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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

CHEGA DE DEBOCHE...

★★★★★★★☆
Título: O Contador (The Accountant)
Ano: 2016
Gênero: Ação
Classificação: 14 anos
Direção: Gavin O'Connor
Elenco: Ben Affleck, Anna Kendrick, J.K. Simons, John Bernthal, Cynthia Addai-Robinson
País: Estados Unidos
Duração: 128 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um contador forense é contratado para averiguar irregularidades financeiras de uma empresa, mas de repente seus serviços são dispensados e pessoas começam a entrar na mira de assassinos.

O QUE TENHO A DIZER...
Quando imaginávamos que Ben Affleck não tinha mais qualquer capacidade para interpretar, ele casou com Jennifer Lopez e ambos atuaram em um filme juntos. Foi um desastre. E quando sua carreira estava a ponto de ser extinta, ele se tornou diretor.

Congratulações à parte, mesmo Argo sendo um dos melhores filmes de 2012, não dá pra levar Affleck a sério no papel principal, e menos ainda quando anunciaram que ele seria o novo Batman, devido ao desastre que foi quando investiu em Demolidor (2003). Ele pode até ter parecido bom em Garota Exemplar (Gone Girl, 2014), mas seu papel era ele sendo ele, o bonitão de jeito canastrão, a forma como o próprio livro descreve seu personagem.

A questão é que, quando Batman vs. Superman foi lançado, Affleck surpreendeu. E ao mesmo tempo que foi o personagem mais despretencioso da sua carreira, também foi o que ele levou mais a sério porque, fora do estúdio, havia uma leva de fãs prontos para esfolarem ele vivo se algo desse errado. O ator passou pelo crivo dos fãs e também da crítica, ao ponto de ganhar a direção do próximo filme do morcegão.

Por incrível que possa parecer, a impressão que se tem é que Affleck já curtiu tudo que Los Angeles poderia oferecer. Ficou mais velho, amadureceu, se centrou e finalmente resolveu levar a carreira de ator à sério. Ter dirigido quatro longas (com mais dois em andamento) lhe trouxe maturidade para perceber que atuação ruim só atrapalha. Talvez essa tenha sido essa sua epifania, seu momento eureka, o raio que lhe faltava na cabeça nos últimos anos.

Aproveitando a sisudez de seu Bruce Wayne, o porte e a resistência física que a preparação para Batman lhe renderam, O Contador caiu como uma luva em época e intenções, até porque ele também é uma adaptação de quadrinhos da DC.

A história pode parecer um pouco complexa a princípio, mas isso mais acontece por conta do desenvolvimento omissivo do roteiro. Ao contrário de outros filmes que costumam usar pistas falsas e enredo intrincado para enganar o espectador e causar falsa impressão de consistência, aqui tudo se desenvolve na base da omissão e na maneira de ser do personagem, que sofre de um tipo de autismo funcional e raro, no qual ele tem uma capacidade lógica extremamente rápida. Ele consegue uma excelente evolução durante a adolescência com os intensivos treinamentos físicos aos quais seu pai o submetia, mas ainda sim cresce solitário, com dificuldades de socialização, comunicação e humor.

Com sua capacidade lógica acima do normal e fisicamente treinado para poder se defender de situações de intenso perigo, ele agora trabalha como Contador Forense, uma profissão de alto risco, já que ele presta auditoria em grandiosas e dominantes corporações que nunca ficam felizes quando suas finanças são vasculhadas número a número. Só que o objetivo de Christian (Ben Affleck) não é exatamente esse, mas como dito, assim como seu comportamento lento e metódico, o mesmo acontece com o roteiro. Portanto, não tenha pressa, buracos serão tampados nos seus devidos momentos.

Não que seja uma história surpreendente, porque não é, mas consegue ter tudo o que um filme de ação precisa: consegue entreter, tem suspense e ritmo. Também tem seus momentos folhetinescos, como na sua reta final, algo que depois de Star Wars nem parece mais novidade, mas a agilidade omissiva do roteiro é tão boa que esquecemos de detalhes, os quais serão usados beneficamente contra nós depois, para o bem de momento cruciais da história.

A presença de Affleck como protagonista realmente não atrapalha, talvez porque o personagem seja de poucas palavras. O ator dessa vez consegue ser até sutil, quebrando um momento tenso ou dramático apenas com um jeito, um olhar ou uma pequena palavra de alívio cômico. Um humor sutil e clássico que nem em um milhão de anos imaginaríamos que Affleck seria capaz de fazer. É claro que, por conta da fisionomia do ator, aquele certo ar de deboche que ele naturalmente carrega pode aparecer aqui e alí, mas nada comprometedor como muitos de seus filmes anteriores. O único problema é que, no começo, ele parece levar o autismo do personagem muito a sério, mas depois deixa de convencer, e suas atitudes se mostram muito mais vícios de comportamento do que um comportamento metódico natural. Aliás, chega um ponto na história que duvidamos das razões de terem feito o personagem autista, já que se torna algo irrelevante para ele e para o espectador. Mas... em todo filme é necessário um drama para justificar algum trauma infantil, e todo herói precisa ter uma infância difícil que se tornará o agente motivador de toda sua história.

Apenas fórmulas.

CONCLUSÃO...
A realidade é que o filme não cansa de absurdos, mas também não cansa o espectador. E se tem uma coisa que ele garante é diversão, e provavelmente uma continuação.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

"ESPECIAL" ENTRE ASPAS...

★★★★★★★☆
Título: Sense8
Ano: 2015
Gênero: Drama, Ficção, Ação
Classificação: 16 anos
Direção: Lilly e Lana Wachowski (The Wachowskis)
Elenco: Miguel Angel Silvestre, Doona Bae, Jamie Clayton, Tina Desai, Brian J. Smith, Tuppence Middleton, Max Riemelt, Toby Onwumere
País: Estados Unidos
Duração: 120 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Os Sense8 escaparam temporariamente de Wispers, e agora terão um tempo para respirarem aliviados e, talvez, curtirem o Natal, cada um a sua maneira e todos curtindo a maneira de cada um.

O QUE TENHO A DIZER...
Logo depois que a primeira temporada de Sense8 foi lançada, fiquei um tanto perplexo ao saber que o sucesso da série não era esperado e, por isso, uma segunda temporada não estava nos planos. Talvez isso tenha acontecido pela sequência de fracassos das irmãs Wachowski nos cinemas desde o fim da trilogia Matrix, não emplacando um sucesso sequer desde então, seja em crítica ou bilheteria.

Por diversos fatores logísticos e de agenda, a segunda temporada do hit de 2015 não pôde ser produzida em tempo para o lançamento ainda em 2016, o que causou a frustração de todos que aguardavam ansiosamente pela reunião dos 8 personagens contectados telepaticamente.

Para satisfazer os fãs, um "especial de Natal" bem recheado foi lançado no dia 23 de dezembro. Bem recheado por conta dos seus quase 120 minutos de duração, tempo suficiente para deixar qualquer um satisfeito. Claro que a impressão de ser apenas um "tapa buraco" não deixa de ser latente, pois a verdade é que este "tal" episódio especial nada mais é do que os dois primeiros episódios da nova temporada ainda não lançada, adiantados para amenizar a impaciência da audiência. De natalino, se for prestar bastante atenção, o episódio nada tem além de uma sequência de uns 10 minutos com o elenco fazendo cara de esperança na vinheta da Globo e cantando errado no meio da multidão. Tanto é assim que, justamente por isso, a segunda temporada, a ser lançada em Maio (ainda?), terá apenas 10 episódios, e não 12, como esperado.

É puro marketing. Foi a forma do Netflix garantir que seus assinantes não se esqueçam que Sense8 ainda existe. Isso se chama falta de planejamento. É o mesmo que ocorreu com Jessica Jones, que já era pra ter tido sua segunda temporada lançada neste segundo semestre, mas foi adiada para 2017 devido a atrasos.

Idependente disso, a série reestreou chamando atenção pela substituição de Aml Ameen por Toby Onwumere para viver o queniano Capheus. Isso ocorreu por desentendimentos entre Aml e a criadora Lana Wachowski. No mais, nada é claro. Supõe-se que seja por desavenças a respeito de cenas sexuais ou até mesmo declarações preconceituosas do ator, mas isso são apenas boatos. Não é à toa que a troca rende até uma piadinha interna no especial quando o amigo do personagem pergunta: "Vc parece estar diferente?".

O episódio da um grande salto de tempo, com Will (Brian J. Smith) e Riley (Tuppence Middleton) escondidos do grande vilão Wispers (Terrence Mann). O casal agora descobriu que Will não precisa ficar inconsciente o tempo todo, desde que ele não veja ou ouça coisas que possam levar o vilão a perceber o ambiente ao redor e assim descobrir seu paradeiro. Só me pergunto como Will ainda não se viciou em morfina (ou seja lá o que ele use) depois de tantas doses. Mas enfim, deixemos isso pros roteiristas...

No mais tudo continua onde a primeira temporada parou, sendo um bom episódio. Tudo muito bem dosado entre a ação, comédia, romance, drama e até um repeteco da "orgia" da temporada passada. Tem tudo para agradar aqueles que estavam na espera, além da sensação de ter que esperar novamente até a reestréia oficial. A breguice (ou cafonice) de Lana e Lilly Wachowski aparece em alguns momentos ou outros, mas nada que estrague o produto como é corriqueiro acontecer em seus longas metragens.

Mas o drama aqui se destaca, principalmente na relação de Lito (Miguel Silvestre) com as pessoas a sua volta depois de aceitar sua sexualidade. A pressão social que ele sente, o assédio que começa a sofrer de sua equipe de trabalho e até mesmo de onde mora, e o conflito familiar (bastante recompensador). Miguel faz um excelente trabalho, e não é à toa que suas cenas acabam sendo as mais emocionantes.

Sun Bak (Doona Bae) continua presa. Literalmente. Presa em uma cela e presa no roteiro. Parece que eles não sabem como tirá-la de lá e, por essa razão, ela virou uma personagem muleta, só aparecendo quando o próprio roteiro não sabe salvar outros personagens do perigo. Um desperdício quando ela é uma das mais interessantes e subutilizadas da série. O mesmo sobre Daryl Hannah. Qualquer atriz poderia ter feito o que ela fez na primeira temporada: morrer logo no primeiro episódio e aparecer esporadicamente como um espectro. E nesse episódio ela retorna no mesmo papel inútil e subaproveitado. Deve ser um saco ter que aparecer no estúdio para usar uma roupinha suja e gravar por apenas 3 horas. Ela realmente deve estar precisando muito do dinheiro.

No mais, o episódio é o mesmo Sense8 que foi na primeira temporada. Com uma comemoraçãozinha forçada de Natal aqui e alí por uns 10 minutos, para logo depois todo esse espírito natalino voar pelos ares em uma guerra bairrista que se inicia em Berlim entre as facções existentes para dominar o legado abandonado com a morte do tio de Wolfgang (Max Riemelt), o que provavelmente será uma das tramas principais da nova temporada.

CONCLUSÃO...
Matará a saudade de quem esperava e preparará todo mundo para o lançamento da segunda temporada completa em Maio.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O TIRO CERTEIRO DE FORD...

★★★★★★★★☆
Título: Animais Noturnos (Nocturnal Animals)
Ano: 2016
Gênero: Suspense, Drama, Romance
Classificação: 16 anos
Direção: Tom Ford
Elenco: Amy Adams, Jake Gyllenhaal, Armie Hammer
País: Estados Unidos
Duração: 116 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma artista plástica recebe um estranho presente, o rascunho final do livro de um ex-marido.

O QUE TENHO A DIZER...
Ambição nem sempre é ruim. É o que podemos pensar quando pegamos Tom Ford como exemplo, o mundialmente reconhecido estilista que, como hobby, se tornou diretor de cinema.

Quando Direito de Amar (A Single Man, 2009) foi lançado, parecia que a crítica não queria afirmar que Ford tinha feito um dos melhores filmes do ano. O preconceito em Hollywood dificulta artistas de outros circuitos a se consagrarem no cinema, e com ele não teria sido diferente. A subestimação foi tão grande que a adaptação da obra homônima de Christopher Isherwood fez Ford ser esnobado sem qualquer cerimônia pela maioria das grandes premiações. Era difícil admitir que um homem que respirava moda podia, de repente, ter uma estréia cinematográfica tão consistente. Collin Firth foi consagrado como ator pelo filme, saindo dos teatros londrinos para ganhar proeminência no cinema norteamericano. Mas Ford sequer respirou tanta consagração assim.

Segundo ele, a intenção de ter dirigido, escrito e produzido o seu filme de estréia foram mais pessoais do que qualquer outra coisa. Tanto que Animais Noturnos é seu grande retorno depois de sete anos de total ausência. É como se ele estivesse esperando por um projeto igualmente apaixonante, algo que o tirasse da zona de conforto e o fizesse pensar que apenas ele seria capaz de fazê-lo como imagina.

É esse o sentimento que se tem ao assistir seu novo filme, baseado na obra Tony And Susan (1993), de Austin Wright, pois o caráter pessoal é tão grande que Ford também assina o roteiro e a produção.

Aqui ele segue basicamente algumas das mesmas características de seu primeiro filme. A ambientação neo-noir, a delicadeza na condução da história, a sutileza no desenvolvimento das tramas e subtramas e o glamour visual. Mas ao contrário do que ele demonstra na moda, aqui o glamour é apático, frio e distante. Fútil. Enquanto a tal delicadeza e sutileza são utilizadas de maneira brilhante na finalidade de intensificar o suspense e o teor sentimental de uma história que, ao longo dos seus 116 minutos, torna-se um misto de sentimentos em pura emplosão, demonstradas da maneira mais trágica possível à protagonista através das palavras que lê de um livro, e que são traduzidas em imagens ao espectador de maneira, por vezes, emocionalmente devastadoras.

A pretensão de Ford exala como perfume, mas assim como foi ela a resposável pelo seu sucesso ao renovar a Gucci e catapultá-a às trend marks da alta costura na década de 90, é esse seu excesso de confiança que faz tudo funcionar com tanta certeza e pontualidade em um roteiro que varia entre três narrativas bastanta distintas e que aos poucos se afunilam a uma única condução.

O filme começa com a protagonista recebendo um pacote no qual corta o dedo no papel ao tentar desembrulhá-lo, algo que, de certa forma, já a deixa apreensiva. O pacote revela-se um rascunho final do livro de Edward Sheffield (Jake Gyllenhaal), seu ex-marido, o qual conheceu ainda na faculdade, época em que os dois se importavam e sonhavam com o futuro: ela em ser uma reconhecida artista plástica, e ele como um grande escritor. A relação terminou porque Susan (Amy Adams) a sabotou. Além de acreditar que ela nunca sairia do mesmo lugar como artista, e Edward nunca iria evoluir como escritor, no meio do processo uma tragédia acontece, além de surgir Hutton Morrow (Army Hammer), por quem, iludida, se apaixona, e é casada desde então.

Susan alcançou seu objetivo. Artista reconhecida, que mora em uma mansão exagerada de puro concreto e vidro, e Hutton não tem mais o menor pudor em esconder que a trai. Hoje ela se dedica a coisas ínfimas, como cuidar de sua galeria e se relacionar com amigos caricatos da alta sociedade, no qual um deles até a aconselha a aproveitar melhor o mundo absurdo no qual vivem, oportunidade para poucos. E no tédio das noites de insônia percebe como ela se distanciou dela mesma ao longo dos anos. É quando resolve dar atenção ao presente recebido de Edward, o qual a impressiona logo no começo pela sua violência bem narrada, em uma sensação entre continuar lendo ou abandoná-lo. Ler a obra é seu primeiro contato com seu primeiro grande amor em anos, engatilhando lembranças que serão cruciais para o espectador compreender qual é a linha que costura essas narrativas distintas e se o livro tem algo a mais a contar do que as próprias linhas dizem.

É aí que Ford já começa o tiro certeiro, porque ao misturar a narrativa do passado com a narrativa cruel e violenta do livro, ele já nos sugere que existe alguma conexão entre eles. Seria o livro uma velada ameaça, uma simbólica história de vingança ou uma metáfora de alguma realidade? E da mesma forma como Susan se intriga com isso, intrigado também fica o espectador. O fato é que, a cada nova página virada, a nostalgia dos tempos com Edwards se engrandece, e quanto mais Susan se interessa pela história, mais o protagonista do livro sofre, do qual o sange escorre pelas mãos de Susan sem que ela perceba.

Esse paradoxo que Ford cria entre a ficção e o momento presente consegue manter um equilíbrio narrativo constante, sem ápices ou quedas bruscas, usando os flash-backs como a querer pré-justificar a conclusão, encontrando um platô cujo nível de suspense é mantido até o fim. E mesmo que o espectador não pareça tão interessado, ele vai se sentir preso àquilo que ele não sabe exatamente o que é, no qual, sem dúvida, o fará ficar pensando sobre aquilo quando os créditos finais aparecerem.

É um filme cheio de metáforas sobre Edward e Susan, cujo clima soturno e algumas referências até um pouco óbvias a clássicos como os de Hitchcock, principalmente pela trilha sonora de Abel Korzeniowski, que tenta remeter à sonoridade de Bernard Herman, podem não parecer tão interessantes quando analisados separadamente, mas juntos se tornam um conjunto admirável e belo em sua frieza e perversidade.

Assim como no seu filme anterior, o tema volta a ser o lado trágico do amor e os arrependimentos que nos assombram. Mas aqui ele vai mais fundo, torcendo tudo como um pano sujo depois da casa limpa, e em resumo o filme nada mais é do que uma história de vingança psicológica, vencida a partir do momento que o pacote é aberto, pois é ele que reacende sentimentos e vontades de Susan, a isca no anzol de Edward.

As diferentes texturas de imagens e camadas novamente cumprem suas funções como em Direito de Amar, pois são elas que diferenciarão os tempos e narrativas. E dessa forma bastante concisa o filme de Ford é um dos melhores e mais perfeccionistas do ano. Esse excesso de perfeição pode parecer enjoativo, mas é o que caracteriza não apenas o estilo do diretor, mas também o gênero que ele tão bem escolheu trabalhar.

O público não parece ter compreendido muito bem a subejtividade e as associações intrinsecas entre as três narrativas, parece não ter compreendido muito as entrelinhas dos objetos, mas o resultado é brilhante, e seu fim simplório, se bem interpretado, deixará um buraco no peito, o mesmo deixado no peito de Edward.

CONCLUSÃO...
É um thriller psicológico e romântico em sua mais expressiva forma, um misto de sensações e emoções, uma mistura de épocas e visuais, uma experiência única em anos. Um dos melhores filmes de 2016 que reafirma Ford não apenas como um grande diretor, mas também como um roteirista perfeccionista que consegue tirar o melhor que a história pode oferecer.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

REVIVER OU MORRER? EIS A QUESTÃO...

★★★★★★★☆
Título: The OA
Ano: 2016
Gênero: Suspense, Drama, Ficção
Classificação: 14 anos
Direção: Zal Batmanglij
Elenco: Brit Marling, Jason Isaacs, Scott Wilson, Alice Krige, Patrick Gibson, Phyllis Smith, Brandon Perea, Brendan Meyer, Ian Alexander
País: Estados Unidos
Duração: ~60 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Uma garota que, depois de sete anos, reaparece com estranhas capacidades após passar por uma experiência de vida pós morte.

O QUE TENHO A DIZER...
De tempos em tempos um seriado esquisito aparece. Pode até não ser tão bem realizado, mas se for intrigante, que alimente discussões e controversas, a fórmula cult está pronta. É o que acontece em The OA, a nova empreitada da dupla Zal Batmanglij e Brit Marlin.

Batmanglij e Marling são amigos de longa data, que aos poucos tem dado uma cara diferente no cinema independente norteamericano, e agora é vez de fazerem o mesmo na TV e dispositivos multimídia. The OA é a terceira parceria de ambos como idealizadores, roteiristas e produtores. Batmanglij também continua como diretor, e Marling, como atriz principal. A diferença é que dessa vez o produto agora é direcionado a uma massa na qual os dois nunca atingiram antes, e mesmo que a liberdade criativa seja maior no Netflix, não havendo exigências tão grandes como seria em uma emissora de TV, nota-se que a pressão ainda está lá por parte do público, para o bom ou para o ruim.

O projeto, em andamento desde 2015 e impulsionado pela Plan B, produtora de Brad Pitt, é mais ousado que nos dois longas anteriores da dupla. Com apenas oito episódios que variam em duração, é impossível não fazer algumas assimilações ora com Sense8 (2015), ora com Stranger Things (2016), justamente por ter um grupo de pessoas interligadas sem qualquer semelhança uns com os outros, lidando com situações aparentemente sobrenaturais que envolvem brandas discussões sobre a Física Quântica e dimensões paralelas.

O conteúdo aqui é mais adulto, menos fantástico, fantasioso ou pop. É algo mais científico, mais dramático, com uma abordagem fraternal que igualmente funciona na idéia fundamental de que não estamos sozinhos no espaço, não o nosso lado invisível, ou seja, aquele que nunca mostramos a ninguém. E espaço, para a série, significa o lugar onde sua consciência está no momento. Também há um fundo romântico bastante sutil e diferente, e que acaba sendo o motivo central de tudo, mas em nenhum momento se sobrepõe ou incomoda as demais subtramas, o que evita o melodrama, o sentimentalismo banal e, consequentemente, o abuso do cliché. Tanto que só próximo ao fim que percebemos que o objetivo principal da protagonista é esse, e isso nem é spoiler porque é evidente desde o princípio. É bem menos comercial que as outras duas produções já citadas da casa, é algo diferenciado, um tanto alternativo e que busca um público diferente daquele comum que assina o serviço. Também pode ser visto como uma extensão, ou uma idéia melhor desenvolvida do longa Linha Mortal (Flatliners, 1990), um cult de Joel Schumacher, já que a experiência de vida pós morte é outro tema principal.

Para quem já conhece os dois filmes anteriores de Marling e Batmanglij, não irá se surpreender com essa fixação que ambos possuem pela religiosidade, pelo sobrenatural e o exotérico. Sim, um misto entre os três principais eixos espirituais da sociedade, lidando com ícones e mitos de maneira mista, como se tudo se interligasse e formasse uma coisa só. Para eles essa distinção não existe, e para tentar rebater tudo isso, está a ciência para se opor constantemente às tais teorias que eles desenvolvem, outra coisa na qual é evidente o fascínio. Funciona? Sim. Porque da mesma forma como em A Seita Misteriosa (The Sound Of My Voice, 2011), ou até mesmo em O Sistema (The East, 2013) e A Outra Terra (Another Earth, 2011), a narrativa criada a princípio parece convincente para um dos lados, mas depois se torna dúbia, deixando a favor do espectador a decisão de acreditar ou não naquilo que a história propõe.

Para quem não conhece o estilo da dupla, ou sequer assistiu um de seus dois filmes, The OA é uma grande oportunidade para conhecer. Nele estão absolutamente todos os elementos tanto autorais quanto técnicos de suas produções anteriores. Há uma mistura bem feita daquilo que já fizeram antes, sejam em projetos solos ou em parceria, como que ambos quisessem agora promover ao grande público tudo o que fizeram até hoje, usando eles mesmos como referências principais em seus próprios trabalhos. Não é à toa que Prairie (Brit Marling) é muito semelhante a Maggie, sua outra personagem em A Seita, já que ambas afirmam ser entidades que estão no plano terrestre por algum grande motivo, fora outros detalhes que não valem a pena serem ditos para não estragar algumas supresas que The OA reserva.

É um suspense dramático em sua essência, abraçando tantos estilos que chega ser difícil categorizá-lo de maneira tão específica. O suspense surge pela forma narrativa em primeira pessoa, já que boa parte dos episódios é a protagonista contando sua história aos demais, como uma líder de uma nova religião. A duração de sua narrativa é basicamente o tempo de duração de cada capítulo, já que Prairie é obrigada a viver sob certas restrições familiares.

O roteiro pode pecar por não desenvolver muito bem certas motivações ou interesses que fazem os personagens secundários se interessarem tanto pela estapafúrdia história da protatonista (pois é assim que se parece de início), mas por outro lado essa estrutura deu uma consistência nos personagens sem a necessidade de muita informação, economizando a paciência do espectador nesse sentido. O que é mostrado de cada um já é o necessário para justificar a afinidade de um grupo tão heterogêneo, mas no fundo há uma falta, uma vontade de vê-los realizarem muito mais do que serem meros objetos passivos na história. Mesmo assim o companheirismo e a confiança entre eles cresce nas reuniões, e se desenvolve entre choques e conflitos. No meio de tantas diferenças, é a incompreensão social e a solidão de cada um que forma o elo que os unem, sendo dessa inusitada união que a protagonista se fortalece. Essa honestidade nas diferentes personalidades é resultado do elenco formado por atores pouco conhecidos, mas que convence e emociona, como é o caso de Betty (Phillis Smith), personagem que a princípio pouco tem destaque, mas no fim se transforma em uma das mais emocionantes e memoráveis.

A mensagem (ou moral) primordial da série também tem seus momentos de glória sem aquela sensação de algo banalizado. A maneira como a protagonista socialmente é julgada, ou a forma como seus pais adotivos reagem ao seu comportamento, é entristecedor e sufocante. A inabilidade de compreensão da sociedade, o falso julgamento, a exploração da imagem, a falta de aproximação, a maldade e ambição humana são os grandes vilões. São eles que Prairie quer combater para transformar as coisas à sua volta. Um exemplo disso é quando Prairie conversa com Betty sobre a expulsão de Steve (Patrick Gibson) da escola, afirmando que expulsá-lo é negligenciar a responsabilidade dos professores de ensiná-lo. É por isso que ela precisa de outros, porque grandes modificações necessitam de pessoas dispostas a fazê-las. Não importa se esteja em cativeiro ou fora dele, o que precisamos é dos três C's: confiança, companheirismo e cumplicidade.

Se tem uma coisa intrigante nesse seriado, é que ele pode não oferecer nada do que habitualmente se espera de uma ficção científica, e nem oferecer o drama ou o suspense cliché que poderia; o público também pode não se sentir motivado por ele, ou sequer empolgado a princípio. Mas por alguma razão ele cativa, e mesmo com primeiros episódios pouco interessantes ou sem grandes ganchos finais que nos faça querer devorá-lo em um único dia, ainda há aquela sensação de querermos ser convencidos de alguma coisa, e continuar até chegar ao fim não se torna algo massacrante, pelo contrário, os eventos se engrandecem, uma história de amor original toma forma e o final da temporada é emocionante quando impulsionado pelo trabalho do coreógrafo Ryan Heffington (dos atuais vídeos da cantora Sia), um trabalho essencial para a mitologia desenvolvida na série. A princípio os movimentos realizados podem soar um pouco esquisitos (ou cafonas), mas depois emerge como algo extremamente expressivo, técnico e pontual, que só funcionará quando atingida a perfeição e homogeneidade, independente das afinidades de quem o realiza.

CONCLUSÃO...
The OA pode não ser um dos melhores seriados do ano no Netflix, mas é intrigante mesmo assim. Com narrativa lenta, desenvolvimento comedido e suspense gradual, tenta fugir de clichés e no fim não se mostrar tão inovador ou diferente quanto parecia, mas se diferencia ao fugir de certa convencionalidade, e dar oportunidade aos seus criadores de extenderem um mundo e um estilo próprio para agradar um público que busca fugir do comum. E por que não, dizer que acaba sendo algo bastante motivador, com uma bela mensagem a ser compartilhada.

domingo, 4 de dezembro de 2016

NEM SEMPRE TEMOS CONSERTO...

★★★★★★★★★☆
Título: Krisha
Ano: 2015
Gênero: Drama, Suspense
Classificação: 14 anos
Direção: Trey Edward Shults
Elenco: Krisha Fairchild, Robyn Fairchild, Alex Dobrenko
País: Estados Unidos
Duração: 83 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Depois de 10 anos sem encontrar com sua família, Krisha volta a reencontrá-los no Dia de Ação de Graças, mas seu passado e traumas pessoais poderão arruinar as festividades.

O QUE TENHO A DIZER...
Com tantas qualidades e particularidades, Krisha é de longe um dos melhores filmes lançados esse ano. Produzido em 2015, só foi ter seu lançamento mundial no festival South By Southwest, em Austin/TX. Também foi apresentado internacionalmente em Cannes, o que levou o diretor a concorrer a dois prêmios: ao Câmera de Ouro e ao Grande Prêmio da Semana pela Crítica, ambos relacionados à melhor estréia de um diretor.

Dirigido, escrito, produzido, editado e brevemente atuado pelo norteamericano Trey Edward Shults, o longa veio de um processo criativo comum entre diretores estreantes, independentes e autorais, nascendo a partir de um curta metragem de mesmo nome produzido por ele em 2014. Além do fato do elenco ser praticamente o mesmo, as maiores curiosidades sobre o longa é que todos os atores envolvidos são familiares e amigos (por isso os nomes são os mesmos da vida real): quem interpreta a protagonista é sua tia (Krisha Fairchild), quem faz a irmã da protagonista é sua mãe (Robyn Fairchild) e a mãe da protagonista é sua avó (Billie Fairchild). Os demais são amigos pessoais, e apenas dois atores sem qualquer relação com o diretor foram contratados. As filmagens ocorreram na casa de seus pais, e durou apenas nove dias, com orçamento arrecadado pelo Kickstarter, uma fundação online de levantamento de fundos para desenvolvimento de projetos.

É importante conhecer essa história por trás das câmeras porque é ela quem complementa a atmosfera extremamente intimista que o filme proporciona, cuja interação entre os personagens e a naturalidade com que se desenvolvem frente às câmeras chegue a um nível de realismo sufocante, inclusive pela limitação dos cenários, que agregam mais ainda uns aos outros em um caos organizado e conflitante. Também é a prova daquilo que sempre repito por aqui, de que grandes produções não necessitam de grandes orçamentos, apenas de grandes idéias e sólida concepção.

O filme começa focado em Krisha, com um ruído sonoro ao fundo que cresce em sincronia com os sentimentos perturbadores que se afloram. A fisionomia carregada da protagonista surpreende, e a partir daí sabemos que algo de errado acontece com ela, até tudo ser abruptamente interrompido. Em seguida ela chega em um bairro, e em um grande plano sequência vemos ela caminhar de casa em casa, blasfemando arrependida por estar lá, tensa e apreensiva pela receptividade que poderá ter de familiares que reencontrará depois de 10 anos de ausência para juntos comemorarem o Dia de Ação de Graças.

A complexidade de Krisha não é fácil de ser descrita, já que a todo momento é construída e desconstruída por Shults como um quebra-cabeças. Tragicamente ela consegue ser a protagonista e a antagonista de sua própria história, um tipo único que muito raramente vemos no cinema. O excesso de planos sequência e a vagarosidade com que as cenas são conduzidas é angustiante, de um suspense e apreensão nada saudáveis, como no momento em que é acompanhada andando em círculos pela cozinha, em uma insanidade dispersa, com o mesmo ruído sonoro crescente do início do filme. O comportamento distímico de Krisha chega a ser, por vezes, assustador como um filme de horror: é comedida em meio aos familiares, se esforçando para se manter em um padrão de normalidade que eles esperam, mas por trás das paredes está sempre à espreita, alimentando sua insegurança e desconfiança pelos outros de maneira ora esquizofrênica, ora psicótica. E assim a história é construída numa progressão desastrosa, e como todo o processo é muito explícito, acaba sendo previsível, mas um tipo de previsibilidade diferente, que nos prepara para o pior, a um ápice dramático denso e que desmancha como uma pedra de gelo em uma frigideira.

Não há como dexiar de relacionar o filme a dramas familiares europeus como o sueco/dinamarquês Festa de Família (Festen, 1998), ou até mesmo na construção volátil do norteamericano O Casamento de Raquel (Rachel Getting Married, 2008), e em nenhum filme o símbolo maior do Dia de Ação de Graças foi tão bem utilizado para demonstrar que um pequeno acidente pode ser a gota d'agua de uma situação insustentável, o estopim da desgraça, a total antítese de sua simbologia, como acontece aqui.

Shults nunca nos revela pequenas coisas que nos deixam curiosos por todo o filme, ele apenas nos revela o necessário para compreendermos aquele presente e aquele momento. Se o que é revelado já constrói o pior cenário possível, não fica difícil imaginar como foi tudo antes disso e em como o passado pode ter sido tão destrutivo para chegar naquele ponto. Talvez esse flashback imaginário nem seja necessário, pois o fim é certo. Mas acima de tudo, ele também nos dá ferramenta para nos identificarmos com um dos lados, seja em nos sensibilizar com a condição de Krisha (ou até nos identificar com ela), seja em nos solidarizar com sua família e sua persistência para finalmente chegarem ao ponto da completa negação da ajuda.

É filme para poucos, por conta de sua narrativa lenta e meticulosa em sua construção, o que faz os 83 minutos parecerem o dobro. Também difícil, já que, mais que um drama, é um suspense dramático sobre os conflitos da pisiquê humana. Não é à toa que um dos cartazes promocionais do filme remete a uma ilustração de Rorschach, ou seja, a ambiguidade da protagonista, ou a sua tendência em projetar características negativas de sua personalidade aos outros, ou às coisas. Sendo aí que a protagonista brilha, pois Krisha Fairchild sem dúvida tem uma atuação memorável e impressionante, de uma humanidade perturbada excruciante.

Além da narrativa, o filme é tecnicamente belíssimo, desde a já comentada forma do diretor em conduzir muitas das cenas sem cortes e dos planos abertos que dão oportunidade aos atores em explorar o ambiente e interagir abertamente entre si, transformando o expectador em um observador presente, como também na fotografia em enquadramentos sempre muito simétricos e sinestésicos por conta de uma edição simples e pontual: aquilo que se vê, é aquilo que se sente. Sem floreios e sem dispersões, tudo muito objetivo como a visão do espectador.

CONCLUSÃO...
Uma grande estréia de um diretor promissor, e um grande filme com grandes atuações. Uma injustiça o filme estar um tanto esquecido na temporada de premiações, e quando lembrado, apenas o diretor aparece entre os indicados quando não é apenas ele uma das grandes qualidades e revelações do longa. Venceu o Gotham Awards na categoria de Melhor Diretor estreante. Mais que merecido, foi necessário.
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