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sexta-feira, 13 de maio de 2016

PURAMENTE AÇÃO...

★★★★★★★☆
Título: Hardcore Henry
Ano: 2015
Gênero: Ação
Classificação: 16 anos
Direção: Ilya Naishuller
Elenco: Sharlto Copley, Haley Bennett, Danila Kozlovsky, Tim Roth
País: Rússia, Estados Unidos
Duração: 96 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um homem desmemoriado acorda de um coma e em afonia, e deverá combater um criminoso com poderes caso pretenta se manter vivo e resgatar sua mulher sequestrada.

O QUE TENHO A DIZER...
Eu, como fã de video games que também sou, sempre me perguntei porque nunca fizeram um filme em primeira pessoa como os jogos Doom ou Quake, de estilo first person shoot (FPS), ou seja, a visão do jogador é a do próprio personagem. Mas nos video games o termo "shoot" se refere a "tiro", ou seja, jogos de tiro em primeira pessoa, enquanto no cinema o "shoot" tem o significado de "filmagem". Filmes em primeira pessoa viraram uma febre depois de A Bruxa de Blair (1999), mas sempre usaram o mesmo esquema da câmera na mão, um tipo de filmagem mais subjetivo e que acabava dando liberdade para narrativas paralelas.

Nunca fomos, de fato, os olhos do protagonista, ao ponto de acompanharmos unicamente sua trajetória, sem desvios de atenção ou narrativas paralelas invasivas.

Um sopro disso, desse estilo, um protótipo talvez, aconteceu na adaptação cinematográfica de Doom (2005), que a princípio havia sido promovido como um filme em FPS, mas dentre diversas decepções, a maior tenha sido uma única sequência em primeira pessoa que dura apenas 5 minutos. Anos depois, no reboot de O Espetacular Homem-Aranha (2012), o trailer também empolga ao nos colocar na visão do aranha, mas na prática essa sequência também durou apenas segundos, decepcionante de igual forma. Frustração para aqueles que esperavam uma experiência diferente, como a que Cameron Diaz insandecidamente busca em Quero Ser John Malkovich (1999), e a vontade de experimentar a vida pelos olhos de outra pessoa.

Essa produção russa-americana, dirigida pelo estreante Ilya Naishuller, impressiona desde o começo pois Hardcore Henry é um filme que segue à risca elementos narrativos de jogos de ação em primeira pessoa para sustentação técnica aos elementos visuais, pois na essência é uma ficção científica explosiva e inovadora em um estilo narrativo que parecia não ter onde mais inovar. Chega a ser tão interessante que me atrevo até a dizer que esse "quê" de novidade e ousadia seja equivalente ao que foi Matrix (1999) no passado, ou Corra, Lola, Corra (1998).

Henry (Andrei Dementiev) acorda de um coma dentro de um tanque em um laboratório. Ele está sem um braço, uma perna, sofre de amnésia e sua fala está comprometida. A cientista Estelle (Haley Bennett) explica que tudo foi consequência de um acidente que eles desconhecem, e enquanto reconstrói as partes que faltam com próteses cibernéticas, revela que os dois são casados. O laboratório sofre um ataque comandado por Akan (Danila Zozlovsky), um homem com poderes telecinéticos que precisa de Henry para dar sequência a um de seus planos. O casal consegue escapar, mas logo em seguida Estelle é capturada e Henry é salvo de mercenários por Jimmy (Sharlto Copley), um misterioso que virá a ser seu principal contato por toda a história.

Vale dizer que a história é, de fato, sem pé nem cabeça, e tudo é apenas um pretexto para Henry estar em constante fuga, bater e arrebentar. Sim, Henry é uma versão ciborgue de Jason Bourne, mas o interessante aqui é que, do início ao fim, e sem cortes aparentes (salvo algumas situações), a ação é eletrizante.

Não é um tipo de filme para quem sofre de labirintite, já é bom avisar, porque se em filmagens com câmera na mão a reclamação constante é a imagem que balança e incomoda, aqui isso é elevado a enésima potência, pois a tela é literalmente os olhos do protagonista, e vemos a enlouquecida vida de Henry através dela. E ele corre, pula, cai, rola, gira, apanha, tromba e desmaia. É fácil perder a referência no meio de tanta imagem turbulenta, mas quando tudo é visível e mais estável, a grande angular das GoPro utilizadas fazem um belo e impressionante trabalho, digno de esportistas radicais por aí.

A efetividade do filme está na condução das situações. Henry pode ser um personagem que nunca vemos (há apenas uma breve cena que parte do seu rosto aparece), e pode também ser um personagem que nunca fala. Mas nem por isso deixa de ser expressivo ao seu modo, no seu jeito de se comportar e, às vezes, gesticular. Na verdade, quem nos fará supor suas emoções são os coadjuvantes e a maneira como eles agem e reagem ao protagonista, em especial Jimmy, cuja participação é muito mais importante do que aparenta. É ele quem trará diálogo e alívio na ação non-stop, pois Sharlto Copley é carismático e naturalmente engraçado em todas as facetas que aparece, algo que a princípio parecerá confuso, mas posteriormente será uma referência bastante interessante a Avatar (2009), de James Cameron. Além de todos esses elementos que dão consistência ao filme, não podemos esquecer que quem de fato é Henry é o próprio espectador, naquilo mais próximo da sensação de uma realidade virtual que o cinema - em sua forma tradicional - já conseguiu chegar.

A violência é explícita, quebrada em alguns momentos por um humor inesperado, truculento, como em um momento em que há uma óbvia referência - e talvez até uma sátira - ao "mundo de Marlboro", uma cena tão boba e cliché, mas colocada tão bem, que é exatamente por isso que funciona. Também há situações às vezes bizarras o suficiente para tirar algumas gargalhadas, como quando Henry faz um mercenário de refém segurando-o pelo nariz. Tudo isso, junto à trilha sonora que varia entre eletrônicos e clássicos como Queen, será o tom no qual toda narrativa é conduzida de forma enérgica, empolgante, que satisfaz mesmo sem a necessidade de compreender alguma coisa. Como se não bastasse o bom e pontual uso do humor, o diretor também não se esquece de dar um momento dramático bem breve, mas bastante oportuno, ao som de Peter Wolf Crier, em uma daquelas sequências em que a música expressa sentimentos ambíguos do protagonista, e assim sentimos com ele.

Conforme a história avança, mais ágil, determinado e forte Henry se torna. Um de seus objetivos principais é se manter vivo, porque no lugar de seu coração existe um tipo de bateria que precisa ser trocado de tempo em tempo, e dependendo do tipo, oferece a ele novas habilidades. Então, juntamente com o celular, por onde Jimmy envia a Henry outros objetivos, ou Akan, o grande vilão final, tudo obviamente se mostra elementos resgatados de jogos e que Naishuller leva com muita efetividade para a trama de seu longa. Não é preciso identificar esses momentos, mas volto a dizer que, para quem é fã de jogos, irá achar tudo muito mais interessante.

Tecnicamente muito bem feito e realista, não dá pra saber em que situações é dublê, boneco ou computação gráfica. A trilha de sangue que Henry deixa pelo caminho através das mais mirabolantes formas como ele se defende e elimina seus inimigos, embora por vezes extremamente violento, impressiona no bom sentido e faz de tudo um espetáculo, tamanho realismo.

Pode ser que a história seja tão mal explicada para dar abertura a continuações, mas melhor teria sido se o roteiro tivesse reservado um momento mais sóbrio simplesmente para esclarecer um pouco mais a trama em si, ou aprofundar um pouco mais os propósitos dos personagens na história, porque desde o princípio só sabemos que Henry tem que fugir e matar, bem no esquema "corre senão atiro".

De qualquer forma, é uma daquelas produções não hollywoodianas que entretém da mesma forma e faz coisas que o próprio cinema de Hollywood não ousa fazer. Mesmo dentro do apelo comercial, não deixa de ser experimental. Poderia ter tido um desastroso resultado, mas no fim é um memorável filme que proporciona um tesão pela ação que há muito eu não sentia, e talvez a mesma sensação tenha outras pessoas que o assistirem.

CONCLUSÃO...
A história sem pé nem cabeça não é motivo para não assistir um filme de ação sem sentido tão bem feito. O que impressiona na produção é exatamente esse espetáculo visual e a dinâmica eletrizante com alívios cômicos nos momentos certos e a experiência de fazer o próprio espectador se sentir como um protagonista. Uma pena que o filme não recebeu um apoio comercial que precisava, pois a novidade que ele trás na forma narrativa o fará ser uma referência interessante no gênero.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

PIOR QUE O PRIMEIRO...

★★☆
Título: O Caçador e a Rainha do Gelo (The Huntsman: Winter's War)
Ano: 2016
Gênero: Fantasia, Aventura, Ação
Classificação: Livre
Direção: Cedric Nicolas-Troyan
Elenco: Chris Hemsworth, Jessica Chastain, Emily Blunt, Charlize Theron
País: Estados Unidos
Duração: 114 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
O Caçador agora deve cociliar seu amor com uma batalha que deverá travar contra Freya e sua irmã mais velha, Ravenna.

O QUE TENHO A DIZER...
O primeiro filme não tinha intenções de ter continuação, mas rumores começaram a surgir quando a bilheteria ultrapassou o sucesso que se esperava. A produção demorou mais do que deveria para iniciar devido ao polêmico envolvimento do diretor casado, Rupert Sanders, com a atriz principal, a insossa e sempre boquiaberta Kristen Stewart, que na época namorava Robert Pattinson. O incidente "amoroso" sujou e denegriu a popularidade dos dois, o que fez o estúdio decidir pela suas demissões.

Não que eles fossem importantes, porque sabe-se que grande parte do sucesso do primeiro filme não foi pela direção pretenciosa de Sanders, que falhou feio ao tentar seguir a mesma cartilha épica de O Senhor dos Anéis. Também não foi por Stuart, que mesmo no auge da carreira naquele momento por conta da saga Crepúsculo, era incapaz de carregar um filme nas costas. E mesmo tendo Thor como o outro protagonista... digo, Chris Hemsworth, quem realmente salvou o filme do tédio e do fracasso foi Charlize Theron.

Esse segundo filme faz as vezes de uma pré continuação quando volta alguns anos antes do filme original para contar a história da irmã mais nova da bruxa má, Freya (Emily Blunt), que era doce e cândida até perder seu filho, libertando seus poderes de gelo com o trauma, numa metáfora ao "coração gelado" e à falta de sentimento que, mais cliché, impossível. Também conta a origem do Caçador (Chris Hemsworth), que agora é chamado por Eric, e como ele perdeu sua mulher, Sara (Jessica Chastain).

Próximo ao meio do filme a história dá um salto de sete anos, dando sequência à história original. Por motivos óbvios, Branca de Neve e seu reino são apenas mencionados. Ela é uma rainha querida, mas aos poucos enlouquecia por conta dos poderes do Espelho Mágico. Por causa disso ela ordena que o objeto encantado seja levado para um lugar seguro e muito distante, mas ele é roubado no meio do caminho e Eric, O Caçador, volta em cena para descobrir o paradeiro. Esse interlúdio é tão rápido que muita gente até se esquece, porém um tanto proposital para que praticamente nos esqueçamos do primeiro longa tão rápido quanto foi lembrado.

É no Espelho que Ravenna vive adormecida em um limbo, nem morta, nem viva, e ela é libertada quando sua irmã inadvertidamente pronuncia as palavras mágicas. Mas isso só vai acontecer quase ao final, quando o espectador já está cansado de tanto que os protagonistas andaram por toda a floresta encantada para travarem apenas uma balha infantil com uns Goblins com sangue de petróleo e que adoram ouro. Aliás de Goblin nada tem porque mais parecem grandes bodes raivosos.

Talvez para evitar o acontecido do primeiro filme, tanto Charlize Theron, quanto Emily Blunt, tem participações bastante comedidas para que não corra o risco de nenhuma delas roubar o grande destaque que deveria ser o casal protagonista. O caso de Charlize é mais sério, ao todo sua participação não deve durar 20 minutos, uma decepção para quem acreditou no trailer e foi ao cinema pensando que o filme seria apenas uma oportunidade de trazê-la de volta, mas ao contrário disso, usaram-na apenas como um pretexto para trazer uma história fraca de volta. Sim, porque o um casal é sem graça e em nenhum momento extravasa aquele imenso amor interrompido pela maldade da forma como deveria para expressar a simbologia e importância de tão tenro sentimento.

Não é novidade dizer que o filme se perde, primeiro porque Emily Blunt está em um de seus piores papéis. Limitada por figurinos pesados e visivelmente desconfortáveis em uma personagem que cultiva o ódio o tempo todo, mas de nenhuma forma é mostrada como uma pessoa má, mas confusa, que o espectador não consegue entender muito bem a razão de sair conquistando tudo que é território. Por uma hora ela tenta convencer de que é a mais poderosa das rainhas do Norte, até Ravenna aparecer e mostrar quem é a verdadeira dona da maldade.

Mas dura tão pouco e é tão exaustivo o mesmo discurso megalomaníaco sobre o poder versus amor, versus o ódio e versus Branca de Neve, que aquilo de Ravenna que era de interessante, e que foi a salvação do primeiro filme, perde totalmente o encanto e sentido dessa vez. Não que ela não continue roubando a cena, mas deixa de ser algo esperado, virando apenas um manequim de ousado figurino. O que acho sempre muito desgastante é o cinema obrigar personagens obscuros à redenção, como Ravenna pedir desculpas a sua irmã, ou Freya, depois de passar o filme todo como uma opressora do amor, mandando correio deselegante para todo mundo, no fim também se redimir para conquistar a empatia do espectador no último suspiro. Claro que a redenção é importante, no caso de Freya faria total sentido caso tivesse acontecido antes, e não depois de duas horas.

A história tenta ser aceitável porque consegue inventar um sentido para uma continuação caça-níquel, embora confusa e furada porque se esquece completamente do final do filme anterior e da relação do Caçador com Branca de Neve. Não é convincente. Sem falar do mal aproveitamento do tempo, deixando tudo longo demais para pouco daquilo que gostaríamos de ter visto: um filme de ação e fantasia, recheado de malabarismos, efeitos especiais, ou uma batalha épica entre Freya e Ravenna, caso Freya tivesse tomado consciência de sua maldade mais cedo. O que vemos é uma rainha chata, gelo de plástico, fadas, bichinhos coloridos na floresta, o Caçador tentando ser engraçado, cenários pobres, reviravoltas que mais parece indecisão de roteirista e diálogos ruins, ruins e ruins o tempo todo.

É um desperdício de talento, tempo e dinheiro. E por ser um filme com um elenco predominantemente feminino sem ser um filme para o gênero feminino, também é um desperdício de oportunidade. Me fico a perguntar porque os grandes nomes presentes se propuseram a fazer algo tão descartável e desinteressante como esse, onde ninguém é aproveitado como deveria e a produção falha por nem ao menos ter um visual deslumbrante como - de certa forma - foi o primeiro filme, e assim despistar de tantos desarranjos nesta tenebrosa estréia do diretor Cedric Nicolas-Troyan. Talvez se tivessem economizado no orçamento de US$115 milhões contratando um elenco mais barato, poderiam ter feito algo mais caprichado. O resultado foi um fiasco de bilheteria que assassinou a possibilidade de qualquer outra continuação. Ainda bem!

CONCLUSÃO...
O primeiro filme, que já não era bom, consegue ser melhor que o segundo, mesmo que o segundo não conte mais com Kristen Stewart.

CONFUSÃO ALÉM DA CONTA...

★★★☆☆☆☆☆☆☆
Título: Special Correspondents
Ano: 2016
Gênero: Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Ricky Gervais
Elenco: Ricky Gervais, Eric Bana, Vera Farmiga, Kevin Pollak, America Ferrera, Raul Castillo, Kelly Macdonald
País: Estados Unidos
Duração: 100 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um jornalista de rádio e um técnico de som colocam a nação em polvorosa ao serem sequestrados durante uma cobertura jornalistica em uma área de conflito na América do Sul, o que ninguém sabe é que nada disso é verdade, apenas eles.

O QUE TENHO A DIZER...
Muitas vezes um filme tem uma proposta interessante, mas se desenvolve de maneira bastante torta. É o que acontece nesse segundo longa metragem dirigido pelo comediante britânico Ricky Gervais, conhecido pela versão européia de The Office, que foi co-criado por ele e posteriormente ganhou uma versão norteamericana, por sinal muito melhor.

Gervais gosta de lidar com situações constrangedoras naquilo chamado de "cringe humor", que é aquele tal estilo que coloca personagens em situações de fazer o espectador literalmente se encolher (cringe) na poltrona de vergonha alheia. É um estilo que voltou com muita força nos últimos 10 anos, sendo o caminho do humor que a grande maioria das produções do Netflix tem seguido.

Isso é um grande problema porque o humor constrangedor tem que ter um propósito claro, caso contrário se torna banal. Um grande exemplo disso é outra produção original da Netflix chamado The Caracters, que mesmo com 8 episódios e inúmeras esquetes em cada um, não consegue ser equivalente em momentos realmente interessantes daquilo que eles prometem ser "a nova promessa de humor" no entretenimento. E tudo isso por causa do mau uso, ou banalização, desse tipo de comédia.

É por isso que dessa vez Gervais não consegue ter o mesmo êxito do seriado que o consagrou porque aqui as sequências de constrangimento que seu personagem passa (e demais também) é redundante e viciosa.

O filme na verdade é um remake de uma produção homônima francesa de 2009, a qual tenho que dizer que desconheço. Conta a história de Frank Bonneville (Eric Bana), um prepotente jornalista metido a celebridade que trabalha em uma rádio local, famoso não por suas notícias, mas por seu carisma e seu talento de fazer virar verdade histórias sensacionalistas que ele mesmo inventa. Ele é pego de surpresa por Geoffrey (Kevin Pollak), seu editor chefe, quando é escolhido para cobrir um perigoso conflito em Quito, no Equador. É então que entra Ian Finch (Gervais), um técnico de som que acompanhará Frank para garantir a qualidade de transmissão da cobertura jornalística. Embora Ian seja um excelente profissional, sua personalidade autodepreciativa e seu sentimento de inferioridade o transformam em um grande incompetente para lidar com seu próprio cotidiano, tanto que ele mesmo diz preferir jogar video game porque a vida nos jogos é mais interessante que a dele. Soma-se a isso um casamento falido com uma mulher que não o suporta. Eleonor (Vera Farmiga), é uma oportunista que se casou porque acreditou que ele seria alguém importante. Como nunca conseguiu ser, ela agora não vê a hora de dar um pé no marido que, dentre inúmeros hobbies, coleciona miniaturas da Marvel.

Porém, a caminho do aeroporto, deprimido porque sua mulher o abandonou, Ian joga fora, por engano, o envelope contendo as passagens de avião e o dinheiro necessário para a temporada em Quito. Por conta disso, Frank tem medo de ser demitido, e Ian tem a brilhante idéia de forjar a cobertura em Quito. Eles se instalam no andar de cima do restaurante do outro lado da rua onde trabalham, e que sempre frequentam, cujos donos é um casal de mexicanos. Então todas as tramas e conflitos começam, incluindo um sequestro inventado e o perigo de um terrorista político que igualmente não existe, situações que desenvolvem um quiprocó mundial que envolve até a presidência dos Estados Unidos.

A princípio o enredo é interessante, mas tudo já começa errado logo nos primeiros minutos, quando Frank é bajulado enquanto desfila pelas ruas da cidade com imponência e determinação. É errado porque é forçado nos momentos, cliché porque não há diálogos, mas frases de efeito, e previsível porque todos os personagens são esterotipados. Desde o princípio o espectador sabe que Frank é o espertalhão que se dará mal, e Ian é o mané que se dará bem; que Frank é o cara com a melhor idéia, mas Ian é o que saberá executar; que Frank é o bonitão que traça a gostosona, e Ian é o esquisito que leva o chifre do próprio colega.

Na essência, mesmo caricatos, são personagens interessantes, principalmente Frank, graças à competência de Bana, que consegue usar um charme canastrão para proteger as inseguranças e frustrações de seu personagem. Por outro lado, Ian é o antagonista que exterioriza aquilo que o protagonista esconde, e por isso que os dois tem mais em comum do que eles sequer imaginam, por isso também que eles se atritam, mas dependendem um do outro. O problema é que Gervais não se encaixa, parecendo uma caricatura que saiu de qualquer outro filme, menos do seu próprio, e a química de ambos se torna decepcionante e incompatível. Os constantes constrangimentos pelo qual Ian se faz passar parece não ter fim, diminuindo o nível de empatia ao ponto da intolerância. O mesmo acontece com o casal vivido por America Ferrera e Raul Castillo, a burrice exagerada chega ao ponto do inaceitável e o excesso de ingenuidade que eles carregam é até ofensivo. Vera Farmiga também não tem valor algum na história, reprisando um tipo vulgar e vazio que só causa tristeza em situações cômicas que naufragam como Bateau Mouche, como no momento que se torna uma "celebridade do sequestro".

Ou seja, nada parece ter propósito ou lugar na história, nem mesmo o carisma de Kelly Macdonald salva alguma coisa. Gervais pode ter tentado brincar com essas situações da mídia e o sensacionalismo no meio do grande espetáculo, mas o resultado é uma sátira inerte, que não constrói e nem destrói, uma vítima dela mesma - assim como seus próprios persongens - ao seguir o caminho do humor óbvio para nos espremer até um caldinho de risada escorrer.

Isso sem falar em grandes erros, como Ian ser um técnico para garantir a qualidade das transmissões, mas Frank fazer todos seus depoimentos jornalisticos por telefone. Quito também não é uma aldeia, e muito menos fica entre florestas ou desertos, sem contar que não adianta destruir chip de celular se o registro da última ligação pode ser rastreado da mesma forma. Enfim... nem mesmo para ser convincente na ficção consegue, e se há alguma piada no filme... são esses absurdos.

Não dá pra entender porque a Netflix tem produzido tanta coisa ruim ultimamente, indo completamente contra a proposta que teve quando começou a produzir seu próprio conteúdo. Talvez para preencher a buraco de sua videoteca entre o lançamento de uma produção consagrada e outra. É louvável que o serviço opte por ir contra a maré de Hollywood ao dar maior liberdade criativa e independência às suas produções, como foi o consagrado Beasts Of No Nation (2016), ou o documentário What Happened, Miss Simone? (2016), que concorreu ao Oscar de Melhor Documentário. Mas não foi o que seguiu com A Espada do Destino (2016), desastrosa continuação de O Tigre e o Dragão, e agora com esse duvidoso longa de Gervais. A impressão que se tem é que tudo aquilo que não passou pelo crivo de grandes estúdios tem caído nas mesas da empresa. Isso não é ruim, mas optar por aquilo que é descartado não deve ser sinônimo de má qualidade. Hollywood mesmo solta anualmente a chamada "lista negra", lista com roteiros elogiados mas que nunca chegaram à luz da produção. Eles deveriam se atentar nessa lista mais do que no volume de propostas nas mesas ao se tratar de longas metragens, caso queiram se relevantes no cenário, oferecer oportunidades e manter o nível de qualidade.

CONCLUSÃO...
Idéia boa, porém mau executada, como muito acontece. Gervais não é um nome que se esperava para dirigir e escrever esse longa, muito menos atuar. O que se vê é apenas um festival de personagens sem propósito, que se esforçam nas câmeras com frases de efeito, mas que passam longe do humor que se espera.
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