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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

PODERIA SER UMA FICÇÃO SE NÃO FOSSE VERDADE...

★★★★★★
Título: Compliance
Ano: 2012
Gênero: Drama, Suspense
Classificação: 14 anos
Direção: Craig Zobel
Elenco: Dreama Walker, Ann Dowd, Pat Healy
País: Estados Unidos
Duração: 90 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma gerente de um restaurante recebe um telefonema de um policial que investiga um furto que ele acredita ter sido feito por uma de suas funcionárias.

O QUE TENHO A DIZER...
Compliance ainda é inédito no Brasil, sendo o segundo filme escrito e dirigido por Craig Zobel. O filme teve estréia no Festival de Sundance de 2012 sob forte controvérsia, pois durante sua exibição muitos da platéia deixaram a sala enquanto outra parte chegou a vaiar. Mas apesar disso, ele foi bem recepcionado pela crítica especializada e também pelo público em geral, atingindo uma pontuação de 6.5 no IMDb e de 66% no Rotten Tomatoes, o que é uma média relativamente boa para um filme independente e de baixo circuito.
Conta a história de um oficial que liga para Sandra (Ann Dowd), gerente de uma lanchonete. Ele é um dos policiais que está investigando um roubo que aconteceu dentro do estabelecimento que ela gerencia e a suspeita é Becky (Dreama Walker), uma de suas funcionárias. Ele explica que, por estar ao mesmo tempo investigando outro caso, isso o impossibilita de ir para o local de imediato, mas para agilizar as coisas ele pede para que Sandra realize alguns procedimentos regulares. Porém isso acontece numa das noites mais movimentadas da lanchonete, o que faz com que Sandra acabe delegando a função para outras pessoas, incluindo seu noivo. Porém os pedidos começam a ficar sérios, e as pessoas que ficam responsáveis por Becky estranham os procedimentos exigidos por telefone.

Se você não quer saber mais da história, então não leia o resto...

Mas obviamente que, logo que o filme começa, já percebe-se que se trata de um trote, e a questão que paira no ar é: como que Becky e as pessoas que ficaram responsáveis por ela, incluindo sua chefe, se deixaram levar pela situação sem ao menos questionarem o comportamento irregular da pessoa do outro lado da linha, ou simplesmente ter desligado o telefone e esperado uma apresentação oficial?
Bom, primeiramente, se alguém tivesse simplesmente desligado o telefone, o filme acabaria nos seus primeiros 10 minutos, e eu com certeza teria feito se acontecesse comigo de verdade, ou caso eu não fosse uma pessoa sugestionável.

As pessoas tendem a ser sugestionadas e/ou convencidas facilmente em situações estressantes, principalmente se feitas por alguém em qualquer nível hierárquico superior. Ha também o fato da maioria das pessoas serem obedientes sem questionar quando diretamente confrontadas por alguém aceito com superioridade. No caso do filme o próprio ambiente de trabalho e a situação desenvolvida é estressante isoladamente, e a obediencia frente a um superior foi respeitada por acreditarem que ele realmente fosse um oficial de polícia por conta de toda eloquência do impostor e sua agilidade em desenvolver situações que direcionassem suas vítimas a realizarem tudo que ele exigia sem questionarem ou se negarem com veemência. E lógico, tudo isso baseado na ignorância coletiva e a falta da educação questionadora, herança de uma cultura formada para obedecer, não questionar e não confrontar, como cordeiros. E talvez seja por isso que um restaurante de fast-food tenha sido não somente o cenário escolhido para o filme, mas o cenário perfeito escolhido pelo criminoso, já que o filme é baseado em casos comuns reais.

Como o próprio filme diz, foram mais de 70 casos registrados de ligações para restaurantes ou lojas de conveniência de alguém que, se passando por um oficial de justiça, pedia para que fosse realizadas revistas íntimas nos "suspeitos" ou outros procedimentos padrão da polícia. Casos como esse aconteceram nos EUA por praticamente dez anos, até finalmente levar ao principal suspeito que foi preso em 2006.

O filme é especificamente baseado no caso de Mount Washington, no estado de Kentucky, nos EUA, que ocorreu dentro de um estabelecimento do McDonald's. Segundo as descrições do caso, o filme reproduz com bastante detalhe a situação real sofrida pela atendente Kim Dockery e as três horas e meia de cárcere privado, incluindo o abuso sexual que ela sofreu pelo noivo de Donna Summers, a gerente do restaurante.

Toda a situação constrangedora sofrida por Kim foi filmada por câmeras de segurança dentro do escritório. Após esse incidente, Donna Summers foi demitida do cargo por ter violado regras estipuladas para gerentes do McDonald's, que impedem a realização de vistorias íntimas em caso de suspeitas de furto e pela autorização de entrada de pessoal não autorizado dentro do escritório. A atendente, maior vítima de todo o caso, foi transferida de local de trabalho, mas ficou em tratamento pós-traumático por três anos após o ocorrido. O noivo da gerente, Walter Nix, foi indiciado por abuso sexual, e o impostor, Dave Stewart, foi preso em 2006 por falsa identidade e sodomia. As vítimas do caso, incluindo as testemunhas que participaram de alguma forma, afirmam que houve momentos de dúvida e de que todo o processo não estava correto, mas por alguma razão, um bloqueio ou uma necessidade de cumprir ordens de um "homem que dizia ser oficial da justiça", eles acabavam seguindo adiante com a situação, com medo de que algo pior pudesse acontecer.

O McDonald's foi processado em 2007 sendo acusado de ter 50% de culpa de todo o caso, já que trotes como esse já haviam acontecido em 4 outros estabelecimentos da mesma rede em 4 diferentes estados e nenhuma providência foi tomada pela rede para alertar seus gerentes da possibilidade de reincidência. Kim Dockery recebeu mais de US$6 milhões de dólares entre danos morais e compensatórios, e Donna Summers um pouco mais de US$1 milhão. Além disso, o McDonald's também foi obrigado a pagar outros US$2,5 milhões em custos do processo.

Depois de conhecer essa história maluca, fica mais fácil de acreditar no filme e levar a sério toda a tensão e constrangimento sofrido não apenas pela vítima, mas por todos os que direta ou indiretamente participaram desse caos. O diretor e roteirista consegue manter esse clima com pouco. Os mais de 90 minutos do filme se passa inteiramente dentro de apenas um cenário e a maior parte dos diálogos ocorre entre o criminoso e a vítima pelo telefone. Seria um filme monótono, mas que são bem conduzidos pelo roteiro e as atuações, e uma trilha sonora que é tocada discretamente no fundo e que aumenta o clima da pressão psicológica da situação sem incomodar ou soar invasivo. Ann Dowd realmente está fantástica como a gerente Sandra, papel pelo qual ela recebeu grandes críticas positivas e o prêmio de melhor atriz coadjuvante pela National Board Of Review, e infelizmente a baixa campanha do filme não ajudou para que seu papel pudesse ser melhor reconhecido por outros prêmios maiores.

Talvez o grande defeito do filme tenha sido não se aprofundar melhor nas razões do impostor ter feito o que fez. Não se sabe se a razão dele ter feito isso foi por algum tipo de perversão sexual ou alguma outra obsessão, já que no caso real foram encontrados na casa do criminoso diversos pertences como uniformes, distintivos e fichas de inscrição para trabalhar no departamento local de polícia.

É um filme tenso, constrangedor e triste por mostrar como é necessário pouco para pessoas se tornarem vítimas, e que nem todo mundo é dotado de uma malícia nata para impedir que determinadas coisas aconteçam, além da inabilidade das pessoas de lidarem com pressões psicológicas.

CONCLUSÃO...
Por mais absurdo que seja é uma história que não somente é baseada em um fato real como mostra tudo com detalhes, e é necessário saber que tudo é bastante próximo da realidade para poder levar o filme a sério e admirar um bom trabalho realizado pelo diretor e roteirista, que apenas erra a mão em algumas situações que podem soar exageradas para aqueles que não souberem dos fatos, ou também por não ter deixado mais claro as razões do criminoso e se tudo é uma perversão sexual ou algum outro tipo de obsessão. Um filme independente que mais funciona pelo clima construído em cima de pouco.

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