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sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

MacGYVER MARCIANO...

★★★★★★★
Título: Perdido em Marte (The Martian)
Ano: 2015
Gênero: Drama, Ação, Ficção
Classificação: 12 anos
Direção: Ridley Scott
Elenco: Matt Damon, Jessica Chastain, Kate Mara, Sean Bean, Jeff Daniels, Michael Peña, Kristen Wig
País: Estados Unidos, Reino Unido
Duração: 144 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma tripulação em Marte aborta uma missão por conta de uma tempestade, e durante a evacuação um deles desaparece do raio de alcance e é dado como morto, quando na verdade ele não está.

O QUE TENHO A DIZER...
Ridley Scott andou errando feio. Tanto que seu último filme memorável foi Gladiador (Gladiator, 2000). Nem mesmo Prometheus (2012), que parecia ser o seu retorno à forma, conseguiu salvá-lo da ladeira. Sim, ele pode ter sido um dos mais influentes diretores dos anos 80 e 90, mas isso não o absteve de tantos erros sucessivos como nos últimos 15 anos e que, finalmente, são redimidos agora.

O que vale ser dito logo de cara é que, depois do estrondoso e até inesperado sucesso de Gravidade (Gravity, 2013), era um pouco óbvio que filmes com temática self survivor (sobrevivência solitária) seria o foco aberto para propostas. E se for no espaço, então... Melhor ainda! Porque o filme de Cuarón foi responsável por novamente atrair a audiência para ficções científicas espaciais. Tanto que logo em seguida Interstellar (2014) se fez presente, fazendo tanto sucesso quanto. O que pra mim é estranho é ninguém ter comentado sobre isso. Ao menos eu não vi.

Desta vez a investida é em solo marciano, já que nenhuma das tentativas anteriores deram certo com Planeta Vermelho (Red Planet, 2000) e Missão Marte (Mission Mars, 2000) porque realmente foram bem ruins (a curiosidade é que esses filmes também foram filmados em Wadi Rum, território na Jordânia pertencente à UNESCO).

Aqui a abordagem realista permanece. Não há alienígenas, nem fugas mirabolantes, nem uma inteligência artificial psicopata, nem mesmo algum alucinado para sabotar qualquer missão. O filme todo é unica e simplesmente sobre um homem esquecido em Marte e que deverá quebrar a cabeça para sobreviver por, no mínimo, quatro anos com os recursos que permaneceram após a tempestada e com aqueles deixados para trás pelos seus demais colegas (incluindo uma coletânea de músicas Disco, a piada funcional da história).

Logo, não é surpresa encontrar grandes semelhanças entre o filme de Scott com o de Cuarón. A diferença é que o personagem não está no espaço, mas no solo.

Embora Gravidade não tenha realmente um grande enredo além de uma astronauta a deriva que deverá encontrar uma maneira de voltar para a Terra, ele consegue ser um grandioso filme com metáforas interessantes sobre o renascimento, além de outras numeráveis razões. Havia suspense crescente, interesse, coerência, desenvolvimento, seriedade e embasamento. No filme de Ridley Scott, que é baseado no livro homônimo de Andy Weir, ele tenta manter as mesmas características, além do enredo ser um pouco mais consistente, porque enquanto Watney sobrevive em Marte, a vida na Terra continua e o seu caso, de comoção pública, se transforma em um reality show da NASA, onde os acontecimentos são transmitidos globalmente ao vivo.

Mas tirando isso, o desenvolvimento não apenas é quase o mesmo como algumas sequências chegam a ser muito semelhantes. Até mesmo a trilha sonora original é tão parecida que até parece ser do mesmo compositor (não é).

E falando em deriva... se pegarmos o filme Náufrago (Cast Away, 2000) e secar o mar, teremos o solo de Marte e Mark Watney seguindo os mesmos passos de Chuck Noland para não morrer de inanição. Felizmente não há cenas apelativamente dramáticas ou algo que remeta à bola Wilson na solidão marciana, mas as dificuldades para a sobrevivência são as mesmas, e só o árduo trabalho do personagem e a constante possibilidade de algo dar errado já são situações tensas e naturalmente dramáticas. Damon realmente desenvolve um papel tão importante quanto o que Bullock desenvolveu em Gravidade, mas aqui há mais espaço para tanto o personagem, quanto o espectador, relaxarem em devidos momentos e curtirem a jornada. O espectador torce por ele e suas tentativas, se emociona quando algo dá certo, da mesma forma como também se entristece ou se frustra quando algo dá errado, por mais esperada que seja uma situação assim.

O desesperador é que só assistindo ao filme para novamente termos aquela terrível sensação de que nós, meros indivíduos tão acostumados com as facilidades do dia a dia, não estamos preparados para qualquer situação de sobrevivência extrema. Se nos jogarem em um deserto com uma garrafa vazia, não teremos idéia do que fazer, mas se fizerem isso com o personagem de Damon, ele conseguirá fazer chover. Não é à toa que ele é o MacGyver do espaço, porque não existe o que ele não consiga resolver com uma manta de plástico e um pedaço de silver tape (que por sinal, só no cinema mesmo para silver tape ser tão funcional e fácil de se cortar).

Óbvio que existem momentos que chega a ser um tanto forçado imaginar que um especialista em botânica saberia fazer tanta coisa sozinho e tivesse tanto conhecimento sobre tudo, porque se fosse assim não haveria necessidade de uma equipe de seis pessoas com especialidades únicas serem enviadas ao espaço. Mas a gente pode acreditar que o treinamento dele foi tão bom, mas tão bom, que ele conseguiria reestabelecer sistemas eletrônicos com tanta facilidade ou recriar um sistema de comunicação bastante arcaico para se comunicar com a Terra da mesma forma como ele tem habilidade para plantar batatas com excremento humano.

E nada deixa de ser intrigante mesmo assim porque, apesar de tudo, é interessante ouvir as explicações do personagem enquanto faz seu registro de bordo sobre os procedimentos que deverá seguir para que obtenha sucesso, das quais algumas são verdadeiras, incluindo a produção de água que é um sistema que a NASA vem aprimorando. Claro que, em outras situações, uma ou outra mudança da realidade é feita para se adequar melhor na ficção, como o fato dos equipamentos e da tecnologia utilizada serem muito mais avançados que na realidade (mas que existe possibilidade de atingir esse avanço), da gravidade em Marte ser menor que na Terra, mas não no filme, e, assim como em Gravidade, o personagem improvisar um propulsor no espaço, o que seria impraticável por não haver outros sistemas estabilizadores. Segundo a NASA, fazer isso em gravidade zero seria como soltar uma bexiga em uma sala sem amarrar sua ponta.

Um pouco exagerado nos longos 144 minutos que não chegam a ter um ritmo tão dinâmico ao ponto do tempo não ser sentido. A história definitivamente poderia ter acabado alguns minutos antes da mesma forma sucinta como Cuarón encerrou seu filme. Talvez se o personagem tivesse reestabelecido o sistema de comunicação primeiro para posteriormente receber instruções da Terra de como progredir com demais procedimentos, isso talvez teria sido mais verossímil, e assim o personagem seria um homem que sobrevive em Marte, e não um super gênio. De qualquer forma, não deixa de ser interessante, até porque não há antagonismos muito resistentes na história, não há vilões, e o único conflito de fato é a preocupação da NASA com sua imagem pública, o que realmente aconteceria e acontece.

Também não chega a ser um deslumbre visual como foram Gravidade e Interstellar. Por mais que as locações áridas de Wadi Rum sejam atrativas, dificilmente sai daquilo. Nem mesmo os efeitos especiais impressionam tanto, principalmente na tentativa de forjar gravidade zero.

Poderia ser algo mais sério, mas também foi diferenciada a abordagem mais leve. Só acho engraçado tanto o filme quanto Matt Damon estarem concorrendo ao Globo de Ouro na categoria Comédia. Embora tenha alívios cômicos (alguns até exagerados e fora de hora), definitivamente não é um filme desta categoria. É essencialmente um drama espacial e uma ficção científica, não uma paródia. Talvez a Associação tenha resolvido incluir o filme entre os finalistas sem perceber que não havia mais espaço nas categorias dramáticas. Não faz muito sentido, mas enfim...

CONCLUSÃO...
Ridley Scott finalmente se redime neste filme que, apesar de seu desenvolvimento e outras coisas terem grandes semelhanças com o filme Gravidade, de Alfonso Cuarón, ele consegue ser interessante à sua forma, um outro ponto de vista de como sobreviver em um lugar inóspito e ameaçador. Os acontecimentos paralelos surgem para quebrar a monotonia e aumentar a duração do longa que poderia ter poupado alguns minutos, assim como se alguns acontecimentos tivessem ocorrido em ordem diferente as situações teriam sido um pouco menos exageradas. Entretém e emociona da mesma forma. Mérito de Damon e acerto de Scott.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

DESASTRE...

★★★
Título: Descompensada (Trainwreck)
Ano: 2015
Gênero: Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Judd Apatow
Elenco: Amy Schumer, Bill Hader, Tilda Swinton, Brie Larson, Colin Quinn
País: Estados Unidos
Duração: 120 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma garota com fobias de relacionamento terá de enfrentar seus medos quando se apaixona por um cara.

O QUE TENHO A DIZER...
Muito se falou desse filme por ter sido escrito e atuado por uma das revelações do humor norteamericano dos últimos anos chamada Amy Schumer. Ela é um daqueles produtos que vez ou outra surgem espontaneamente na cultura estadunidense, catapultados pela geração-reality-show, no caso dela, ao ficar em quarto lugar em um programa de stand up comedy, um estilo de comédia que é algo realmente muito popular por lá e que o povo realmente adora, principalmente quando se fala de assuntos politicamente incorretos, sexualizados e constrangedores, algo que o povo brasileiro passou a "adorar" muito na última década, mas nem chega perto do nível de idolatria que esses atores tem nos Estados Unidos.

A partir daí, entre umas participações e outras em seriados de canais como NBC e HBO, foi com o programa Inside Amy Schumer, do canal Comedy Central, que ela se destacou em 2013. O programa é uma coletânea de esquetes em que ela basicamente interpreta as piores ou exageradas versões dela mesma e que já irá para sua quarta temporada.

A história de Schumer é até interessante porque ela não foi um produto Saturday Night Live, que é basicamente a escola que costuma catapultar os melhores comediantes (ou aqueles que tem a tendência de ser) ao status de estrela de Hollywood. E praticamente sozinha conseguiu se estabelecer no mercado através de mídias alternativas, trabalhos menores e canais não muito populares. Ela mesma diz que o seu humor é construído em cima de coisas que as pessoas pouco falam ou não gostam de falar, e por isso que alguns críticos consideram o seu humor crítico-feminista, o que é bem notado nesse filme.

Na história, Amy é Amy, uma jornalista solteira e independente, que tem um bom emprego como redatora de uma revista e mora sozinha em um apartamento legal. Ela cresceu aprendendo com seu pai que monogamia não existe. Com fobia de relações sérias, ela não consegue sossegar com um homem só, embora tenha uma relação mais frequente com um halterofilista de intelecto bastante reduzido e de sexualidade duvidosa porque, bem... é fácil de enganar gente assim. Isso até conhecer um médico desportista no qual ela ficou responsável por entrevistar. Por entender nada de esportes, a entrevista é um desastre, mas o médico entende que Amy está lá apenas como uma obrigação profissional e resolve ajuda-la da melhor forma possível para que o trabalho dela não vá por água abaixo. Obviamente os dois se apaixonam, e entre crises de ansiedade, insegurança e problemas familiares, ela tenta se manter na relação.

Amy nem sequer é uma figura muito bonita ou atraente. Ela bebe, fuma maconha, é desagradável, mau humorada e sua regra número um é nunca dormir na casa de um homem. Claro que tudo isso, no filme, viram características engraçadas pela forma caricata e espontânea como ela interpreta tudo isso. Mas se você tirar Amy Schumer e colocar qualquer ator homem no lugar e trocar todos os homens por personagens femininas, o que se tem é a típica comédia romântica que costumamos assistir, onde os homens são dominantes, independentes, machistas e "pegadores", e é ao fazer isso que se percebe o tom crítico-feminista do qual se referem ao humor dela.

Neste filme o sexo frágil são os homens, não ela. Quem dorme no meio do sexo é ela, não o cara. E quem pede para o parceiro falar sacanagem durante o sexo é ela, não o homem. Na verdade os homens são até ridicularizados algumas vezes, como a personificação do latinlover que aparece logo no início do filme, como o também já mencionado halterofilista que se sente atraído por músculos, e tudo que é sacanagem que ele diz é referente a isso. E no meio desses estereótipos torcidos, sobra o homem de bom coração, trabalhador, honesto e romântico que espera por uma princesa em um cavalo branco.

Quando se analisa o filme por todo esse escopo para poder se compreender de onde vem todo o humor característico da comediante, é interessante. Mas quando lembramos que se trata de um filme de Judd Apatow, tudo se torna, como diz o seu título original, um acidente de trem. Apatow é um dos maiores produtores de comédias românticas atualmente porque muitos dos maiores sucessos desse gênero nos últimos anos é dele, começando com O Virgem de 40 Anos (The 40 Year Old Virgin, 2005), que ele também dirigiu, ou Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, 2011). O problema é que ele sempre acaba abordando o politicamente incorreto de forma um tanto adolescente para amenizar o peso do humor, só que isso nem sempre funciona.

No caso de Descompensada, um filme sem qualquer história porque é basicamente uma comédia de situações que desenvolve um par romântico pra ter linearidade, tudo se arrasta por quase duas horas nesse muro entre o constrangedor e o insosso juvenil. Por ser classificado para maiores de 17 anos, faltam muitos diálogos mais aberto e escrachado. O que usaram de segundos de uma quase nudez masculina, desperdiçaram um roteiro que pudesse entreter mais e fugir do comum.

Não dá pra compreender muito bem porque o pai de Amy ocupa tanto espaço na história. Fica óbvio que a personalidade dela é muito mais parecida com a dele do que sua irmã, que é totalmente o oposto, justamente porque Amy sempre foi mais próxima. Mas sua permanência na história não desenvolve muita coisa, nem ao menos consegue ser aquele pontinho dramático necessário até mesmo dentro de uma comédia para escorrer a lágrima do olho esquerdo antes de uma piada hilária porque tudo na vida de Amy já tem motivo de sobra pra também ser um desastre.

Não tem nada de novo. Cheio das mesmas piadas fálicas e sexuais que nunca são engraçadas e das mesmas situações de casal se conhece, casal briga, casal separa e casal volta de novo e vivem felizes para sempre. Tudo clichés que tiram a história do ritmo e de propostas maiores. Libertador e diferente seria se Amy finalmente aceitasse que ela é uma viciada em sexo, que realmente detesta relacionamentos e quer viver solteira e curtindo a vida adoidada até que a idade aguente.

CONCLUSÃO...
Certamente há potencial em Amy Schumer por conta da maneira como ela constrói esse humor crítico e até mesmo na sua atuação, mas para um filme que por um lado tenta sair do comum no roteiro, e por outro tenta sempre puxá-lo para o convencional na direção, o resultado é um desastre que rende apenas algumas risadinhas entre um ou outro momento, como nas breves participações de Tilda Swinton, que está irreconhecível, longe de qualquer papel denso, dramático e pálido que ela costuma fazer. E o resto é algo comum, que não justifica tanto comentário que seu lançamento causou e é perceptível que quem gostou do filme é justamente quem já acompanha a carreira dela.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

ATENÇÃO: CONTEÚDO RECICLADO...

★★★★★★
Título: Guerra Nas Estrelas: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens)
Ano: 2015
Gênero: Ação, Ficção, Fantasia
Classificação: 12 anos
Direção: J.J. Abrams
Elenco: Adam Driver, Daisy Ridley, John Boyega, Harrison Ford, Carrie Fisher, Mark Hamill
País: Estados Unidos
Duração: 135 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
30 anos depois da morte de Vader e da destruição da Estrela da Morte, uma nova aliança do lado Negro surge para dar continuidade no domínio da Galáxia.

O QUE TENHO A DIZER...
George Lucas pode ser um dos piores diretores do cinema, mas ele é responsável por criar uma das sagas mais importantes, cultuadas e interativas da cultura pop de todos os tempos. A trilogia original deu certo muito mais por resultado de um sonho e de uma vontade que ele cultivava desde a infância do que simplesmente um produto comercial vazio como foi a pré-trilogia (os três episódios que antecedem a história da trilogia original). É inegável que o que Lucas criou possui uma diversidade infinita que ganhou vida própria, de quase domínio público, já que boa parte de sua expansão se deve pelas ferramentas que Lucas ofereceu às pessoas para que elas mesmas pudessem imaginar suas próprias histórias dentro desse universo, tanto que a saga é a que mais possui fanfictions (contos escritos por fãs) em todo o mundo.

A trilogia original cativa por diversos motivos, principalmente por defeitos e improvisos exigidos pelo baixo orçamento que os incentivaram a criar o visual com poucos recursos e que, sem querer, se tornou a identidade máxima e única da saga, elevando o status daquilo que conhecíamos sobre o cinema e sua capacidade de nos levar para mundos inimagináveis. E hoje ela é, com toda propriedade, referência em tudo relacionado ao gênero e ao entretenimento.

Lucas conseguiu juntar todos os clichés possíveis dentro de um enredo tipicamente maniqueista, e caracterizou em dois personagens principais o bem e o mal, sendo Darth Vader o lado negro e Luke Skywalker o iluminado da força. Ainda assim conseguiu surpreender com pouco, tanto que o momento em que Luke descobre que Leia é sua irmã gêmea à beira de cometer um incesto, ou que Darth Vader é seu pai à beira de cometer um patricídio são, ainda hoje, considerados umas das maiores revelações do cinema, por mais banais e absurdas que pudessem parecer em outras situações. Não é à toa que a saga é considerada uma novela espacial, pois é recheada de momentos escandalosos, personagens caricatos e reviravoltas típicas de literatura de banca, mas que deixaram o público perplexo justamente por terem sido elementos óbvios, mas inesperados. 

Agora a intenção é dar continuidade à cronologia original da série, cuja pré-trilogia se tornou algo praticamente esquecível quando resolveram abolir animatronics, cenários, maquetes e miniaturas na elaboração de efeitos especiais. Lucas afirmou na época que o futuro do cinema seria sua completa digitalização, e assim ele o fez, evidenciando mais ainda sua incompetência como diretor por escolher o caminho mais simples e fácil, ao invés do mais trabalhoso e tradicional. Soma-se a isso o roteiro raso, personagens irritantes e insossos (como Jar Jar Binks e o próprio Anakin Skywalker), além da incapacidade de Lucas em dirigir seus atores. Tanto que Natalie Portman chegou a afirmar que participar da pré-trilogia quase arruinou sua carreira porque depois dele nenhum diretor queria contratá-la por conta da péssima repercussão que teve.

É difícil, por vezes, aceitar que Star Wars seja agora uma sequência de filmes que não terá fim, porque aquilo que outrora foi um produto do acaso e que se expandiu espontaneamente na cultura popular, agora é um mero caça níqueis que necessita colocar o produto, a marca, em rotação no mercado. Foi por isso que, em 2012, Lucas finalmente resolveu vender seu legado à Disney porque, a grosso modo, se convenceu de que seria incapaz de dar continuidade a ele, como ficou claro com a pré-trilogia. E em menos de seis meses a Disney já tinha um cronograma para todos os principais lançamentos de sequências e spinoffs da marca para os próximos 10 anos e os profissinais anexados a eles. Ou seja, produção industrial em massa.

O Despertar da Força é resultado disso, além do esforço de resgatar o prestígio da franquia (que foi perdido com a pré-trilogia) ao mesmo tempo que tenta reapresentá-lo para as gerações atuais. Claro que também deve-se dizer que é um aguardado agrado aos mais devotos fãs, ou apenas um nostálgico momento para aqueles que cresceram tendo a tripulação da Millennium Falcon como seus heróis de infância. Mas por ser agora um produto da Disney, lembre-se de que tudo será mais bonitinho, e nem haverá mais espaço para qualquer alienígena de três peitos, como houve no passado.

A responsabilidade do filme foi dada ao diretor J.J. Abrams, que também produziu e dividiu o roteiro com Lawrence Kasdan e Michael Arndt. A título de curiosidade, Kasdan também foi responsável pelo roteiro dos episódios V (1980) e VI (1983) da franquia, além dos dois primeiros filmes de Indiana Jones. Portanto, é óbvio que sua escolha é providencial, mas questionável porque ele deve ter atuado apenas como consultor, e não como um roteirista de fato.

O filme começa trinta anos após os incidentes do último episódio, quando a Estrela da Morte foi destruída. Luke está desaparecido, e com o que restou do Império, formou-se a Primeira Ordem, cujas intenções são descobrir o paradeiro de Luke e destruí-lo junto com a República para que o lado Negro domine a Galáxia muito-muito distante.

Não há como não se emocionar com a antológica abertura liderada pela trilha sonora clássica de John Williams. Mas é logo nas primeiras cenas que percebemos como George Lucas estava redondamente enganado ao afirmar que o futuro do cinema seria sua completa digitalização. Não existe nada que substitua a sensação de ver um objeto real em cena, ou atores interagindo com um cenário verdadeiro, nem mesmo a mais alta tecnologia. Foi pensando nisso que Abrams fez questão de usar a computação gráfica (CG) apenas para o estritamente necessário, dando ênfase no uso de elementos clássicos na produção dos efeitos especiais justamente para tentar manter a mesma estética da trilogia original. O resultado disso são cenas limpas, cenários claros, ricos em detalhes que apenas o trabalho mais braçal seria capaz de proporcionar. O uso dos efeitos especiais é usado de forma tão correta e determinada que por vezes é difícil saber o que é digitalizado ou não, e até mesmo quando alguns raros personagens inteiramente feitos em CG aparecem (como a personagem Maz Kanata), eles não incomodam porque não são constantes e também porque interagem perfeitamente com os demais de diferentes espécies, tendo espaço até para a volta daqueles que parecem feitos de massinha de modelar.

Mas se a produção acertou em cheio na composição de cenários e cenas, a história acaba não sendo tão intensa ou bem construída como deveria. A sensação que se tem é que assistimos um remake em forma de resumo da trilogia original. Toda a história desenvolvida neste universo parte, desde o princípio, da unidade familiar construída (ou destruída) por Anakin Skywalker e da relação antagônica e patricida de Luke com Vader, e é claro que neste filme a abordagem partiria do mesmo ponto, mas seu desenvolvimento acaba se tornando uma repetição do mesmo tema com personagens diferentes. É até interessante a forma como indiretamente inserem a situação de que os herdeiros reproduzem os erros de seus antepassados, mas trazer à tona uma situação parecida novamente tem apenas a intenção reciclar uma mesma história para que a geração atual possa acompanhar facilmente, enquanto os demais não terão a verdadeira impressão de que três décadas se passaram e muita coisa mudou desde então.

Aquele misto de ação e alívio cômico da trilogia original também está longe de ser resgatado aqui, com excessão de um ou outro personagem que acaba fazendo alguma diferença, como o jeito canastrão de Hans Solo (Harrison Ford) e a literalidade de Chewbacca, sem dúvida a dupla é a única coisa que realmente dá uma elevada no tradicional humor da série. Tem também a expressividade de BB-8 que, por sinal, muito parecida com a de Wall-E. Mas a tentativa de fazer de Finn (John Boyega) um personagem cômico, talvez uma reprise de Lando, é decepcionante, sua histeria, excesso de piadinhas prontas e um falso heroísmo pra impressionar a garota deixam ele mais próximo da chatice de Jar Jar Binks do que qualquer outra coisa. Uma pena.

Diálogos também não ajudam, a maioria são frases óbvias ou sem qualquer conteúdo para preencher vácuo em cena e justificar a presença do ator, não há um diálogo que realmente seja consistente, nem mesmo entre Hans e Kylo (Adam Driver), o momento ápice do filme. O diálogo entre Leia (Carrie Fisher) e Hans também chega a ser desconfortável. Quando os dois aparecem em cena pela primeira vez é emocionante pois é automática a lembrança que temos de dois personagens que fizeram parte de uma épica batalha espacial enquanto desenvolviam uma calorosa relação em meio a flertes e alfinetadas, mas o que vemos é simplesmente um bate-papo de dois sexagenários que nem parecem se conhecer mais. O absurdo desses diálogos chega ao cúmulo de uma nave ser atingida por um míssil em meio a um ataque, e logo em seguida um dos pilotos diz ao outro "CUIDADO COM OS ANTIAÉREOS". Bom... é óbvio, não é? Qualquer piloto de um caça deve ter cuidado com antiaéreos, principalmente em meio a uma guerra. Mas isso na verdade se chama EXTENSÃO DE PIADA.

Na tentativa de insistir que um grupo da audiência entenda uma piada, é necessário extendê-la. Algumas piadas já são visualmente explícitas, mas caso alguém tenha perdido a deixa, algum personagem tem que fazer algum comentário sobre ela, como a exigir a gargalhada da platéia. É sempre horrível quando isso acontece, diferente da trilogia original, onde muitas vezes apenas o olhar de Hans já dizia mil coisas engraçadas. Até porque quando extensão de piada acontece, significa que a piada não é boa.

Logo, diálogos tão forçados quanto as relações construídas entre os personagens. Se no Episódio IV demora praticamente o filme todo para que Luke consiga conquistar a confiança de Hans, neste filme basta um sorriso camarada para ser amigo e parceiro de qualquer um. Se você tiver boa mira, então, já é praticamente irmão! Como acontece entre Poe (Oscar Isaac) e Finn logo nos primeiros minutos.

Não adianta. Para uma franquia que voltou com força total e sem previsão para fim, tudo acontece numa rapidez desnecessária. Nem mesmo a heroína consegue escapar desse desenvolvimento expresso, aprendendo em poucos instantes tudo o que Luke demorou três filmes para amadurecer com Obi Wan. O que acaba fazendo dela até uma metáfora da juventude de hoje, que consome tudo com tanta pressa que nem há tempo para digerir.

Digam o que disserem, mas nada disso é convincente, apenas forçado.

Talvez a intenção de Abrams tenha sido querer agradar todo mundo, o que pode valer para os fãs mais invictos, mas não aqueles que realmente esperavam uma verdadeira continuação e não uma reciclagem de idéias anteriores. Na trilogia original Lucas conseguiu fazer bom uso de situações clichés e tramas folhetinescas, mas aqui o uso dessa mesma fórmula ficou redundante e desatualizada. Não é erro dele como diretor, mas como roteirista, até porque Abrams é muito correto na condução. Quem assistiu seus filmes anteriores como Super 8 (2011) ou Star Trek (2009) sabe que ele bebe muito do mesmo copo de Spielberg, tanto que em vários momentos a impressão que se tem é de ver um filme de Spielberg pela constância de objetividade ou de ênfase nas tomadas, das quais muitas chegam a ser até idênticas a de alguns filmes do outro diretor. Claro que isso não chega a ser um defeito, mas acaba se tornando um filme padrão, com pouca personalidade.

Não é um filme ruim, mas poderia ser mais consistente, e isso é o que o impede de ser um grande despertar da franquia. É apenas divertido, nostálgico e mais um para preencher a prateleira de souvenirs especiais porque todos os elementos do universo criado por Lucas estão respeitosamente em seus devidos lugares. Há batalhas, muitas perseguições espaciais, explosões e sabres de luz. O que desagrada em consistência, agrada em conteúdo. Visualmente é aquilo que a pré-trilogia deveria ter sido, e se caso tivesse sido, seria memorável.

De qualquer forma é início de uma nova era que talvez amadureça e se engrandeça sozinha novamente. Será necessário esperar.

Menção honrosa: Aquele canhão gigante que destrói planetas e que rouba a energia do Sol... Uau! E todos ainda preocupados com a existência de um Jedi.

CONCLUSÃO...
Respeitoso e nostálgico, mas longe de ser consistente com tanta reprise de situações e uma rapidez desnecessária nos acontecimentos. Podia ter tido um roteiro melhor trabalhado, com diálogos mais polidos. De qualquer forma, os esforços de J.J. Abrams para resgatar a estética da trilogia original realmente funcionaram. Não é perfeito, mas pode ser um início para algo maior no futuro.

sábado, 19 de dezembro de 2015

O PIOR DO ANO...

Título: Sem Retorno (Self/Less)
Ano: 2015
Gênero: Drama, Ação, Ficção
Classificação: 14 anos
Direção: Tarsem Singh
Elenco: Ben Kingsley, Ryan Reynolds, Natalie Martinez, Victor Garber
País: Estados Unidos
Duração: 117 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um poderoso empresário resolve participar de uma experiência biotecnológica em que sua mente será realocada em um outro corpo.

O QUE TENHO A DIZER...
Tarsem é um daqueles diretores que começou a carreira dirigindo vídeos publicitários para marcas como Nike, Motorola, Pepsi, Levi's, dentre outros. Depois foi para vídeos musicais, como o clássico do R.E.M, Losing My Religion. Com essa bagagem ele então estreou no cinema com o filme A Cela (The Cell, 2000), que pode não ser lá grande coisa, mas chamou atenção pela sua luxúria visual, tanto que concorreu ao Oscar de Melhor Maquiagem.

Nascido na Índia, seus trabalhos sempre tiveram influências diversas, principalmente mitológicas, criando mundos à parte em meio a uma surrealidade original que saia de sua cabeça e se materializava magnificamente através dos trabalhos da designer Eiko Ishioka, que faleceu em 2012, pouco tempo depois de finalizar seu último trabalho com o diretor no filme Espelho, Espelho Meu (Mirror, Mirror, 2012), que lógico, concorreu ao Oscar de Melhor Figurino.

Ele também faz parte de uma pequena lista de diretores em atividade que utilizam o surrealismo para fazer disso um elemento narrativo. É fato que Tarsem nunca foi um bom contador de histórias como é Tim Burton ou Wes Anderson, diretores que visualmente se aproximam bastante do mesmo estilo, mas em contraponto sempre teve competência na hora de compor imagens e cenários ricos em cores e formas para complementar os roteiros rasos, como acontece em Imortais (Immortals, 2011), que mesmo fraco não deixa de ser visualmente orgásmico. Mas vale lembrar de Dublê de Anjo (The Fall, 2006), seu filme menos conhecido, mas de longe o melhor por conseguir unir o visual deslumbrante com uma história extremamente lúdica e cheia de sutilezas.

Que a perda de Ishioka impactou diretamente o trabalho de Tarsem, isso é inegável. E infelizmente esse impacto é visto de forma até brutal em Sem Retorno, o produto mais fraco e desprezível que o diretor algum dia ousou fazer porque, em toda sua carreira, seu estilo sempre foi criticado por ser visualmente rico, mas pobre em história e desenvolvimento. E sem ela ele não consegue entregar nem uma coisa e nem outra.

Aqui o diretor se esforça para fugir desse estigma e provar que consegue evoluir sem ostentações visuais. O problema é que tentar isso é fugir de seu estilo, não no sentido de zona de conforto, mas no de identidade. É como se ele estivesse em uma crise de personalidade, tal qual os personagens do filme, e tal qual o filme como um todo.

Tudo começa muito bem enquanto somos apresentados a Damien (Ben Kingsley), um megalomaníaco empresário que tem apenas mais alguns meses de vida em sua mansão onde tudo é banhado a ouro. Isso é só pra deixar claro ao espectador que ele tem dinheiro de sobra para investir em uma secreta biotecnologia capaz de transferir a sua mente para um novo corpo. Mesmo sem muita profundidade, o clima frio e psicológico consegue até fazer uma boa apresentação dos personagens e da situação, e fuciona bem até o momento em que o roteiro resolve, sem qualquer motivo, inserir ação à monotonia coerente de antes. E em uma situação um tanto Jason Bourne, o novo Damien (Ryan Raynolds) começa a ser assombrado por memórias estranhas que o transformam espontaneamente em uma máquina de guerra porque, em questão de segundos, ele consegue eliminar uma gangue ao ser encurralado, sem ter idéia de onde surgiram todas essas habilidades táticas e de autodefesa.

Então as coisas se perdem brutalmente com um vilão sem causa e que caça suas vítimas sem motivo, uma família que cai de paraquedas para tentar dar densidade nos fatos e uma conclusão que definitivamente não vale a pena ser assistida. Até mesmo o protagonista não é muito bem desenvolvido, e nunca sabemos exatamente qual o verdadeiro motivo dele querer manter sua mente viva, já que ele não vai poder ter qualquer ligação com sua vida passada depois do procedimento. Não sabe se é uma ficção científica, um suspense psicológico, um filme de ação, uma aventura, ou um drama. A história nem oferece background para que Tarsem pudesse ousar de alguma forma. É tudo tão comum, cliché e banal que o interesse se perde. Tudo parece muito barato, mal organizado, feito de qualquer jeito, e uma trilha sonora chata, irritante e amadora. O trailer é enganoso e o público detestou o resultado com muita razão, principalmente sua base de fãs, que esperavam, no mínimo, uma viagem ao mundo dos sonhos e da fantasia como seus filmes costumam ser.

Chega um ponto que dá até tristeza ver os atores se darem ao trabalho de algo tão pobre e ruim. Mais impressionante ainda é o diretor ter aceito rodar um filme que definitivamente não faz parte de sua personalidade artística. E é então que percebemos que o Tarsem sem um bom roteiro é perdoável, mas sem conceito visual é intragável.

CONCLUSÃO...
É um filme que se perde na pretensão do diretor em querer provar que consegue ser competente sem um conceito visual. O problema é que Tarsem fazer isso é o mesmo que um cantor querer fazer um show sem voz.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

BOM PRA QUEM GOSTA...

★★★★★★★☆☆☆
Título: Missão: Impossível - Nação Secreta (Mission: Impossible - Rogue Nation)
Ano: 2015
Gênero: Ação
Classificação: 12 anos
Direção: Christopher McQuarrie
Elenco: Tom Cruise, Rebecca Fergusson, Simon Pegg, Jeremy Renner, Ving Rhames
País: Estados Unidos,
Duração: 131 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Ethan Hunt agora trava uma batalha com uma organização que ninguém acredita que existe, justo em um momento em que a divisão do serviço de inteligência para a qual trabalha está a um passo de ser extinta.

O QUE TENHO A DIZER...
Que a série Missão Impossível é a maior herança que Tom Cruise deixará para sua filha Suri, não há dúvidas. Está entre as 20 maiores franquias da história, arrecadando mais de US$2 bilhões pelo mundo, do qual boa fatia dela é do próprio ator, que produz a série há quase 20 anos e que começará a produção do sexto filme em 2016.

Mesmo tendo sido um sucesso de bilheteria, depois da festa de absurdos e da cachoeira de críticas negativas em Missão: Impossível 2 (2000), a série quase morreu. Então, seis anos depois, J.J. Abrams foi chamado para o terceiro filme, considerado por muitos o melhor. Protocolo Fantasma (2011), o quarto filme, conseguiu ser tão equivalente quanto, e também trazia algumas novidades, como o fato de Ethan Hunt não ser mais jovem e seu corpo já não responder tão bem às exigências como antigamente, se tornando um cara passível de erros e alguns pequenos deslizes. Isso trouxe uma pitadinha de realismo pra série que nunca poupou nos absurdos e impossibilidades, além de ter feito de Ethan uma equipe fixa que agora conta com o especialista em tecnologia, Benjie (Simon Pegg) e o espião backup, Brandt (Jeremy Renner), além de seu fiel companheiro de anos, Luther (Ving Rhames).

Nação Secreta segue o mesmo estilo de sempre. Novo diretor no pedaço, novo roteiro, mesma fórmula. Ethan pega a deixa do filme anterior e dá andamento nas investigações de uma organização chamada Sindicato, um grupo terrorista que possui o mesmo nível de treinamento da divisão em que Hunt faz parte, porém utilizada para o crime organizado e terrorismo. Mas sua existência nunca foi comprovada, o que não convence o diretor da CIA, Alan Hunley (Alec Baldwin), de que investigações sobre a organização devam continuar. Pelo contrário, Hunley acredita que a Divisão de Missões Impossíveis seja ultrapassada e deva ser extinta por conta das constantes e complicadas situações na qual Ethan e sua turma tem deixado a CIA perante outros países, sendo o ponto alto da situação o ataque ao Kremlin que ocorreu no filme anterior. A divisão é dissolvida, Ethan está sozinho e apátrido justamente quando está prestes a descobrir quem está por trás da organização.

Hmm... parece que vimos um outro filme parecido este ano. Sim, este filme se chama Spectre. A similaridade entre as histórias é grande, tanto que o filme de 007 foi criticado por isso. Mas deixando essa comparação que a nada leva, Nação Secreta consegue ser o típico filme de ação por ação, que não há motivos para prestar atenção na história, nas continuidades e muito menos nas leis da física. É um filme que quem parar para prestar atenção nos pormenores ficará louco e achará tudo uma grande bobagem.

Se no segundo filme houve um festival de máscaras e de situações do tipo eu-sou-você-que-não-é-você-mas-é-ele-porque-ele-sou-eu (situação que volta brevemente nesse filme), aqui o festival são das viagens expressas. Um momento o personagem está nos Estados Unidos, no segundo seguinte está em Viena. Um momento em Viena, logo em seguida em Marrocos. Como se ir do Brasil ao Japão fosse apenas uma questão de chamar um taxi. Mas enfim...

É evidente que o título da franquia não nos esconde em momento algum que o que mais teremos do início ao fim serão absurdos, como a missão suicida, aquela que sempre algum personagem afirma ser impossível de ser executada, mas para Hunt isso é praticamente uma piada tanto quanto a maneira "trivial" com que ele lida logo na sequência inicial, em que Ethan se pendura do lado de fora de um avião em decolagem. A cena, vale dizer, não é computação gráfica, e quem está pendurado é o próprio ator, e não um dublê. Ele realizou a cena cinco vezes, tudo isso para uma sequência que dura menos de um minuto porque Cruise sabe que as pessoas pagam para assistirem esse tipo de coisa, da mesma forma que pagaram para vê-lo escalar o arranhacéu Burj Khalifa, em Dubai, no filme anterior.

Cruise pode ter as pirações que for com sua Cientologia, pode se comportar como maluco pulando em sofá e chacoalhando Oprah Winfrey pelas mãos, pode sempre estar fazendo as mesmas caras de meio sorriso e olhos cerrados, mas ele é um hitmaker com louvor. Ou seja, ele sabe exatamente do que o público gosta, desde a deixa para um alívio cômico no roteiro até na meticulosidade de como lidar com uma gigantesca produção. Ele sabe o que faz, o que deve ser feito e como ser feito para atingir a massa. E quando o filme começa a derrapar feio, seja em absurdos ou na história que pouco importa, os buracos são preenchidos com boas cenas de ação que facilmente fazem qualquer pessoa perder completamente a visão periférica, e tudo isso seria um grande defeito se o filme não fosse do gênero que é.

Claro que, em comparação com o filme anterior, faltou um pouco mais daquele humor metacrítico de que até Ethan envelhece e enferruja (há apenas uma referência a isso, quando tenta pular um carro), ou de uma pitada a menos de absurdez, como a de aguentar mais de três minutos embaixo d'água, algo que é difícil até mesmo para qualquer mestre em apnéia desportiva. Sem falar da equipe que ficou subaproveitada, e de um agente de campo forte e resistente como é Brendt, que se transformou em um conselheiro sem função alguma na história. Há também o não justificado desfalque da personagem Jane Carter (Paula Patton), que havia sido um grande acréscimo em Protocolo Fantasma, no qual tinha um gancho que garantia sua participação na sequência. Ela era uma boa promessa para a série, mas sequer é citada. Rebecca Fergusson faz um excelente papel, e as cenas parecem que até engrandecem quando ela está presente, só que tenha paciência, porque o filme é longo, muito longo.

Enfim, não há muito mais o que falar sobre Nação Secreta mesmo. Sem dúvida, quem pagou teve exatamente o que quis assistir, e quem não assistiu é porque realmente não se interessa.

CONCLUSÃO...
Por alguns exageros aqui e desfalques ali, não consegue superar o anterior. É um bom filme para quem gosta do gênero, e péssimo para aqueles que não gostam de corrida e tiroteios. Tom Cruise sabe o que faz, é um entertainer nato, nem que precise colocar a vida em risco para uma sequência de menos de 1 minuto.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

MAIS PRA "SS" QUE PRA "XXL"...

★★☆☆☆☆☆☆☆☆
Título: Magic Mike XXL
Ano: 2015
Gênero: Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Gregory Jacobs
Elenco: Channing Tatum, Joe Manganiello, Matt Bomer, Adam Rodriguez, Kevin Nash, Jada Pinket Smith, Elizabeth Banks, Andie McDowell
País: Estados Unidos
Duração: 115 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Mike agora leva a vida que sempre quis. Abandonou sua carreira de stripper e, com a boa grana que juntou, montou sua própria oficina de marcenaria, mas algumas coisas faltam, como a sua vontade de ter uma loja de móveis personalizados e... de voltar a dançar.

O QUE TENHO A DIZER...
Que Magic Mike foi a sensação de 2012, isso não é segredo pra ninguém, matando a vontade do público feminino e gay pelo mundo afora de ver os mais sarados atores de Hollywood dançando de jock straps, ou até mesmo sem elas.

Na verdade o primeiro filme foi uma novidade com uma história até interessante, já que o ator Channing Tatum era um stripper antes de ser famoso. Ele cultivava há muito tempo o interesse de produzir um filme baseado na sua história, não uma biografia, mas algo que se assemelhasse às experiências que ele teve nessa época. Sem encontrar diretores para o projeto, foi enquanto trabalhava com Steven Soderbergh no filme Haywire (2011) que o diretor se interessou pela história do ator e resolveu ele mesmo dirigir, porque Soderbergh também é um cara esperto e sabia que um filme sobre strippers profissionais masculinos chamaria a atenção de um público que ele ainda não tinha explorado.

Mesmo com o tamanho do elenco, a produção ficou na bagatela de US$7 milhões, arrecadando pelo mundo um pouco mais de US$167 milhões. Ou seja, ele se pagou, pagou todos os atores que tinham porcentagem de lucros, pagou o diretor e ainda sobrou um monte de grana para o estúdio e distribuidora. Óbvio que não demorou para uma continuação ser encomendada.

Esse segundo filme custou o dobro, mas não conta mais com Matthew McConaughey como o mentor Dallas, o responsável por colocar os garotões na linha e fazê-los serem o desejo numero um da mulherada no primeiro filme. Também não conta mais com Soderbergh na direção, embora ele tenha co-produzido.

Mike agora voltou a dançar porque caiu numa cilada de amigos, e na vontade de curtir com os velhos companheiros, embarca na onda novamente. É essa a história.

O fato é que é um filme ruim, arrastado, forçado e sem nexo algum. Não que o primeiro fosse diferente, mas ao menos tinha Soderbergh que, em toda a sua mais majestosa arrogância, é o mestre em dar embalagens caras a porcarias. Além de diretor, ele é um excelente marketeiro, com ótimos filmes no currículo, mas no geral ele adora ultravalorizar seus produtos sem qualidade, dando tons complexos a coisas simples e dificultando o caminho quando o acesso é muito fácil. As pessoas acreditam e, por incrível que pareça, essa acaba sendo sua maior virtude, tanto que ele figura na lista dos melhores diretores atuais. É por isso que o primeiro filme podia ser vazio, mas era divertido e cheio de cenas que... Enfim, cenas que todo mundo tinha ido pra ver.

Aqui é tudo muito mais artificial, e nem ouso falar do diretor porque mal conheço. Na trama, quem tenta comandar a situação no lugar de Dallas é Big Dick (Joe Manganiello), que no primeiro filme entrava mudo e saia calado, mas agora é piadista, fala mais do que matraca e tem crises de pirraça porque, de longe, é o ator que tem o maior corpão de todos, então tem que valorizar a primeira fila de protagonistas. Até porque o ator se interessou tanto pelo assunto que dirigiu um documentário sobre o mesmo tema chamado La Bare (2014), a respeito do clube mais famoso de strip para mulheres do mundo.

Então todo o filme é cheio de sequências bem fracas e até constrangedoras que nem Showgirls (1995) ou Striptease (1996) chegaram a ter, como no momento que Tatum está em sua oficina e de repente bate aquele tesãozinho nele em dançar sozinho, dando até um de Fred Astaire quando improvisa com os móveis que estão por perto, ou quando todos resolvem participar de um concurso de "nova Drag", em uma boite, ou quando Big Dick faz graça dentro de uma loja de conveniência para tentar redescobrir seu sex appeal. Não, definitivamente não são cenas engraçadas, são cenas mau executadas que, na falta de existir um motivo, qualquer motivo é motivo pra dançar por aí. Ok, o motivo do filme é esse, mas tudo perde a graça quando jogado sem motivo na tela.

De repente o filme envoca um empoderamento feminino que sei lá de onde saiu, mas que muito tem a ver com as declarações dos verdadeiros strippers no documentário de Manganiello e a filosofia de que eles são "curandeiros", ou seja, eles tratam as mulheres como deusas para compensar o tratamento modesto (ou a verdadeira falta dele) dos homens comuns do dia a dia. Tá... ter feito uma sequência sobre isso seria bonitinho, mas passar metade do filme batendo nessa tecla chega a ser esgotante, e contraditório quando, depois de todo esse discurso, durante as cenas de dança eles só colocam as mulheres em situações submissas.

É... realmente o roteirista acreditou ser PhD em mulheres. Errou rude, moleque!

O momento em que Andie McDowell entra em cena talvez seja o único momento que o filme perde o clima amador do "deixar rolar", mas desafina de novo quando um dos personagens começa a fazer uma performance um tanto safada de The Voice. E aí a buzina do constrangimento alheio bate novamente.

Enfim, existem vários momentos tão ruins ao ponto de causarem vergonha alheia, ao contrário de gerar interesse pela certa sensualidade que exalava testosterona do primeiro, naquele humor sulista e cafajeste que McConaughey conseguia puxar tão bem.

O roteirista Reid Carolin até tentou agradar o público gay, já que foram eles a maior porcentagem daqueles que consumiram com água na boca o primeiro filme, mas cai no cliché borrachudo de que gay ou é drag queen ou é travesti, o estereótipo tão fácil de dar bocejo. Ao invés disso ele podia ter feito algum dos dançarinos ser gay de fato e explorar as consequências disso em um ambiente tão machista. Teria sido interessante, por exemplo, ver algum deles finalmente demonstrando interesse por algum colega. Seria um conflito diferente e não teria descaracterizado a proposta.

Infelizmente o filme é intragável porque, convenhamos, não tinha mais história pra contar. Até teria, se tivesse um lado mais dramático como, por exemplo, mostrar que esse mundo não é tão feliz e amigável assim, que existem pessoas que se aproveitam de rapazes desesperados por emprego e dinheiro para explorá-los da mesma forma como acontece com as mulheres. As coisas não são tão bacanas e fáceis como o filme mostra, e no meio desses dançarinos existem garotos de programa, viciados em drogas, pessoas abusivas e com problemas reais. Eles não abordam nada do tipo em momento algum.

Faltou conflito, faltou história, faltou a diversão que Soderbergh criou no primeiro, faltou competência para fazer continuação de filme algum. Tudo é tão bonitinho e parceiro que parece um documentário forjado. Se for pra ser assim, fiquem com La Bare mesmo, disponível no Netflix, e que também é bastante fraco, mas ao menos tem uma realidade mais palpável.

CONCLUSÃO...
Fraco e sem tempero, sem roteiro, sem qualquer coisa que valha a pena. O XXL no título é só no título mesmo.

O DIFERENCIAL QUE FALTAVA...

★★★★★★★★
Título: O Agente da U.N.C.L.E. (The Man From U.N.C.L.E.)
Ano: 2015
Gênero: Ação, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Guy Ritchie
Elenco: Henry Cavil, Armie Hammer, Alicia Vikander, Elizabeth Debicki, Hugh Grant
País: Estados Unidos, Reino Unido
Duração: 116 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Dois agentes terão de se unir para proteger uma garota que é a única capaz de conseguir descobrir o paradeiro de um importante físico perseguido pelos nazistas.

O QUE TENHO A DIZER...
Esse filme é baseado numa série norteamericana que foi muito famosa dos anos 60, e que até chegou a passar no Brasil como se fossem filmes, mas não foi algo que se manteve vivo na memória popular. Teve quatro temporadas e contou com o auxílio de Ian Fleming na concepção, o pai de James Bond. Alguns creditam Fleming como um dos criadores, quando na verdade ele apenas concebeu um dos protagonistas, Napoleon Solo, o que não é muita surpresa já que ele não foge muito do estereótipo que Fleming criou com Bond, por isso que o personagem Illya acaba sendo até mais interessante com toda sua truculência russa no filme.

O filme é dirigido e escrito por Guy Ritchie, o famoso diretor britânico que deixou de ser conhecido por Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes para levar um tropeço assustador quando fez com sua ex-mulher, Madonna, o filme Destino Insólito (Swept Away, 2002), além do kabalístico Revolver (2005), que a crítica massacrou e virou do avesso. Aos poucos ele se recompôs, e só com Sherlock Holmes (2009) que ele conseguiu, finalmente, ufa, sair da sombra do revés e se reestabelecer por completo novamente, mas dessa vez como um diretor mais comercial e não underground, como ficou conhecido.

Ritchie nunca foi de grandes públicos, mas cultuado por ter uma linguagem violenta própria muito bem dosada de ironia e humor negro, com tema sempre voltado ao crime organizado e seus criminosos, algo que remete a um Tarantino britânico, mas sem querer sê-lo. Já chegou a ser taxado de machista por seus filmes serem focados apenas em personagens masculinos e com atitudes equivalentes, além da fama de homofóbico, que para quem assistiu seus filmes poderia facilmente acreditar no mesmo. Não é à toa que suas produções mais recentes possuem personagens femininas mais fortes e participativas.

Independente de todas as polêmicas que pairam sobre seu estilo de filmagem e narrativa, ele é competente e tem uma visão bastante sólida do que quer quando o projeto lhe interessa e não há influências muito externas atrapalhando seu processo, e parece que é o que acontece aqui, já que o resultado surpreende para aqueles que esperavam alguma coisa meramente encomendada.

Já é possível sentir o ambiente boêmio e requebrado de Ritchie na trilha sonora funk e no minimalismo gráfico da abertura que conta brevemente, através de imagens, o fim da Segunda Guerra e o início da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética que, obviamente, foi o grande tema central de toda a série. Mas no filme essa vai ser, a priori, a razão para que Solo (Henry Cavil) e Illya (Armie Hammer) se conheçam de maneira nada convencional e uma explicação até bastante interessante para a origem da dupla (que nunca foi contada na série), já que tanto a agência norteamericana, quanto a russa, estão atrás de uma mesma pessoa, uma mulher chamada Gaby (Alicia Vikander), a única que pode levá-los ao paradeiro de seu pai que possui dados para a construção de uma bomba nuclear e que alguns nazistas estão atrás.

Assim que o filme começa de fato, a imagem com cores saturadas ajuda bastante na ambientação 60tista da história. Realmente parece que o filme tem uma certa idade, e esse cuidado do design artístico na pós produção faz toda a diferença. Mas assim como ele fez em Sherlock Holmes, no qual teve o mesmo cuidado na reprodução do século XIX, ele não abre mão do estilo de filmagem mais moderno e da narrativa ágil. Essa contradição que pode até dar certo anacronismo a tudo, acaba divertindo mais ainda porque tira o excesso de seriedade, e esse é um dos principais elementos de humor indiretos de Ritchie e que tanto funciona. A edição também é um elemento muito forte em seus filmes. O excesso de recortes, ao invés de atrapalhar, oferece dinamismo de forma ilustrativa, como uma novela gráfica em movimento. Ele sempre foi assim, e visualmente falando é muito interessante porque, como Tarantino, ele também tem uma linguagem pop muito presente, influenciada por diversas mídias criativas, a diferença é que sua mão é mais pesada e atual ao invés de ser nostálgica e tão referencial como Tarantino.

Por isso que, por muitas vezes, é impossível não compará-lo com Tarantino porque tudo é muito bem acabado, principalmente na sincronia entre imagem e trilha sonora, como na sequência em que Solo está numa sala de tortura. O sadismo do vilão juntamente com a ambientação sonora de Daniel Pemberton chega a causar o mesmo impacto da sequência entre Bridget e Landa, na já antológica cena em que ele descobre as verdadeiras intenções da atriz em Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, 2009). Só que Ritchie embute o humor ao invés de um crescente assustador, quebrando a seriedade sem estragar o desenvolvimento. E é dessa forma que ele conduz tudo do início ao fim, em um grande e estiloso entretenimento sem nunca precisar apelar para o desnecessário.

As piadas são sempre muito pontuais e inteligentes, principalmente na rivalidade entre Solo e Illya, que tenta ser uma metáfora e ao mesmo tempo uma crítica saudável da relação entre EUA e Rússia daquele período, oferecendo momentos genuinamente engraçados como quando precisam cortar uma cerca para invadir uma área restrita. Mas nada chega a ser tão surreal e engraçado como a fuga dos dois, em que Solo literalmente come um lanche enquanto observa Illya resolvendo as coisas na sua forma sempre menos prática, e lógico, a trilha sonora ao fundo dando o tempero especial e até pseudo-romântico. Talvez uma piada interna que tenha surgido enquanto escreviam o roteiro, mas que funcionou e se transformou em algo impagável.

Foge da ação comum que encheu os cinemas esse ano, com um grande diferencial de ser também um filme de época, talvez para exatamente não se misturar com tantos filmes de espionagem com ação e pancadaria como a série Bourne, Missão Impossível ou até mesmo seu quase parente próximo, 007. Consegue ser diferente, um alívio no meio de tanta explosão e perseguição sem fundamento em histórias sem sentido. Lógico que, ainda sim, é um filme de ação com uma história que não pode ser séria demais, mas tem referências, tem metáforas, humor, ritmo, desenvolvimento, personagens carismáticos, um elenco agradável e o principal: roteiro enxuto.

Confesso que estava com certo receio por nada conhecer do material original, por medo de ser uma adaptação e por ter assistido filmes com Henry Cavil que realmente me deixaram constrangidos pela sua falta de talento. A surpresa foi boa, principalmente porque adoro ser surpreendido por algo que sempre espero o pior.

Por tantos elementos que dão certo, talvez este seja tecnicamente o melhor filme de Ritchie porque é ponderado e preciso, é o Ritchie mais maduro e certo do que quer, ao mesmo tempo que se diverte fazendo o que faz, porque é essa a impressão que se tem ao assistir. Uma pena ter ido mal de bilheteria, o que já podemos imaginar que não haverá continuações. Mas isso também não era uma grande surpresa, já que o público de cinema tem a tendência de torcer o nariz para adaptações de séries de televisão que um dia foram famosas, o que devemos combinar que, em sua grande maioria, são bastante ruins mesmo (para não dizer quase todas).

Mas seria interessante vê-los juntos novamente, pois é impressionante como Henry Cavil melhorou e sua química com Armie Hammer tenha funcionado, e Alicia Vikander tem um carisma bastante peculiar. É até estranho ver os três juntos, já que ela fica diminuta perto deles (que são muito altos), além da beleza dos dois tender a uma disputa de atenção, mas cada um deles tem seu espaço, com todas participações equilibradas, e nem há excesso de personagens, o que é ótimo. A mistura ficou bastante interessante e convincente, onde nenhum dos personagens consegue levar ninguém a sério, mas todos conseguem fazer tudo certo. E quando o filme acaba fica aquele gosto de querer uma continuação.

CONCLUSÃO...
Um diferencial nas recentes safras de filmes de ação e que consegue ser até um dos melhores do ano e também do diretor. Se de propósito ou não, Ritchie bebe demais de Tarantino dessa vez, mas longe de ser algo ruim, dessa forma conseguiu acertar fácil em um filme que poderia ter caído no ridículo como tantas outras adaptações para o cinema de seriados antigos que já foram famosos. Um filme que, mesmo sendo do diretor que é, consegue ser leve por conta do humor inteligente, e ao mesmo tempo não descaracteriza o tema, muito menos seu gênero.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

VOVÔ SHERLOCK...

★★★★★★
Título: Sr. Holmes (Mr. Holmes)
Ano: 2015
Gênero: Drama
Classificação: 12 anos
Direção: Bill Condon
Elenco: Ian McKellen, Milo Parker, Laura Linney, Hiroyuki Sanada, Hattie Morahan, Patrick Kennedy
País: Reino Unido, Estados Unidos
Duração: 102 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Já idoso e aposentado, Sherlock Holmes tenta retardar a demência que o está fazendo perder a memória progressivamente e incapacitando-o de terminar um livro sobre um caso que o assombra há 35 anos, sendo incentivado pelo filho de sua Governanta, do qual se torna grande amigo.

O QUE TENHO A DIZER...
Esqueça o Sherlock Holmes de Robert Downey Jr., de Benedict Cumberbatch ou de Johnny Lee Miller, porque embora o filme aborde uma visão bastante diferente e interessante daquela que já temos construída do detetive, para quem espera uma trama de intenso mistério e suspense irá se decepcionar neste filme de Bill Condon, baseado no livro Sr. Sherlock Holmes (A Slight Trick Of Mind, 2005), de Mitch Cullin.

Condon e McKellen já trabalharam juntos no magnífico Deuses e Monstros (Gods And Monsters, 1998), no qual Condon chegou a levar o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, e McKellen concorreu como Melhor Ator.

Aqui, Holmes (Ian McKellen) está senil e com dificuldades de locomoção. Que volta para sua casa de campo no sul da Inglaterra para esperar a morte chegar enquanto se divide entre cuidar de seu apiário e dar continuidade aos seus experimentos caseiros na intenção de retardar a demência que progride, e que tenta esconder de todos.

Nesta versão ele é um detetive que se tornou uma personalidade conhecida por também ser um personagem de uma série de livros policiais que Watson escreveu, baseados nos famosos casos que investigaram juntos, livros os quais faz sempre questão de dizer que são mais frutos da exagerada imaginação literária de seu falecido amigo do que próximas dos fatos reais. Mas o desfecho fictício de um deles o deixa especialmente insatisfeito, já que é baseado no último caso que tentou resolver, e que foi a razão de ter se aposentado e buscado a reclusão (ou exílio, como ele diz). Para consertar o equívoco, há anos Holmes tenta reescrevê-lo, mas encalhou em um ponto porque, devido a sua sanidade mental comprometida, não consegue mais se lembrar com exatidão dos fatos, misturando a realidade com a versão de Watson.  A única coisa que ele se lembra é da dor e da culpa pelo caso não ter sido resolvido (talvez o único não resolvido, e por isso tão marcante), mas sua memória não consegue encontrar as evidências disso.

Então surge Roger (Milo Parker), filho da Sra. Munro (Laura Linney), governanta responsável por Holmes. O garoto insiste para que ele termine a história, e entre uma situação e outra, Roger consegue provocar Holmes ao ponto de fazê-lo puxar, aos poucos, memórias que se apagaram, mas não sumiram. E conforme a história é relembrada, o mistério em torno dela é revelado. O mistério é até bem montado, mas tudo muito leve e nada impactante demais.

É inegável que a grande atração é Ian McKellen, um daqueles tipos de atores que não se discute a qualidade até mesmo em filmes ruins (embora não me lembre de algum filme ruim com ele). Aqui ele brilha da mesma forma como Meryl Streep em A Dama de Ferro (The Iron Lady, 2011), principalmente por ser um idoso interpretando um idoso mais idoso que ele mesmo de uma forma tão convincente que só com os flashbacks durante o filme para sentir o alívio de saber que o vigor do ator de 76 anos ainda é o mesmo. E por ser convincente também é triste, porque o tempo não perdoa nem mesmo Sherlock Holmes. Milo Parker também impressiona com tanta naturalidade quando comparado com outros atores de sua idade que nitidamente representam da mesma forma que decoram, e juntando a experiência e técnica de um ator como McKellen, junto com a naturalidade quase espontânea de Parker, a química e relação entre eles se torna muito forte e verdadeira, emocionante até, porque Roger é, ao mesmo tempo, a infância que Holmes vê de si mesmo e o vislumbre daquilo que é agora.

Mas infelizmente o filme desanda em algumas partes que acabam diminuindo bastante sua qualidade como um todo, como a personagem mau desenvolvida de Laura Linney, que desde o princípio do filme se mostra sentimentalmente perturbada, inquieta, sempre desconfiada de alguma coisa que nunca sabemos de fato o que é. Existe uma complexidade nela que não se encaixa na história, deixando-a perdida e uma figura gratuitamente incômoda. O que sabemos é que ela está insatisfeita trabalhando para Holmes, mas seu comportamento exagera no tom. Sem falar da conclusão da relação entre os dois, depois que Holmes diz que seu testamento será designado a ela e Roger. Não foi uma decisão forçada, mas foi colocada em um momento errado, que fez a relação entre eles soar conveniente e oportunista.

Outra situação desnecessária é a viagem de Holmes ao Japão e sua relação com Tamiki Umezaki, que talvez tenha sido inserida para criar algum paralelo, ou alguma simbologia que nada agrega na história. E apesar de McKellen fazer uma memorável interpretação, nem seu personagem escapa de derrapadas, como o fato de Holmes estar com a memória comprometida, esquecer de fatos importantes da vida e de pessoas, mas lembrar com exatidão de nomes científicos sem nem ao menos engasgar. Ou até mesmo na parte final, em que demora pra ele descobrir o que realmente aconteceu com Roger, obviamente um momento de suspense criado para dar o ápice final à história, mas que não condiz com a perspicácia e observação do detetive, principalmente em um caso que, para ele, seria de resolução absolutamente simples.

Para compensar há essa interessante metainformação criada de que a imagem que temos de Sherlock Holmes é devido aos livros populares de Watson. E mesmo que Watson não apareça diretamente na história, é interessante a forma respeitosa como sua amizade e companheirismo é colocada. Confesso que foi o momento que mais me emocionei porque concluiu a relação e a admiração incondicional de ambos de forma muito simples, um dos raros momentos que o roteiro é certeiro.

Arrisco a dizer que, apesar de ser um filme mediano, McKellen desenvolve um trabalho excepcional que merece ser assistido e não decepciona, e que valeria presença em premiações. Mas somente por isso, porque se não fosse ele, o filme seria realmente ruim.

CONCLUSÃO...
Diferente da imagem aventureira e heróica de Sherlock Holmes, aqui pairamos um pouco sobre alguns de seus dramas e, principalmente, de um Holmes idoso e doente, que busca compreender o motivo de uma vida solitária, mas que não consegue por conta de uma memória que agora falha. Uma história interessante, porém mal desenvolvida, com algumas incoerências que deixamos até passar, mas que diminuem o resultado final e transforma o filme apenas em um espetáculo particular de Ian McKellen, e até do ator mirim Milo Parker, em algumas boas cenas entre eles.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

BRILHANTE!

★★★★★★★★★☆
Título: Que Horas Ela Volta?
Ano: 2015
Gênero: Drama, Comédia
Classificação: Livre
Direção: Anna Muylaert
Elenco: Regina Casé, Camila Márdila, Michel Joelsas, Karine Teles, Lourenço Mutarelli
País: Brasil
Duração: 112min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Val, uma empregada doméstica pernambucana, trabalha em uma casa em São Paulo há treze anos cuidando de Fabinho, filho de Bárbara e Carlos. Ela é pega de surpresa quando Jéssica, sua filha que permaneceu no nordeste, entra em contato para dizer que está indo morar com ela para estudar.

O QUE TENHO A DIZER...
Mesmo carioca, Regina Casé nunca negou ser uma mulher do povo, misturada e da mistura. Como apresentadora, mostrou muito bem isso na televisão com Programa Legal (1992), Brasil Legal (1995), Muvuca (1998) e no atual Esquenta!. Todos programas cuja proposta principal é mostrar a diversidade brasileira, seja na raça, na crença ou na cultura. Como atriz também sempre fez questão de ter essa abordagem mais popular, seja na comédia ou no drama. Ao longo da carreira, até que não possui tantos filmes e novelas no currículo como poderia parecer porque sempre deixou claro que prefere estar no meio das pessoas, conhecendo e nos fazendo conhecer. Isso não diminui seu mérito como atriz, pelo contrário, essa personalidade enraizada em todos os lugares sempre foi seu melhor laboratório para criar personagens tão únicas e realistas até mesmo quando havia pitadas de escracho quando a liberdade pedia, como foram nas novelas Cambalacho (1986) ou As Filhas da Mãe (2001).

Assim como na comédia dramática e romântica Eu, Tu, Eles (2000), em que interpretou a também nordestina Darlene, o trabalho que ela desempenha em Que Horas Ela Volta? é igualmente impressionante e delicado, construído de maneira que apenas uma atriz com uma minuciosa capacidade de observação e percepção poderia fazer. Sua personagem neste filme consegue transformar os estereótipos em características naturais que abraçam não apenas todo o regionalismo pernambucano de maneira confortante e verdadeira, mas também detalhes de diversos tipos de mulheres, mães e trabalhadoras espalhadas pelo Brasil, o que faz dela tão carismática e tocante, como alguém que já conhecessemos há muito tempo. A honestidade em que atua, seja na maneira de falar, gesticular ou se comportar em cena, transparece essa delicadeza e respeito, conseguindo aquela raro feito em que Val deixa de ser uma personagem e se tranforma em uma pessoa de fato.

Escrito, produzido e dirigido por Anna Muylaert, o filme é baseado nas próprias experiências da diretora com a babá de seu filho, a qual migrou do nordeste para São Paulo, deixando lá sua filha pequena. A idéia do filme surgiu ainda no começo de 2000, a partir daí seu roteiro foi reescrito quatro vezes com apoio da própria atriz, e o projeto foi concebido apenas em 2014. Essa demora na concretização é resultado da meticulosidade e da atenção aos detalhes, perceptíveis pela forma realista com que ela costura e desenvolve tantos temas e subtemas de maneira tão sinérgica e sem pontos soltos ou buracos. Alguns com conclusões mais evidentes, outros com resoluções mais sutis ou abertas para que o espectador conclua conforme seu entendimento.

Toda a história se passa basicamente em um único cenário, dentro de uma mansão de um bairro nobre em São Paulo. Apenas o fato de ter sido filmado em uma locação real já intensifica essa atmosfera realista. Nada de câmera na mão e imagem balançando para impressionar no improviso do dia a dia da protagonista. Tudo é muito estático. Somos observadores ocultos, e devemos prestar bastante atenção em tudo com muito cuidado porque, embora tudo seja linear, há inúmeros pontos a serem observados em subtemas que surgem como uma verdadeira análise antropológica, pois Muylaert não poupa o espectador de um crescente de situações que se agregam perifericamente conforme o tema principal se desenvolve, que é a chegada de Jéssica (Camila Márdila).

Ao contrário do que aparenta, o filme não é simplesmente o drama de uma doméstica com seus patrões de classe média e a diferença social entre eles, mas da linha tênue que separa a intimidade do profissionalismo quando em um convívio tão constante e direto como é entre eles. De certa forma isso o deixa muito próximo do filme chileno A Criada (La Nana, 2009), porque também existe aqui uma abordagem sobre o territorialismo humano e as limitações impostas por aqueles que controlam o ambiente que possuem, explorando o comportamento que às vezes chega ao limite do irracional para a preservação de seu espaço.

Observamos também o respeito imputado nesses diferentes espaços por conta dessa relação, como o fato de Val morar na mesma casa há treze anos, mas estar restrita a um pequeno e incômodo quarto nos fundos para lembrá-la todos os dias de que, embora seja considerada "um membro da família", esse título é muito mais pelo seu longo tempo de trabalho do que por realmente ter sido agregada a ela. Por isso o conflito que Jéssica gera ao se comportar de maneira livre e igualitária na casa. A princípio chega a parecer apenas um comportamento rebelde, esnobe ou prepotente, mas que em determinado ponto nos revela que é simplesmente por ela não conseguir lidar com essa completa subservidão na qual sua mãe se submete.

Muylaert também constrói muito bem situações onde ocorrem transferências sentimentais e psicológicas por conta da ausência de uns frente a presença constante de outros. A ausência tanto de Val com sua filha, quanto de sua patroa com seu filho, são diferente acasos. A protagonista não vê sua filha há anos porque mora longe, enquanto a patroa não dá atenção ao seu filho que vive na própria casa. Por isso a relação entre Val e Fabinho (Michel Joelsas) é tão próxima e maternal, ou até mesmo na atenção que Carlos oferece a Jéssica, carregado pelo descaso e indiferença de sua esposa. Mas aí a diretora volta a entrar no territorialismo e do sentimento de posse quando Bárbara se sente afetada por essas transferências.

A diretora também não poupa o dedo na ferida, como quando a água da piscina é trocada, ou quando Val festeja a aprovação da filha em uma faculdade estadual concorrida, enquanto sua patroa se decepciona com o filho que não conseguiu, questionando o cenário social do país na última década e a crescente resistência de uma fatia populacional a respeito das melhores possibilidades de mobilidade social e acesso a informação.

Esses são apenas alguns exemplos de diversos temas abordados, que se expressam naturalmente e em momentos muito exatos, sabendo que a base de toda essas complexas relações se resumem na posse e remuneração: recebe-se para obedecer, e usufrui-se daquilo que se pode ter. Regras, limites e as noções arbitrárias que os envolvem.

Por essas e outras que este filme não somente é um dos mais importantes nos últimos anos, mas de completa relevância, fugindo da zona de conforto que o cinema nacional encontrou e que nos faz relembrar de como nossas produções são muito bem apreciadas quando isso acontece.

Não é um drama pesado, de fazer as pessoas debulharem em lágrimas porque não é sentimentalista, muito embora haja uma cena ou outra que acaba nos atingindo com exatidão. Também não entra em detalhes sobre o passado das protagonistas, mas nos dá ferramentas para construí-los de maneira bastante coerente. Como dito, tudo é abordado de forma natural, onde uma causa traz consequências, que trazem outras consequências e assim por diante, até chegar o momento de decisão no meio de tantos pontos de vista distintos. O ápice da história é o denominador comum encontrado por Val e Jéssica, além de também motivadora, como uma oportunidade de consertar os erros do passado e impedir que os mesmos sejam repetidos no futuro.

Merecidamente o filme foi selecionado para representar o Brasil na votação dos finalistas para o Oscar, além de ter ficado entre os cinco melhores filmes estrangeiros na National Board Of Review. Regina Casé também venceu o prêmio de Melhor Atriz em Cannes na categoria mundial e Anna Muylaert venceu por unanimidade o prêmio Panorama no Festival de Berlim.

CONCLUSÃO...
Muylaert nos insere na vida de Val com sutileza, naturalidade e realismo, desenvolvendo sérios conflitos e também discutindo diferentes problemáticas que se agregam no desenvolver da história, transformando o filme em uma das mais importantes e relevantes produções nacionais nos últimos anos, no qual Regina Casé brilha em todos os sentidos, fazendo da personagem alguém tão cativante e real que temos a impressão de conhece-la há anos.
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