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sexta-feira, 26 de agosto de 2016

LE FREAK, C'EST CHIC...

★★★★★★★☆☆
Título: The Get Down
Ano: 2016
Gênero: Drama, Comédia, Musical
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Justice Smith, Herizen Guardiola, Shameik Moore, Yahya Abdul-Mateen II, Jimmy Smits, Giancarlo Sposito, Kevin Corrigan
País: Estados Unidos
Duração: 52 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um garoto poeta, uma aspirante a diva Disco e um grafiteiro são impactados pelas importantes mudanças socioculturais no Bronx entre as décadas de 60 e 70, em meio à máfia musical novaiorquina, muita levada Black e cultura Hip Hop.

O QUE TENHO A DIZER...
The Get Down é um projeto que Baz Luhrmann vem esculpindo há dez anos, e percebe-se de maneira bastante clara o motivo de ter demorado tanto tempo para sair do papel, já que lida apenas com a cultura negra norteamericana e como sua relevância tornou-se forte influência no cenário cultural mundial, além de inaugurar um importante espaço para o protagonismo negro no Netflix sem precisar transformá-los em piadas prontas ou vitimizá-los da maneira melodramática ou sensacionalista, como costumamos ver no cinema e na televisão.

A série tem como cenário o bairro do Bronx, mais especificamente sua porção sul, inflada por imigrantes, que sofreu com a pobreza e delinquência durante as décadas de 60 e 70, quando gangs dominavam o bairro durante a recessão econômica, impedindo o desenvolvimento social e urbano, obrigando a própria comunidade a buscar soluções para sua autosobrevivência. A série enaltece a cultura Black da melhor forma possível, só que sempre dentro de um ambiente antagônico entre o glamour e a pobreza, o lixo e o luxo dos guetos.

Luhrmann repete aqui aquele estilo que o consagrou, introduzindo elementos musicais em meio à narrativa, usando a música como uma extensão dela em uma trilha sonora arrebatadora do início ao fim com os mais diversos clássicos que usam e abusam do groove, do scratch, dos samples, dos loops e do black power. "Cheio de mojo, baby", como diria Austin Powers. Só que sem a mesma apoteose carnavalesca de Moulin Rouge! (2001), dessa vez o cenário se torna um pouco mais acessível, identificável, palpável e próximo. Claro que ainda existe um embelezamento nos cenários e situações, um filtro de limpeza que deixa tudo um pouco mais bonito e organizado na tela do que deveria, mas não se pode negar que a cultura negra esteja bem representada em suor e cores. E por essas e outras que The Get Down pode ser visto como o lado B de Vinyl (2016), seriado da HBO cujo tema é também sobre o cenário musical da mesma época.

É impossível não se emocionar ou sentir nos ossos a vibração e o poder da música Black de raiz quando as pistas de dança invadem as cenas em belas coreografias, figurinos e maquiagens de tirar o fôlego como os filmes de Travolta costumavam fazer. A diferença aqui é que não estamos falando do rockabilly, mas do ápice do boom da Disco Music, e do momento em que o verdadeiro Funk (junto com o Disco-Funk) se disseminava pelo underground novaiorquino e começava a tomar conta das ruas para o mundo.

Não me lembro de ter visto uma representação tão imponente dessa atmosfera tal como Luhrmann cria nos três primeiro episódios. E como não admirar a forma como ele insere a máfia dentro disso tudo? Conseguindo dar glamour até mesmo à violência - tal como ele fez em Romeu + Julieta (1996) - além de transformar o cenário musical inexoravelmente o centro de toda a trama.

A história tem a intenção básica de, uma forma bastante didática, contar como a Black Music e a
cultura Hip Hop foram movimentos socioculturais importantes para a compreensão e maturação de uma sociedade segregada e sem perspectivas. Há um tom lúdico em tudo, notado pelo elenco juvenil mais presente do que o adulto, além dos personagens principais lidarem com temas corriqueiros dessa fase da vida, como a descoberta do amor, do sexo, amizade e a concretização de sonhos. E em meio a esses símbolos da juventude são inseridos os perigos sociais, como a violência urbana, o oportunismo, a ambição e o tráfico de drogas. São igualmente estilos do diretor, que adora recriar historietas shakesperianas aguadas de amores impossíveis em meio a rivalidades famíliares ou grupistas, algo que tem aos baldes. Mas mesmo que o roteiro se bagunce um pouco para criar uma coerência com tudo isso, não deixa de ser válida a tentativa de mostrar os processos de escolha e quais são as motivações para se decidir entre o caminho certo ou o errado, e como tudo progride para cada um dos personagens.

É interessante a maneira como a cultura Hip Hop é usada para construir essa narrativa fictícia de maneira respeitosa, ainda que se mantendo pop e acessível, justificando fantasiosamente a origem de estilos e raízes para dar densidade às tramas, como a batalha de rimas e MC's como um processo fundamental para o protagonista; as batalhas de dança, que no contexto é o que empodera os personagens e mostra o seu grau de influência no grupo; a grafitagem, que exterioriza o modo de vida e o pensamento; a discotecagem, que na história representa o domínio da massa e a busca pela fama; a formação de gangues e os atritos entre elas, representando o controle e reinado.

Infelizmente o cuidado do design de produção não foi o mesmo com a escolha de elenco. Há uma incoerência que tende a deixar os melhores atores ao fundo e trazer para destaque aqueles que mal conseguem representar, a começar por Herizen Guardiola, que interpreta a "heroína disco" Mylene, que entre lágrimas que não escorrem e um falso sorriso irritante para tudo quanto é cena, faz a situação parecer um teatro escolar. As atrizes que interpretam suas melhores amigas conseguem fazer um trabalho muito mais surpreendente do que ela própria.

É clara a intenção de Luhrmann em Glee-metizar o seriado para atrair o público mais jovem que adora ver personagens de repente começarem a cantar e dançar na padaria, mas para uma produção que se atentou aos detalhes da época e que até conta com atores de peso pesado como Giancarlo Esposito ou Jimmy Smits, a falta de talento cênico de poucos deprime bastante a qualidade geral de algumas cenas, como a presença apática de Jaden Smith (filho de Will Smih), facilmente dispensável. Talvez tudo poderia ter sido mais interessante e empolgante se a história não tivesse uma mistura etária tão gritante. Luhrmann faz isso como que a mostrar que não importa a idade, é como se todos estivessem dentro de uma caixa com os mesmos objetivos, ou todos fossem tratados como iguais, mas essa discrepância tira aquela pitada de verossimilhança que faria toda a diferença.

A produção de doze capítulos foi divida em duas partes, e os últimos seis episódios serão lançados no primeiro semestre de 2017, uma provável nova estratégia da Netflix de "encurtar" o perído de espera de temporadas, ao invés de soltar todos os episódios de uma vez só e seus assinantes terem que amargar um ano inteiro sem material inédito. Talvez funcione, e com The Get Down a idéia não poderia ser melhor, já que os episódios tem muito para ser apreciado.

CONCLUSÃO...
Luhrmann sem dúvida acerta na maior parte do tempo, até mesmo quando as intenções parecem erradas, como rejuvenecer demais o tom. Mas ao mesmo tempo isso alivia aquele peso dramático e violento que o seriado poderia ter, e deixá-lo um tanto lúdico deu uma característica diferente e apreciável, mesmo que inverossímil e um tanto aguado algumas vezes.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

ESTUPIDEZ SEM LIMITE...

Título: Esquadrão Suicida (Suicide Squad)
Ano: 2016
Gênero: Ação, Super Herói, Comédia
Classificação: 12 anos
Direção: David Ayer
Elenco: Margot Robbie, Will Smith, Viola Davis, Jared Leto, Cara Delavigne
País: Estados Unidos
Duração: 125 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um grupo formado pelos maiores criminosos e psicóticos do país são recrutados secretamente para tentar impedir um desastre de proporções mundiais. 

O QUE TENHO A DIZER...
A Marvel criou no cinema uma fórmula que deu certo. E dentro de um planejamento de 10 anos, divididos em três fases, concretizou seu Universo Cinemático. Nada do que ela fez dentro desse período foi decidido da noite para o dia. Foi um planejamento de longa data, moldado e adaptado conforme o interesse do público e dos fãs, até encontrar seu tom. Tudo muito sutil, mas feito com cuidado e uma filosofia única em foco: lucrar respeitando o próprio legado.

Demorou para a DC/Warner resolver fazer o mesmo no cinema, já que nos video-games e na televisão, por exemplo, essa universo já existe e é sólido, como os jogos Injustice e DC Universe, e com seriados como Arrow, The Flash e Supergirl. A diferença é que a DC se atrasou demais no processo de expansão desse universo para o cinema, e por isso tem colocado os pés na frente das mãos. 

Mesmo Homem de Aço (Man Of Steel, 2013), de Zack Snyder, ter sido um fracasso de crítica, a Warner se aproveitou do razoável sucesso de público para tão logo divulgar sua continuação direta, e de última hora fazê-la o grito de largada do seu universo cinemático próprio. Os erros de Homem de Aço poderiam ter sido usados como experiências do que não devia ter sido feito em Batman vs. Superman, como manter Zack Snyder na direção, por exemplo. Mas ele não apenas foi mantido e cometeu os mesmos equívocos, como também irá dirigir A Liga da Justiça, o maior investimento do estúdio e a principal razão de existência de todo esse universo que ela tenta criar a tropeços e solavancos. Por isso que tem valido a máxima "errar uma vez é humano, contratar Zack Snyder de novo foi burrice, e mantê-lo será suicídio".

O prematuro Universo da DC no cinema tem sido marcado por decisões sem foco, levando essa investida da Warner a um caminho sem rumo, eira ou beira, restando a Esquadrão Suicida e ao aguardadíssimo filme solo de Mulher-Maravilha, a tentativa de capturar um novo fôlego e reacender o interesse de um público que já está desinteressado, mesmo que ainda preencha as salas de cinema por pura curiosidade e minguadas expectativas.

Nada seria mais interessante do que uma história em que grandes criminosos sejam recrutados para missões que heróis deveriam ser poupados. O nome da equipe não seria mais apropriado, e a DC a mais coerente a ter uma equipe assim, já que o selo é marcado por vilões cujas personalidades psicóticas tendem a ser muito mais interessantes do que a de seus heróis.

Aqui a história já entra na proposta do universo, com início a partir dos eventos de Batman vs. Superman, no qual Amanda Waller (Viola Davis) discursa sobre a vulnerabilidade de todos após a suposta morte de Superman. Com a ajuda de Batman e de meta-humanos, como The Flash, conseguiu capturar alguns dos maiores criminosos do país, pois pretende recrutá-los para um programa secreto de segurança do Governo, no qual ela é responsável.

Linear e apresentando brevemente a história de cada um dos recrutados, a introdução é um pouco longa e cansativa, e após isso um tanto repetitiva, já que por várias vezes temos que passar pelo ponto de vista de cada personagem sobre alguma determinada coisa no decorrer da trama. De qualquer forma, o filme acaba e continuamos sabendo nada muito relevante a respeito de ninguém. Ou seja, superficial, pois caso não fosse, estaria na memória.

Mas a impressão maior que se tem com Esquadrão é uma coisa meio óbvia: a de ter sido feita às pressas, assim como aconteceu com Lanterna Verde (Green Lantern, 2011). Sabe-se também que, depois das pesadas críticas negativas que Batman vs. Superman recebeu, o estúdio pressionou para que o filme fosse editado de forma a amenizar o tom violento e não sofrer com a classificação etária. Não é à toa que dezenas de cenas foram deletadas, e muito do palavriado jocoso que poderia ser usado para o bem do contexto dos personagens foi igualmente censurado pelo estúdio. É nessas horas que admiramos Deadpool (2016), sua violência explícita, a boca aberta do anti-herói e suas piadas sujas, outra lição que a Warner deveria ter aprendido, dessa vez, com a Marvel.

O didatismo simplista do roteiro chega a níveis abusivos porque a grande falha, como sempre, é amenizar a carga dramática e a personalidade violenta ou insana dos personagens, deixando tudo politicamente correto. No começo até tentam dar alguma densidade, só que sempre que alguma cena tenta ultrapassar o limite, ela é cortada abruptamente. O maníqueísmo simplista de Hollywood (bem como de boa parte da mídia de entretenimento) parte do princípio de que os espectadores não podem se identificar com vilões ou anti-heróis. Pelo ponto de vista religioso, isso induziria ao mal, já que o mal é relativo ao inferno, e o bem ao paraíso. Por isso que nenhum vilão é bem sucedido. Ou ele morre pelas mãos de um herói e vai para o inferno, ou tem que se redimir de suas atitudes diabólicas para subir aos céus. Essa é a justificativa para existir os momentos clichés de redenção dos vilões ou bandidos, pois assim os espectadores não se sentem culpados por se identificarem com eles, ou simplesmente os acharem mais interessantes do que os heróis ou mocinhos. Por isso que mostram Deadshot (Will Smith) pensar em sua filha constantemente, ou Diablo (Jay Hernandez) ser uma pessoa constantemente arrependida e Arlequina (Margot Robbie) sofrendo de amor como uma donzela virgem e solitária no alto de uma torre. Clichés da redenção para dar motivos fáceis aos espectadores de que o lado humano dos vilões é mais forte.

Esquadrão Suicida surgiu nos quadrinhos para justamente ir contra esse pensamento de que apenas heróis seriam capazes de realizar atitudes heroicas. Foi uma oportunidade que a DC encontrou de fazer com que seus vilões pudessem ser admirados como os heróis, mas sem nunca esquecermos de que eles não são pessoas de boa índole. Por isso, são obrigados a prestarem esses serviços, sofrendo constantemente ameaças e chantagens da impiedosa Amanda Waller. Essa justificativa é o que deixa evidente que, não importa o que façam, eles nunca serão bonzinhos.

Só que isso é algo que não vemos acontecer de fato nessa adaptação, e o resultado é um filme inerte, que falha em todos os aspectos possíveis, pisando em ovos para não ser chocante ou infantil demais, caindo numa cafonice intragável que sobrevive na gambiarra dos péssimos efeitos especiais e da trilha sonora para cobrir os buracos emotivos de cenas apáticas. Nota-se que os efeitos especiais não interagem de maneira convincente com as cenas, sendo tão ruins quanto a maquiagem de Crocodilo. Resultados da pressa, já que todo o processo demorou um ano, desde a pré até a pós produção. Um período de tempo muito curto para uma adaptação como essa ter qualidade.

Não é um filme divertido, sequer empolgante ou engraçado, sem ritmo ou coerência. Em nenhum momento oferece a sensação de que o grupo é formado por aqueles que deveriam estar entre os maiores vilões e criminosos do Universo DC. Ao invés disso, nos passa a impressão de que escolheram aleatoriamente um bando de ladrões de galinha que não terão a mínima idéia do que fazer em um campo de guerra. Então imagine como será quando descobrirem que terão de impedir uma entidade diabólica de destruir o planeta: "vamos explodir uma bomba", pensam eles. Porque é óbvio, é a solução mais prática.

David Ayer, diretor e roteirista, foi responsável por filmes como Corações de Ferro (Fury, 2015) e Marcados Para Morrer (End Of Watch, 2012), o primeiro sobre a Segunda Guerra, e o segundo sobre a violência nas ruas. Dois filmes que receberam críticas positivias, levando a perceber como ele está igualmente deslocado nessa empreitada. Esses personagens poderiam ter sido muito melhor aproveitados em tramas das quais Ayer já estivesse familiarizado, em coisas mais palpáveis até, e condizente com os talentos de cada um, como uma ação política, uma guerra iminente, ou simplesmente sendo obrigados a confrontar outros vilões de igual nível criminoso. Fiquei pensando como poderia ter sido interessante impedirem uma conspiração do Coringa, por exemplo, e como isso teria abalado a relação entre ele e Arlequina e as consequências disso, o que é sempre uma bomba prestes a ser detonada.

Mas não, preferiram dar uma missão fantástica e sobrenatural, como se eles fossem Os Vingadores. Percebe-se aí a intenção barata de atrair o público pelo exagero e não pela qualidade e coerência, errando feio mais uma vez.

É um filme sofrível que causa bocejos em cadeia no cinema. A falta de reação do público constrangia como um grande vazio durante os diálogos sofríveis. Há um momento em que um dos personagens repreende Arlequina, dizendo que ela sempre cria discussões no meio das conversas. Mas que conversas? Que discussões? Não havia tido nenhuma até então, principalmente ela. E por que não discussões? São todos vilões! Enfim, não há diálogo sequer para criar vículos entre eles ou com o público. O que se tem, do início ao fim, são  frases de efeitos para a câmera, como piadas prontas ou bordões. Imediatas como memes de internet que aguardam gargalhadas, mas nunca conseguem.

Deprimente querer transformar um personagem tão cruel como Crocodilo em um piadista estúpido, ou quase arrancarem uma lágrima de Deadshot quando este recebe a notícia que Arlequina morreu (e isso não é um spoiler). Inclusive, não consegui entender até o momento a razão de Will Smith no elenco. Assim como vi alguém dizer, parecia que estava lá para poder pagar o aluguel do mês.

E no meio de tanto desperdício, nem mesmo a caracterização dos atores se salva. Jared Leto ficou longe de conseguir criar uma caricatura mais atual e memorável do Coringa, ele estava mais para um personagem teatral que solta grunhidos estranhos do que para alguém mentalmente perturbado como foram as versões de Jack Nicholson e Heath Ledger. Leto não precisava ser tão exagerado no meio de tanta informação visual, e o resultado foi um bolo de noiva: decoradíssimo por fora, mas sem qualquer sabor ou conteúdo. Até porque sua participação no filme é infame, para não dizer "sem qualquer motivo" além de atrair público e mostrar seu vínculo com Arlequina, esta que, por sinal, poderia ter sido melhor aproveitada.

Margot Robbie tinha uma grande oportunidade de fazer com que a personagem fosse memorável, mas é desperdiçada não porque foi incompetente, mas porque o péssimo roteiro que não soube aproveitar seus potenciais. Quero dizer: ela é o grande destaque, mas isso só é possível porque os demais foram pessimamente desenvolvidos. O filme se preocupa muito mais com sua imagem sexista do que com aquilo que ela poderia oferecer de fato. Não é raro os momentos que aparecem os demais personagens masculinos perdendo o foco em suas curvas, e a câmera parece fazer o mesmo, perdida e sem saber onde ir toda vez que ela aparece. Excesso de planos fechados quando seria mais fácil vê-los aproveitarem melhor os cenários e terem espaço para o improviso e brincarem com suas caricaturas.

Arlequina é um tipo que leva desastres na brincadeira e brinca fazendo desastre. Em nenhum momento, por exemplo, vemos ela pulando e cantarolando enquanto esmaga cabeças com seu porrete e faz piada dos miolos que voam, já que seu nível de perversidade consegue ser maior que o de Coringa. A relação amorosa que criam entre os dois é tão púbere quanto aquelas que vemos em Malhação, enquanto nos quadrinhos é muito mais complexa, destrutiva e psicótica do que se imagina. Coringa faz dela gato e sapato. Arlequina, assim como o filme mostra, era uma psiquiatra que, de tão fascinada pela sua mente criminosa, apaixona-se por ele. De fato, ela elouquece de amor obsessivo enquanto Coringa se aproveita disso, manipulando-a como um brinquedo o tempo todo. Tanto que Arlequina é constantemente violentada por ele. Ela apanha, é humilhada, ameaçada e repudiada, mas continua junto, firme e forte, porque acredita que assim conseguirá receber a aprovação que tanto espera, ou que seja dessa forma como ele corresponde seu amor por ela.

Ao contrário dessa relação doentia, vemos um casal que escorre sacarina toda vez que aparece, dando azia até em Sonrisal quando demonstram suas loucuras de amor um pelo outro, rendendo várias cenas românticas com direito a música de fundo e tudo. Há uma cena sobre eles que só não foi mais ridícula porque tudo que podia ser feito para ela ser melodramática, foi feito. Aliás, amor aqui é justificativa para tudo. Todo mundo morre por amor, todo mundo mata por amor e todo mundo sofre de amor. E todo mundo é vilão por isso. Nada poderia ter sido mais simples e fácil, ou nada poderia ter sido tão pior do que Deadshot receber um abraço de felicidade. O que era pra ser engraçado, não foi. Foi imbecil.

Tudo é um erro fatal, que desperdiçou a possibilidade de ser o melhor filme de super heróis sem ser de heróis. Já que tinha intenções e foi promovido desde o princípio como algo despretencioso, ousado e diferente tal como foi Deadpool, na realidade conseguiu ser o pior de todos eles. Apelar para o humor barato e na amenização do tom fez aquilo que é o erro número um de adaptações: não ser fiel ao material original. David Ayer tinha mil caminhos a seguir para ser fiel sem sofrer o talhe da censura do estúdio. Sim, era possível o filme até manter um tom mais leve e humorado, mas não precisava ser estúpido e vazio. Ao invés disso, Ayer seguiu para um caminho mais fantástico para impressionar, dando para Esquadrão Suicida uma missão que caberia à Liga da Justiça.

CONCLUSÃO...
Aquele que poderia ter sido um dos melhores filmes do gênero, tanto quanto foi com Deadpool, consegue ser o pior de todos eles por justamente pegar personagens politicamente incorretos e darem a todos eles um gandre banho de moral. O resultado é um filme inerte e estúpido, que não consegue sequer fazer o mais simples: divertir.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

MERECE TODOS OS CRÉDITOS...

★★★★★★★★★☆
Título: Stranger Things
Ano: 2016
Gênero: Terror, Fantasia, Mistério, Suspense, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Winona Ryder, David Harbour, Matthew Modine, Finn Wolfhard, Millie Bobby Brown, Gaten Matarazzo, Natalia Dyer, Charlie Heaton
País: Estados Unidos
Duração: 54 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
O desaparecimento de um garoto leva seu grupo de amigos a investigar seu paradeiro, em paralelo, sua mãe desesperada acredita que ele esteja vivo em algum lugar, enquanto um desacreditado delegado encontra pistas que o motivam a solucionar o mistério, convergendo para um outro ponto chave da história.

O QUE TENHO A DIZER...
O fenômeno em torno de Stranger Things não foi algo previsível. Os comentários em torno do "retorno" de Winona Ryder começaram cedo, já que ela não é protagonista de algo realmente interessante há praticamente uma década. Então, aquilo que parecia ser o marketing principal, acabou se ofuscando no meio de outras coisas muito mais interessantes e que as pessoas deram mais atenção, e isso foi o surpreendente. Não que "o retorno de Winona" seja esquecível, mas esse sensacionalismo se tornou um mero detalhe em um seriado que conseguiu o mérito do sucesso próprio, um produto que já nasceu com qualidades natas, mesmo que estas sejam baseadas em releituras do entretenimento popular.

Confesso que, a princípio, esse súbito sucesso me preocupou, já que a intensa popularização de algo tende a gerar uma superestimação que nem sempre significa qualidade. Evitei ao máximo ler o que quer que fosse enquanto não assistisse os oito episódios justamente para não ficar sugestionado, e felizmente foi assim. A minha nula expectativa sobre ele fez eu ser surpreendido da mesma forma que muitas outras pessoas foram, e que igualmente não tinham idéia do que as aguardavam.

Se você não nasceu nos anos 80 e nada absorveu sobre essa década, nada conhece dela, ou sequer assistiu Os Goonies (The Goonies, 1985), então pode ter certeza que Stranger Things pode até parecer legal, mas grande parte da experiência imersiva é perdida porque é uma produção inteiramente nostálgica, recheada de referências a cult classics da época em que Xuxa era da Rede Manchete, SBT ainda era TVS e tudo que era industrial tinha muita gordura saturada, e por isso que a maionese era muito mais gostosa.

Então, nunca é tarde para correr atrás do prejuízo, pois se tem uma coisa - dentre várias - que o seriado proporciona, é essa centelha de curiosidade que ele desperta, sendo obrigatório dizer mais uma vez (mesmo depois de tanto que foi dito) que os grandes homenageados aqui é o cineasta Steven Spielberg e o escritor Stephen King, grandes ícones dos anos 80 em suas determinadas especialidades, referências vivas até hoje. Portanto, o grande clássico infanto juvenil de Spielberg é o principal trabalho revisitado, assim como Carrie (1974), O Iluminado (1977) e A Incendiária (1984), de King, três livros que, se você também não leu, pouco vai compreender de onde vem essa perfeita sincronia entre o trash classudo e do terror psicológico típicos de sua literatura, reproduzidos com bastante competência aqui, inclusive na forma como os episódios são divididos, entitulados da mesma forma como ele costuma separar os capítulos de suas obras. Por essas e outras que King, pessoalmente, elogiou o seriado, como em agradecimento a esta grande e declarada homenagem.

Dirigido e produzido pelos Duffer Brothers (Matt e Ross), o enredo gira em torno do sumiço de um garoto. Isso levará seus amigos igualmente nerds e excluídos da escola, apaixonados por jogos de RPG, a se aventurarem numa misteriosa investigação que contará com outros personagens caricatos, como uma mãe esquisita que é tida como maluca, um delegado de passado familiar perturbado, e uma estranha garota com poderes telecinéticos que foge de um grande vilão corporativo.

Desde os anos 80, nenhum diretor conseguiu influenciar tanto a cultura pop infanto-juvenil no cinema e o senso de amizade e companheirismo de maneira tão motivadora e agregante como Spielberg fez, seja com Os Goonies, ou E.T. (1982), outra importante referência aqui. Essa fórmula que ele inventou "por acaso" se tornou algo tão autoral como uma marca registrada, fazendo com que qualquer outro diretor que tentasse algo parecido soasse como mera cópia. Não é à toa que o público sempre cobrou Spielberg por continuações desses títulos, algo que sempre recusou por acreditar que quebraria a magia que esses filmes proporcionam. O que é verdade, e louvável. Da mesma forma, King foi responsável por popularizar um gênero literário que estava decadente, mas sua capacidade de fazer importantes analogias com a sociedade e a cultura norteamericana de repente o transformaram em um dos mais influentes autores de sua geração, marcando o terror contemporâneo, popularizado principalmente na cultura jovem sem ser cliché.

É por isso que, nos últimos anos, produções com intenção de resgatar essa assinatura de Spielberg tem sido lançadas, pois a distância dos anos agora oferecesse essa dissociação e possibilidade. Por isso que ele nunca é esquecido como influência primordial, sendo esta a razão de recentes produções serem sempre vistas como grandes homenagens tal como propositalmente aconteceu com Super 8 (2011), de J.J. Abrams, que tem exatamente a mesma premissa inclusive estética, embora falhe em vários aspectos. Há também mais recentes, como o pouco conhecido e subestimado Terra Para Echo (Earth To Echo, 2014), que consegue ser, de longe, juntamente com Poder Sem Limites (Chronicle, 2012), os melhores filmes de fantasia para este público lançados nos últimos anos e que seguem essas mesmas referências clássicas que marcaram os anos 80.

Portanto, Stranger Things não é, em sua grande essência, ou até mesmo na sua intenção de resgate de gênero, uma novidade. A novidade parte na inusitada união da fantasia de Spielberg com o fantástico de King, e como o cinema e a TV careceram por tantos anos de produções como essa, e tão pouco ainda foi feito em cima de idéias assim, que o prazer ao assisti-lo é como o de uma primeira vez.

A nostalgia e o bom uso dela é sentida logo na abertura simplista, de vetores que aos poucos revelam o título, algo muito utilizado nas décadas de 70 e 80 quando computação gráfica era uma precária novidade e se fazia isso manualmente na película, além da trilha sonora original sintetizada, que outrora foi uma novidade na revolução eletrônica, mas até hoje proporciona sonoridades únicas e distintas, responsáveis por amplificar atmosferas fictícias e apreensivas daquilo que é desconhecido.

As referências não param por aí, propositais ou não, estão tão enraizadas na nossa cultura que são facilmente identificadas mesmo assim, e esse é o grande diferencial da produção dos Duffer, pois essa mistura de influências vagam pela cultura pop clássica das mais diferentes maneiras, formas e mídias.

Eles abusam de todos elementos possíveis, seja pela literatura, pelo cinema, pelos quadrinhos e até mesmo video-game e desenhos animados. Os personagens excêntricos de King, como dito, são as referências mais óbvias e diretas, mas existem elementos da ficção científica sombria de Ridley Scott e Alien (1979); ao suspense omissivo e o medo pelo desconhecido de Spielberg em Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) e Poltergeist (1982); ao horror mais explícito de Wes Craven ou John Carpenter para as horas de susto deliberado como em A Hora do Pesadelo (1984) e Halloween (1978); e também ao terror mais gótico de Sam Raimi em Uma Noite Alucinante (1981), transformando ambientes em personagens vivos e ameaçadores, como as florestas da cidade de Hawkins ou a casa que se comunica e se transforma conforme os eventos. E por que não, até pitadas de Cronemberg em composições de cena e trilha sonora, e Kubrick na estética um tanto simétrica em algumas sequências. Não se pode esquecer da influência de Stan Lee e seus X-Men, que embora sejam heróis atualmente populares, surgiram em 1963 e até mesmo dos garotos perdidos do clássico Caverna do Dragão. Mas, para aqueles da cultura mais recente, o jogo Silent Hill e sua reincidente idéia de dimensões paralelas e o mundo invertido que se materializa também tem sua importância. Ou seja, tem material de sobra para cinéfilos, seriadomaníacos, devoradores literários e tudo aquilo referente à cultura escapista e fantástica.

Para amenizar o peso desses sub-gêneros, há momentos para sátiras juvenis entre os três amigos protagonistas e alguns dramas sociais para dar densidades mais realistas, como a descoberta da sexualidade no triângulo formado entre Nancy (Natalia Dyer), Steve (Joe Keery) e Jonathan (Carlie Heaton); no assédio escolar; nas tensões familiares que se formam, seja entre os Byer ou entre os Wheeler; e tragédias pessoais que resultam em atos de bravura, como bem acontece com o Delegado Hooper (David Harbour) e Joyce (Winona Ryder). Tudo muito bem organizado de forma que não esqueçamos que, acima de tudo, é uma história de pura fantasia como aquelas que assistíamos em seriados como Twilight Zone ou Amazing Stories, este último, por sinal, também produção de Spielberg.

Isso é apenas o pouco que pode ser observado em toda a produção, mas para aqueles que respiram a cultura 70/80tista, há muito mais por meio daquilo que se vê e ouve. Recheados de easter eggs, não será à toa que até os menos atentos notarão os cartazez de Tubarão (Jaws, 1975) ou Uma Noite Alucinante (Evil Dead, 1981) pendurados nos cenários, ou da foto do próprio Stephen King na contra-capa de um livro a ser lido por um segurança no quarto episódio. E além da interessante fotografia de época, os mais importantes momentos são marcados com grandes clássicos da música pop, aqueles que tocavam nas rádios e fitas K7 dos walkmans pendurados na cintura. Por isso que este obsoleto objeto tem seu momento de devida importância na história, tanto no começo, quanto no fim.

Não há exagero em nenhuma parte, e quando há, não está fora de contexto. Tudo se encaixa tão bem que a impressão que temos é de um produto original. Logo no primeiro episódio o Delegado Hopper percebe que o desaparecimento é algo sério quando a bicicleta do garoto é encontrada abandonada pois, segundo ele, nenhum garoto daquela idade abandonaria aquilo que é seu maior troféu de liberdade, e numa busca desesperada para compensar uma tragédia vivida (que não vale a pena comentar para não estragar a história), é isso que o motiva a ir até as últimas consequências para desvendar um mistério que naturalmente o levará a outro. Então, é basicamente em cima dessa metáfora da liberdade e da libertação que tudo é construído, e terem se atentado a uma época específica deixa tudo mais empolgante, já que nos aventuramos junto com os personagens de forma muito mais presente e próxima, numa experiência que não seria a mesma se ambientado em um período mais atual, onde os aparatos tecnológicos como celulares, tablets e computadores atrapalhariam com muita facilidade essa intenção mais grupista, fraternal e de explorar o espaço que se vive.

E sobre o "tal" retorno de Winona?

Ela que foi uma das mais icônicas e rentáveis atrizes nos anos 90, sempre taxada como "a esquisitona" por conta de seus papéis que fugiam da zona de conforto que esperavam, já passou por poucas e boas, inclusive por um surto cleptomaníaco que a levou para um julgamento em 2001, criando um movimento mundial chamado "Free Winona". Além de ter sido um dos primeiros grandes memes da época (quando a palavra "meme" sequer existia), o episódio mostrou um lado preocupante da fama, a qual Winona se distanciou cada vez mais com o passar dos anos ao ponto do quase esquecimento. Não que ela seja uma atriz completa, mas sua aparência frágil e fisionomia que iam na contra mão de padrões sempre trouxeram maior simplicidade a papéis complexos, e uma honestidade que os filmes, por vezes, careciam. Não é à toa, então, que Joyce Byer seja sua melhor personagem em anos, de um tipo que tudo tem a ver tanto com sua vida pessoal como com seu currículo de personagens perturbados. A ansiosa que é vista à beira da loucura pelo sumiço de seu filho não apenas se torna cômica na tragédia, mas também é a liga, o glútem de toda a história, já que é ela quem, no fim, agregará tudo. Não tem como evitar as gargalhadas todas as vezes em que ela aparece, no seu jeitão estridente, estabanado, de passo apertado e braços que não conseguem acompanhar o ritmo. Joyce é uma bagunça de pessoa, mas existe uma alma tão bem construída nela e um senso de responsabilidade tão forte que é difícil não se sensibilizar ou simpatizar, seja com sua histeria caricata ou com o honesto desespero de uma mãe que desacredita na morte do filho. E são os momentos mais engraçados que fazem os outros raros e pequenos momentos dramáticos serem tão impactantes, e dentre tantas excelentes qualidades que o seriado tem, a atriz merece um destaque especial, até porque é bastante interessante a maneira como fazem uma personagem que parecia ser tão coadjuvante crescer e se tornar tão dominante.

Mesmo promovido como um horror, a produção vaga por gêneros distintos, sendo dramático, cômico, surpreendente, apreensivo e assustador. Nunca um gênero domina mais que os outro, tal como os terrores dramáticos espanhóis assinados por Guilhermo del Toro como O Labirinto do Fauno (2006), O Orfanato (2007) ou Os Olhos de Julia (2010). Claro que as estéticas são bastante diferentes, mas a intenção sensitiva e a sinergia dessas diferentes camadas é efetiva da mesma maneira.

Essa qualidade narrativa é o que dá dinamismo em tudo, e a opção pela linearidade das tramas e subtramas (com raros flashbacks para embasar alguns fatos) apenas ajuda, promovendo espaço e oportunidade para todos personagens crescerem em seus defeitos e qualidades, mesmo que por alguns momentos o passado de alguns não seja muito bem explorado ou desenvolvido. Mas nada atrapalha a maneira como três pontos de vistas, de três gerações diferentes, se interceptam em um determinado ponto. Por um lado a história mostra a visão mais infantil e fantasiosa sobre o mundo, que se contrapõe com a visão mais trágica e realista da vida adulta, e no meio termo, aqueles meros sonhos juvenis que ainda transitam entre uma fase e outra, sem regras ou foco, havendo oportunidades para arrependimentos sinceros em um acontecimento central que fortalecerá e trará a maturidade que falta a todos, precoce ou tardia.

Assistí-lo definitivamente é como entrar numa pequenina máquina do tempo e sentir as emoções de como o modo de vida e os sonhos eram completamente diferentes de hoje. Isso não quer dizer que naquela época tudo parecia melhor, mas é um resgate necessário para observarmos como em tão pouco tempo, dentro de uma linha histórica, tudo se modificou tão depressa, seja no sentido tecnológico, seja no sentido social. É aquele tipo de situação em que gritar "vamos, amigos!" deixa de ser uma brincadeira de quintal para ter uma importância verdadeira, e no fim de cada episódio tudo ter uma moral como os episódios de He-Man.

Por essas e outras que, assim como os filmes já citados, o que se encontra aqui, em suma, também é uma grande ode à amizade e ao companheirismo e à consciência de que nenhum indivíduo está sozinho, por mais diferente que ele seja ou se sinta. E como uma obra de ficção e fantasia, ele já se firmou como um interessante produto que, no futuro, provavelmente terá marcado uma geração.

CONCLUSÃO...
Stranger Things merece todos os créditos que leva, sendo, de longe, uma das coisas mais interessantes que surgiram no gênero nos últimos saturados anos de vampiros mirins e lobisomens descamisados. Esqueça das fadas e da violência gratuita de True Blood, dessa vez estamos falando de um tipo de fantasia acessível a qualquer faixa etária, que diverte e emociona, e que nos relembra a razão de existência do cinema e da TV, que é nos transportar para outras dimensões sem sair do mesmo lugar.
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