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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

UM ANO DE GAFES, ERROS E TOTAL INÉRCIA...

E então o Oscar esse ano não foi lá de muitas surpresas, além de gafes. Infelizmente não acompanhei a premiação ao vivo, talvez a primeira vez que isso acontece em... sei lá quantos anos. Não posso comentar sobre como foi a apresentação, além da terrível confusão de Warren Baty na premiação de Melhor Filme, algo que ninguém entendeu bulhufas alguma do que aconteceu. Dentre tantos equívocos dessa edição, isso tudo só confirma o desleixo dos organizadores e da própria banca de jurados. Como todo ano acontece, os premiados tem gerado certa controversa.

Para contrariar dois anos de "Oscar branco", este foi o Oscar "mais negro" de todos (no ponto de vista histórico da premiação), terminando com 4 premiados nas categorias principais: Viola Davis como Atriz Coadjuvante; Mahershala Ali como Ator Coadjuvante; Berry Jenkins e Tarell McCraney em Roteiro Adaptado. A ovacionação em cima de Viola Davis tem sido exagerada, e sem querer ela se tornou uma representante da igualdade racial no cinema que definitivamente não condiz com a realidade. Premiar Viola e Mahershala soa mais como um prêmio de consolação a uma raça absurdamente excluída tanto no cinema quanto nas premiações, e uma maneira de maquiar esse separatismo evidente da Academia. Muitos comentários pipocaram nas redes sociais agradecendo Viola por representar tão bem a raça. Essa é a reação que tem imputado a ela, e sem direito de escolha, um posto de porta bandeira de um movimento inclusivo no qual a Academia tem se aproveitado. Muitas pessoas se esquecem que, no passado, outros atores negros também já estiveram no mesmo lugar que ela e revindicaram direitos igualitários tanto quanto ela tem feito, mas que sempre foram ignorados. Até que ponto isso é uma situação genuína, e até que ponto é uma situação forjada, é difícil pontuar, mas é fácil notar um pouco de cada em diversas situações. Viola ter ganho não me comove. Sua vitória era previsível principalmente depois da comoção em torno de sua terceira indicação, e como sempre frisei, soa como uma propaganda enganosa. A igualdade racial não irá começar e nem terminar com sua estatueta, mas com maior diversificação e destaque a atores de uma raça que não a tem. E para a Academia, premiar Viola hoje a redime de erros de décadas, e garante que nos próximos anos o Oscar possa voltar a ser branco.

O mesmo se aplica ao filme Moonlight. A começar que este ano a Academia se manteve em uma zona adequada de conforto com títulos pouco polêmicos, nenhum blockbuster, e nenhum filme realmente grandioso ou que tivesse aspectos bastante inovadores, como foi no ano passado com O Regresso, ou no ano retrasado com Birdman e Boyhood. Nenhum dos títulos a Melhor Filme tinha um grande motivo, ou uma grande razão para estar lá. Todos filmes medianos, poucos mais acima da média do que outros, e alguns superestimados pelo hype em volta deles, como foi o caso de La La Land e o próprio Moonlight. La La Land era o favorito até um backlash ocorrer. Em outras palavras: primeiro ocorreu sua superestimação pela sua popularidade, e depois sua subestimação por conta dessa superexposição. A impressão que se teve é que mudaram o envelope do vencedor de última hora, como se a Academia estivesse com um certo medo da repercussão negativa que teria caso o filme de Berry Jenkins não levasse alguma das estatuetas principais. Apesar de ser um belo e bem executado filme, não deixa de ser simples e comportado, algo fácil de ser compreendido, da maneira como o público norteamericano gosta e prefere, aprovando Jenkins como uma nova promessa no cenário cinematográfico. Nada que justificasse, sequer, uma indicação a Melhor Filme. Mas é aquilo... no meio de uma lista tão mediana como foi esse ano, Moonlight até se destaca, mas se ele não merecer o título de Melhor Filme, nenhum outro também deveria.

Como sempre costuma acontecer quando há dois títulos em grande concorrência, os prêmios são "divididos", diferente do que acontecia até meados de 90. Se tornou algo comum na Academia dividir os prêmios entre os melhores filmes sem ter um favorito que abocanhe tudo. Aqueles filmes de menor evidência ganham os prêmios menos comentados, enquanto os de maior evidência os prêmios principais. Por isso a estatueta de Melhor Direção foi para Damien Chazelle, de La La Land. E nesta categoria ocorre o mesmo problema na categoria Melhor Filme, já que os diretores aqui também são os mesmos dos títulos medianos. Chazelle fez um belo trabalho, cuidadoso na visão mais clássica que ele queria resgatar/homenagear, mas sem parecer antigo. Não foi um filme complexo, mas trabalhoso, e sua premiação é até válida e nenhum pouco surpreendente.

Agora, nas categorias de Melhor Ator/Atriz, a piada realmente foi forte. O erro já começou deixando de fora Amy Adams para dar lugar à 20ª indicação de Meryl Streep. Amy, a princípio, apareceu na lista de indicados em uma equivocada publicação da Academia, mas que algumas horas depois foi corrigida com uma nota de desculpas. Uma gafe já esquecida, que mostra que a atriz era a favorita em algum momento, mas por algum lobby ou conchavo, foi deixada de fora. Em um ano que foi excepcionalmente dela ao ser protagonista de dois excelentes títulos, como A Chegada e Animais Noturnos (este que foi um dos filmes mais esnobados do ano), o erro em deixa-la fora da lista foi tão grave ao ponto de ser imperdoável. Fora isso, a francesa Isabelle Hupert era a mais cotada para o prêmio, afinal, sua interpretação no filme Elle é arrebatadora. Mas a Academia segue sua tradição em ignorar atores/atrizes estrangeiros. Não importa a qualidade, a intenção nos últimos 20 anos tem sido em dar preferência a novos talentos do que a veteranos internacionalmente reconhecidos, como é o caso de Isabelle. Por isso Emma Stone levou o prêmio. Merecia? Não. Emma Stone é uma graça de atriz, e talentosa ainda por cima, mas seu papel em La La Land não justifica seu prêmio. Emma poderia ter levado quando concorreu em 2015 por seu papel em Birdman, mas, ao invés disso, deram preferência à insossa interpretação de Patricia Arquette em Boyhood. Como sempre, aquilo que a Academia bagunça com os pés em um ano, ela destrói com as mãos em outro.

Não foi um ano memorável além de seus erros, gafes e esnobações. Não foi um ano emocionante e nem surpreendente. Dizem que o Oscar reflete o momento político em que o Estados Unidos vive, e em uma época de tantas polêmicas, aumento de segregação, discriminação e xenofobia, o que o Oscar mais quis nesse ano foi evitar polêmicas e discussões densas. Optou por títulos nem lá, nem cá em suas listas. Se manteve em cima do muro, segura de si de que ninguém notaria sua inércia em meio a todo o caos em que ela está embolada no meio.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

LONGO SOFRIMENTO. MUITO LONGO...

★★★★★★☆☆
Título: Manchester À Beira-Mar (Manchester By The Sea)
Ano: 2016
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Kenneth Lonergan
Elenco: Casey Affleck, Michelle Williams, Kyle Chandler
País: Estados Unidos
Duração: 137 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Após a morte do irmão, um testamento é deixado incumbindo que o filho de 17 anos fique aos cuidados de um tio que há muito tempo deixou de se preocupar com responsabilidades.

O QUE TENHO A DIZER...
Manchester À Beira-Mar é uma história trágica por excelência, e que tenta mostrar a beleza embutida nas mudanças através disso. Quando você acha que a vida de Lee Chandler (Casey Affleck) não poderia ficar pior, eis q vem o roteiro e lhe dá uma rasteira. Talvez por isso a narrativa seja desconstruída, para amenizar o impacto e não causar aquela sensação progressiva e constante de eventos tortuosos que aconteceria se fosse linear. Não que isso diminua de fato alguma coisa, mas já começar o filme sabendo que o protagonista, apesar de tudo, conseguiu passar por cima das tragédias, já é um conforto ao espectador, mesmo quando evidente que as feridas não tenham fechado. E o resto, a maneira como Lee irá se reconectar com sua vida e com as pessoas a sua volta que também foram diretamente atingidas pelos acontecimentos, é o que o filme propõe.

Não há muito o que se dizer sobre este filme simples, que ao mesmo tempo que repele, conquista pela sua honestidade. O desenvolvimento a passos lentos que variam entre o presente e o passado por meio de flashbacks aleatórios, como uma memória fragmentada, revelam aos poucos, como camadas de cebola, a razão para o protagonista ter se tornado uma pessoa apática e um tanto inerte da realidade com o tempo, anestesiado pelos constantes e brutais golpes de uma vida cotidiana comum que, de uma hora para outra, vira de cabeça para baixo como um barco em meio a uma tempestade inesperada.

O processo de auto-indulgencia é vagaroso, igualmente penoso ao espectador em um processo de mais de 130 minutos. Um filme um tanto longo e arrastado demais para seu peso dramático, mas que na sua reta final acaba sendo compensador por ficar mais leve e concluir os conflitos de maneira bastante sóbria e sensata, sem lições de moral ou atitudes heróicas. Ao invés disso, o protagonista se mantém firme, fazendo todos compreenderem seu ponto de vista sem grandes justificativas, como realmente deveria ser.

Mesmo que demorado para deixar mais evidente sua proposta, o diretor/roteirista, Kenneth Lonergan, o desenvolve com cuidado, trazendo de suas experiências anteriores, como na comédia Máfia No Divã (Analyze This, 1999) e sua continuação, um sarcástico humor entre um momento e outro para aliviar algumas tensões. E funciona, até mesmo quando achamos que esteja um tanto fora de tom, quando no momento em que Lee está no hospital e recebe a notícia do falecimento do irmão pelo amigo George (C.J. Wilson), o personagem responsável pelos poucos momentos um tanto pastelões na história.

Casey Affleck repete aqui um tipo de personagem que combina com sua persona, mas aprofundado em dores e traumas, num sofrimento contido que não cessa, raramente exposto àqueles que o observam e dependem dele, martirizado na dúvida entre voltar a fugir da realidade ou encará-la de frente, como lhe é propositalmente imputado pelo testamento de seu falecido irmão.

Ao contrário do que se espera ou do que o cartaz pode demonstrar, não é um romance, e Michelle Williams, mesmo que em uma personagem relevante, faz uma participação extremamente pequena. É um drama regular que se passa na pequena cidade litorânea Manchester-by-the-sea (daí o título), e que apesar de seu peso, consegue evitar muitos dos clichês melodramáticos que facilmente poderiam ser usados e abusados, salvo um momento e outro, como na cena em que Lee tenta cometer suicídio. Como um todo, Lonergan faz do filme uma visão interessante sobre a vida e sua continuidade apesar do sofrimento, e a retomada de responsabilidades deixadas para trás, embora não consiga fazer desse tema - um tanto batido - algo realmente grandioso e impactante o suficiente para se diferenciar de todos os similares que existem por aí.

CONCLUSÃO...
Apenas um monte de drama para uma conclusão simples e sincera, que foge da conclusão idealizada que muita gente irá esperar. Assim como os demais filmes que estiveram presentes na temporada de premiações, Manchester não traz nada de inovador, grandioso ou emocionalmente impactante para justificar seu favoritismo. Nada para se lamentar caso seja perdido ou deixado de lado.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

POR TRÁS DE TODO JOHN, HÁ UMA JACKIE...

★★★★★★★★☆☆
Título: Jackie
Ano: 2016
Gênero: Drama, Biografia
Classificação: 14 anos
Direção: Pablo Larraín
Elenco: Natalie Portman, Peter Sarsgaard, Greta Gerwig, Billy Crudup
País: Chile, França, Estados Unidos
Duração: 100 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
A morte de JFK sobre o ponto de vista de Jacqueline Kennedy nos quatro dias que sucederam a morte de seu marido.

O QUE TENHO A DIZER...
Após alguns segundos do início do filme, Jacqueline Kennedy (Natalie Portman) aguarda a chegada de um jornalista, interpretado por Billy Crudup. Este personagem é o único que não leva um nome, mas sabe-se que é uma referência direta a Theodore H. White, o único e premiado jornalista ao qual ela aceitou conceder entrevista uma semana após a morte de John Kennedy, em um encontro que durou mais de oito horas e resultou na publicação de apenas duas páginas da revista Life.

A história do filme focará nos quatro dias que sucederam a morte de JFK, desde o fatídico momento em que leva o primeiro dos dois tiros que o matou, até o espetaculoso funeral de proporções só vistas décadas depois, com a morte de Diana. Tudo isso recriado nos mínimos detalhes, tal qual conhecemos através dos arquivos audiovisuais da época que se solidificaram na memória histórica, os quais também são utilizados no filme, misturados de maneira imperceptível em meio às cenas reconstituídas, num competente trabalho realizado pelo diretor chileno Pablo Larrín.

Entre o início do fim da era de Camelot e o seu fim propriamente dito, o filme tentará recriar, de maneiras ora fictícias, porém relevantes, o ponto de vista de Jacqueline Kennedy sobre toda a situação. Muito já se falou ou se mostrou a respeito de John Kennedy e sua morte, como Oliver Stone fez em JFK (1991), mas nenhum filme ou mini-série pareceu se preocupar além do superficial sobre o que teria acontecido a Jacqueline durante aqueles dias, ou como é que ela conseguiu administrar tantas responsabilidades de uma única vez em um espaço de tempo quase inexistente para lidar com a própria dor de uma situação tão traumatizante pela qual passou.

Usando um Chanel pink e um chapéu pillbox, a icônica imagem de Jacqueline suja de sangue é de uma dramaticidade chocante até os dias de hoje. Mas é de conhecimento público que foi uma decisão dela manter-se com a mesma roupa para que as pessoas pudessem ver o que "eles" haviam feito, posteriormente até arrependendo-se de ter lavado seu rosto e suas mãos sujas de sangue, já que poderia ter sido mais enfática nessa mensagem. Mas mais do que isso, no momento em que Natalie Portman se despe frente às câmeras, a cena passa uma sensação metafórica simples, mas de total coerência e que, talvez, ninguém nunca tenha levado em consideração antes: sobre o peso que aquelas roupas deveriam ter no fim daquele dia. A cena se torna uma lembrança viceral do que Jacqueline teve de suportar.

Jackie fez questão de lidar pessoalmente com as decisões sobre o funeral, resolvendo fazê-lo aos moldes do de Abraham Lincoln para que o legado de Kennedy fosse igualmente registrado na História como uma era interrompida. Sem ter onde morar assim que deixasse a Casa Branca, ou emprego para cuidar de seus dois filhos, seu futuro era indefinido. Enquanto isso, presenciava durante o vôo de Dallas a Washington o futuro do vice Lyndon Johnson, que em uma completa insensibilidade política foi nomeado Presidente algumas horas depois da tragédia. Jackie recusou-se a fazer parte do juramento de posse ocorrido dentro do avião, um momento igualmente registrado no filme, e que ergue a questão de uma provável relação conflituosa entre eles e que até hoje é publicamente desmentida.

A imagem que temos da ex-Primeira Dama norteamericana é martirizadora, a da clássica viúva de preto com seus dois filhos recém órfãos de pai, um em cada lado, tal qual ela publicamente se obrigou a mostrar numa imagem difícil de ser esquecida no momento que sai para acompanhar o caixão rumo ao Capitólio. Mas será que aquela imagem era realmente aquilo que parecia ser, ou era aquilo que queríamos ver? E é dessa forma como o roteiro de Noah Oppenheim constrói a história sobre a História, colocando a dúvida em todos os momentos chaves daqueles quatro dias, tentando desmistificar registros visuais sólidos captados pela incansável imprensa, e dar um motivo muito mais pessoal e complexo do que parecia.

A semelhança de Natalie Portman, e o sucesso de sua caracterização, não se dá somente pela maquiagem e cabelo, mas pela construção física detalhada na qual se submeteu. A maneira de andar e gesticular chegam a ser inquestionáveis quando comparados com a verdadeira Kennedy. Mas o mais impressionante foi conseguir mimetizar o tom e a forma vocal de Jackie, algo que, segundo o produtor Darren Aronofsky, o qual a dirigiu em Cisne Negro (2010), era crucial para a veracidade do filme. Portman descreveu a personalidade vocal de Jacqueline como tendo uma dialética muito própria e de perfeita dicção, num sotaque particular entre o novaiorquino e britânico, além da pronunciação sussurante, sua característica mais marcante. Com a ajuda de um treinador, a atriz estudou exaustivamente a maneira de Jacqueline falar, até atingir uma similaridade próxima e convincente, sem soar forçada ou simplesmente imitada.

E consegue.

Há momentos em que a fala da atriz/personagem se torna um pouco mais estridente ou caricata, algo que, a princípio, pode soar exagerado, ou que a atriz tenha saído "um pouco do tom", principalmente nos momentos em que recriam trechos do documentário feito por Jacqueline na Casa Branca. Mas isso acontece devido a uma sensata observação da própria atriz, que notou durante suas pesquisas que Jacqueline possuia duas personas: a pública e a privada. Quando pública, ela tendia a entonar mais sua voz para soar mais "girlish", ou seja, mais alegre, charmosa, simpática, e um tanto superficial como deveria soar uma "mulher perfeita". Já na sua vida privada sua voz era contida e mais grave.

Essas duas personas de Jacqueline foram cruciais para que conseguisse separar sua vida privada daquilo que era acessível ao povo. Seu comportamento público era feito para a mídia, e isso era um atributo não apenas dela, mas também de John, e ambos se comportavam da maneira como as pessoas gostariam de vê-los: ela, como um exemplo de mulher a ser seguido, e ele, como um perfeito homem público.

A Jacqueline pública estava exposta e aberta para qualquer tipo de abordagem, a figura decorativa criada pela Casa Branca e pela expectativa dos olhos do povo. Sobre essa persona podiam falar o que quisessem, pois a Jacqueline privada, a mulher de John e mãe de dois filhos, esta ninguém conhecia. Foi uma maneira inteligente de fazer com que críticas, maldizeres e boatos, não a atingisse. Nada de fora afetava diretamente sua vida privada porque isso era responsabilidade da sua persona pública, deixada para fora a partir do momento que fechava as portas. E para auxilia-la em tudo isso, contratou sua amiga de infância, Nancy Tuckerman (interpretada no filme por Greta Gerwig), como acessora pública, um cargo que não existia na época para uma Primeira Dama.

Jacqueline foi atribuida ao cenário político como uma alegoria, um meio de desviar as atenções da frágil situação política que o país enfrentava tanto externamente (com a Guerra Fria), quanto internamente (com o crescimento dos movimentos sociais). Mas ao mesmo tempo tinha uma real intenção de reacender uma esperança nacionalista perdida, através de uma abordagem diferenciada, mais cultural e menos política. Ela sustentou essa imagem, como dito, para o bem do povo e para o bem da imagem de John Kennedy quando o descontentamento da opinião pública começou a crescer. Investiu grande parte do tesouro nacional em uma fundamental restauração da Casa Branca, promovendo a idéia de que, além de uma casa presidencial, era também uma casa do povo e de sua memória, como que abraçar os cidadãos sob as asas de uma grande mãe. Há até um momento no filme em que Jackie diz não entender porque John gastava milhões em uma campanha, mas considerava desperdício gastar com uma obra de arte, como a querer dizer que é impossível desvincular a imagem de um patrimônio. Quanto mais valorizado um, mais será o outro.

Para evitar os boatos de que Jacqueline esbajava o tesouro nacional para motivos pessoais, Nancy incentivou a idéia de promover uma grande visita à Casa Branca, utilizando a televisão como meio de atingir a população e mostrar ao povo que o dinheiro estava sendo investido para manter a memória e a cultura norte-americana. O trabalho resultou no especial da CBS entitulado A Tour Of The White House With Mrs. John F. Kennedy, um documentário apresentado no horário nobre em Fevereiro de 1962, e que Lorrain utiliza em diversos momentos entre cenas reais e reconstituídas.

Todos esses pequenos episódios são mostrados no filme e, mesmo que de forma breve, conseguem ser consistentes, pois preenchem buracos de tal forma a esclarecer que Jacqueline era muito mais do que a imagem explorada de boneca condecorada. Uma produção caprichada, bastante condensada em seus 100 minutos, evitando cair em assuntos que demandassem muitas explicações, por isso um ponto de vista muito objetivo como um relato, não sendo à toa que o ponto de partida é a entrevista que Jacqueline concede. E os pontos fictícios da história, ao invés de serem momentos de futilidade criativa - desses que costumam transformar filmes biográficos em cansativos melodramas para adular uma figura pública - se embasam em questionamentos contraditórios que justamente fazem o oposto: a transformam em uma pessoa mais humana, longe da perfeição que fascina o imaginário comum, muito mais conservadora, perfeccionista e controladora do que se imaginava.

Se ela era uma pessoa realmente preocupada com o legado de seu marido e de uma pátria, ou se seu comportamento era movido por intenções puramente narcisitas, são igualmente dúvidas que o longa constrói do início ao fim, mas que, independente de qual tenha sido a real importância de Jacqueline Kennedy, a conclusão é que ela conseguiu realizar os dois feitos em igual medida.

Mas não é um filme biográfico comum, já que ele não se aprofunda em fatos ou em sua história pessoal antes do assassinato de JFK. Como bem dito por um crítico, ele parece mais um spin-off sobre qualquer filme que fale da tragédia do que uma biografia propriamente dita. Isso não o reduz, pelo contrário, fortifica a imagem de Jacqueline muito mais do que teria feito caso houvesse uma narrativa comum como qualquer outra cinebiografia. Até porque, como a personagem diz no próprio filme ao entrevistador, todo mundo está interessado em saber como foi o barulho da bala ao atravessar o crânio de John Kennedy. E lá está ela para contar.

CONCLUSÃO...
O ponto de vista é claro: houve uma grande importancia de Jacqueline Kennedy no cenário político norteamericano, e para uma mulher que era tida pela opinião pública como uma pessoa frágil e um tanto superficial, ela demonstrou ter dentro de si uma força inquestionável de determinação responsável não apenas por superar uma tragédia, mas também fazer dela uma memória histórica viva, dando um sentido a uma época de incertezas.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

SIMPLES, DELICADO E COMPORTADO...

★★★★★★★☆
Título: Moonlight
Ano: 2016
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Barry Jenkins
Elenco: Mahershala Ali, Janelle Monae, Naomi Harris, Trevante Hodes, Andre Holland
País: Estados Unidos
Duração: 110 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma história sobre auto-descobertas, contando a história de um jovem negro, de sua infância até a vida adulta, ao mesmo tempo que se esforça para encontrar seu lugar no mundo em meio à hostilidade das condições sociais e urbanas na qual vive.

O QUE TENHO A DIZER...
Moonlight é o segundo filme de Barry Jenkins como diretor e roteirista, baseado em um projeto teatral de Tarell Alvin McCraney, escrito em 2003. Entitulada In The Moonlight Black Boys Look Blue (Sob a Luz do Luar Garotos Negros Ficam Azuis), a peça só foi sair do papel uma década depois para servir de base para o roteiro do filme. E em 2013, durante o Festival de Telluride, Jenkins apresentou o roteiro aos executivos da Plan B, produtora de Brad Pitt, a qual aceitou de imediato financiar o projeto.

Não é para menos. O longa tem todos as características e aspectos de outros filmes que a Plan B tem priorizado nos últimos anos, principalmente a roteiros com temáticas raciais e mais autobiográficos, resultando no razoável sucesso de público do filme, de sua popularização e reconhecimento mundial, tal qual os títulos anteriores, como 12 Anos de Escravidão (2013) e Selma (2014).

Mas como um todo, Moonlight nada mais é que um filme simples, delicado nos diversos temas que aborda e extremamente comportado.

A história é centrada no personagem Chiron, e percorrerá as três primeiras grandes fases de sua vida: sua infância, adolescência e a vida adulta jovem. Essa divisão um tanto didática é para facilitar a compreensão de transformação que o personagem sofre ao longo dos anos através de traumas e experiências vividas, estas nem sempre prazerosas. Não chega a ter a profundidade de Boyhood (2014) quando se trata de uma crônica sobre o período da infância até a maturidade, mas consegue ser sucinto. 

Da falta da estrutura familiar por conta de sua mãe viciada em crack até o assédio diariamente sofrido na escola, bem como sua dúvida a respeito de sua sexualidade, a infância de Chiron lhe proporcionou poucos momentos alegres e memoráveis. Graças a ajuda constantemente oferecida por Juan (Mahershala Ali) e sua mulher Teresa (Janelle Monae), e outros raros momentos de diversão e confidência por seu único amigo, Kevin, são esses os responsáveis por dar a ele o escapismo necessário para os eventos de sua vida não parecerem tão brutos.

Tímido, frágil e introspectivo, sua adolescência não foi muito diferente, fazendo com que ele se enfiasse cada vez mais dentro de uma concha para se defender do ambiente hostil em que vivia, ao ponto de confessar a seu amigo que há noites em que ele chora tanto que tem a sensação de ficar seco por dentro, tamanho o sofrimento e a falta de perspectiva. A convivência intimidadora com seus assediadores toma proporções cada vez maiores e mais violentas, ao ponto de Kevin também se tornar uma vítima dessa covardia quando se vê obrigado a bater em Chiron em um momento transformador, aquele em que o protagonista finalmente será tomado por uma onda de fúria engatilhada por anos de repressão e sofrimento. O ambiente como meio modificador do ser.

Por mais que a vida do protagonista seja marcada por episódios difíceis e muito complexos para serem esmiuçados de uma vez, o roteiro pisa em ovos para não ser apelativo, evitando transformar a vida do protagonista em sensacionalismo barato. O sofrimento do personagem é muito mais sentido pelo seu aspecto protuso e retraído, de seu comportamento calado e solitário, do que pelos acontecimentos de fato. O roteiro oferece apenas o necessário para compreendermos os acontecimentos, e tenta distanciar o espectador desses elementos que causam sofrimento justamente para os sentimentos não se sobreporem ao objeto principal, que é Chiron. Isso é observado pelas cenas dramáticas, que nunca se extendem demais nas propostas. Essa abordagem tangente nos aproxima mais do protagonista, nos sensibilizando com suas tristezas e frustrações, criando uma empatia natural por um ponto de vista mais pessoal e humano, longe de ser melodramático. É como se quisesse dizer: ok, a vida de Chiron não é fácil e já sabemos, ele tem forças para continuar e é isso que será mostrado.

Jenkis evita chegar a extremos nos temas que aborda, principalmente quando fala sobre a sexualidade do personagem, algo que, ao contrário do que vem sido comentado, não é o tema central do filme, mas uma das diversas condições paralelas importantes para a maturidade dele, sendo discutida em apenas dois importantes momentos durante todo o filme.

Por um lado esse tipo de abordagem mais superficial sobre tudo deixa claro que não é necessário apertar o torniquete para forçar uma boa narrativa linear, mas ao mesmo tempo mostra a falta de um comprometimento maior em aspectos que poderiam ter dado maior profundidade dramática ao personagem e que evitaria um filme politicamente correto, o que ele se obriga a ser.

Sim, Jenkins não quer ser chocante porque é como se ele solicitasse a aprovação do público, e sua direção é efetiva justamente porque está com as rédeas curtas o tempo todo. Não é comum filmes raciais também abordarem sexualidade justamente por parecer ser muito a ser digerido. Aliás, com excessão da comédia Cara Gente Branca (Dear White People, 2014), não me lembro de um filme abordar isso de maneira mais séria como em Brokeback Mountain (2005), por exemplo. Não com protagonistas negros.

O preconceito ao negro já é grande no cinema e fora dele, mas o preconceito ao negro homossexual é maior ainda, principalmente entre eles mesmos. Por alguns momentos é fácil confundir que a orientação sexual do personagem seja uma consequência social, ao invés de uma dúvida inerente carregada consigo desde sua infância, e isso é consequência do roteiro tratar tudo na tal superficialidade confortável.

Não é um filme corajoso, porque em nenhum momento ele é provocativo, mas é respeitável por tratar de diversas problemáticas que permeiam comunidades, sejam negras ou carentes, não apenas nos Estados Unidos, mas em diversos países onde ainda existe sociedades segregadas por raça ou diferenças de classe. E mesmo na superficialidade, mantendo a história em um platô confortável e pouco polêmico, a narrativa consegue construir um drama sensível de tranformações e descobertas, intensificados por uma cenografia soturna que intensifica essa melancolia arrastada pelo protagonista como uma corrente.

As atuações conseguem ser naturais e convincentes, superando expectativas até mesmo de novatos, como é o caso de Trevante Rhodes, em sua estréia no cinema. Mas, particularmente, questiono as indicações que recebeu nas categorias de Ator e Atriz Coadjuvantes. Mahershala Ali sempre foi um grande e competente ator, agora superexposto depois de viver o vilão Cornell no seriado Luke Cage, mas a curta participação no longa e sua atuação até bastante simples sobre um personagem bastante comum não justificam qualquer favoritismo. O mesmo sobre Naomi Harris, esta que faz um excepcional trabalho, mas pouco explorado na tela por conta da direçao comedista, imagino que seus melhores momentos tenham sido aqueles que ficaram fora da edição final. Sem contar que alguns personagens entram e saem de cena sem sabermos muito deles, como é o caso do casal Juan e Teresa, já que foram referências essenciais na vida do protagonista, o que é uma pena.

O excesso de 8 indicações ao Oscar talvez tenha sido mais pela surpresa sobre o tema do filme (que costuma agradar a banca de críticos) e pela Academia não ter encontrado outros favoritos no seu atual falso engajamento de tentar quebrar as barreiras raciais que historicamente a acompanha.

Um belo feito, de qualquer forma, mas ainda demonstra que o cinema tem de parar de só abrir janelas, mas escancarar portas e derrubar muros aos negros no cenário artístico para que as escolhas sejam feitas não por falta de opção, mas por excesso dela.

CONCLUSÃO...
Embora algo comedido e que não demonstre ter a mesma coragem que seu protagonista, ainda sim é uma bela história contada, mesmo que de maneira um tanto superficial, sobre a trajetória de um personagem verdadeiro, um exemplo de diversos Chirons espalhados pelo mundo, ignorados e pouco compreendidos, e que fazem suas próprias descobertas a grandes tropeços rumo a maturidade.

POR FORA, BELA VIOLA...

★★★★☆
Título: Passageiros (Passengers)
Ano: 2016
Gênero: Comédia, Romance, Ação, Ficção Científica
Classificação: 12 anos
Direção: Morten Tyldum
Elenco: Chris Pratt, Jennifer Lawrence, Michael Sheen, Lawrence Fishburne
País: Estados Unidos
Duração: 116 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Em uma nave espacial que viaja para uma colônia há 120 anos de distância, um dos passageiros acorda 90 anos antes devido ao mal funcionamento de sua capsula de hibernação.

O QUE TENHO A DIZER...
Assim que Passageiros começa, é fácil associá-lo a idéias de outras fições espaciais recentes como Lunar (Moon, 2009), Gravidade (Gravity, 2013) e Perdido em Marte (The Martian, 2015). Três filmes em que protagonistas solitários devem sobreviver a diversas dificuldades, seja à deriva no espaço ou em um planeta inóspito.

Mas imagine pegar a idéia desses filmes e, ao invés de um protagonista solitário, colocar um par romântico no espaço, interpretados pelos dois mais belos, mais populares, mais caros e mais bajulados atores da atualidade numa historieta de amor inusitada, uma novela espacial que aparente ser diferente, mas no fundo é apenas mais do mesmo com um visual futurista, e cheio de efeitos especiais para tirar o filme do rótulo de "comédia romântica comum".

É isso que é o novo filme do diretor Morten Tyldum (de O Jogo da Imitação), apenas um produto reciclado de outros produtos, mas cheio de "isso" e "aquilo outro" para deixar a história mais atraente, dinâmica e exageradamente vendável. E até que consegue em certo ponto, já que o nível de absurdos é tão grande que, com excessão de filmes eróticos espaciais, não me lembro de existir algo parecido assim.

O enredo é uma nave espacial com 5 mil passageiros em hibernação com destino a um novo planeta habitável, em uma viagem que durará mais de 100 anos. Por um erro do sistema, uma das cápsulas de hibernação acorda o engenheiro Jim (Chris Pratt) "apenas" 90 anos antes. A situação é desesperadora por si só, mas com o passar dos dias o protagonista se acostuma com a idéia e se ocupa com tudo aquilo que a nave pode oferecer para o tipo de passagem que ele pagou, e que, no caso, é obviamente uma passagem econômica. Jim não tem acesso a tudo, sua cabine não é uma das melhores e ele nem pode comer uma refeição decente, mas ele se vira como pode e se diverte na medida do possível para passar o tempo oscioso que durará uma vida.

Enquanto os outros filmes exploram o lado mais dramático disso tudo, Passageiros tenta fazer o contrário, pelo menos a princípio, e Chris Pratt tem charme o suficiente para dar conta desse recado mais cômico enquanto esta situação dura.

Só que um ano se passa, e a situação fica diferente e agustiante. A solidão e o confinamento de Jim começam a afetá-lo psiquica e emocionalmente. Sofrendo de depressão e ansiedade, o desespero o faz ter uma idéia um tanto criminosa e egoísta: sabotar a cápsula de Aurora (Jennifer Lawrence) para que ela possa lhe fazer companhia, passageira pela qual se apaixonou ao vê-la em sua cápsula bela como a Bela Adormecida, e cuja tentação foi maior ainda quando investigou arquivos pessoais dela e leu livros que ela havia escrito enquanto morava na Terra. É... tipo um stalker.

Até então o roteiro se apresentava razoável na sua proposta, mesmo que um tanto arrastado e cobrindo um tempo longo demais nas peripécias de Jim enquanto sozinho na gigantesca nave. Depois que Aurora acorda, a segunda parte do filme tem início, e por mais que fosse uma variável de um mesmo tema, ainda sim a situação de ambos causava uma boa impressão de "novidade".

A situação romântica já é prescrita no filme, bem como é previsto que Aurora irá descobrir em algum momento que Jim sabotou sua capsula. Esse conflito é a grande expectativa que o filme deveria ter construído, pois seria o grande e interessante revés na trama caso as coisas não perdessem o foco em eventos aleatórios que começam a acontecer, colocando em risco não apenas a vida do casal, mas também a dos tripulantes e passageiros em hibernação.

É nessa terceira parte que o que havia de cativante no roteiro se torna desperdiçado, dando lugar a sequências de ação, explosões e cenas espaciais externas desnecessárias para servir de argumento fajuto de reaproximação dos dois, e também para acelerar o ritmo, compensando a inabilidade do roteiro de desenvolver a história do casal de maneira mais natural e convincente, ou sustentar seus conflitos de maneira consistente. E claro, para também ser motivo de se tornarem os heróis espaciais dessa jornada romântica. Uma bobagem dispensável.

A história se perde em gêneros e intenções, pois fica mais preocupada em ser um grande sucesso do que algo simples e apreciável. Claro, a intenção não é ser complexo como 2001, e também não há nada de errado em ser algo mais acessível, superficial e estereotipado como costumam ser as comédias românticas ou dramas conjugais. Mas os exageros não se encaixam, como, por exemplo, o filme ter tido cópias em 3D para visualmente encarecer a proposta sem qualquer necessidade. Outra coisa é que, até agora, não consegui entender a participação de Lawrence Fishburne, uma aparição repentina apenas para dar a pobre desculpa de que um homem desesperado tenta arrastar outros no seu desespero, pobremente endossando a atitude de Jim. A aparição de Fishburne dura muito pouco para nada acrescentar, quando seu personagem poderia ter sido a solução para todos os problemas, e assim a produção poderia ter economizado nos efeitos especiais e a história teria tido um final muito mais feliz e satisfatório do que pássaros e galinhas no cenário.

Sim, o design de produção e a fotografia do filme chamam atenção, conseguindo até uma indicação ao Oscar, mas são grandiosos demais para um filme com apenas dois personagens efetivos e subaproveitados, mais uma prova de compensação de um roteiro fraco e indefinido. Sem contar os grandes absurdos que fogem de qualquer lógica física ou biológica, mas que nem vale a pena comentar porque não caberiam nessa postagem, e faria o filme extrapolar qualquer senso do que seja uma ficção.

CONCLUSÃO...
É o exemplo do erro clássico dos filmes de grande orçamento: pegar uma boa história e destruí-la sem qualquer fundamento para a pretensão do sucesso. Pena que nem para isso serviu, já que o filme foi um total fracasso, tanto de público, quanto de crítica. E mesmo assim Hollywood não aprende.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

DEIXE-SE LEVAR...

★★★★★★★★☆
Título: La La Land
Ano: 2016
Gênero: Comédia, Romance, Musical
Classificação: 12 anos
Direção: Damien Chazelle
Elenco: Ryan Gosling, Emma Stone, J.K. Simons, John Legend
País: Estados Unidos
Duração: 128 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um pianista se apaixona por uma aspirante a atriz, e ambos tentam conciliar o romance que cresce ao mesmo tempo que os sonhos individuais se engrandecem.

O QUE TENHO A DIZER...
Logo no começo do filme é óbvio e notório sua intenção de resgatar uma época ao aparecer a conhecida marca "Filmado em CinemaScope", tecnologia utilizada nas décadas de 50 e 60 para capturar imagens em widescreen, formato que hoje é acessível até mesmo na televisão. Época, inclusive, da grande era comercial dos musicais de Hollywood.

De Fred Astaire a Gene Kelly, de Bob Fosse a Rob Marshall, de Mary Poppins a Glee... Damien Chazelle não hesita em mostrar logo no início que o seu produto é o resultado de todo esse background. E que, de alguma forma, aquilo é a evolução natural dos musicais: o hoje definitivo daquilo que o gênero um dia iria se tornar.

Mesmo que a intenção seja resgatar/homenagear/referenciar uma época, essa época nunca é definida de fato, tanto no filme, quanto nas suas referências. Sim, há celulares e Toyota Prius, mas sempre algum objeto, uma roupa, uma música, ou uma situação estão dispostos a contradizer isso, como no momento da festa 80tista, em que há uma banda tocando synthpop, e logo na sequência os protagonistas estão em um mirante, como se tivessem voltado aos anos 50.

Essa mistura de tempos e épocas é observado na longa sequência sem cortes de sua abertura, com diferentes carros que, assim como mencionei antes, vagam em referências que atravessam décadas. E nos diferentes estilos, cores e formas, o cenário é uma ponte congestionada em Los Angeles, num misto de veículos que outrora marcaram um período, mas que estão no cenário agora para simbolicamente representar uma história que pretende ser atemporal. E então, de algumas batidas eletrônicas que saem de um SUV branco até desaparecerem completamente numa outra introdução musical, uma garota resolve sair do carro cantarolando e fazendo de tudo uma grande festa, arrastando com ela todas as pessoas entediadas em seus carros para celebrar a vida em mais um dia, em um surrealismo típico dos mais comerciais dos musicais.

Mas o diretor liga o ventilador na potência máxima para "gleematizar" o ambiente e atrair o público atual mais pelo gigante espetáculo do que pela sua consistência. Gente jovem, colorida, feliz e reunida, cantando e amassando capôs de carros, talvez como seus próprios pais um dia fizeram em Grease junto com Travolta e Newton John. A experiência é megalomaníaca, com centenas de figurantes numa coreografia que remete muito mais a um massivo flash mob do que algo mais fluido e natural que se esperaria numa fantasia musical. E de repente o baú de um caminhão é aberto, e lá está uma banda que toca para uma roda de pessoas improvisando no street dance. Da dança de salão à dança contemporânea e urbana, as coreografias também se diversificam.

Não há como ignorar que tudo se recusa a ser mantido em um padrão. A intenção de Chazelle é atirar para todos os lados, pois a premissa é a mesma em todos os quesitos: escolher exemplos extremos e trabalhar com tudo que existe entre um e outro. Isso acaba sendo um grande trunfo para a experiência nostálgica, mas ao mesmo tempo um grande defeito, pois não há identidade própria. Tudo tenta forçar uma mágica, porque nada nele é de fato genuíno, embora consiga ser uma experiência prazerosa mesmo assim.

E então os letreiros aparecem para mostrar o título do filme, situando o espectador de que ele está numa terra movida à música e sonhos, incluindo Mia (Emma Stone), a heroína da história. Uma aspirante a atriz que, ao contrário dos demais, se manteve dentro do carro decorando as falas para um teste, enquanto o músico Sebastian (Ryan Gosling), o perturbado herói, buzina freneticamente para que ela lhe dê passagem. E tão inusitado quanto os eventos musicais, é assim que a epopéia romântica dos dois tem início, ao mesmo tempo que cada um deles busca seu sonho particular em Hollywood: ela em ser famosa, ele em ter uma casa de Jazz.

Mesmo com um início bastante tumultuado e exagerado para impressionar, a verdade é que o filme . nada manterá disso tudo, sendo bastante diferente daquilo que vem sido promovido ou comentado. Longe de ser um Across The Universe (2007), ou um Mama Mia! (2008), onde cada frase é motivo para um grande video clip, se você não é do tipo que gosta de musicais, não se deixe enganar pelo preconceito, dê oportunidade para se deixar levar, descobrindo o seu charme e perceber que, na verdade, os números musicais se enfraquecem ao longo dos 128 minutos, pois não são os elementos principais, mas apenas artifícios fantasiosos para complementar a história e deixar a narrativa mais leve e simpática.

Há um momento no filme em que é dito que, se não há evolução de um gênero para que o público atual possa apreciá-lo, então o gênero morre. E Chazelle segue isso à risca, e por isso esse excesso de referências a clássicos, para mostrar ao público atual e imediatista de que esses gêneros não morreram, apenas se transformam com o tempo. Uma idéia que realmente se opõe aos mais tradicionalistas, e talvez seja por isso que o filme tenha gerado gostos e desgostos por aí. 

A repercussão do filme começou por parte dos críticos, quando o longa não tinha perspectiva alguma de sucesso. Eles entenderam essa grande homenagem e os esforços do diretor em realizá-lo aos moldes clássicos, com cenas musicais em plano sequência, coreografias que interagem com espaçosos cenários, e uma história simples e bonitinha que cativa o público. O ponto de vista mais contemporâneo funciona, tornando-se uma surpresa inesperada tal como foi com Moulin Rouge em 2001, e o ressurgimento do estilo musical que acontece de tempos em tempos desde então.

Mas acima de tudo, La La Land ainda contém muito daquele ranso que Hollywood adora ovacionar, referenciando ela mesma de maneira exuberante para se mostrar bonita no comércio um tanto decadente de idéias. É a reciclagem sustentável, o exercício narcisístico no qual ela sempre se propõe, e que o público compra e engole sem digerir.

A produção se beneficia do casal protagonista, já que os dois atores são hoje considerados as grandes estrelas de suas gerações. São talentosos de fato, e isso é válido. Seja Emma Stone que se esforça para sair de suas zonas de conforto, tal qual fez em Birdman (2014), seja Ryan Gosling, que sempre deu preferência a papéis desafiadores àqueles que pudessem aumentar seu caché. Aqui, em particular, Gosling fez questão de decorar as sequências em piano para tocar de verdade, sem dublês ou truques.

Nenhum dos dois atores são exuberantes e de rara beleza plástica. Nenhum dos dois canta bem, tanto que suas canções são sempre sussuradas, às vezes até difícil de entender, abolindo notas muito altas para evitar o desafino. Nenhum dos dois também são Fred Astaire e Ginger Rogers na dança. Mas existe o elemento natural que cativa. Não vemos na tela duas grandes estrelas escaladas para fingir um espetáculo de sucesso, mas duas pessoas comuns em plena sintonia, dando o melhor de si para tudo funcionar e fazer algo comum ser visto como um sucesso. Mia e Sebastian são dois personagens frágeis, humanos e verdadeiros. E se tem uma coisa bela em La La Land, são exatamente os momentos em que ele é simples.

O longa tem seus méritos, suas belezas e particularidades, e apesar de um começo pretencioso, consegue achar seu tom e seguir fiel na sua proposta romântica e sonhadora, mas muito dele funciona melhor quando não cantado, algo que felizmente é sua maior parte. Sem percebermos La La Land passa de um musical para uma comédia romântica tradicional, e desencadeia para um ato final dramático diferente, que irá contra a expectativa de muitos, mas ainda tem seu "quê" poético e a liberdade do espectador dar sua própria continuidade. As canções, quando surgem, em geral são fracas e descartáveis, no sentido de funcionarem apenas para aquele momento e nada mais. Não é algo que se mantém vivo, de sair do filme cantarolando trechos. O que fica na memória é, sem dúvida, a melodia que se torna a vida de ambos.

Assim como O Artista (The Artist, 2011) resgatou o cinema mudo aos dias atuais para ser uma grande homenagem e auto-referência de Hollywood, o novo filme de Damien Chazelle faz o mesmo com os musicais e as comédias românticas de situações dos anos 50. mas não consegue se bem suceder em alguma delas com efetividade, até porque não há nenhum desses estilos feito com efetividade. Mas de alguma forma tem seu encanto.

Como dito, não soa original, e comparado a outros concorrentes, La La Land talvez seja o mais água com açucar deles, mas é exatamente aquilo que Hollywood gosta, e exatamente aquilo que toca o público que o procura.

CONCLUSÃO...
O favoritismo do filme é grande e seu número recorde de indicações ao Oscar se justifica facilmente porque ele realmente tem qualidade em todas as 14 categorias, mas não signifca que seja o melhor em todas elas. É uma produção trabalhosa por excelência, um belo filme, cheio de momentos bastante satisfatórios muito mais por conta dos atores e da agradável fotografia. Nada mais que um bolo simples, mas bem feito, com apenas uma cereja no topo.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

OUTROS PODERES, MESMA FÓRMULA...

★★★★★★☆☆☆☆
Título: Doutor Estranho (Doctor Strange)
Ano: 2016
Gênero: Ação, Super Herói, Fantasia
Classificação: 12 anos
Direção: Scott Derrickson
Elenco: Benedict Cumberbatch, Chiwetel Ejiofor, Tilda Swinton, Rachel McAdams, Mads Mikkelsen
País: Estados Unidos
Duração: 115 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Dr. Stephen Strange é o mais renomado e popular neurocirurgião que se tem notícia. Conhecido por seus diagnósticos cirúrgicos precisos, sofre de um egocentrismo e de uma arrogância que não conseguem fazê-lo aceitar sua derrocada profissional ao perder os movimentos das mãos após um sério acidente. Destemido a encontrar uma cura ou solução para isso, acaba descobrindo um mundo místico além de sua própria imaginação.

O QUE TENHO A DIZER...
Se tem algo realmente chamativo em Doutor Estranho é sua estética. Cenários, figurino e maquiagem, há uma mistura de influências que vaga entre cultura tibetana, celta e samurai. Visualmente, tudo é bem pensado, e a personalidade do protagonista é um dos melhores do universo Marvel no cinema. Nada mal para o primeiro herói místico da Marvel a ter seu próprio filme, a segunda parte da Terceira Fase do Universo Cinemático do selo.

Mas no fim, quando o longa deveria ser um diferencial, na verdade é mais do mesmo, que bebe da mesma fonte e do mesmo tipo de desenvolvimento de todos os filmes da marca. Há um personagem em crise existencial, há uma crise amorosa, há um poder a ser descoberto, há um mentor dedicado e um vilão de proporções universais que o herói deverá combater, além de aprender em poucas horas muito do que seu mentor demorou a eternidade para dominar.

A fórmula da Marvel é algo que ainda funciona, embora já esteja cansada. O que ainda leva as pessoas aos cinemas para verem seus filmes é a continuidade de seu universo e os finais que engatam com algum filme seguinte, tal como é comum nos quadrinhos. Mas Estranho poderia ter sido um tipo diferente, algo mais centrado e adulto tal como a Marvel tem sido na televisão. Tanto é assim que o protagonista é vivido por Benedict Cumberbatch, um dos atores britânicos mais em voga nos últimos anos, um tipo peculiar e de aparência excêntrica, que consegue fazer do personagem algo interessante, mas que o roteiro sempre peca ao tentar arrancar de sua sisuda fisionomia alguma piada. Tilda Swinton volta a repetir um papel exótico e andrógeno, mas que pouco acrescenta na história como deveria. Sua personagem é apresentada como um grande trunfo, engraçada em sua peculiaridade e extremamente poderosa, mas que definha e se torna efêmera no momento em que ela mais crescia.

Faz parte da fórmula Marvel os alívios cômicos e batalhas épicas. As batalhas funcionam, mas o humor aqui é fraco, às vezes constrangedor na sua falta de tempo ou no excesso de cliché, pois se tornaram previsíveis em filmes de super heróis. Nos diálogos não é sempre que funcionam, sobrando para a Capa da Levitação a função mais efetiva, como um mascote.

A história se destaca nos momentos em que não existe a força bruta, algo que poderia ter sido deixado de lado por aqui, já que os personagens deveriam lidar muito mais com a sabedoria e a lógica, como acontece em raros momentos. E é basicamente dessa forma como o herói consegue, digamos, vencer o vilão. Mas o final não tem impacto, não se encerra de forma grandiosa e satisfatória como se espera. Percebe-se que o filme queima todos seus cartuchos muito rápido. Talvez, por isso, que não tenha apenas um final, mas três.

Contando com os dois pós-créditos, além de uma frase afirmando que o personagem retornará, isso tudo é muita insistência para pouco espaço, e apenas reafirma que o filme, desde o princípio, nunca foi tratado como uma certeza de sucesso, como foi com outros heróis antes dele. Isso explica a morna receptividade apesar do sucesso de público, o breve impacto que ele causou na imprensa e os excessos visuais.

Estranho é, sem dúvida, visualmente deslumbrante em seus efeitos especiais psicodélicos e caldeidoscópicos. O feito realizado por essa equipe técnica é até inovadora no quesito. É algo similar ao que já foi visto em A Origem (Inception, 2010), só que melhorado. E se a vontade de assisti-lo novamente surgir, será para ver detalhes das cenas de quebra de dimensões, como acontece logo no início do longa, ou até mesmo no fim, na quebra de tempo, quando toda a ação ocorre em meio a uma Hong Kong acontecendo de frente para trás, após um leviano ataque.

CONCLUSÃO...
É um filme agradável e divertido, mas vazio, sem impacto ou emoção, mesmo que com um elenco especialista nisso. E pelo andar da carruagem, terá que se beneficiar de outros heróis mais conhecidos para conquistar o seu próprio público no futuro, como deixa a entender um de seus pós-créditos..

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

POR TRÁS DOS MEMES DE "VIOLA DAVIS"...

Nos últimos dias tem corrido pelas redes sociais memes ovacionando a terceira indicação de Viola Davis ao Oscar, bem como sua quinta estatueta no Screen Actors Guild (SAG), como um marco "histórico". A intenção é querer promover a idéia de que o cenário artístico tem mudado, e que negros podem, sim, serem bem sucedidos no cinema e lembrados nas premiações com recorrência.

O cenário é Estados Unidos e o Oscar, onde aproximadamente 14% da população se considera negra, não havendo estimativas claras de quantos exercem a função de ator. Sabe-se que, segundo a Directos Guild Of America (DGA) aproximadamente 6% dos diretores em Hollywood são negros. Porém, deve-se lembrar que a situação é similar em diversos outros países, incluindo o Brasil, onde os negros atingem a maioria de aproximadamente 54% da população, mas essa proporção igualmente não é vista na TV ou no cinema.

Segundo um estudo levantado pela Media, Diversity, & Social Change Initiative, de 100 filmes analisados em 2014, 73% dos atores eram brancos, e apenas 12,5% eram negros. Seria proporcional à população norteamericana, porém o estudo pontua que a mistura não é homogênea, já que há total ausência de personagens negros na maioria dos filmes produzidos, e essa porcentagem é atingida por conta de poucas produções com elenco predominantemente negro. O estudo vai muito além, e esse dado é apenas um exemplo macro da dissiparidade racial no cinema.

Compartilhar memes e artigos sobre o feito de Viola Davis pode soar como um incrível serviço social de inclusão, mudança de comportamento e diversidade (só a palavra "inclusão" já reafirma a discriminação), mas o que as pessoas que fazem isso - em sua maioria brancas - pouco sabem (ou não percebem) é que, por trás desta tal celebração, existe uma velada manutenção do racismo e da segregação, porque as indicações a negros sempre soa como um mero prêmio de consolação quando analisamos que, nos últimos 30 anos, apenas 44 negros (homens e mulheres) foram indicados ao prêmio, enquanto os brancos (homens e mulheres) atingem 556. Agora, imaginem essa mesma estatística atualizada em 89 anos da premiação?

Não precisa pensar muito para saber a resposta.

O Oscar existe desde 1929. A primeira negra a concorrer e ganhar a estatueta foi Hattie McDaniel, por ...E O Vento Levou, em 1940. Hattie interpretou uma ex-escrava que, fosse na abastança ou na fome em Tara, adorava servir Scarlet O'hara (Vivian Leigh), pois essa era a forma como Hollywood representava a sociedade naquela época, de que ser um negro servil era agradável, como também se vê em A Canção do Sul (1946), da Disney, na clássica cena racista de um senhor negro cantando uma canção de como era agradável ser escravo. Logo, a atriz se tornou o primeiro grande símbolo racial das grandes premiações, e a partir de então, nomear um negro é sempre um espetáculo à parte até hoje, tamanha a raridade da ocasião, quando esta deveria ser tão corriqueira quanto são com os brancos.

Recentemente o IMDb listou os "12 atores/atrizes mais indicados de todos os tempos". Todos brancos, diga-se de passagem, mas esse termo separatista não existe no título. Nem mesmo Denzel Washington conseguiu figurar na lista, ele que já foi indicado 7 vezes e venceu duas. Talvez ele entre em uma futura lista dos "12 atores/atrizes negros mais indicados de todos os tempos", porque nesse caso, sim, o separatismo será válido.

É uma incógnita o meme da vez ser Viola Davis. Talvez seja pela sua popularidade no seriado How To Get Away With Murder, porque antes dele, quase ninguém sabia de sua existência. Talvez pelo amadrinhamento de Meryl Streep quando esta a elogiou no palco da premiação, em 2009, sobre sua performance em Dúvida (2008), dizendo que a Academia deveria abrir os olhos para o talento de Viola, algo que, diga-se de passagem, funcionou. E a Academia encontrou na atriz o exemplo próspero de seu suposto engajamento racial, e as pessoas comparam a idéia sem titubear.

A única coisa que sabemos é que o compartilhamento massivo de uma idéia rasa emburrece, e ao invés de ajudar, atrapalha.

Viola, além de ser negra, se tornou o adjunto adnominal "mulher negra". Não que ela não seja, mas agora sentem a necessidade de rotulá-la dessa forma, como se ela fosse uma excessão não apenas pela raça, mas também pelo gênero. Esse rótulo divulga a impressão de que ter outra cor não é fácil, mas ter outra cor e ser mulher, é mais difícil ainda. Engraçado porque não rotulam Meryl Streep como a primeira "mulher branca" a concorrer 20 vezes ao Oscar. Claro, porque para o branco essa dificuldade não existe. E é então que o racismo e a segregação grita em algo que parece simples e inofensivo na forma de um termo equivocado.

Assim como Hattie foi rotulada como a primeira "mulher negra" a vencer o Oscar de coadjuvante em 1940, o ciclo agora se repete com Viola sendo rotulada como a primeira "mulher negra" a concorrer 3 vezes, mesmo nunca tendo ganho (ainda). Da mesma forma como esse ciclo igualmente se repetiu quando Halle Barry foi - e ainda é - considerada a primeira "mulher negra" a vencer como atriz principal em 2002.

Rótulos que emergem para causar a falsa impressão de conquista e de que o negro, finalmente, está tendo as mesmas oportunidades que os brancos. Mas no fundo é apenas a idéia do "esforço dobrado" que se solidificou de maneira inconsciente na sociedade: o ator tem de demonstrar capacidade, mas o ator negro tem de demonstrar o dobro. Em outras palavras: mais do que ganhar um troféu, é um negro ganhar o troféu.

E assim Hollywood concede sucesso não apenas às centenas de brancos, mas às meia dúzias de "homens negros" e "mulheres negras" que assim fizeram por merecer, numa proporção que, para eles, é suficiente. E a sociedade, no geral, julga isso algo saudável porque não analisa a situação além da superficialidade.

Não me espantaria se ano que vem surgisse uma nova "mulher" "negra" "mais jovem" da premiação, assim como aconteceu com Quvenzhané Wallis, em 2013, ou Viola ser lembrada em algum futuro como a primeira "mulher" "negra" "mais velha" a ganhar um troféu. Claro, porque todos os brancos não precisam ser rotulados dessa forma, seja Tatum O'Neal, a primeira atriz mais jovem a vencer, ou Gloria Stuart, a primeira atriz mais velha a concorrer. Mas ambas, sem o rótulo "mulheres brancas", porque é desnecessário.

Celebrar a terceira indicação de Viola pode parecer interessante, mas não é quando também analisamos o fato de que os negros indicados ao prêmio parecem ser sempre os mesmos, como é o caso da própria Viola Davis, de Denzel Washington, Morgan Freeman, Djimon Houson, Will Smith, ou Otavia Spencer, esta que por sinal é da mesma geração de Viola. Eles são as excessões do cenário, os exemplos efetivos e cativos da participação negra nas premiações.

Sério. Não existem outros negros que concorreram ao Oscar mais de uma vez desde o final dos anos 80 além deles, enquanto entre os atores brancos a lista é vasta e atinge a casa dos cem, já que, todo ano, no mínimo um ator/atriz branco já foi indicado no passado. Só esse ano temos 11 artistas brancos que já concorreram anteriormente, e apenas 3 negros que já foram indicados nos últimos 10 anos.

Nesses últimos 30 anos, as únicas 44 indicações de negros nas categorias principais e coadjuvantes, 21 delas é conquista apenas desses seis atores, as demais são de 22 artistas que receberam apenas uma indicação em toda a vida, muitos dos quais hoje amargam em produções esquecíveis ou estão se aposentando aos poucos. Sem contar que esses únicos negros a serem indicados com recorrência são indicados ha tantos anos que já estão até velhos.

Um número inexpressivo e chocante quando novamente comparado com a variedade de atores brancos recorrentes ou não recorrentes nas mesmas categorias.

E então tem gente que justifica dizendo que talento não tem raça, como muito se lê pelas redes sociais, e que a Academia não tem culpa de nomear mais brancos quando estes demonstram maior talento, segundo os mesmos.

O que essas pessoas esquecem é que talento só é visto quando se tem oportunidades. E as oportunidades para os negros é evidentemente escassa, algo que se reflete nas premiações. De 80% a 90% dos filmes produzidos em um ano são escalados apenas atores brancos para os papéis principais, sobrando pouco espaço para os negros. Para os negros, o que geralmente sobra são papéis coadjuvantes estereotipados (escravos, vítimas de preconceito, pastelões cômicos, etc). Basta observar que, nos últimos 30 anos, apenas uma atriz negra venceu o prêmio principal e quatro negras venceram como coadjuvante. Em TRINTA ANOS! Valendo lembrar que, se não for todos, a maioria em papéis que se encaixam nos estereótipos citados, e nisso também inclui os homens.

Não se deve celebrar o fato de uma negra ser indicada pela terceira vez, mas deve-se celebrar aquelas atrizes que chegam à premiação pela primeira vez, como Naomi Harris ou Ruth Nega neste ano. Ou também celebrar o fato de que, 89 anos depois, esta será a primeira edição a ter seis atores negros na disputa, um recorde quando comparado aos anos anteriores. Mas ainda pouco, quando comparado com os outros 24 brancos que os acompanham nessas categorias.

Nos anos de 1987, 1989, 1992, 1996, 1998, 1999, 2001, 2008, 2011, 2015 e 2016 nenhum negro concorreu nas categorias de ator/atriz. Será que não houve nenhuma produção com um ator negro sequer, e com talento suficiente? Ou será que eles foram ignorados pela Academia?

A própria Viola Davis afirmou que o problema do racismo não é o Oscar, mas Hollywood. Será que é só isso mesmo? Ou será que ela afirma isso apenas para manter uma boa política? Porque dos 6 mil membros habilitados a votar na Academia, 94% deles são brancos.

Portanto, em um ano onde muitas pessoas tem ovacionado Viola Davis, resolvi não apenas discursar sobre isso, mas também fazer uma longa estatística para analisar como foi os últimos 30 anos para os atores negros na premiação utilizando o IMDb como fonte, vista ano a ano. A princípio era para eu ter feito apenas dos últimos 10 anos, mas a curiosidade acabou arrastando para três décadas. E os números não mentem, e o problema do racismo no cinema, tanto em Hollywood, quanto em outros países, é preocupante, e não simplesmente uma "questão polêmica banal" ou vitimizante.

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Em 30 anos, de 600 indicados (100%):
.556 brancos (92,66%)
.44 negros (7,33%)

Em 30 anos, de 600 indicados (100%):
.135 homens brancos indicados a Melhor Ator (22,5%)
.15 homens negros indicados a Melhor Ator (2,5%)
.144 mulheres brancas indicadas a Melhor Atriz (24%)
.6 mulheres negras indicadas a Melhor Atriz (1%)
.138 homens brancos indicados a Melhor Ator Coadjuvante (23%)
.12 homens negros indicados a Melhor Ator Coadjuvante (2%)
.139 mulheres brancas indicadas a Melhor Atriz Coadjuvante (23,16%)
.11 mulheres negras indicadas a Melhor Atriz Coadjuvante (1,83%)

Em 30 anos, de 300 homens indicados (100%):
.273 brancos (91%)
.27 negros (9%)

Em 30 anos, de 300 mulheres indicadas (100%):
.283 mulheres brancas (94,33)
.17 mulheres negras (5,66%)

Em 30 anos, de 60 vencedores homens (100%):
.56 brancos (93%)
.4 negros (7%)

Em 30 anos, de 60 vencedoras mulheres (100%):
.55 brancas (91,66%)
.5 negras (8,3%)

Em 30 anos, de 30 vencedores de Melhor Ator (100%):
.28 brancos (93,33%)
.2 negros (6,66%)

Em 30 anos, de 30 vencedores de Melhor Ator Coadjuvante (100%):
.28 brancos (93,33%)
.2 negros (8,3%)

Em 30 anos, de 30 vencedoras de Melhor Atriz (100%):
.29 brancas (96,66%)
.1 branca (3,33%)

Em 30 anos, de 30 vencedoras de Melhor Atriz Coadjuvante (100%):
.26 brancas (86,66%)
.4 negras (13,33%)

Em 30 anos, dos 44 negros indicados (100%):
.7 indicações a Denzel Washington (16,27%)
.5 indicações a Morgan Freeman (11,62%)
.3 indicações a Viola Davis (6,97%)
.2 indicações a Djimon Hounsou (4,65%)
.2 indicações a Will Smith (4,65%)
.2 indicações a Octavia Spencer (4,65%)
.22 indicações não repetidas (51,16%)

LISTA DE ATORES NEGROS INDICADOS (E VENCEDORES), NOS ÚLTIMOS 30 ANOS
Melhor Ator (15 indicados = 5 Denzel Washington; 3 Morgan Freeman; 2 Will Smith; 5 variações; 2 vencedores):
-2017: Denzel Washington
-2016: -
-2015: -
-2014: Chiwetel Ejiofor
-2013: Denzel Washington
-2012: -
-2011: -
-2010: Morgan Freeman
-2009: -
-2008: -
-2007: Forest Whitaker (Vencedor)
            Will Smith
-2006: Terrence Howard
-2005: Jamie Foxx (Vencedor)
-2004: -
-2003: -
-2002: Denzel Washington (Vencedor)
            Will Smith
-2001: -
-2000: Denzel Washington
-1999: -
-1998: -
-1997: -
-1996: -
-1995: Morgan Freeman
-1994: Laurence Fishburne
-1993: Denzel Washington
-1992: -
-1991: -
-1990: Morgan Freeman
-1989: -
-1988: -
-1987: -

Melhor Atriz (6 indicadas = 6 variações; 1 vencedora):
-2017: Ruth Negga
-2016: -
-2015: -
-2014: -
-2013: Quvenzhané Wallis
-2012: Viola Davis
-2011: -
-2010: Gabourey Sidibe
-2009: -
-2008: -
-2007: -
-2006: -
-2005: -
-2004: -
-2003: -
-2002: Halle Berry (Vencedora)
-2001: -
-2000: -
-1999: -
-1998: -
-1997: -
-1996: -
-1995: -
-1994: Angela Bassett
-1993: -
-1992: -
-1991: -
-1990: -
-1989: -
-1988: -
-1987: -

Melhor Ator Coadjuvante (12 indicados = 2 Denzel Washington; 2 Morgan Freeman; 2 Djimon Hounsou; 6 variações; 2 vencedores)
-2017: Mahershala Ali
-2016: -
-2015: -
-2014: Barkhad Abdi
-2013: -
-2012: -
-2011: -
-2010: -
-2009: -
-2008: -
-2007: Djimon Hounsou
-2006: -
-2005: Morgan Freeman (Vencedor)
-2004: Djimon Hounsou
-2003: -
-2002: -
-2001: -
-2000: Michael Clarke Duncan
-1999: -
-1998: -
-1997: Cuba Gooding Jr.
-1996: -
-1995: Samuel L. Jackson
-1994: -
-1993: Jaye Davidson
-1992: -
-1991: -
-1990: Denzel Washington (Vencedor)
-1989: -
-1988: Morgan Freeman
            Denzel Washington
-1987: -

Melhor Atriz Coadjuvante (11 indicadas = 2 Viola Davis; 2 Octavia Spencer; 7 variações; 4 vencedoras:
-2017: Viola Davis
            Naomi Harris
            Octavia Spencer 
-2016: -
-2015: -
-2014: Lupita Nyong'o (Vencedora)
-2013: -
-2012: Octavia Spencer
-2011: -
-2010: Mo'Nique (Vencedora)
-2009: Viola Davis
-2008: -
-2007: Jennifer Hudson (Vencedora)
-2006: 
-2005: Sophie Okonedo
-2004: 
-2003: Queen Latifah
-2002: -
-2001: -
-2000: -
-1999: -
-1998: -
-1997: -
-1996: -
-1995: -
-1994: -
-1993: -
-1992: -
-1991: Whoopi Goldberg (Vencedora)
-1990: -
-1989: -
-1988: -
-1987: -
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