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quinta-feira, 26 de junho de 2014

POR QUE ELA MERECE VOLTAR?

★★★★★★★★★
Título: The Comeback
Ano: 2005
Gênero: Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Michael Patrick King
Elenco: Lisa Kudrow, Damian Young, Malin Akerman, Robert Bagnell, Lance Barber, Laura Silverman, Bayne Gibby
País: Estados Unidos
Duração: 25 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Valerie Cherish quer a todo custo reconquistar o sucesso depois de uma carreira morta há 15 anos.

O QUE TENHO A DIZER...
The Comeback foi um seriado criado, escrito e produzido por Michael Patrick King e Lisa Kudrow. Michael foi diretor, roteirista e produtor de Sex And The City, e Lisa foi estrela de Friends. O seriado foi lançado no canal HBO um ano após o término desses dois enormes sucessos, além de o primeiro e único na história da HBO a ser cancelado logo na primeira temporada. A explicação dada foi os baixos índices de audiência, já que a emissora havia tido três grandes sucessos consecutivos (Six Feet Under, Sex And The City e Os Sopranos). A princípio recebeu opiniões mistas, mas depois que o seriado finalmente engatou e voltou a chamar atenção ao concorrer a três Emmys, os críticos e o público resolveram dar uma segunda chance e analisar o seriado com mais calma. Foi então que, em 2012, a Entertainment Weekly o listou entre os 10 melhores seriados dos últimos dez anos, além de colocá-lo na posição 75 na lista de novos clássicos, o que novamente chamou atenção do novo público e praticamente virou uma campanha bastante atrasada para seu retorno.

Por conta da curiosidade tardia do público, The Comeback foi um dos raros casos em que o sucesso posterior foi maior do que durante sua exibição original, tanto em venda de DVDs como nas exibições "on demand" da HBO. Após a divulgação da Entertainment Weekly, ainda em 2012, a Writers Guild Foundation convidou Lisa Kudrow e Michael Patrick para darem uma coletiva de mais de duas horas a escritores e estudantes para falarem sobre o seriado e todo o processo criativo no desenvolvimento dos roteiros, uma entrevista bastante esclarecedora sobre como tudo começou, como o seu cancelamento pegou todos de surpresa e como todos ainda lamentam seu cancelamento (é possível assistir essa coletiva em duas partes: PARTE 1 e PARTE 2). Mas em Abril de 2014 a HBO novamente pegou todos de surpresa ao finalmente concordar com seu erro e aceitar a campanha ao anunciar o retorno do seriado para mais uma única e curta temporada de apenas seis episódios, que agora se passará 10 anos depois dos episódios originais. Segundo o canal, o seriado poderá ou não ser renovado conforme a repercursão do retorno.

O enredo central da primeira temporada foi mostrar a tragetória e tentativa da atriz Valerie Cherish em voltar aos holofotes depois de uma carreira morta há 15 anos. Agora a emissora de seu primeiro e único sucesso, sem gandes idéias, a escolheu para estrelar o reality The Comeback ao mesmo tempo em que ela também é coadjuvante de uma nova sitcom da mesma emissora chamada Room & Bored, na qual ela foi escalada apenas para servir como ponte para o lançamento de seu show. Embora 15 anos tenha se passado, Valerie não sente isso. Ela ainda acredita ser famosa e reconhecida pelo seu primeiro e único sucesso, e que a exploração de sua imagem é para dar crédito a emissora, quando na verdade a emissora quer apenas dar continuidade a produções baratas, descartáveis e de rápido retorno. Esse egocentrismo e falta de percepção da realidade é o que vai complicar todo o processo de Valerie, transformando seu trabalho naquilo que será chamado pelo produtor de "show do ódio", já que será uma guerra entre ela, os produtores e, principalmente, os roteiristas da sitcom, ganhadores de um Emmy que não conseguem aceitar o fato de estarem perdendo espaço no mercado por causa de reality shows.

Ao contrário do que muita gente pensou na época, The Comeback não foi uma tentativa de Kudrow catapultar sua carreira solo como tentaram a todo custo seus outros colegas de Friends, e muito menos seria uma sátira sobre ela mesma, como muitos julgaram a partir de seu título e do seu inicial fracasso. Kudrow já tinha a personagem em mente cuja idéia surgiu depois de assistir alguns episódios humilhantes da segunda temporada de Amazing Race, em que os participantes vomitavam e choravam em frente a câmera em rede nacional, além da inspiração também ter surgido de programas como The Osbournes e do surreal The Ana Nicole Smith Show, o qual ela afirma não entender como conseguiu assisti-lo. Foi então que, em um almoço com Michael Patrick, ela comentou sobre sua idéia. Muito embora ela não tivesse interesses em retornar para uma sitcom tão cedo e Michael também não estava procurando algo novo para trabalhar depois dos exaustivos anos de Sex And The City, ele se empolgou com a idéia, e ela se empolgou tanto com a empolgação dele, que o almoço, que era pra ser apenas um encontro sem pretensões, se transformou em uma reunião de negócios, e quatro horas depois a idéia de quase todo o seriado estava pronta. Segundo Lisa, houve uma química tão imediata de idéias que ela não consegue imaginar outra pessoa para ter trabalhado com ela neste projeto além dele.

Lisa e Michael desenvolveram os personagens e as histórias, mas foi Michael quem escreveu o piloto em apenas três semanas. Segundo afirmação dada por eles mesmos, embora as filmagens aparentem ser improvisadas, tudo estava em roteiro, desde mínimas ações, como um tropeço, até as maiores, como os diálogos. Lisa afirmou que os diálogos de Valerie eram improvisados apenas durante o desenvolvimento dos roteiros, mas nunca durante as filmagens. Ela se encontrava com Michael, encarnava a personagem e simplesmente despejava os diálogos e situações enquanto ele redigia. Michael disse que esse era sempre um dos momentos mais difíceis porque ele queria captar a maior quantidade de informações possíveis, mas seus dedos não conseguiam acompanhar a velocidade de criação espontânea que ela tem. Depois que os diálogos improvisados de Valerie estavam redigidos, eles eram encaixados e trabalhados em suas devidas situações.

Quando levaram a idéia aos chefões da HBO, boa parte de toda a primeira temporada já estava pronta. Ele afirmou na coletiva dada a Writers Guild Foundation que, a princípio, ninguém havia entendido a idéia do seriado, e que ele usou suas influências adquiridas com o sucesso de Sex And The City para convencê-los de que a idéia valeria a pena, e que muito do que estava no roteiro poderia não fazer sentido, mas faria depois que Lisa Kudrow representasse. O piloto foi apresentado e a emissora aprovou a produção de mais 12 episódios e o seriado teve estréia no dia 05 de Junho de 2005.

O formato parecia não chamar muito a atenção das pessoas, já que era um "mockumentary", termo dado a documentários forjados e de apelo cômico, o que levou o show a ser erroneamente comparado ao fracassado seriado desse estilo, Fat Actress, de Kirsty Alley. Para que assistir um reality falso quando havia outras dezenas de verdade? Era o que se passava na cabeça das pessoas. Mas ele não era sobre um reality show e tampouco a tentativa de imitar um, mas uma sátira sobre a decadência do show business e da indústria do entretenimento através de uma atriz fracassada disposta a tudo para retomar uma carreira, exatamente como todas as demais pessoas desesperadas por sucesso e que se submetiam a essas humilhações públicas estavam dispostas.

Uma das coisas interessantes de Valerie é que ela bloqueou completamente o fato de sua carreira ter fracassado, tanto que tudo que é citado dentro do período de 15 anos que ela estava inerte, ela não se lembra. É realmente como se ela tivesse ficado em coma profundo. Como acontece no episódio 10, em que ela comenta com seu cabeleireiro sua vontade de recontratar um antigo conhecido, e seu cabeleireiro a relembra de que ele morreu em 1994. Isso é apenas um exemplo dos divesos lapsos de memória da personagem.

Todas as situções que Valerie vivencia também é obviamente a mais brilhante e brutal sátira sobre os rumos que a televisão e seus bastidores estavam tomando (e tomaram). Os programas de realidade documentada já estavam no mercado há alguns anos, mas ainda não tinham atingido seu limite destruidor. Acredita-se até hoje que eles estão em decadência, mas eles nunca acabam. Por isso que é uma opinião praticamente unânime da crítica que uma das razões de The Comeback ter sido compreendido tardiamente foi porque ele estava a frente de seu tempo, porque muito do que ele mostrou foi o que os reality shows e a televisão mundial se transformou nos anos seguintes, pois antes eram pessoas desconhecidas sendo exploradas pelas câmeras, mas atualmente qualquer pessoa é alvo, principalmente subcelebridades ou artistas inertes que se sujeitam a explorar suas próprias vidas da maneira mais ultrajante possível para tentar transformar o sensacionalismo e a banalidade em uma oportunidade ilusória de reconquistar a fama, quando na verdade é completamente o oposto, porque a efemeridade de tudo é tão devastadora que o ponto final será novamente a decadência, mas agora com a pessoa desprovida de qualquer reputação, privacidade ou moralidade própria. Ou seja, restará um nada, como bem citaram Lisa e Michael na coletiva.

Portanto, não há como negar que o que vemos é praticamente um documentário sobre uma personagem fictícia dentro de uma realidade, pois é a experiência e a reprodução mais verossímil que poderíamos ter sobre o tema. Segundo Lisa Kudrow, nada poderia ser mais degradante na carreira de alguém estrelar um programa que clama seu retorno no próprio título porque é a confirmação de que ela já havia ido embora há muito tempo. Mas o egocentrismo, o excesso de auto afirmação, e a estagnação de Valerie no tempo a impedem completamente de enxergar a realidade atual a sua volta ou de simplesmente se satisfazer com o que lhe é oferecido. Tudo para ela nunca é bastante o suficiente. Ela nunca será uma grande estrela, mas por mais alto que ela chegue, seu objetivo estará sempre acima daquilo, e isso não é ambição, é simplesmente sua constante busca pela cura da intensa frustração de nunca ter sido, nem ao menos sequer, uma líder de torcida na adolescência.

Chega um determinado momento que compreendemos as preocupações e as vontades da protagonista, mas ela é como um caminhão sem freio em uma ladeira, que não para enquanto não se choca com alguma coisa. Há um momento muito interessante no quarto episódio em que ela discute com o produtor uma piada escrita pelos roteiristas do programa e que ela acredita não funcionar por ter um humor preconceituoso que pode denegrir sua imagem. O produtor simplesmente diz pra ela parar de se preocupar com isso, pois ele também sabe que a piada não funciona, e os roteiristas precisam saber disso pela platéia. Mas ela não para. Quando a piada não funciona com a platéia e ela novamente os questiona sobre isso, o nível de intolerância deles com Valerie já está tão alto que eles dão a ela uma fala pior e muito mais constrangedora, um "cala a boca Valerie" que ela poderia ter evitado, mas sua ansiedade e excessos a impedem de enxergar qualquer limite.

Valerie é a causa e a consequencia de seus próprios problemas e constrangimentos. Alguns escritores acreditam que protagonistas não podem ser vítimas perpétuas deles mesmos, pois serem eles mesmos a causa e a consequencia de seus problemas torna algo conflitante para quem o observa, resultando em um bloqueio de sensibilidade que anula a conexão emocional e distancia o espectador do personagem. E o espectador, ao invés de se simpatizar com os conflitos do protagonista, vai se simpatizar com a antipatia que os antagonistas tem por ele. O personagem não se torna um vilão, mas também não é um herói, vindo a ser simplesmente uma figura desconfortável, vazia e constrangedora tal qual é Valerie Cherish.

Mas nesse seriado essa personalidade tão fragmentada funciona dentro de uma coerência tão perfeita que essa noção de realidade das situações que ela vivencia aumentam microscopicamente para o espectador. Tudo finalmente se equilibra entre o personagem e o espectador quando Valerie passa a ser atacada gratuitamente e de forma ofensiva por antagonistas que reagem em excesso aos excessos dela, em um assédio constante e amoral. E então entendemos porque ela é como é, pois Valerie é, acima de tudo, ingênua demais para perceber a crueldade alheia. Ela é egocêntrica e até mesmo oportunista para suas causas próprias e autoafirmações sociais, mas passível e com um grande senso de responsabilidade e consideração que são minados o tempo todo por ela mesma devido a este conflito que ela vive entre ser o que deve ser e aquilo que acha que deve ser. A sátira de um típico produto de entretenimento. Ela não é uma pessoa ruim, e sua humanidade muitas vezes nos pega de surpresa além do que esperamos, como acontece também no episódio 10, quando ela resolve dar um de seus convites para a roteirista gorda e depressiva, ou no último episódio, quando ela impede sua empregada de organizar a mesa de jantar pois ela está lá como convidada. São em momentos como esse que as máscaras de Valerie caem e enxergamos ela como uma pessoa de verdade e, finalmente, uma vítima na qual conseguimos nos conectar.

Essa reviravolta da personagem (ou "turning point", como é o termo correto) acontece a partir do episódio 8, quando ela finalmente deixa mais explícito essas camadas mais humanas e menos plásticas, e mesmo Valerie nunca deixando de ser uma vítima perpétua de si mesma, e mesmo o espectador nunca deixando de se constranger com suas atitudes, passamos a nos sensibilizar com toda a hostilidade existente em sua volta e a compreender sua existência tão caótica, torcendo por seu sucesso, mesmo tendo a certeza absoluta de toda sua futilidade e do seu iminente fracasso.

Lisa Kudrow desempenha um papel tão fantástico que, embora a personagem seja muitas vezes caricata como a comédia e as situações exigem, são os momentos de sutileza em que ela mais brilha com pequenos gestos e olhares que fazem efervecer tudo que ela contém a todo instante. Valerie é uma personagem cômica por excelência, mas Lisa utiliza a comédia naquele real propósito de aliviar as cargas dramática e nos preparar para absorver sua penosa realidade. Os méritos da atriz não estão apenas em sua atuação, mas também como uma artista criativa que conseguiu captar todas essas nuances da realidade do entretenimento e reproduzi-los em cada um dos personagens, sendo Valerie o centro de toda essa ostentada bagunça. Bato sempre na tecla em afirmar que ela não é apenas uma comediante, como demonstrou em Friends, mas uma impressionante humorista que cria personagens originais como Valerie ou Fiona Wallice, de seu seriado posterior Web Therapy, outra genial idéia. Não há dúvidas também de que Valerie se transformou em uma referência, tanto que em 2011, com o seriado Enlightened, também da HBO, a personalidade desastrosa da personagem Amy Jellicoe e sua também perpétua vitimização de si mesma em um incansável efeito dominó constragedor, chegou a ser comparada com a de Valerie.

Se os seis novos episódios serão suficientes para o cômico drama de Valerie Cherish, isso não podemos saber. A única certeza é que, mesmo tardio, esse reconhecimento é mais que necessário, é uma obrigação àqueles que veem a comédia como algo sério e muito mais do que piadas prontas para risadas automáticas e vazias.

CONCLUSÃO...
Não há dúvidas de que ele é um dos melhores seriados dos últimos 10 ou 20 anos, uma experiência de comédia satírica bastante diferente do que era produzido na época e ainda assim atual, mesmo que 9 anos tenham se passado.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

MAIS PRA EFEITO TARTARUGA DO QUE BORBOLETA...

★★★★
Nota:
Título: Questão de Tempo (About Time)
Ano: 2013
Gênero: Comédia, Romance
Classificação: 14 anos
Direção: Richard Curtis
Elenco: Rachel McAdams, Domhnall Gleeson, Bill Nighy
País: Reino Unido
Duração: 123 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um jovem descobre sua habilidade para viajar no tempo.

O QUE TENHO A DIZER...
O filme tem roteiro e também é dirigido por Richard Curtis, o mesmo roteirista de pérolas da comédia romântica como Um Lugar Chamado Notting Hill (Notting Hill, 1999) e Quatro Casamentos e Um Funeral (Four Weddings And A Funeral, 1994), além dele também ser, juntamente com o ator Rowan Atkinson, o criador e roteirista dos episódios e dos filmes do Mr. Bean. É também por curiosidade o segundo filme de Rachel McAdams com viagem no tempo, o primeiro foi Te Amarei Para Sempre (The Time Traveler's Wife, 2009), muito melhor por sinal.

A história gira em torno de Tim, um rapaz tímido que não consegue ter muita atitude, principalmente quando isso está relacionado a mulheres. Ele descobre por seu pai que faz parte de uma família onde os homens possuem o dom de viajar no tempo, e cujo "poder" tende a se manifestar aos 21 anos. O pai de Tim conta esta inacreditável surpresa e ele recebe como uma piada, mas logo em seguida faz um teste e... kabum! Lá está ele no último momento que lembra se arrepender por não ter tomado uma atitude decente. Ele fica maravilhado com a descoberta e dali pra frente nada mais poderia dar errado em sua vida, já que ele teria a oportunidade de consertar toda vez que isso acontecer. E é isso o que ele vai fazer para conquistar Mary, uma jovem que ele conheceu em uma noite, mas que pela necessidade de uma viagem ao passado e outro e sua inexperiência no assunto, ele perde a oportunidade de encontrá-la novamente no mesmo lugar.

E o filme é basicamente isso, idas e vindas ao passado do personagem principal para evitar situações, consertar outras e ajudar amigos ou familiares que precisam. O problema aparece quando ele descobre sozinho que nem sempre é possível o resultado esperado, e o efeito borboleta desastroso é inevitável caso ele volte ao tempo antes de algumas situações chaves (como, por exemplo, o dia da concepção de sua primeira filha), não havendo possibilidades de conserto.

Teria tudo pra ser uma comédia romântica bonitinha e com pitadas sinceras de drama familiar. Você tem a simpatia do ator Domhnall Gleeson, que não é bonito e nem feio, mas sua esquisitice consegue ter um charme particular; tem a graciosidade de Rachel McCadams, mas que é bem coadjuvante no pior filme de sua carreira; e tem Bill Nighy com muita vontade de fazer o filme dar certo. Histórias com viagem no tempo são complicadas, e qualquer derrapada pode se transformar em um terrível acidente. A história se divide basicamente duas partes, a primeira que gira em torno da tentativa do personagem conquistar seu amor, e a segunda sobre as descobertas do personagem e suas tentativas de evitar que a sua família sofra com decisões erradas tomadas em algum passado. E é aí onde tudo desanda.

Tudo perde o foco quando passa a ter muitas explicações sobre as consequencias de se mexer com o passado, o que teria dado certo caso não fossem feitas tão em cima da hora ao espectador porque soa como uma tentativa de consertar buracos do roteiro. Há também erros de continuidade bem explícitos entre suas idas e vindas e que nem as mais lentas das pessoas deixarão de notar, como por exemplo, ele entrar em seu guarda roupa para viajar no tempo, e ao fazer isso ele ainda estar dentro do guarda roupa e não dentro do momento ou da situação. Então onde ele estaria para as demais pessoas naquele determinado momento e situação? Ele simplesmente teria sumido de perto delas do tipo "desculpe, evaporei mas já voltei"? Chega a ser bizarro. Tem também uma descartável e desnecessária sequencia que ele tenta levar sua irmã ao passado junto com ele, o que não convence mesmo dentro da fantasia, e no fim das contas não acrescenta absolutamente nada no desenvolvimento.

Tem algumas cenas engraçadas aqui e alí, todos os personagens são gente boa e o roteiro dá até oportunidade para uma moral bonita sobre o carpe diem (aproveitar o momento), sobre a vida ser passageira, sobre a construção da família e toda essa consciência que temos que ter para lidar com as situações inevitáveis nas quais estamos todos vulneráveis. Mas esses questionamentos mais sentimentais, sinceros e verdadeiros do filme só acontecem na virada final dos últimos 30 minutos, em lágrimas que poderiam ter escorrido mais cedo se não tivessem enrolado com tanta besteira ou outras situações dramáticas banais, muito mais pra efeito tartaruga do que borboleta nas longas duas horas.

CONCLUSÃO...
Enfim, embora falei até muito sobre o filme, a verdade é quem valia ter falado tanto. Filme dispensável, para ser visto em alguma madrugada sem sono quando for exibido por algum canal aberto.

sábado, 14 de junho de 2014

MENOS PODERIA SER MAIS...

★★★★★★★
Título: Em Segredo (In Secret)
Ano: 2013
Gênero: Drama, Suspense
Classificação: 14 anos
Direção: Charlie Stratton
Elenco: Elizabeth Olsen, Jessica Lange, Tom Felton, Oscar Isaac
País: Estados Unidos
Duração: 107 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Therese é casada com seu primo, filho de sua tia, irmã de seu pai. Ela vive infeliz amorosa e sexualmente até conhecer Laurent, amigo de infância de seu marido.

O QUE TENHO A DIZER...
O filme é dirigido e escrito por Charlie Stratton, sendo esta sua estréia em longas metragens, e baseado no livro Thérèse Raquin (1897), de Émile Zola. A obra foi repudiada pela crítica da época devido a seus elementos naturalistas, estilo que radicaliza ainda mais o realismo, abordando temas verdadeiros e recorrentes - porém ocultos - na sociedade, como o sexo, a loucura, o concubinato, e demais outros em que os personagens fossem dominados por instintos e desejos naturais de forma erotizada, agressiva e até mesmo violenta.

Portanto, a história tanto do livro quanto do filme vai se desenvolver em torno da personagem princial, chamada Thereze (Elizabeth Olsen), que foi deixada por seu pai, ainda menina, aos cuidados de sua tia paterna (Jessica Lange). Seu pai a deixou com uma determinada quantia de dinheiro destinada apenas a ela caso necessário. Ela cresceu cuidando de seu primo doente, Camille (Tom Felton), e auxiliando sua tia nos deveres domésticos até atingir a maioridade e aceitar o fato de que seu pai nunca mais voltaria. Sua tia então decide casá-la com seu primo, para que o dote deixado pelo pai de Thereze possa ser usurpado por eles. Eles se mudam para Paris, e seu casamento entediante e infeliz a afunda cada vez mais em uma grande frustração amorosa e sexual até conhecer Laurant (Oscar Isaac), amigo de infância de Camille. Obviamente ambos se tornam amantes e as coisas tendem a complicar quando decidem por fim à vida de Camille para darem continuidade ao romance proibido.

Embora a tentativa seja válida, o filme ainda sofre de grandes problemas comuns de adaptações literarias, principalmente quando estas são de clássicos como esse. Mas ao contrário do que se pode imaginar, nesse filme os problemas não são nem pela falta, mas pelo excesso. Mesmo que a narrativa tente muitas vezes ser bem construída e o desenvolvimento de toda a trama até convincente, se não soubessemos que se trata de uma adaptação de uma obra naturalista de Zola dificilmente nos atentaríamos às características do estilo, e isso acontece principalmente pela falta de uma abordagem com mais nuances e delicadezas por parte do diretor.

A literatura naturalista exige que as ações sejam cruas e diretas, mas essa reprodução exata em uma adaptação cinematográfica chega a ser até abusiva e incoerente já que uma mínima ação se torna grande demais na lente de uma câmera, inumeras vezes maior do que uma sucinta frase em um livro. O diretor segue à risca o estilo na adaptação, mas sua falta de sutileza na construção das cenas oferece um resultado mais forçado do que verdadeiramente real, como o estilo pede. Isso faz com que, de uma adaptação de um clássico sobre uma época específica, o filme se torne contemporâneo como qualquer outro, chegando a causar um impacto menos verdadeiro até mesmo quando comparado a filmes como Infidelidade (Unfaithful, 2002), ou a adaptação da obra de Graham Greene, Fim de Caso (The End Of The Affair, 1999), filmes contemporâneos, mas que abusam da sutileza mais clássica para desenvolver um clima realista e que convença de fato o espectador sobre aquilo que é narrado.

Os diálogos são curtos e diretos, e os personagens definitivamente são produtos do meio em que vivem. Todos são evidentemente figuras que se enquadram dentro do microcosmo social exigido pelo estilo, mas as relações de interesse apenas são explícitas entre Therese, sua tia e Laurant. Observamos a tentativa de sobrevivência dos mais fortes e a opressão dos mais fracos, mas uma das cenas mais interessantes é quando todo o fervor sexual entre os personagens é interrompido por Madame Raquin que pergunta se o barulho que ela ouve é novamente o gato tossindo as bolas de pelo, que, propositalmente ou não por parte do diretor e roteirista, é a referência direta àquilo conhecido como animalização dos personagens, pois são eles agindo na sua forma mais primitiva e instintiva, outra importantíssima característica do estilo.

No livro, o interesse de Laurant por Thereze a princípio é apenas por ele não ter dinheiro para pagar prostitutas (o que não fica claro no filme) e a idéia de matar Camille partiu da própria Therese, e não de Laurant. Mas essas sutis mudanças não pesam muito na trama pois foram bem balanceadas e o grau de vitimização da personagem se mantém o mesmo.

Portanto, mesmo o diretor ter pecado na falta de sutileza, impedindo o espectador de ser convencido da realidade de toda a situação (que é um dos elementos principais do estilo naturalista), consegue ser uma adaptação enxuta e atenta a demais outros detalhes que demonstram os grandes interesses do diretor e roteirista em tentar transpor para a tela um estilo que, mesmo clássico, não envelhece ao tempo, mas também não cabe ter uma linguagem moderna demais.

Não dá pra deixar de notar o talento crescente de Elizabeth Olsen (irmã das sem-talento gêmeas Mary-Kate e Ashley Olsen), que ganhou destaque com o independente Martha, Marcy, May, Marlene (2011) e aos poucos demonstra ser uma das mais importantes de sua geração.

CONCLUSÃO...
Um filme tenso, mas que mesmo baseado em uma obra naturalista e com muitas das características, está longe de ser considerado um filme desse estilo, muito disso por falta da sutileza do diretor e na sua falta de habilidade em manipular essas características, deixando o filme muito mais moderno do que uma adaptação de uma época específica de um clássico, a velha história de que, neste caso, menos poderia seria mais.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

DIFÍCIL...

★★★★★★
Título: The Double
Ano: 2013
Gênero: Suspense, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Richard Ayoade
Elenco: Jesse Eisenberg, Mia Wasikowska, Wallace Shawn
País: Reino Unido
Duração: 2013

SOBRE O QUE É O FILME?
A vida de um comum trabalhador vira do avesso quando ele encontra uma pessoa exatamente idêntica a ele, porém com uma personalidade totalmente contrária e tudo aquilo que ele gostaria de ser.

O QUE TENHO A DIZER...
The Double (ainda sem título em português) é o segundo filme dirigido pelo jovem britânico Richard Ayoade, que anteriormente dirigiu o excelente Submarino (Submarine, 2010) e que curiosamente tem como um dos produtores o ator Michael Cane. Mas ao contrário de seu primeiro longa de narrativa linear inteligente e do humor negro classudo de fácil absorção, aqui ele foge da narrativa clássica, muito embora a estética esteja muito presente e referências a diretores como Terry Gillian e David Lynch estão sendo inevitáveis tanto por aqueles que adoraram quanto pelos que odiaram.

Por uma razão desconhecida, o filme tem recebido críticas positivas em sua maioria. Foi originalmente lançado em Setembro de 2013 no Festival de Toronto, e terá lançamento em mercado norteamericano este ano. Tem sido promovido com um suspense com teores de humor negro, mas esse humor negro difícilmente vai ser notado ou apreciado pela maioria.

Conta a história de Simon, um rapaz tímido, condescendente e genuinamente bondoso, que trabalha em uma empresa há sete anos, mas seus esforços nunca foram notados, muito menos sua presença. Como se nada disso bastasse na sua vida, há uma inexplicável capacidade natural de tudo dar errado a sua volta, e sua vida vira de ponta cabeça quando James é contratado para trabalhar no mesmo setor. James é um sósia idêntico de Simon, mas ninguém nota isso, pois para todos Simon nem ao menos existe, nem mesmo aos sensores do elevador. Simon fica fascinado com a eloquencia, autoconfiança e desenvoltura de James, pois enxerga no colega tudo aquilo que ele não tem coragem de ser. Isso leva a ambos desenvolverem uma relação de amizade que se transforma em guerra quando Simon percebe que James está tomando um lugar que ele nunca teve.

O filme é baseado no livro homônimo de Fyodor Dostoyevsky, que obviamente conta uma história similar conhecida por utilizar o mito do doppelganger, uma palavra de origem alemã que significa muito mais do que apenas "sósia" ou "dublê" na língua portuguesa, mas uma pessoa exatamente igual a outra, como um clone, mas sem qualquer origem genética. Na mitologia essa figura pode ser vista como uma pessoa fisica e espiritualmente idêntica como também um alter ego, ou seja, com uma personalidade distinta, geralmente aquela almejada pela pessoa, mas nunca conquistada de maneira consciente. Em algumas outras culturas ele é visto como uma versão demoníaca de si mesmo.

Embora essa adaptação seja uma projeto ousado do diretor, fica difícil analisá-la de forma contundente pelo fato da obra de Dostoyevsky não ser amplamente conhecida, embora bastante referenciada e controversa, já que é possível encontrar diferentes linhas de pensamento sobre ela. Alguns acreditam que o personagem do livro sofre de esquizofrenia, outros acreditam que seja um alter ego do personagem principal que está em busca de sua verdadeira identidade que é ou não oprimida pela burocracia sufocante em que vive.

A partir dessas características e controversias sobre a obra literária toda a situação em volta do personagem principal no filme é construída, bem como a ascenção de James sobre os méritos de Simon, ao ponto de Simon chegar a sua quase autodestruição e inexistência. Não há como deixar de notar James como um alter ego do personagem, assim como foi Tyler Durden em Clube da Luta (Fight Club, 1999). Em muitas outras sequencias também ficamos na dúvida se tudo o que acontece é consequencia de um surto esquizofrênico do personagem que não aguenta mais toda a opressão a sua volta, ou também aquilo que pode ser chamado pela psiquiatria de heautoscopia, também uma alucinação, em que a pessoa enxerga a mesma imagem de si como um espelho, porém de forma distorcida ou não. O que acontece com James também pode ser simplesmente uma mistura de tudo isso, o que é muito mais provável, já que o diretor e roteirista não consegue dar uma definição muito clara para qual linha de pensamento ele quer levar seus personagens.

Não é um filme fácil e há muito tempo não assistia uma narrativa complexa assim desde Possuídos (Bug, 2006), com divagações psicoanalíticas e sociais puxadas para esse teor surreal e discutível. Como disse, é um projeto ousado do diretor Ayoade e foge completamente da beleza e delicadeza narrativa de seu filme anterior, e muito embora ele se bem suceda na construção do personagem e em mostrar que ele é alguém muito frágil para suportar sua própria significância, ou de mostrar sua incrível capacidade de tolerar tudo, menos ele mesmo, porque a existência de James cria o dilema dele aceitar tudo em silêncio ou finalmente resolver mudar e se adaptar, a qualidade final do roteiro fica questionável quando não encontramos nenhum ponto realmente esclarecedor sobre quem ou o que tudo isso realmente significa. É um alter ego? É uma figura resultante de uma esquizofrenia? É um extraterrestre? É alguma outra coisa qualquer? É tudo isso ou nada disso?

Claro que não há como negar suas qualidades, como as já ditas sobre o desenvolvimento dos personagens, a fotografia e os enquadramentos incríveis que remetem uma década de 60 que ao mesmo tempo não se encaixa nessa época, como um mundo paralelo frio e inquieto. A trilha sonora sem dúvida é o grande destaque não apenas ao utilizar um repertório asiático antigo, mas também por fazer sons ambientes também virarem melodias inusitadas em uma similaridade ao de Bjork no filme Dançando no Escuro (Dancer In The Dark, 2000), criando o clima denso e até sombrio por muitas vezes. A atuação de Jesse Eisenberg é propositalmente coreografada e contida como Simon e explosiva como James e essa versatilidade do ator realmente dá outra dimensão nos momentos em que ele contracena com ele mesmo.

Existem tantas questões que surgem quando o filme acaba que desistimos dessa masturbação mental para simplesmente não cair na possibilidade de entrar em um mar sem respostas, e no fim das contas tudo aparenta ser apenas mais um daqueles filmes bem construídos, que rodam e rodam pra deixar o espectador tonto e com vergonha de dizer que entendeu e não saber explicar, ou ficar com vergonha de dizer que nada entendeu e ser taxado de ignorante por quem faz pose de intelectual. Tudo pode fazer muito sentido na cabeça do diretor, mas acho até desrespeitoso abranger tantas possibilidades sem haver uma conclusão coerente, como que jogar a batata quente na mão do espectador. Independente disso, as críticas e as ironias estão lá, e essas são relevantes e consideráveis acima de qualquer coisa.

CONCLUSÃO...
Bem feito, construído e atuado, com uma trilha sonora bastante inusitada e impactante, um filme que talvez consiga até surpreender em vários aspectos, mas vai deixar muita gente com uma interrogação na testa por não dar uma clareza ou um ponto determinante para encontrar um denomidador comum. Mas independente disso, as críticas sobre o ser e não ser estão lá.
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