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sábado, 19 de janeiro de 2013

SPIELBERG SEM MUITOS EXAGEROS...

★★★★★★★★★☆
Título: Lincoln
Ano: 2012
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Daniel Day-Lewis, Sally Field, Tommy Lee Jones, David Strathairn, Joseph Gordon-Lewitt, Lee Pace
País: Estados Unidos
Duração: 150 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Os fatos históricos durante os dois últimos meses da vida de Abraham Lincoln e as dificuldades do presidente norte-americano em por fim à Guerra Civil e a votação favorável da 13ª Emenda Constitucional, que aboliria a escravatura no país.

O QUE TENHO A DIZER...
Lincoln nada mais é do que mais um filme que vira e mexe Spielberg realiza para alimentar seu patriotismo republicano e igualitário, cuja moral não é diferente de nenhum de seus filmes anteriores do gênero. Sua história com esse filme já dura 12 anos, desde quando ele se interessou em comprar os direitos do livro Teams Of Revival: The Political Genious Of Abraham Lincoln, de Doris Goodwin, antes mesmo dela começar a escrevê-lo.

Os direitos foram adquiridos em 2001, e logo em seguida o roteiro foi desenvolvido. Em 2005 Liam Neeson já havia assinado contrato para fazer o papel do presidente, mas vários problemas adiavam a produção do filme como a constante insatisfação do diretor com o roteiro e a preocupação da Paramount de que o filme pudesse ser similar ao fracasso Amistad (1997), também de Spielberg. Isso acabou forçando o ator a abandonar o projeto em 2010, afirmando que acreditava estar muito velho para o papel, embora boatos digam que o abandono do ator foi por causa da morte de sua mulher. Com um novo roteirista e Daniel Day-Lewis escalado para substituir Neeson, as filmagens finalmente começaram em 2010.
Ao contrário de seus filmes anteriores sobre guerra ou as discussões políticas que as envolvem, este filme pouco mostra sobre o conflito armado durante a famosa Guerra Civil Americana no século XIX, ou Guerra da Secessão, que durou quatro anos e teve quase 1 milhão de mortos. O roteirista Tony Kushner, com quem Spielberg já havia trabalhado em Munique (Munich, 2005), manteve o foco apenas nos dois últimos meses de mandato do presidente, detalhando os conflitos políticos e de interesses gerados para a votação da 13ª Emenda Constitucional Americana, que poria fim à escravidão e a qualquer condição de servidão involuntária.

Abraham Lincoln é pouco conhecido por aqui, mas nos Estados Unidos é um dos presidentes mais influentes (se não for o mais) na história e na cultura patriotista do país por ser considerado o presidente mais humano que a nação já teve. O filme também pouco aborda sobre sua vida, sua origem sulista e pobre, seu autodidatismo, seu casamento com Mary Todd, ou os dramas sofridos por ele e sua fiel companheira após o casamento. Na verdade há poucas pinceladas sobre isso ao citarem a morte prematura do segundo filho e algumas menções bem discretas sobre a neurose de sua esposa que sofria de enxaqueca crônica e de outras doenças, e por isso era popularmente considerada maluca.

O roteiro se mantém fixo na proposta de mostrar as dificuldades, os trâmites, os jogos de poder e até mesmo a corrupção por trás da emenda constitucional que deu liberdade e finalmente considerou todos os americanos como cidadãos, independente de sua cor ou raça. Também coloca em pauta a questão sobre até que ponto o líder de uma nação deve agir para o bem comum. Isso se dá por conta de algumas atitudes inconstitucionais e corruptas que Lincoln se sentiu obrigado a fazer para instaurar a paz e ao mesmo tempo promulgar a abolição, ao invés de favorecer os brancos e a elite social, como é de praxe.

É um filme bastante lento, que caminha contando os passos da vitória de Lincoln com sua 13ª Emenda até seu assassinato, que novamente é mostrado de maneira muito discreta, apenas para dar gancho a um final com um discurso inspirado do presidente e ainda apropriado para os dias de hoje. Por conta disso possui uma narrativa muito chata e cansativa e até mesmo confusa nas suas mais de duas horas de duração, principalmente para aqueles que desconhecem o sistema político americano daquela época. Mesmo assim é um importante material sobre um capítulo histórico que influenciou diversas nações, inclusive na abolição da escravatura no Brasil.

Tecnicamente é o melhor filme do diretor, que finalmente alcançou a "tal" perfeição técnica que ele vem buscando há anos. Seu estilo está lá o tempo todo, mas finalmente ele não peca nos excessos como costumeiro nas suas produções anteriores. Ele tenta se manter o mais discreto possível num estilo de filmagem mais clássico e coerente com a época do filme, onde a câmera estática e as angulações atuam apenas como um observador, deixando de lado o abuso do uso de trilhos, grua ou câmera suspensa e aquela terrível mania de focalizar os atores durante frases de efeito, como ele incansavelmente costuma fazer para causar impressões grandiosas ou intensificar a participação do espectador. Essa mudança é notável principalmente no início do filme, única parte em que ele mostra o conflito direto entre soldados e civis de maneira bastante brutal e realista, mas sem soar moderno e documentado como ele fez, por exemplo, nos 15 minutos iniciais de O Resgate do Soldado Ryan  (Saving Private Ryan, 1998).

A trilha sonora de John Williams (colaborador de longa data do diretor) também sofreu uma mudança significativa não apenas por também estar mais discreta, como também por aparecer apenas em momentos muito específicos e que são, por excelência, os poucos momentos que Spielberg faz questão de não abrir mão da cafonice costumeira de pesar no sentimentalismo e na impressão, marcas registradas do seu estilo, como na cena da votação da 13ª Emenda, em que o Juíz também resolve dar o seu voto em uma situação que ele afirma "não ser incomum, mas ser histórica", um dos raros momento de Spielberg sendo o Spielberg de sempre.

O diretor faz tudo bem dosado com o único propósito: valorizar o grande material que ele tinha em mãos, principalmente do talento ímpar de seu elenco. As atuações são surpreendentes. Daniel Day-Lewis está irreconhecível em uma maquiagem discreta e que chega bem próximo àquilo que Lincoln deveria ser, numa atuação segura, confortável e absolutamente convincente de um personagem histórico que era mais que um político, mas um grande pensador e contador de histórias, o nível de perfeição e domínio tal qual o de Meryl Streep em A Dama de Ferro (The Iron Lady, 2011). Diz a história que Lincoln era um homem muito alto e de presença, e Spielberg sempre se utiliza de truques de câmera e tablados para reproduzir isso de maneira até exagerada, errando na dose algumas vezes e soando forçado, mas que não tiram o brilho e a grandiosidade natural de Day-Lewis.

Sally Field, como Mary Todd, tem uma participação bastante coadjuvante e até pequena, o que é uma pena, pois sua presença é sempre marcante, sendo um dos seus áureos momentos na cena em que ela faz um discurso pra lá de irônico a Thaddeus Stevens, personagem de Tommy Lee Jones. Spielberg a princípio não queria escalá-la para o papel, por considerá-la muito velha (ela é dez anos mais velha que Day-Lewis e vinte anos mais velha que Mary Todd na época em que é retratada), mas ela estava tão determinada que implorou uma chance ao diretor de realizar um teste de cena junto com ator com a finalidade de convencer Spielberg de que ela podia interpretar o papel apesar da grande diferença de idade. O ator foi tão solícito que saiu da Irlanda (onde mora) para os Estados Unidos simplesmente para o teste, e Sally Field o agradeceu publicamente diversas vezes por essa atitude bastante considerável, nobre até.

O filme conseguiu 12 indicações ao Oscar, incluindo melhor filme, diretor, ator, ator coadjuvante, atriz coadjuvante e roteiro adaptado, além das demais categorias técnicas como figurino, produção de arte e fotografia, que usa e abusa da caracterização do ator tal qual a história pinta. Mas as demais premiações dessa temporada não tem demonstrado favoritismo ao filme, com excessão de Day-Lewis, que merecidamente deve ser agraciado com uma terceira estatueta numa carreira bem traçada de filmes e personagens memoráveis (se igualando, até mesmo, a Meryl Streep).

CONCLUSÃO...
É um filme desenvolvimento lento, que foge bastante de tudo aquilo que Spielberg já realizou até hoje, e ao mesmo tempo é o filme mais bem dirigido e comedido, sem muitos dos exageros cometidos nos seus filmes anteriores. Alguns momentos cafonas e bem característicos do diretor ainda estão lá, mas não ofuscam o grande material e o grande elenco dessa produção.

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