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sábado, 28 de março de 2015

VALE TUDO EM BABILÔNIA...

★★★★★★★★
Título: Babilônia
Ano: 2015
Gênero: Suspense, Drama, Comédia, Policial
Classificação: 14 anos
Direção: Denis Carvalho
Elenco: Gloria Pires, Adriana Esteves, Camila Pitanga, Cassio Gabus Mendes, Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg
País: Brasil.

O QUE TENHO A DIZER...
Geralmente não assisto novela, mas não resisto quando é bem escrita e por autores que sabem o que faz, e pra isso não me interessa em qual emissora esteja. É também por isso que comento aqui, porque independente do formato que seja, o que realmente importa pra mim é o processo do autor para o papel, do papel para a tela, e da tela para quem consome.

A última novela que assisti foi O Rebu (2014), a qual fiz uma enorme avaliação aqui mesmo. Quem não assistiu perdeu a oportunidade de ver que ela até profetizou muita coisa que anda acontecendo nos bastidores políticos e sociais da nossa atual realidade. E Babilônia também está assim. Ao menos é o que aparenta.

Escrita por Gilberto Braga e Ricardo Linhares (e outros colaboradores), essas duas primeiras semanas mostraram que o folhetim é a clássica parceria de sempre, que novamente brinca com sátiras sociopolíticas condensadas em meio ao suspense policial característico dos autores, mas agora de uma forma muito mais ofensiva. A supremacia da televisão aberta brasileira está abalada, a concorrência está mais acessível, forte e com qualidade superior, e Babilônia surge nessa época de transição de uma emissora que agora tenta reconquistar públicos que perdeu, e que estão cada vez mais exigentes. Exigentes, porém ainda presos a velhas idéias e ransos, o que dificulta a aceitação.

É nessas horas que vemos como Gilberto Braga e até o próprio Linhares conseguem se manter tão atuais como João Emanuel Carneiro ou George Moura e Sérgio Goldenberg, e como o tempo não abala a qualidade de seus textos que evoluem na mesma velocidade que as mudanças no mundo.

Propositalmente ou não, é impossível não ver em Babilônia referência das próprias obras de Braga, como na falta de escrúpulos dos personagens tal qual em Vale Tudo (1988) ou Pátria Minha (1995), ou na relação doentia e obsessiva de Inês com Beatriz tal qual a de Laura Prudente da Costa com Maria Clara Diniz em Celebridade (2003). É como se Braga e Linhares tivessem pego as características mais marcantes de uma grande lista de novelas policiais e colocassem tudo em um único pacote, brincando com os estereótipos e os clichés, algo que não é fácil de se fazer quando se fala de um formato dramatúrgico que depende 90% desses dois elementos, os quais são muitas vezes responsáveis por empobrecer o formato e taxá-lo como um subproduto de entretenimento. A diferença é que Braga e Linhares, assim como outros autores de sua geração, como Silvio de Abreu, ou até mesmo o mais atual João Emanuel Carneiro, conseguem utilizar esses artifícios sem empobrecer a trama. Ou seja, o texto desses autores é tão rico que consegue se sobrepor àquilo que o público já está cansado de ver.

Foi um grande alívio, por exemplo, já sabermos logo no primeiro capítulo que a personagem de Gloria Pires foi a autora do crime no qual a trama principal se desenvolve, ao invés de manter o formato confortável do "quem matou?", que o próprio Braga sempre muito utilizou principalmente depois do famigerado "Quem matou Odete Roitman". Não foi um alívio saber logo de cara quem é o assassino e evitar a tortura psicológica, mas o fato de o próprio autor ter desconstruído uma situação e uma fórmula já solidificada por tantos anos.

Claro que os exageros folhetinescos do horário nobre e aqueles núcleos ralos para "render mais", igual água em detergente, sempre vão existir para fazer tudo parecer mais uma novela de barracos como qualquer outra para conquistar o público fácil. Mas quando se focaliza nos grandes personagens e suas determinadas funções na trama, o que sobra é exatamente a cara do que a população brasileira gradualmente se transformou.

Hipócrita, medíocre, sórdida, mesquinha, manipuladora, oportunista, diminuta, invejosa, cega, dotada de má educação, caráter e princípios. Onde tudo ainda é sustentado e acobertado por pesos de sobrenomes, imagens imaculadas e falso status social.

"Você sabe quem eu sou?", é a pergunta que mais se repetiu nesses doze primeiros capítulos. Tira-se a imagem arrogante e fria dos personagens e não sobra uma lasca sequer de qualquer dignidade. As alegorias estão todas lá, tão diretas que chegam até a doer. Só não enxerga quem não quiser.

É o ser humano e brasileiro sendo mostrado da forma mais decadente possível, que ainda insiste em ser passível por migalhas deixadas pela soberba de outros, que se sujeita a qualque coisa só para ter a oportunidade de vestir a máscara de vítima que cobra o certo quando nem mesmo sabe o que é o certo.

Alguns núcleos cômicos não conseguem aliviar o peso dos diálogos fortes e impactantes, as cenas violentas por conta de uma intolerância que se mostra à flor da pele sobre tudo, e a abordagem de diversos temas delicados demais fazem do beijo das duas senhoras uma discussão inútil de quem ainda insiste em não enxergar as verdadeiras doenças sociais que nos definem para o pior.

É uma Vale Tudo atualizada e compatível com os dias de hoje. A única coisa que quero saber é se vai continuar tão boa e deliciosamente desconfortável nos próximos meses como foi nessas duas primeiras semanas.

sábado, 21 de março de 2015

MUITO ALÉM DA COR...

★★★★★★★★★☆
Título: Queridas Pessoas Brancas (Dear White People)
Ano: 2014
Gênero: Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Justin Simien
Elenco: Tessa Thompson, Tyler James Williams, Brandon Bell, Teyonah Parris
País: Estados Unidos
Duração: 108 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
A vida de quatro estudantes negros na faculdade e como convivem com isso nos dias de hoje.

O QUE TENHO A DIZER...
Filme de estréia do jovem Justin Simien, o qual dirigiu, escreveu e produziu esta pequena e relevante sátira social. Recebeu críticas muito positivas pelo mundo, e sem dúvida é uma grande e forte estréia deste novato cineasta norteamericano de 31 anos.

Definitivamente algo que soará desconfortável para muitos, principalmente aos mais sensíveis e intolerantes (para não dizer racistas). Mas também não é um filme de fácil assimilação, embora o diretor tente ser o mais didático possível, até mesmo em separar o filme em capítulos que mais parecem esquetes de uma sitcom norteamericana tendenciosamente racial.

Apresentado no Festival de Sundance de 2014, a princípio o diretor havia feito apenas um trailer do filme antes mesmo de filmá-lo. O "falso" trailer teve objetivo de arrecadar fundos para a produção, e inesperadamente teve desempenho viral, o que chamou a atenção de diversos grandes estúdios, mas o diretor optou por um financiamento independente justamente para manter a liberdade de concebê-lo exatamente da forma como ele imaginava. Uma decisão muito respeitosa e bastante arriscada para um estreiante. Independente dos riscos, ele sabe que a indústria cinematográfica tende a contribuir para a segregação social e racial (inclusive há uma breve discussão sobre isso dentro do próprio filme e que nisso inclui filmes do diretor Tyler Parry, também negro).

A história gira basicamente em torno de quatro estudantes negros da Universidade de Winchester, uma prestigiada universidade predominantemente de pessoas brancas, onde os negros que estudam lá, embora convivam em harmonia com os brancos, são submetidos à segregação e discriminação por conta dos sistemas de organização do campus que permitem e fortalecem a formação de castas, como, por exemplo, das quatro moradias existentes no campus, uma ser exclusivamente para negros.

Tudo começa com uma guerra que ocorre dentro uma festa temática afro-americana organizada pelos estudantes brancos na noite de Halloween, em que todos deveriam comparecer "fantasiados" de negros. A partir deste breve prólogo a narrativa volta cinco semanas antes para mostrar a chegada desses estudantes e dar introução no que culminou toda esta horrenda situação.

"Queridas pessoas brancas: o requerimento mínimo de amigos negros necessários para não parecer racista subiu para dois", é a frase de apresentação de Sam White (Tessa Thompson), uma estudante de cinema reacionária que possui um programa na rádio da universidade que leva o mesmo nome do filme. Em seu programa ela diariamente solta frases irônicas em meio a músicas da cultura negra na intenção de ridicularizar os brancos e suas atitudes dentro da universidade. Depois somos apresentados a Lionel (Tyler James Williams, o mesmo de Todo Mundo Odeia O Chris), estudante de filosofia com uma idéia muito mais centralizada entre brancos e negros, que nunca se posiciona, mas resolve escrever um artigo sobre isso, já que é uma grande oportunidade de divulgar seu trabalho. Em seguida há Coco (Teyonah Parris), uma negra que finge ser branca e que nega qualquer ato ou comportamento que caracterize sua raça, incluindo envolvimento com pessoas da mesma cor. Por último há o negro alfa da universidade, Troy (Brando Bell), filho do vice-reitor, condicionado por seu pai a pensar e agir como os brancos na crença de que assim ele consiga se bem suceder e ser alguém importante, talvez até chegar à presidência algum dia, já que Obama, o "negro de atitudes brancas", conseguiu.

Ou seja, cada um dos personagens brinca com estereótipos existentes na sociedade, representando os diversos graus de intolerância e racismo entre eles mesmos para mostrar os diferentes pontos de vista do que é ser negro. Isso tudo é o grande trunfo de Simien, que consegue desenvolver as diferentes relações entre eles e mostrar, inclusive, os atos contraditórios de cada um e que acabam por ferir aquilo que eles superficialmente demonstram ser.

"O que você acharia se alguém criasse o Queridas Pessoas Negras?", perguntam a Sam. "Não é necessário", responde ela. "Os meios de comunicação, de Fox News até os reality shows no VH1, deixam claro o que os brancos pensam de nós". Esse diálogo é talvez o que mais define toda a razão de existência do filme, que foi taxado por muitos como um filme "racista ao contrário" (este termo por si só já embute que os brancos sejam racistas por natureza). O filme definitivamente não é isso, e nem um contra-ataque aos brancos, mas demonstra os níveis de reflexão e de esclarecimento sobre a consciência coletiva de que, direta ou indiretamente, os negros são atacados e segregados o tempo todo, inclusive por eles mesmos, tamanha a repressão social que sofreram durante os séculos e ainda sofrem o tempo todo, desde a mídia que mostra que a pele bonita e perfeita tem que ser clara e sem manchas, ou um cabelo saudável tem que estar liso e sem volume, até questões mais sociais e sérias como os próprios negros evitarem se relacionar com eles mesmos para se sentirem inseridos em um grupo específico, ou aqueles que evitam os brancos por se sentirem inferiorizados.

Enquanto os extremismo de Sam White são justificáveis para tentar impor a igualdade de direitos dentro da Universidade (o que por outro lado acaba por segregá-los ainda mais por conta da rigorosidade de suas decisões), sendo ela uma metáfora clara aos grupos radicais, há a imparcialidade de Lionel que mostra que a polaridade pode trazer benefícios, mas não a homogeneidade. Coco e Troy já são as metáforas tanto do resultado da segregação, quanto do ódio racial propriamente dito. No medo de serem excluídos social e profissionalmente, eles tentam agir como os estereótipos brancos sempre usados como exemplos sociais, como a garota branca popular do colégio ou o político republicano loiro do Congresso, ao ponto de negarem suas verdadeiras raízes culturais, o cabelo crespo e de que a segregação social e racial são abusos que beneficiam grupos dententores de certos poderes.

Entre diálogos inteligentes e que não ofendem diretamente, mas que expressam as intolerâncias raciais mesmo assim, e algumas piadas que até provocam desconfortáveis risadas, pois são politicamente incorretas, presenciamos a trajetória bastante dolorosa de cada um deles em pról de seu próprio reconhecimento. De Sam, que diariamente confronta e oprime suas próprias vontades que contradizem seus atos de protesto, ou Lionel que é discriminado pelos dois grupos porque nunca se manifesta contra ninguém. De Coco, que apesar de seus hercúleos esforços para agir como uma garota branca, percebe a duras penas que isso não lhe traz benefício algum, ou Troy, que apesar de se sentir grandioso e importante em meio aos brancos, descobre que é manipulado o tempo todo por eles. Ou seja, além das discussões raciais, o filme não é somente sobre isso, mas também uma análise mais profunda do que a superficialidade da cor da pele para a busca da identidade própria. Por muitas vezes as cenas soam até poéticas, e a brilhante fotografia de Topher Osborn, numa decupagem tão bem estruturada e coesa que há muito tempo não via além de algumas excessões, como nos filmes de Wes Anderson. Esse meticuloso design de produção não apenas destaca a beleza afrodescendente como também expõe as pluraridades culturais e a naturalidade como elas se misturam nessa extensa palheta de cores, deixando claro que o negro não é nada mais do que uma cor e uma composição, e que sobra para sociedade segmentá-lo de forma ilógica.

Nessa análise comportamental e social que Simien faz através de metáforas e estereótipos, todas as situações satíricas tomam formas e cores bem definidas no propósito esclarecedor principal, e o final do filme, que é justamente o começo dele mesmo, nada mais faz do que concluir que o extremismo não leva a lugar algum, muito embora a intolerância às vezes deve ser combatida com a própria intolerância.

CONCLUSÃO...
Através das próprias experiências de Justin Simien durante seu período acadêmico, ele consegue fazer uma magnífica estréia cinematográfica dirigindo e escrevendo uma obra satírica que nos leva a imaginar como é ser um negro dentro de uma sociedade branca, e como é ser um branco em uma sociedade racialmente intolerante, e a partir daí encontrar nossa própria essência e identidade como seres humanos.

80tista COMO SE FOSSE HOJE...

★★★★★★★★
Título: Hysterical Blindness
Ano: 2002
Gênero: Comédia, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Mira Nair
Elenco: Uma Thurman, Juliette Lewis, Gena Rowlands, Justin Chambers
País: Estados Unidos
Duração: 99 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Duas amigas lamentam suas vidas de solteira enquanto procuram pelo homem certo.

O QUE TENHO A DIZER...
Nos últimos 15 anos não lembro de ter assistido algo que reproduzisse tão bem os anos 80 como este pequeno filme produzido pela HBO e bastante difícil de ser encontrado (eu mesmo demorei uns 10 anos para conseguir assistí-lo na íntegra). É dirigido por Mira Nair e estrelado por Uma Thurman, Juliette Lewis e Gena Rowlands.

A história é uma adaptação de uma peça homônima escrita por Laura Cahill, a qual também assina o roteiro sobre uma garota, Debby (Uma Thurman), que sofre de um problema hoje em dia conhecido como Transtorno de Conversão, ou mais cientificamente denominado como Transtorno de Sintomas Neurológico Funcionais, problema cujo um dos sintomas convergem para a Cegueira Histérica, na qual a pessoa fica com a visão paralisada, turva ou duplicada por segundos ou minutos durante ou após uma situação bastante estressante que desencadeie uma crise nervosa. De modo bastante vulgar, seria aquilo que sentimos quando dizemos "cego de ódio". Debby tem problemas em se relacionar socialmente por conta de seu temperamento explosivo, sua impaciência, distimia e ansiedade elevados. Isso a leva não apenas a fracassadas tentativas amorosas como também na dificuldade de manter estável as únicas relações duradouras que ela possui com sua melhor amiga Beth (Juliette Lewis) e sua mãe, Virginia (Gena Rowlands).

Tudo começa com Debby indo para um bar com Beth para se divertir e se recuperar de uma crise nervosa que culminou na cegueira momentânea que a deixou afastada do trabalho por alguns dias. Segundo o médico, ela precisava desestressar e se divertir, e é o que ela tentou fazer até se irritar novamente com Beth e ir embora. Enquanto caminha para seu carro, conhece o durão Rick (Justin Chambers), que se oferece em acompanhá-la. Eles trocam algumas palavras e, por educação, ele a convida para se verem novamente no bar no dia seguinte. Obviamente ingênua e inexperiente, Debby volta embora para casa feliz, apaixonada e já acreditando que Rick é o grande possível pretendente de sua vida.

O filme girará inteiramente em torno disso e na dificuldade de Debby em, como diz um dos personagens em um determinado ponto do filme, "enxergar os fatos". A diretora indiana, Mira Nair, que antes já havia feito filmes como Mississipi Massala (1991) ou Kama Sutra (1996), consegue ir além de um filme tipicamente dramático sobre mulheres que não encontram o amor. Ao contrário disso, ela analisa muito profundamente as consequências disso em uma sociedade machista em que as próprias mulheres acreditam que a felicidade é um anel de noivado, além de cobrarem isso delas mesmas de forma tão insistente e doentia que acabam desencadeando os problemas sociais entre elas que comumente é visto na sociedade, como a disputa, a competição, submissão, perda de valores e, no caso de Debby, o desespero ao se ver como uma das últimas do seu grupo de trabalho que ainda continua "solteira e infeliz".

Ainda temos Beth, que representa uma outra porcentagem, a de mães solteiras que são subjulgadas pela sociedade. Se ainda hoje existem situações e atitudes discriminatórias a mulheres assim, imaginar que na década de 80 a situação era muito mais complicada não chega a ser tão difícil. Como também não é difícil imaginar a condição de Virginia, uma sexagenária que, quando menos espera, redescobre o amor de forma bastante natural e espontânea.

É incrível como essa condição social imposta sobre as mulheres se transforma no único objetivo de vida da protagonista, como uma obsessão. Uma obsessão que nunca é alcançada numa sucessão de situações não correspondidas e frustrantes que geram a ansiedade, a impaciência e que culmina na crise nervosa seguida de momentos de baixa auto estima e desmoralização pessoal.

São nesses pequenos filmes que a gente nota como Uma Thurman é uma grande atriz, e como o Globo de Ouro recebido por este papel em 2002 foi merecido. Juliette Lewis não larga a mão de interpretar aquele mesmo estereótipo de Lolita que a revelou em Cabo do Medo (Cape Fear, 1991), mas é sempre bom vê-la bem aproveitada, ainda mais em um filme como esse e na época em que a história é situada, já que a atriz naturalmente se mostra muito a vontade, até mesmo porque ela também é cantora, com três albuns já lançados, fortemente influenciada pelos movimentos new wave e punk desta mesma época. A relação de ambas e a confidência demonstrada é bastante convincente, principalmente por interpretarem as típicas "Garotas Jersey", aquelas descritas por norteamericanos como tipos legais, sensuais e interessantes independente do que estejam fazendo, o que deixa a história de Debby e Beth talvez até mais trágica do que aparenta.

Como dito lá no início, a ambientação, o design de produção, maquiagem, cabelo e a fotografia, são uma das mais bem feitas sobre a década referida tanto quanto em 200 Cigarros (200 Cigarettes, 1999) ou Romy e Michele (1997), desde os mínimos detalhes da cafonice 80tista até nos excêntricos comportamentos sociais. É uma comédia dramática que alegoriza algumas das diferentes condições femininas na sociedade, e a época em que a história acontece só serve para nos mostrar que, mesmo quase três décadas depois, muita coisa ainda continua a mesma. Além de tudo, a cegueira histérica ao qual o título se refere também é uma metáfora da dependência das mulheres nos homens para mudarem suas vidas.

CONCLUSÃO...
Além de recriar com bastante detalhe a década de 80, o filme também desenvolve com profundidade a condição feminina imposta pelas próprias mulheres dentro da sociedade e as prejudiciais consequências disso. Maravilhosamente bem ambientado e interpretado, Mira Nair acerta ao levar para a tela uma peça sensível e até trágica, tanto para a história quanto para tipos encontrados na vida real em qualquer lugar que se vá ainda nos dias de hoje.

quarta-feira, 4 de março de 2015

OS 25 PIORES FILMES DE 2014 (ATÉ AGORA)...

Que 2014 foi um raro ano de excelentes produções, isso não há dúvida... mas os ruins também tem que figurar... e figurar rude! Não basta ser ruim, tem que ser ruim com louvor. Aqueles que não cito aqui provavelmente é porque são tão ruins, mas tão ruins que eu nem fiquei sabendo que existiam. Lembrando que nesta lista não estão apenas aqueles filmes muito ruins e horrorosos, há aqueles que também tem algumas qualidades e também poderiam figurar entre os melhores. A lista é pessoal, não há uma ordem definida e os números são apenas para facilitar o serviço.

01. O DUPLO (THE DOUBLE)
Ao mesmo tempo que é bom, ele é ruim. O diretor Richard Ayoade tentou dar uma profundidade psicológica tão grande na história que nem ele mesmo sabe onde foi parar.

02. DIVERGENTE (DIVERGENT)
A tentativa de ser um novo Jogos Vorazes (2012) é tão forte e brutal que poderia ter dado muito certo se a história não fosse tão superficialmente complexa, aquela coisa pra dar profundidade a um pires. Adolescentes que são fãs dos livros podem adorar porque, você sabe... são adolescentes, mas é uma grande bobagem que desperdiça idéia e talento.

03. 50 TONS DE CINZA (50 SHADES OF GREY)
Ah... ele é de 2015, né? Mas é tão ruim, tão ruim que eu resolvi colocar na lista mesmo assim. Ano que vem coloco de novo.

04. 300: A ASCENÇÃO DO IMPÉRIO (300: RISE OF AN EMPIRE)
É outro que ao mesmo tempo que é bom, é ruim. O primeiro filme foi criticado porque havia poucos diálogos. Nessa continuação há muitos diálogos. E diálogos ruins, pobres, que não são dignos nem pra introdução de filme pornô. Falando em pornô, as sexualizações e a cena de sexo entre os protagonistas é uma das coisas mais desnecessárias já feitas depois dos filmes de Adam Sandler.

05. MALÉVOLA (MALEFICENT)
Não dá pra negar que o filme é apenas uma oportunidade de Angelina Jolie reinar naquilo que sabe melhor fazer: caras, bocas e a gargalhada fatal pra escancarar aquela bocarra. Ela se dá bem e a cenografia é linda, mas essa mania de converter vilão igual Igreja Universal faz com demônio, não rola. E, de repente, Malévola passa de vilã para a princesa do conto de fadas. Intragável.

06. A LENDA DE HERCULES (THE LEGEND OF HERCULES)
O Hercules de Dwayne Jonson é bem aceitável e o mais próximo que puderam fazer daquilo descrito pela mitologia sobre o personagem, mas essa versão com Kellan Lutz não presta nem pra admirar a beleza do ator.

07. LUCY
Um dos filmes mais sem pé e nem cabeça que Luc Besson poderia ter feito, dentre tantas porcarias que ele já fez. O problema não é nem Scarlet Johanson, que vem se dedicando a preencher a vaga de heroína de ação depois que Mila Jovovich deu um tempo pra gravidez. Não vale a pena nem comentar.

08. NO OLHO DO TORNADO (INTO THE STORM)
Ele tentou ser uma continuação não autorizada de Twister (1996), atualizado aos tempos modernos e já cansados das filmagens em primeira pessoa. Os resultados são até efeitos especiais muito legais, mas uma história muito ruim, cheia de clichés e personagens muito burros, que só fazem burradas para dar motivo para cenas de ação.

09. INTERESTELAR (INTERSTELLAR)
Depois de Gravidade (2013), Interestelar parecia uma ótima ficção espacial para ser lançada neste ano, ainda mais sendo dirigido por Christopher Nolan e todo o mistério envolto no enredo do filme. A verdade é que essa viagem espacial cheia de desnecessárias reviravoltas justificadas em cima de uma física quântica exagerada, só deixa claro como o ser humano é tão burro ao ponto de não saber lidar com sua própria inteligência e evolução.

10. TRANSFORMERS: A ERA DA EXTINÇÃO (TRANSFORMERS: AGE OF EXTINCTION)
Bom... não há o que dizer. A franquia já é ruim desde o começo porque tem na direção um homem chamado Michael Bay, considerado um dos piores diretores em atividade porque faz caça níqueis como esse. Ele já sabe que tudo que ele faz é uma porcaria e ele já sabe que todo mundo fala mal de Transformers. Mas ele já afirmou... enquanto der dinheiro, ele não vai parar.

11. O ESPETACULAR HOMEM ARANHA 2 (THE AMAZING SPIDER MAN 2)
O primeiro já havia feito Peter Parker ser moderninho demais pra geração atual gostar mais dele do que o Peter Parker de Sam Raimi. O segundo filme foi um desastre, tanto que a franquia desse reboot nem bem começou e já acabou, e agora o herói vai entrar no mundo dos Vingadores. e sabe-se lá quando voltará a ter franquia própria.

12. POMPÉIA (POMPEII)
O que dizer de um filme cujo único currículo do diretor foi ter feito a horrorosa hexologia Resident Evil, com Mila Jovovich? Ruim, óbvio.

13. ANNIE
Nada mais chato como uma criança como Annie.

14. SEX TAPE
Uma tristeza quando já no trailer se deduz a bela porcaria que vem por aí. Cameron Diaz já fez filmes tão bons e com diretores tão renomados, até tentou algo um pouco alternativo com A Caixa (2010) e insiste em fazer esses filmes horríveis só pra manter o emprego.

15. JUNTOS E MISTURADOS (BLENDED)
Por favor, aposentem Adam Sandler!

16. TRANSCENDÊNCIA (TRANSCENDENCE)
Já é quase unânime considerá-lo o pior filme da carreira de Johnny Depp e o sinal de que o ator não tem mais Hollywood nas mãos como parecia ter até 5 anos atrás. Eu particularmente acho ótimo porque acho intragável essa arrogância dele.

17. SE EU FICAR (IF I STAY)
Para, né? Comédia romântica dramática tendenciosa e mais doce que o doce mais doce que é o doce de batata doce. O pior é ver adulto gostar disso.

18. O APOCALIPSE (LEFT BEHIND)
Vergonha alheia de Nicolas Cage.

19. TAMMY
Melissa McCarthy tem queimado todos seus cartuchos no cinema e representando papéis similares. O filme é desconfortável, chato e não decola. A personagem é difícil e não consegue se conectar com o espectador de forma alguma e o talento de atores como Susan Sarandon, Kathy Bates e Sandra Oh são desperdiçados o tempo todo. Mais triste ainda saber que o filme foi escrito por ela e seu marido, o qual também dirigiu.

20. FRANKENSTEIN: ENTRE ANJOS E DEMÔNIOS (I, FRANKENSTEIN)
Aaron Eckhart poderia ter ficado sem essa. Fazer Frankestein ser um super herói já é de cagar, sentar e descer a ribanceira com a bunda.

21. GRACE DE MONACO (GRACE OF MONACO)
Não dá. Primeiro porque Nicole Kidman mal consegue manter uma expressão facial mais, segundo porque o filme narra um período em que Grace Kelly tentava retomar sua carreira em Hollywood e tinha 32 anos, enquanto Nicole já passou dos 50. Aí vem a história fraca, a direção fraca, tudo fraco e o equívoco.

22. CORRER OU MORRER (MAZE RUNNER)
Mais um produto genérico da era Jogos Vorazes.

23. ÊXODO: DEUSES E REIS (EXODUS: GODS AND KINGS)
Depois de Gladiador (2000), a vontade de Ridley Scott em repetir sucesso com um novo épico tem sido em um esforço quase que sobre-humano. Aqui ele tenta pegar a onda de Noé (2014) e oferecer uma história igualmente bíblica e atualizá-la. O problema é que tudo é muito superficial, desde o design de produção exagerado e do elenco hollywoodianizado e nada muito próximo daquilo que realmente eram os egípcios, fazendo o espectador perder o foco narrativo várias vezes por tantos exageros no intuito de mais chamar atenção do que na qualidade final. Além de ser um filme entediante. Ridley Scott está velho, e não é questão da idade, é de idéias mesmo. Está velho e desatualizado.

24. QUERO MATAR MEU CHEFE 2 (HORRIBLE BOSSES 2)
"Horribler", como disse Dave White, esta é a melhor palavra que resume este filme. Se o primeiro é ruim, o segundo é pior ainda. Jennifer Aniston podia ter desistido da idéia, principalmente em um ano em que ela ofereceu uma das melhores interpretações com Cake.

25. BUSCA IMPLACÁVEL 3 (TAKEN 3)
A trilogia do paizão finalmente acabou. Tudo bem quando Luc Besson produziu e escreveu o primeiro, que foi um grande sucesso. Tudo bem que foi legal pegar um ator com mais de 60 anos e transformá-lo em um grande ícone de filmes de ação nos últimos 3 anos. Mas não tá tudo bem quando a história se repete outra e outra e outra vez, e mesmo quando já deu o que tinha que dar, continuam dando mais. Chega!

terça-feira, 3 de março de 2015

MELHOR QUE MUITO HORROR POR AÍ...

★★★★★★★
Título: The Babadook
Ano: 2014
Gênero: Terror
Classificação: 14 anos
Direção: Jennifer Kent
Elenco: Essie Davis, Noah Wiseman
País: Austrália, Canadá
Duração: 93 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma mãe solteira, atormentada pela morte violenta de seu marido, tem que lidar com o medo de seu filho sobre um montro que ele acredita estar presente na casa, o que a leva aos poucos descobrir que algo sinistro acontece a sua volta.

O QUE TENHO A DIZER...
Filme australiando, dirigido e escrito pela também atriz australiana Jennifer Kent, baseado em um curta metragem também escrito e dirigido por ela mesma, chamado Monster, considerado por ela como o "baby Babadook".

A história simples de uma mãe solteira que tenta superar a perda do marido enquanto cria seu filho não é novidade. Muito menos novidade é um monstro que atormenta a família dentro da casa numa releitura bem elaborada do "monstro do armário". Bem como também não é novidade algumas das reviravoltas do roteiro.

Em resumo, não há novidade alguma aqui, que por sinal muito se assemelha ao horrível e extremamente mal elaborado O Pesadelo (Boogeyman, 2005), mas o filme de Kent surpreende por ser barato e bem feito. Um terror fundamentalmente psicológico com metáforas espalhadas por toda sua narrativa. Segundo a própria diretora, a idéia do roteiro surgiu quando tentava escrever uma história sobre pessoas aprenderem a lidar com seus lados mais obscuros e o medo que temos de enlouquecer. Também quis explorar a educação familiar a partir de uma perspectiva realista, o que gerou certa polêmica, já que em um dos momentos do filme a personagem principal deseja que seu filho estivesse morto. Kent explicou a situação, dizendo que a dificuldade da educação familiar não nos leva a desejar a morte de nossos próprios filhos, mas muitas mães sofrem e tem dificuldades sérias nesse processo, mas ninguém fala sobre isso porque é um tabu acreditar que a maternidade nem sempre é uma excelente experiência.

É por essa razão que os personagens são tão amáveis, justamente para que o espectador tenha uma maior compaixão pelas dificuldades que passam. Amelia (Essie Davis) é doce, que cuida de idosos em uma casa de repouso, mas sofre de depressão crônica pela perda do marido. Seu filho, Samuel (Noah Wiseman), é um garoto carinhoso, mas que sofre de alguns distúrbios, dizendo sempre aquilo que lhe vem a cabeça e sendo incapaz de mentir ou omitir algo, talvez numa condição clínica mais branda da Síndrome de Asperger. Os dois juntos formam uma família solitária, que tem dificuldades de se relacionar socialmente, inclusive com seus próprios familiares.

A condição de dependência da mãe com o filho e dele com ela é bastante evidente, mas tudo começa a tomar outro rumo quando passam a ser atormentados por uma entidade sobrenatural. O filme não deixa muito claro se tudo é resultado de um comportamento induzido ou sobrenatural de fato. O interessante é que no fim tudo isso pouco importa, pois se existe uma coisa que o filme consegue desenvolver muito bem, é sua atmosfera fantasmagórica.

Mesmo a história e sua construção sendo bastante clichés, as cenas estão longe de criar sustos fáceis, como é comum no gênero. Em contraponto, tudo é desenvolvido de forma lenta e bastante convincente, impressionando nas situações mais simples, como quando a protagonista dorme e o filme é acelerado para haver a transição de tempo. Simples, mas que dentro do contexto do filme já introduz o espectador ao tom mais sombrio que ele toma. Junta-se a isso as incríveis ilustrações de Alexander Juhasz, que mesmo com traços lúdicos, já criam um certo mal estar no pop-up book mostrado no filme.

Com um orçamento de aproximadamente US$2 milhões, sendo que US$30 mil foi levantado com o Kickstarter, sua bilheteria total arrecadou quase US$5 milhões. Surpreendente para um filme deste porte. Os elogios da crítica ultrapassaram os continentes e ele tem sido considerado um dos melhores filmes de horror dos últimos anos por conta da densidade psicológica em que ele é trabalhado, tudo graças às técnicas utilizadas pela diretora para compensar o apertado orçamento e a ausência de efeitos especiais. O que é algo muito bom ao se tratar de filmes de terror, nos quais está ficando cada vez mais comum a substituição de técnicas cinematográficas por efeitos especiais que mais causam risada do que medo. É por isso que a diretora foi buscar inspiração e referência nos clássicos, como A Coisa, Halloween, O Massacre da Serra Elétrica, O Iluminado e Nosferatu, além da ambientação teatral existente nos filmes B dos anos 50.

Portanto, ao contrário do que muita gente pode achar depois de assistí-lo, tudo no filme não foi feito por acaso. A ambientação da casa vitoriana, o uso de efeitos de câmera e a baixa iluminação que causam uma certa granulação e dessaturização de imagem, e o uso do "stop-motion" não são defeitos, mas técnicas funcionais e um tanto esquecidas nas grandes produções mais atuais. Algo que faz falta, principalmente em um gênero que nunca precisou de muito para se destacar, além de uma boa idéia e um excelente domínio de técnicas.

CONCLUSÃO...
Pode ser mais um filme com uma história comum no gênero, e esta releitura do "monstro do armário" é uma produção pequena que utiliza truques de câmera, edição e trilha sonora para criar o clima aterrorizante sem a necessidade de efeitos especiais, como tem sido o erro da maioria dos filmes de terror atualmente. É a prova de que terror não se faz com tecnologia, mas com técnica.

OS 31 MELHORES FILMES DE 2014 (ATÉ AGORA)...

Aqui vai a lista anual. Estes, que considero os melhores de 2014 dentre os que consegui assistir e/ou ler a respeito. Novamente foi um ano que pouco assisti do cinema além do norteamericano. Sinto falta, mas porque também percebo que há poucas indicações pelos websites afora. Reafirmo que é uma lista pessoal, não há uma ordem específica e a numeração é só pra facilitar o serviço. Muitos ficaram de fora da lista ou porque ainda não assisti e pouco li a respeito, ou porque desconheço. No geral foi um ano bem agradável no cinema, com introdução de novos aspectos no cinema comercial que já existiam nos filmes independentes. As filmagens com câmeras na mão se tornaram tão comuns nos últimos anos que agora tomam outras densidades, e a câmera estática, que foi quase esquecida, agora toma ares nostálgicos quando utilizada. O "nude" não atingiu só a moda, atingiu o cinema também, mas aqui na ausência total da maquiagem, ou fazer dela um suporte que não exceda o básico. Tudo a favor do ultrarealismo que foi a grande evidência de alguns títulos em 2014. Um ano interessante, de um sopro de mudanças nos filmes mais comerciais.

01. O DUPLO (THE DOUBLE)
Outro filme também de 2013 e que pousa por aqui apenas em 2014, é baseado no livro homônimo de Dostoyevsky. Richard Ayoade, que dirige e escreve, exagera na atmosfera psicológica e no fim leva o espectador a lugar algum. Apesar disso vale ser visto por alguns quesitos técnicos como a fotografia, o design de produção, a trilha sonora e os incríveis enquadramentos que intensificam mais ainda essa atmofera confusa e alucinante. É notável que foi feito com muito carinho pelo diretor, mas não há uma clareza ou um ponto determinante para um denominador comum.

02. UM MILHÃO DE MANEIRAS DE PEGAR NA PISTOLA (A MILLION WAYS TO DIE IN THE WEST)
Depois de Sua Majestade (Your Higness, 2011), essa é a comédia mais politicamente incorreta dos últimos 5 anos. Enquanto o outro filme satirizava aventuras medievais, este satiriza não apenas o velho oeste norteamericano como muitos assuntos atuais, tudo misturado em uma realidade até surreal. Seth MacFarlane também escreveu e dirigiu Ted (2012), outro filme bem politicamente incorreto que fez muito sucesso. Cheio de piadas prontas, não é estranho encontrá-lo figurando nas listas dos piores filmes, o que é bastante compreensível, já que é recheado de situações constrangedoras, e o constrangimento naturalmente anula as percepções. Não é todo mundo que consegue assistir sem se importar com isso.

03. O GRANDE HOTEL BUDAPESTE (THE GRAND BUDAPEST HOTEL)
Wes Anderson está ficando impossível. Desde quando se lançou como diretor e roteirista lá em 1996, ele só tem filmes bons no currículo, que melhoram progressivamente a cada novo trabalho ao ponto de acreditarmos que o próximo nunca superará o anterior. Se em Moonrise Kingdom (2013) muita gente já achava que ele tinha alcançado o nirvana profissional, Grande Hotel prova que Anderson ainda tinha mais a fazer e mostrar. Sem dúvida tem se destacado como o diretor mais original de sua geração, que mescla de maneira fantástica a linguagem comercial e alternativa sem qualquer esforço, além de, acima de tudo, ser um dos melhores contadores de histórias do cinema atualmente. Fantástico, bizarro, belo, leve e poético em imagens, como sempre são seus filmes. É o Jean-Pierre Jeunet norte-americano.

04. 300: A ASCENÇÃO DO IMPÉRIO (300: RISE OF AN EMPIRE)
Continuação do sucesso de Zack Snyder de 2006, o filme não é lá a excelência esperada, mas utiliza as fórmulas do primeiro muito bem. O grande bem feito da história é ela ser uma pré-continuação, uma história paralela e uma continuação do original, tudo de uma só vez em uma única narrativa, além de ter utilizado algumas referências históricas, como a guerra entre gregos e persas na Batalha de Salaminas e que encaixou muito bem tanto para o filme original quanto para os diferentes tempos narrativos da continuação. Diálogos muito ruins de doer e algumas cenas sexuais bastante apelativas que podiam ter ficado de fora, mas mesmo assim tem seu mérito entre os horrorosos filmes de ação do ano.

05. COMPLICAÇÕES DO AMOR (THE ONE I LOVE)
Essa dramédia que estrela Mark Duplass e Elisabeth Moss é nada mais do que mais uma divagação sobre uma relação estagnada. Uma história comum, com discussões comuns, dentro de acontecimentos surreais em um filme que, a princípio, é esquisito, mas quando abstrai-se o absurdo e compreende-se que ele foi apenas uma ferramenta para que os personagens possam conflitar saudavelmente entre si, a essência do filme é bastante relevante e atual. E o final é surpreendente.

06. GAROTA EXEMPLAR (GONE GIRL)
Está longe, muito longe de ser um excelente filme de suspense como a crítica geral aponta. Há sempre uma certa superestimação em cima dos filmes de David Fincher, assim como nos filmes de Spielberg ou Sodenberg. E isso é muito chato. O roteiro foi escrito pela própria autora do livro, o que já não é lá muito interessante porque tropeça ao tentar transpor muito da obra no roteiro. A grande graça está em ler o livro e depois assistí-lo. Ver que os personagens, ambientações e a progressão da história, tudo chega muito próximo do que é descrito em primeira pessoa pela autora é bastante interessante, naquela sensação de "é assim com eu imaginava". O trabalho desempenhado por Rosamund Pike também é excepcional. Sutil e contida quando deve ser, e exagerada quando os momentos pedem. Tudo muito bem dosado. Para quem leu o livro e depois ver o filme perceberá que há sentido em todos os olhares que ela faz. Vale também por isso.

07. TERRA PARA ECHO (EARTH TO ECHO)
Está em falta no cinema filmes infantojuvenis mais fantasiosos e aventureiros como esse. Evidentemente inspirado nos clássicos E.T. (1982) e Goonies (1985), além de uma forma de narrativa extremamente similar de Poder Sem Limites (Chronicle, 2012), tudo é uma aventura de baixo orçamento bastante emocionante que a Disney fez uma grande besteira em não ter feito sua promoção e distribuição. Para crianças e adolescentes, tudo é muito atual e familiar, para os mais velhos, pura nostalgia. Simples e delicioso.

08. MAPA PARA AS ESTRELAS (MAPS TO THE STARS)
É um daqueles títulos, como vários desse ano, que fica no meio termo. Se eu fizesse uma lista dos "FILMES MAIS OU MENOS DE 2014", esse título de David Cronemberg estaria lá. Cru e perverso como sempre, o diretor não poupa o espectador do pior, mas dessa forma faz tudo de forma mais sutil e natural para não ser tão chocante quanto os próprios temas já são. Com várias narrativas paralelas, o filme se perde como uma unidade, mas as histórias particulares se engrandecem sozinhas. A história de Havana e a de Benjie ultrapassam o trágico, e a performance de Julianne Moore pode ser curta, mas está entre suas melhores.

09. DOIS DIAS, UMA NOITE (DEUX JOURS, UNE NUIT)
O que falar desse filme sobre a crueldade do sistema, o assédio moral no trabalho e o constrangimento no qual as pessoas são obrigadas a passar para se manterem em subempregos para ter alguma dignidade na vida fora do trabalho? Um maravilhoso, desgastante e terrível ponto de vista dos irmãos Dardenne sobre tudo isso, além de Marion Cotillard em uma de suas melhores performances. Humana, verdadeira e desesperada, como qualquer pessoa em seu lugar ficaria.

10. GUARDIÕES DA GALÁXIA (GUARDIANS OF THE GALAXY)
Aventura espacial bastante satisfatória para aqueles que não querem pensar muito. Aventura Marvel clássica para aqueles que gostam das fórmulas da produtora. Heróis que nada tem a ver uns com os outros, mas que de tão isolados do mundo que estão, é isso o mais próximo de uma família que eles poderão chegar. Claro que uma metáfora saudável de que ser diferente e excluído nem sempre é um problema. É Marvel tendo em suas histórias contextos sociais bastante disfarçados. E tudo funciona bem e diverte.

11. HOUSEBOUND
Filme neozeolandês que pouca gente irá assistir, e que tem de tudo um pouco para quem gosta de suspense, terror, comédia e gore. É uma grande lambança que dá muito certo, pois não esconde em nenhum momento que sua função é ser propositalmente debochado e trash, e figura nessa lista porque o diretor prova mais uma vez que cinema é um exercício de técnicas, e se bem usados ele pode levar a audiência para o lado que quiser. E é o que ele faz.

12. HERCULES
Mais um filme de ação bate e arrebenta que tinha que estar na lista. Não sabe se quer ser engraçado, chocante ou realista. Não sabe se quer levar Hercules a sério ou se querem debocha-lo. Não sabem se querem atingir o público adulto ou o adolescente. Não sabe se é um filme de guerra ou de ação. De qualquer forma, dentre todas as produções com abordagens mitológicas nos últimos anos, este talvez seja o mais aproveitável e que chegou o mais próximo possível do que a mitologia diz sobre o nem-sempre-herói.

13. BOYHOOD
Ah... este filme encantou corações. Foi a nostalgia que o fez atingir a popularidade que alcançou, já que seu estilo um tanto experimental, lento e aparentemente superficial, além de seus 165 minutos, são tudo aquilo que o público comum mais detesta. Mas é sempre muito interessante ver a forma como Linklater transforma o tempo em um personagem vivo em seus filmes. Aqui não seria diferente. E ele consegue ir mais além, chegando o mais próximo possível da realidade e que atinge cada um que o assiste de forma singular.

14. GATA VELHA AINDA MIA
Esse pequeno e muito modesto filme nacional merece atenção. Regina Duarte sai de sua zona de conforto e explode em uma performance cheia de camadas e nuances ao interpretar Gloria Polk, uma escritora feminista, colérica, excêntrica e por algumas vezes até diabólica. O roteiro pode se perder e a participação de Barbara Paz pode soar um pouco forçada ou fora de contexto, mas Regina domina todas as cenas e merece ser vista em um de seus melhores papéis da carreira (se não for o melhor).

15. CAKE
Mais um filme em que é a personagem quem manda na história. Jennifer Aniston também sai de sua zona de conforto e encarna uma mulher comum que sobreviveu a um grave acidente e hoje sofre de dores crônicas. Para aqueles que já estavam enjoados da atriz por conta da superexposição que teve em Friends e de papéis semlhantes que interpretou ao longo de todos esses anos no cinema, chegou a hora de colocar os preconceitos de lado e apreciar essa que foi uma das maiores interpretações do ano. E isso não é exagero. O roteiro também se perde, personagens entram e saem da história sem muito sentido... mas tudo isso pouco importa porque é Aniston e sua personagem quem direciona tudo.

16. DOIS LADOS DO AMOR (THE DISAPPEARANCE OF ELEANOR RIGBY)
Nem sempre uma relação acaba porque acaba o amor. Muitas vezes ela acaba porque não há condições de continuar nela. Esse filme mostra esse terrível conflito que um casal amarga e não consegue encontrar solução para isso. Delicado e verdadeiro sobre um amor que ainda existe, mas que agora viaja em um vácuo.

17. BIRDMAN
Ame ou odeie, é o filme lançado em circuito comercial mais ousado do ano. Tal qual como Gravidade (2013), de seu conterrâneo Cuaron, Iñarrítu também se joga na idéia dos planos sequencia, ou seja, longas cenas filmadas sem cortes que podem durar de 5 a 15 minutos, dependendo da disposição do diretor e da capacidade de filmagem do equipamento. A idéia de Iñárritu foi fazer um filme em que os 110 minutos de duração passasse a sensação de ser uma cena só, da mesma forma como Hitchcock fez com os 90 minutos de Festim Diabólico (Rope, 1948), se aproximando mais daquilo que Gustavo Hernandez tentou com o independente A Casa Muda (2010), só que o dinamismo e a mudança de cenários fizeram Birdman um grande desafio. Tecnicamente impossível de ser feito em uma única filmagem, o filme foi dividido em vários planos sequência. Para que na edição os cortes não ficassem expostos, foram utilizadas técnicas de interrupção do panning (movimento da câmera), até mais avançadas como sobreposição de imagens ou manipulação digital da iluminação. É tudo isso que causa esta sensação ininterrupta de filmagem. Dentro do contexto do filme, foi a maneira que o diretor teve de passar ao espectador a sensação claustrofóbica e aflitiva vivida pelo personagem principal. Para fazer isso a sincronia técnica tinha que ser perfeita, e ela é. Um filme montado de uma forma absurda e interessantíssima. São os mexicanos ousando onde os norteamericanos morrem de medo.

18. O ANO MAIS VIOLENTO (THE MOST VIOLENT YEAR)
Esse suspense político, policial e até social sobre a máfia moderna norte-americana talvez seja o resumo mais próximo do real de como o meio é um ambiente transformador do homem quando nele estão em jogo o dinheiro e o poder. É o processo de transformação do herói para o anti-herói, e do anti-herói para o vilão. Toda a trajetória do mocinho em bandido de forma muito clara. O desenvolvimento desse processo é brilhante e moralmente chocante. Depois de assisti-lo muitas coisas ficam mais claras para compreendermos porque a honestidade na política e na economia são praticamente impossíveis.

19. LIVRE (WILD)
A incrível aula de superação, recheada de clichés do gênero, como drogas, perdas, muita poeira e suor, belas paisagens e animais selvagens desfilando para as câmeras, evidentemente não chega lá a ser algo muito original e nem mesmo empolgante em um filme baseado em fatos reais sobre as memórias de Cheryl Strayed e os mais de 1700km percorridos por ela à pé pela Costa do Pacífico. Mas Reese Witherspoon consegue dar uma desidade bastante interessante e Laura Dern volta a ganhar destaque nas grandes telas, mesmo que por pouco tempo.

20. SELMA
Filmes de temáticas raciais são sempre interessantes para que as gerações atuais sejam relembradas do sofrimento que os homens são capazes de causar a eles mesmos. A marcha de Luther King de Selma para Montgomery é uma das respostas a isso dentro da História. Por mais que o filme soe explorador por vir quase que exatamente um ano após 12 Anos de Escravidão (2013) e ser também produzido por Brad Pitt, muito se falou da pouca atenção dada ao filme e aos negros na temporada de premiações, mas pouca gente se lembra de que a população negra não deve ser lembrada apenas quando filmes de temáticas raciais são lançados. Portanto, para compreendermos o presente, o filme é um excelente material para conhecermos o passado, mas deve ser visto apenas dessa forma.

21. CAPITÃO AMERICA: O SOLDADO INVERNAL (CAPTAIN AMERICA: THE WINTER SOLDIER)
É um dos filmes que não assisti, mas a crítica em geral (tanto especializada quanto a leiga) o considerou o melhor filme da Marvel baseado em seus heróis (depois de Guardiões da Galáxia a disputa de preferência agora parece ter ficado acirrada). De qualquer forma, Marvel encontrou a fórmula certa para desenvolver suas histórias, ainda mais agora, apadrinhada pela Disney, vai ficar difícil não ter força para se superar cada vez mais. Basta saber se as fórmulas evoluirão junto, ou se serão mantidas na zona de conforto.

22. O JOGO DA IMITAÇÃO (THE IMITATION GAME)
Assim como Whiplash, o filme também fazia parte da lista negra de Hollywood, lista cujos roteiros que fazem parte dele são considerados os melhores, mas que nunca haviam sido filmados. Não apenas Benedict Cumberbatch dá um show, como também o roteiro, ao ser livremente baseado na história real de Alan Turing, um criptoanalista responsável por salvar a vida de milhares de pessoas, mas acabou caindo em uma intriga de espionagem e sofreu perseguição por ser homossexual. Não é um filme de temática GLS ou socio-militante, mas é mais uma prova de como o ser humano não apenas é ingrato como também desumano com ele mesmo.

23. WHIPLASH
Miles Teller e J.K. Simons conseguem fazer algo que quase sempre é impossível: transformar uma história fictícia em algo tão visceral e emocionante que nos faz acreditar que aquilo tudo foi uma história verídica. Bem... em partes, já que o roteiro, escrito pelo também diretor Damien Chazelle, é baseado em suas próprias experiências em uma banda de jazz durante o colégio. Depois que o filme surpreendentemente entrou na temporada de premiações, ele merecidamente tem recebido mais atenção do público. Simons finalmente sendo consagrado com o Oscar e o Globo de Ouro por um trabalho, e Teller provando outra vez que é um dos novos e promissores atores de sua geração, tal qual fez em O Espetacular Agora.

24. PARA SEMPRE ALICE (STILL ALICE)
Ainda não assisti, mas para Juliane Moore ter abocanhado quase todos os prêmios da temporada, o filme deve valer a pena.

25. CAMINHOS DA FLORESTA (INTO THE WOODS)
Até mesmo para quem não gosta de musicais, como eu, vai acabar gostando desta versão cinematográfica de um clássico da Broadway. Novamente dirigido por Rob Marshall, o diretor parece não se cansar do gênero. Dizem que houve vários problemas e discussões durante a produção, o que colocou em dúvida a qualidade do filme. No fim tudo isso provou que, sendo verdade ou boato, valeu a pena. Até porque as canções foram gravadas em estúdio, mas com os atores as representando como em cena, o que trouxe maior precisão na hora da mixagem e edição.

26. O ABUTRE (NIGHTCRAWLER)
Este filme neo-noir é um daqueles esquisitos do ano, e Jake Gyllenhaal tem se especializado em personagens tão (ou mais) esquisitos quanto e sua performance chega a ser assustadora e aflitiva. Hollywood nunca esteve pronta para filmes mais crus como esse, ou como foi Drive. Por essa razão o filme foi um tanto esnobado, mas não tira seus méritos.

27. PLANETA DOS MACACOS: O CONFRONTO (DAWN OF THE PLANET OF THE APES)
Embora tenha servido apenas como um "filho bastardo" para justificar a existência de uma terceira parte, ele conseguiu cumprir o que prometia e o que o público cobrava. Se o primeiro foi bom, o segundo consegue ser tão bom quanto.

28. X-MEN: DIAS DE UM FUTURO ESQUECIDO (X-MEN: DAYS OF FUTURE PAST)
Foi a tentativa de Bryan Singer em se desculpar com os fãs e tentar consertar a bagunça cronológica que a franquia virou. Mesmo que o filme tenha erros de continuidade às vezes tão horríveis quanto Guerra Mundial Z (2013) e ignore algumas cronologias que o próprio Singer havia criado no universo dos heróis da Marvel, o que mais vale a pena aqui é que o diretor sabe agregar um grande elenco, e os fãs novamente terão o prazer de vê-los como os quadrinhos mostravam: como uma equipe de verdade.

29. OLHOS GRANDES (BIG EYES)
Ame ou odeie Tim Burton, é sempre interessante ver uma história através de sua visão peculiar do mundo, principalmente quando é baseado em fatos reais, como é este filme sobre a vida da pintora Margaret Keane e sua briga judicial com seu marido, que alegava que as obras eram suas. Não chega a ser um Ed Wood (1994), mas mesmo assim há sua graça, e não há como errar com Amy Adams e Christoph Waltz.

30. QUE HORAS ELA VOLTA
Baseado nas próprias experiências da diretora e roteirista Anna Muylaert com sua babá, este filme é uma importante análise social entre os limites familiares e a relação trabalhista e hierarquizada entre uma família e uma pessoa contratada para trabalhar pra ela. Também mostra o impacto social sofrido no país nos últimos anos, onde a possibilidade da mobilidade social é muito maior, e que o dinheiro e conquistas não se limitam mais a apenas uma classe favorecida. Junta-se a isso a interpretação de Regina Casé, sempre muito humana e brasileira como sempre, recheada de referências de um Brasil que se encontra nela de norte a sul.

31. THE BABADOOK
Filmes australianos são geralmente bons, mas os de terror geralmente são uma tragédia. Parte da seleção oficial do Festival de Sundance, a crítica especializada o tem considerado como um dos melhores filmes de horror dos últimos anos. Até mesmo William Friedkin, o diretor de O Exorcista (1973), chegou a publicar em seu Twitter que o filme é realmente assustador e entrou pra sua lista de melhores, junto com Psicose (1960), Alien (1979) e Diabolique (1955). A releitura do "monstro do armário" é uma produção pequena que utiliza truques de câmera, edição e trilha sonora para criar o clima aterrorizante sem a necessidade de efeitos especiais, como tem sido o erro da maioria dos filmes de terror atualmente. É a prova de que terror não se faz com tecnologia, mas com técnica.
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