Celine o encontra por acaso em uma tarde de autógrafos. O filme novamente foi uma surpresa agradável no gênero, por ter sido uma continuação e por ter mantido (e muitas vezes elevado) as características e qualidades do primeiro, matando uma sede deixada com gosto. O estilo narrativo foi o mesmo, mas os pontos de vista começaram a apresentar mudanças até culminarem em um final novamente dúbio e livre para qualquer adaptação pessoal.

Em 2012 a notícia de que a possibilidade de uma terceira parte estava no plano deste triângulo vazou nas páginas de notícias de cinema de todo o mundo, e os fãs aguardaram avidamente, discutindo e imaginando que rumos os personagens principais tomariam, e que rumos o filme teria em uma idéia que já parecia limitada.

Eis que, finalmente, Antes da Meia Noite (Before Midnight, 2013) foi lançado no Festival de Sundance 2013 sob forte expectativa. E ele não fez feio. Para aqueles que acompanharam a tragetória daquilo que se transformou na maior história do verdadeiro amor no cinema, não houve um momento sequer no qual não pudéssemos nos identificar com ambos em alguma mínima parte da história.

A narrativa mudou drasticamente, e a situação intimista deu espaço para uma narrativa mais objetiva e distante, e de apenas um simples observador oculto, o espectador se transformou em um personagem indeterminado e presente num constante clima de intensa intimidade e tensão, como uma parte viva do dia a dia dos personagens, como velhos amigos, já que agora eles já estão com suas vidas contruídas e definidas da mesma forma como a nossa vida também continuou. Essa mudança drástica a princípio desaponta, mas pouco a pouco ela se justifica e se sustenta.

Nos dois primeiros filmes víamos Celine e Jesse juntos a todo o tempo, como duas pessoas realmente feitas uma para a outra em uma constante esperança de viverem felizes para sempre. Agora que o "felizes para sempre" se tornou uma realidade, o cenário mudou e vemos ambos como um casal que se ama, mas pouco a pouco se distanciou pela constante rotina inevitável de qualquer relação. Jesse no seu constante mundo fantástico de escritor que abadonou toda sua vida americana, e Celine no seu mundo real que pouco a pouco a transformou em uma mulher dedicada a seus filhos e a sua própria família, e ambos chegaram a um ponto de terem deixado de lado seus próprios desejos e vontades que conflitam constantemente com a decisão de terem resolvido ficar juntos tal qual o destino havia previsto.

Os momentos desconfortáveis e que refletem essas crises e a natural acomodação de uma relação são vários, mas há também os momentos onde a nostalgia ressurge, dando espaço para ambos terem momentos que os levam a reviver um passado que nunca é esquecido, mas se tornou arbitrário ora para um, ora para outro, e aquela progressão narrativa e retilínea que existiu entre ambos no passado agora se transformou em uma variação de altos e baixos inevitável do convívio e do casamento.

Por vários momentos o filme toma o rumo semelhante e cômico - mas sem deixar de ser realista - ao criado por July Delpy no seu projeto paralelo e independente de 2007, 2 Dias Em Paris (2 Days In Paris), mas obviamente que o tom de seriedade criado por Linklater não apenas são expostos na construção narrativa como também na forma como ele constrói as cenas e os obstáculos que se interpõem entre os dois personagens, que se aproximam e se repelem conforme a mudança de seus polos. Nos dois primeiros filmes, enquanto a câmera era um objeto que os unia, agora a câmera é um objeto que os separa, incomoda e constrange.

Como dito, a nostalgia é presente e uma constante logo após os primeiros 10 minutos de filme, e para quem acompanhou toda a trajetória de Jesse e Celine, chega a brotar lágrimas de satisfação quando os créditos iniciais aparecem, e vemos Jesse caminhando em direção a Celine pela primeira vez. Ou no momento em que, em uma cena bastante simbólica, ambos assistem o pôr do sol no horizonte da península grega do Peloponeso.

CONCLUSÃO...
Nostálgico, por vezes desconfortável e uma grande guinada narrativa em comparação aos anteriores, Antes da Meia Noite é uma terceira parte coerente e cheia de simbolismos em uma grande história construída em 18 anos. E como li em algum lugar, passaria a vida inteira assistindo a história de ambos a cada 9 anos até Linklater, Hawke e Delpy resolverem fazer a sua própria versão de Amor (Amour, 2012).

sábado, 13 de julho de 2013

O QUE RICHARD É?

★★★★★★★★
Título: O Que Richard Fez (What Richard Did)
Ano: 2012
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Lenny Abramhanson
Elenco: Jack Reynor, Roisin Murphy, Sam Keeley, Fionn Walton, Lars Mikkelsen
País: Irlanda
Duração: 88 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Richard é um jovem bonito, educado, inteligente e popular, que usufrui seu tempo em reuniões saudáveis com seus amigos, em festas particulares, na casa de praia e defendendo seu time de rugby no colégio. Mas em uma noite ele, assim como todos que se relacionam com ele, descobrirão que há uma grande diferença entre aquilo que acreditavam ser, com aquilo que realmente são.

O QUE TENHO A DIZER...
Este filme é uma pequena pérola irlandesa levemente baseada no livro Bad Day In Blackrock (2008), de Kevin Power. O livro, por sua vez, também é levemente baseado em uma história real ocorrida no ano de 2000 em Dublin, quando um jovem estudante chamado Brian Murphy morreu após um violento assalto ao sair de uma casa noturna. Em 2012 ganhou o prêmio de Melhor Filme Irlandês, além de ter sido o filme de maior sucesso comercial do país. Também fez parte da seleção de filmes do Festival de Tribeca 2013, um dos festivais contemporâneos de grande importância e atuação nos EUA quando o assunto é sobre festivais internacionais.

Embora seja irlandês, o filme é em inglês e o cenário de Dublin não parece ser por acaso, já que é uma das capitais mais culturalmente movimentadas, ecléticas e de vida noturna ativa não apenas do país, mas também da Europa, sendo considerada uma das capitais mais jovens do continente, com aproximadamente 50% da população com menos de 25 anos. Logo, o filme começa mostrando a vida de Richard (Jack Reynor), um jovem estudante de classe média alta, bonito, inteligente, educado e rodeado de amigos interessantes e bastante informados cultural e socialmente. Eles se respeitam e interagem sem problemas ou abusos, e assim seguem suas vidas estudando, defendendo o time de rugby do colégio e curtindo a vida em festas privadas ou na casa de praia. O estilo de vida livre e ponderado não poderia ser mais perfeito para ele, que acredita que tudo é possível e atingível. Além de todas as qualidades, Richard também é um garoto apaixonado por Lara Hogan (Roisin Murphy - não confundir com a também cantora irlandesa de mesmo nome), que depois de algumas tentativas felizes consegue conquistar a jovem que tem uma relação indefinida com Cian (Fionn Walton). Tudo flui bem até que em uma fatídica noite tudo é jogado ao chão, quando não apenas ele, mas todos que se relacionam com Richard, descobrem que existe uma grande diferença entre aquilo que imaginamos ser e aquilo que realmente somos.

Não há nada de surpreendente, e o desenvolvimento da história é até bastante previsível a começar por conta do próprio título. Mas o que Richard fez extrapola apenas o que foi feito de fato e segue para o caminho mais substancial que nos faz perguntar "o que Richard é?". E assim o personagem deixa de ser algo, para se transformar em uma referência de nós mesmos e da nossa própria natureza: pessoas capazes de ignorar os limites e de não imaginar que pequenos atos irracionais serão responsáveis por mudanças muitas vezes irremediáveis nas nossas vidas.

Aquilo que somos está em nossa essência, que muitas vezes escondemos ou ocultamos, pois são capazes de comprometer nossa moral e caráter, e fazemos isso em um controle consciente. Todo o ser vivo é dotado da reação de fuga e proteção, reações primitivas de sobrevivência e manutenção da vida. Quando este gatilho é disparado perdemos nosso controle consciente, agindo e reagindo de forma instintiva e impensável. É neste momento que o ser humano, em específico, deixa transparecer sua verdadeira essência, pois o instinto de sobrevivência anula os controles que temos sobre a moral e o caráter. 

A tragetória do personagem é pintada dessa forma, como a de um grande e promissor jovem (a imagem montada pela moral e caráter) para um "monstro" manipulador e mentiroso (a essência instintiva), e o mesmo acontece com todos os demais personagens que passam do controle para o ato instintivo conforme o filme progride e as situações exigem. Porém, entre essas atitudes há outra condição inerente do ser humano chamada culpa. A culpa traz o conflito, que nos faz buscar constantemente a redenção e o perdão, independente de qual ele seja.

A solução para o espectador, que toma o papel de observador, álibi e também de julgador, parece bastante simples, mas o interessante é que a narrativa precisa consegue nos colocar dentro dos conflitos vividos por eles e principalmente por Richard. Conseguimos ter a nítida sensação de como seria estar em seu lugar. Há também o peso da culpa e o sofrimento trazidos pela perda da razão. Talvez a cena que mais deixa explícita essa nuance do controle do consciente/instintivo e o conflito entre eles, é quando Richard confessa a seu pai o que realmente aconteceu. Sentimos o instinto do personagem em tentar controlar seus conflitos e manipular tudo de alguma forma para se abster da culpa, até que em um impulso inconsciente, a verdade sai como um desabafo. É doloroso, mas um alívio até mesmo para o espectador, que até o momento estava com a respiração presa por conta da angústia que o filme constrói com naturalidade.

Aliás, naturalidade é o que mais existe aqui. Abrahamson consegue mostar uma história sobre adolescentes de maneira verdadeira, onde vemos os personagens falando, agindo e se relacionando dentro de linguagens e maneirismos da idade, fugindo de clichés e estereótipos sem alterar sua natureza. Ele faz questão de não fazer de tudo algo simplesmente regado a festas, drogas e sexo, como é costumeiro em filmes do gênero. Há muito mais do que isso. O diretor mostra como a adolescência é a melhor fase da vida, bem como suas transformações até a maturidade. Tudo isso é observado na primeira parte do filme, a relação e o respeito mostrado por eles chega a ser até utópico, mas bonito, motivador e realmente exemplos daquilo que realmente deveria ser. Mas infelizmente a segunda parte do filme é nos jogar na cara como tudo realmente é, e como ainda temos (ou tivemos) muito a aparender, mas foi ignorado por pequenas atitudes engatilhadas pela perda da razão.

O único cliché que o diretor não fez questão de se desvincular para o bem da narrativa foi o romance entre Richard e Lara, e ter transformado a relação entre eles a fonte da redenção e do perdão do personagem, mas da mesma forma mostrando isso de forma simbólica, que significa as pequenas coisas às quais nos apegamos nos momentos de conflito e culpa e que somente eles bastam para tocarmos a vida para frente e ignorar até mesmo as grandes dores e sofrimentos, como a colocar um pano quente sobre tudo, o que pode ser um pouco frustrante para aqueles que esperavam uma atitude mais coerente do personagem. Mas aí é o personagem agindo novamente em sua essência.

CONCLUSÃO...
O Que Richard Fez é uma análise sucinta da própria natureza do homem, e como uma simples atitude pode colocar nossas atitudes conscientes e inconscientes em conflito, dando abertura para as mínimas coisas responsáveis por corromper nosso caráter.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

FRIO, FRUSTRANTE E SUPERFICIAL...

★★★★
Título: Passion
Ano: 2012
Gênero: Suspense
Classificação: 14 anos
Direção: Brian De Palma
Elenco: Rachel McAdams, Noomi Rapace, Karoline Herfurth, Paul Anderson
País: França, Alemanha
Duração: 105 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Sobre a rivalidade entre uma chefe manipuladora de uma agência de publicidade e sua mais competente ajudante, passando pelo roubo de idéia, da humilhação pública até o crime.

O QUE TENHO A DIZER...
Passion é dirigido pelo já antológico Brian De Palma, mas não é uma obra original, sendo um remake do filme francês Crime D'amour (2010), estrelando Ludivine Sagnier e Kristin Scott Thomas. De Palma, há quatro décadas na indústria, ficou famoso por títulos realmente muito bons no passado e até originais, o que faz esse remake soar um tanto desnecessário, ainda mais em um intervalo de apenas 2 anos entre o original e essa nova versão.

No começo da carreira De Palma foi taxado como o "mestre do macabro", por causa do estrondoso sucesso e ícone do terror chamado Carrie (1976) e também de alguns títulos anteriores a ele, pouco conhecidos. Isso foi uma certa alusão ao título de "mestre do suspense" que acompanhava o nome de Hitchcock, diretor o qual De Palma nunca escondeu ser extremamente influenciado e um grande admirador, referenciando e se apropriando do estilo hitchcockiano de maneira óbvia, trazendo muita revolta por parte de uns e admiração por parte de outros, levando a crítica a julgar suas obras como plágios (um absurdo) e De Palma ser duramente taxado como um subdiretor de subprodutos (outro absurdo). A verdade é que ele foi um dos únicos diretores populares de Hollywood a se atrever a isso e, de uma forma ou de outra, se bem suceder, já que essas apropriações acabavam tendo coerência nos contextos e acabaram indo além do que Hitchcock propunha. Hitch só não foi adiante pois sua época não permitia, mas na época de De Palma isso foi possível, e foi o que ele fez. As constantes referências a outro diretores e obras se estenderam durante toda sua carreira e virou uma parte fixa de seu estilo, mas a verdade é que o diretor é eclético. Obviamente seu estilo preferido é o suspense psicológico recheado de erotismo (eu falei erotismo e não sexo), mas ele já fez drama, tentou arriscar na comédia, fez filmes de ação, ficção científica e por aí vai. Ele nunca sequer concorreu a um Oscar, e seus melhores títulos como Scarface (1983) ou Os Intocáveis (The Untouchables, 1987), foram esnobados sem piedade. Por isso ele também figura na gigante lista dos injustiçados.

Além disso, De Palma também criou, dentro de tantas referências, usos e abusos, uma maneira própria de dirigir e compor suas cenas, como as filmagens anguladas, os takes longos e sem cortes, o excesso da câmera lenta, os travellings em 360 graus e, talvez o mais marcante deles, a divisão de tela, mostrando duas (ou mais) diferentes ações em um única cena.

Mas do meio da década de 90 pra cá, De Palma parece não acertar uma. Seu último grande sucesso foi Missão Impossível por ter sido comercial, e os filmes que o sucederam foram grandes naufrágios. Todos os títulos não são ao todo de uma qualidade inegável como a que ele já chegou a ter um dia, embora vale-se dizer que devem ser assistidos por qualidades ímpares e detalhes que apenas De Palma tem certa ousadia em realizar, como a sequencia incial sem cortes de Olhos de Serpente (Snake Eyes, 1998), onde tudo é feito numa sincronia em um deleite para os amantes de takes contínuos; ou o exagero do glamur perigoso e sua tentativa de personificar os tipos femininos que sempre foram presentes no seu estilo em Femme Fatale (2002); ou até mesmo o noir de Dália Negra (Black Dahlia, 2006), baseado na tetralogia de James Elroy - a mesma série de livros que inclui a adaptação Los Angeles - Cidade Proibida (L.A. Confidential, 1997), um grande título que passou despercebido.

Em Passion, De Palma não foge daquilo que mais gosta: do glamour, das femme fatales, do suspense progressivo e do desenvolver lento das histórias até atingir o ápice. Aqui ele reune duas atrizes: a canadense Rachel McAdams e a sueca Noomi Rapace, em uma trama de ambição, obsessão e traição que a princípio foi promovida como um grande thriller erótico e um retorno do diretor à forma, mas que se transforma mais em um grande golpe de marketing do que uma realidade.

O filme já começa como se já estivesse no meio, onde as personagens Christine (Rachel McAdams) e Isabelle (Noomi Rapace) estão em uma sala discutindo o futuro de um grande projeto publicitário que está fadado ao fracasso e poderá colocar o pescoço de ambas pra rolar. Logo no começo é possível perceber uma certa ironia ou um tom de deboche do diretor, pois a começar pelo projeto publicitário das personagens, há uma cafonice enlatada, exagerada e risível no ar, algo do tipo: "não é possível que uma agência tão importante chamaria isso de genial". O senso de humor de De Palma sempre esteve presente, mas aqui é dúbio e não sabemos se podemos confiar no diretor em levar o filme a sério porque esse absurdo causa desconforto.

Christine é a chefe de uma importante agência publicitária, e Isabelle é sua ambiciosa pupila, que vislumbra em sua chefe - com ar de recatada inveja - o futuro que gostaria de alcançar. Christine é a típica chefe mandona e manipuladora que tenta fazer de Isabelle a sua grande marionete e o aeroporto para seus voos mais altos, o estereótipo que a gente cansou de ver por Meryl Streep em O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada, 2006), ou numa relação até bastante similar entre Glenn Close e Rose Byrne no seriado Damages (2007-2012), ou até mesmo por Sandra Bullock em A Proposta (The Proposal, 2009). Até o tom de Rachel McAdams a dizer "isso é tudo" (that's all), a frase que marcou a personagem de Meryl Streep, soa uma "cópia". Tudo isso já é visto e todo esse tom estranho é logo previsto apenas nos 15 minutos iniciais, além de sabermos que o desenrolar da história não será nada agradável para ambas personagens.

Posteriormente o filme muda o tom, caindo para uma rivalidade empresarial que culmina no abuso do poder e em humilhações constantes, desenvolvendo um assédio moral (bulling) bastante evidente e que, por incrível que pareça, é real em diversos ambientes corporativos. É um assunto sério, ignorado, que só é sentido por aqueles que já sofreram, e isso é transposto para a tela de forma bastante convincente e um dos raros momentos onde De Palma não parece zombar.

A impressão que se tem é que o filme finalmente engatou. Ele até referencia Hitchcock novamente na sequencia do crime. É uma cena rápida, com um violino de Pino Donaggio bastante semelhante ao de Bernard Herrmann em Psicose (Psycho, 1960), uma cópia feia, mal feita e desafinada, mas que combina com a cena violenta e impactante e que é assim justamente por durar apenas 5 segundos. Não há como negar que essa agilidade é uma das melhores de todo o filme e poderia ter caído facilmente numa desgraça qualquer. Mas é quando entramos para uma terceira parte que sentimos o diretor degolando cada um dos espectadores, adentrando em um território psicológico confuso que tenta explorar as ilusões do inconsciente, e até que ponto ele se torna consciente e real. Tudo é explorado por imagens e cenografia. É a partir do uso das sombras, das angulações, dos travellings e edição que o diretor vai mostrar as diferentes condições da personagem e não explorando seus comportamentos, chega até a ser algo experimental, mas  De Palma já experimentou tudo isso antes, o que dá uma sensação superficial e de que o desenvolvimento podia ter sido melhor para um diretor tão experiente e cheio de truques.

Óbvio que todo o estilo e as características clássicas do diretor são jogadas na tela nos momentos típicos e previsíveis, e o que De Palma mais gosta de fazer é enganar o público com imagens, como em uma hipnose. Tudo está claro e evidente durante todo o filme, mas a forma como ele encaixa as peças nos coloca na dúvida até mesmo nos momentos de certeza, enganando o espectador com sua marca registrada da tela dividida ao trabalhar com a mudança do foco. Seu estilo pode até soar datado em certos momentos, mas é nostálgico revê-los outra vez e outra vez, filme após filme, e embora o diretor já tenha quatro décadas de trabalho, ainda consegue se manter atual e um símbolo nato do que é criar uma atmosfera adequada a cada história. Mas nesse filme em especial há muito mais erros do que acertos.

O grande problema de Passion é que ele demonstra a todo instante que não foi levado a sério como deveria, e sua narrativa nunca explode para uma conclusão que ofereça um grande êxtase final depois de tantos enquadramentos perfeitos, fotografias deslumbrantes e a exploração de imagens. Pelo contrário, o que é feio passa a se destacar em demasia até cair em uma cachoeira de defeitos (talvez) propositais, o que podem até fazer muito sentido para todo o contexto e para a idéia pessoal do diretor, mas a dificuldade toda é que não vale a pena se esforçar tanto para (tentar) compreender tudo isso em um roteiro que começa com uma grande força, mas depois soa pobre e ultrajado em si mesmo.

A química entre as atrizes é boa e talvez até convincente, mas McAdams, que despontou como uma estrela há poucos anos e ainda se mantém numa crescente ascenção que nunca explode, não é uma atriz de muitos filmes, mas seus constantes investimentos em papéis tolos de comédias românticas simplórias tiraram dela aquilo que ela mostrava ser no começo da carreira: uma menina delicada de voz meiga, mas de presença, que sabia escolher pequenos e bons filmes. O papel representado por ela aqui não foge muito de uma versão adulta do ícone teen, pop e moderno da maldade que ela construiu no passado chamada Regina George, de Meninas Malvadas (Mean Girls, 2004), a diferença é que seu desempenho no filme adolescente é muito mais marcante do que aqui, onde sua postura de mulher bem sucedida e requintada beira ao inadequado cliché, mas não deixa de ter seus momentos marcantes por conta das habilidades do diretor.

O mesmo pode ser dito sobre Noomi Rapace, que virou um grande nome a partir do momento que Hollywood resolveu importá-la e se apropriar do sucesso que a trilogia original da adaptação da série Millenium estava fazendo pelo mundo. Noomi não é uma atriz delicada e carismática, seu jeito matrão e seus traços fortes não condizem com certa delicadeza e ingenuidade que a personagem por vezes tenta demonstrar, mas ela consegue transparecer as emoções nos tons exatos em alguns momentos, o que é interessante.

Mas como um todo, embora seja interessante visualmente, é um desperdício de trabalho em uma carreira tão brilhante quanto a de De Palma. Passion não recebeu críticas positivas, não foi bem recepcionado pelo público e vai ter uma reestréia comercial em Agosto nos Estados Unidos, talvez numa tentativa já falida de pegar carona em algum público que com certeza irá assistir esperando um grande thriller erótico lésbico, mas que sairá absolutamente decepcionado, pois não irá encontrar nada além de frustração, principalmente seus fãs.

CONCLUSÃO...
De Palma ainda continua sendo um grande diretor e ilusionista, sua tentativa em explorar mais as imagens do que os personagens é sempre válida, mas nesse filme chega a soar superficial, parecendo mais uma perda de tempo do que uma grande experiência. Uma pena, para um diretor com um imenso talento.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

ZUMBIS PARA GENTE GRANDE...

★★★★★★★★
Título: Guerra Mundial Z (World War Z)
Ano: 2013
Gênero: Ação, Suspense, Terror
Classificação: 14 anos
Direção: Marc Forster
Elenco: Brad Pitt, Mireille Enos, Daniella Kertesz, Fana Mokoena
País: Estados Unidos, Malta
Duração: 116 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um ex-investigador federal norte-americano é obrigado pelo governo a auxiliar uma equipe que está atrás do Paciente 0 ou de uma possibilidade de cura para um provável vírus que está transformando a população mundial em mortos-vivos.

O QUE TENHO A DIZER...
Não me espanta que Guerra Mundial Z tem sido bem recebido. Em 3 semanas de exibição ele já arrecadou mais de US$366 milhões no mundo. O filme é baseado no livro de Max Brooks (que curiosamente é filho do diretor de comédias Mel Brooks), chamado World War Z: An Oral Story About The Zombie War. O livro foi lançado em 2006, e imediatamente a Paramount Pictures, juntamente com a produtora de Brad Pitt, Plan B, compraram os direitos, algo um tanto óbvio numa década que os mortos-vivos ressurgiram com grande força.

Por isso que, ao contrário do que a Rolling Stones publicou - e além do que muita gente pode achar agora - zumbis não estão na moda. Salvo este título, estão novamente bem decadentes tal qual ficaram no começo da década de 90.

Depois de tantas produções ruins, como a interminável e desnecessária série Resident Evil (que terá uma sexta continuação ano que vem), além do seriado The Walking Dead, que resolveu sugar tudo que foi feito até hoje desde os filmes de Romero, bater no liquidificador e utilizar tudo sem vergonha alguma, o gênero novamente voltou a ficar cansado de boas idéias e se GMZ surgiu muito tarde ou não é uma dúvida real.

A função de diferenciar e a necessidade de alguém hora ou outra surgir com algo inusitado se vale pela ousadia de alguns diretores que sairam um pouco da obviedade em um passado curto. Tudo começou inesperadamente com o britânico Danny Boyle ao aparecer com o genial e tenso Extermínio (28 Days Later, 2002). Posteriormente surgiu Zack Snyder e o remake de um dos clássico da primeira trilogia de Romero, Madrugada dos Mortos (Dawn Of The Dead, 2004), isso numa época que ele ainda nem era famoso por 300 (2006) ou ter feito Superman novamente vingar com O Homem de Aço (Man Of Steel, 2013). Danny Boyle saiu da direção e só assinou a produção de Extermínio 2 (28 Weeks Later), dirigido firmemente pelo espanhol Juan Carlos Fresnadillo. Posteriormente teve o espanhol REC (2007), que poderia perfeitamente ter dado continuidade na franquia que Danny Boyle tentou criar, mas que jogou fora uma grande idéia em mais duas continuações inferiores (uma terceira está a caminho). Isso tudo sem contar que George Romero conseguiu concluir sua segunda trilogia com Terra Dos Mortos (Land Of The Dead, 2005), Diário dos Mortos (Diary Of The Dead, 2007) e Ilha Dos Mortos (Survival Of The Dead, 2009). Na boa tentativa de cair na comédia ou no besteirol, também tivemos o abre alas britânico e hilário Todo Mundo Quase Morto (Shaun Of The Dead, 2004), Zumbilândia (Zombieland, 2009) e a surpresa Meu Namorado é Um Zumbi (Warm Bodies, 2013).

GMZ, tinha tudo pra ser um desastre. Para começar o roteiro teve nada mais, nada menos, que cinco pessoas envolvidas, além do prório autor que prestou consultas para o desenvolvimento da história; Brad Pitt também não é mais um grande nome no cinema e o tema perdeu o fôlego. Felizmente isso não aconteceu, e o que a gente vê na tela é um filme que funciona do começo ao fim, abraçando o espectador e o enfiando dentro da tela em mais de duas horas imperceptíveis com sequências que não economizam na tensão, nos efeitos especiais e na ação, numa história cujo grande diferencial foi ter explorado detalhes simples e sacais que apenas Romero chegou a esboçar na segunda parte de sua Hexologia dos Mortos e que ninguém deu grande atenção até então.

Outro fator muito importante é a direção de Marc Forster, responsável por filmes como Em Busca da Terra do Nunca (Finding Neverland, 2004), Mais Estranho Que A Ficção (Stranger Than Fiction, 2006) ou 007 - Quantum Of Solace (Quantum Of Solace, 2008). Ele se tornou respeitável em Hollywood, e embora seus filmes geralmente não sejam grandes sucessos de bilheteria, sua direção é amarrada e firme, um dos raros diretores atuais que conseguem conduzir a história de maneira linear, sem grandes quebras de narrativa. Esse estilo é muito definido no filme, que não deixa a bola cair em nenhum momento.

Marc Forster parece também não fazer questão de esconder que a grande referência utilizada por ele foi a franquia Extermínio. Se não foi, há motivos importantes para achar tudo uma excelente coincidência. Embora Extermínio não trate de zumbis (o filme explica que o surto ocorre por um tipo de raiva humana), em GMZ o tipo de narrativa mais subjetivo sobre o drama sofrido pelo personagem principal é o mesmo, além de também mostrar a situação como uma verdadeira guerra de nível global tal qual Boyle imaginou para uma provável terceira sequência de Extermínio, que nunca saiu do papel, mas sua vontade sempre foi latente e divulgada. Mesmo o pai de família sendo Brad Pitt e seu personagem um ex-investigador federal, Pitt não é mais um galã e seu personagem também não é nenhum cientista ou algum herói invencível metido a engraçadinho, ele é apenas um homem comum, prático e observador, tal qual os personagens dos filmes de Boyle e Fresnadillo.

Os 116 minutos de filme são feitos explicitamente para impressionar evitando cair nos clichés, finalmente deixando de explorar a batida idéia de que zumbis são burros e lentos, e tal qual como Romero fez em Terra dos Mortos (Land Of The Dead, 2005), os zumbis podem se comunicar e agir em grupo. O roteiro também se vale fortemente da idéia de que o que já está morto não morre, mas pode ser impedido. Por isso, tanto Forster, como os roteiristas, não tratam a audiência com ignorância e os personagens fazem o que deve ser feito e sem rodeios, porque não há tempo para pensar, assim como não há tempo para melodramas baratos para sentimentalizar o público e quebrar a experiência caótica, ou cair no mesmo besteirol da ação por ação. É por isso que o ritmo é rápido e em uma ação non-stop, porque é uma fuga constante. Tudo se justifica, até mesmo algumas piadas discretas soltas aleatoriamente para aliviar a tensão, os sustos bem planejados de maneira orquestrada mas não óbvia, e alguns momentos que podem soar absurdos (como a sequência da queda do avião), mas tudo é tão bem feito que isso se torna um mínimo defeito que ninguém nem dá atenção.

Embora o filme comece nos Estados Unidos, ele se desenvolve por outras partes do mundo, indo para a Coréia do Sul, Israel e Reino Unido, além do Paciente 0 ser indefinido. Talvez por ser alemão, Forster tem o cuidado principal de não fazer este filme uma grande ode ao poder nacionalista norte-americano bem como não responsabilizar ninguém pela situação, o que é um grande alívio.

Nada como um filme dirigido e produzido por pessoas crescidas, que sabiam exatamente o que queriam, o resultado que queriam e público específico que queriam, diferente de outros títulos que pecam em querer abranger todos os diferentes tipos de público e no fim agrada ninguém.

CONCLUSÃO...
Sem dúvida Guerra Mundial Z entra para a rara lista de filmes do gênero que não apenas valem a pena ser assistidos como fazem parte de um diferencial que não aparece com frequência, além de uma maneira indireta ser uma evolução e se encaixar perfeitamente dentro do realismo que Boyle e Fresnadillo criaram em Extermínio 1 e 2.
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