Translate

domingo, 27 de julho de 2014

O VELHO E NEM TÃO DURÃO OESTE...

★★★★★★★
Gênero: Comédia
Título: Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola (A Million Ways To Die In The West)
Ano: 2014
Classificação: 14 anos
Direção: Seth MacFarlane
Elenco: Seth MacFarlane, Charlize Theron, Liam Neeson, Amanda Seyfried, Giovani Ribisi, Sarah Silverman, Neil Patrick Harris
País: Estados Unidos
Duração: 116 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Sobre um covarde pastor que perde sua namorada e acredita que sua vida não faz mais sentido no Oeste, até uma forasteira chegar e transformar sua vida e, principalmente, ensiná-lo a atirar.

O QUE TENHO A DIZER...
Dirigido, escrito, produzido e atuado por Seth MacFarlane, o humorista, comediante, animador, dublador e também cantor que ficou famoso e se tornou umas das referências do atual cenário cômico norteamericano depois de criar as animações de grande sucesso Uma Família da Pesada (Family Guy), American Dad! e O Show de Cleveland (The Cleveland Show), além de também ter dirigido e escrito Ted (2012), filme que também se tornou grande referência do humor politicamente incorreto desta década (não que não existam outros, mas esse foi o mais reconhecido por conta do inesperado sucesso).

MacFarlane pode errar algumas vezes, como na sua apresentação do Oscar em 2013, cheia de piadas grosseiras e de péssimo gosto em cima de uma prepotência que fracassou na batida idéia de ironizar e satirizar a premiação e transformá-la em uma grande piada de mau gosto que deixou muita gente desconfortável e com sorriso amarelo, principalmente a audiência. Mas não podemos negar que, como criador, seu currículo é bastante curioso, principalmente por resgatar o humor corrosivo e ambíguo de cartoons, como os de Hanna e Barbera, mas intensificando os elementos absurdos, o politicamente incorreto, a ironia e a sátira de maneira mais direta e escancarada para o público mais adulto e que se transformaram em uma forte marca registrada dele. E assim como suas outras criações animadas, este filme é sobre nada, mas que sobrevive ferindo diretamente a falsa moral e os "bons costumes" do modo de vida americano, já que esse seu humor é bastante inconveniente para os mais conservadores, pois expõe em demasia essa hipocrisia social tão forte por lá e que é um prato cheio para humoristas como ele.

E o filme é exatamente tudo isso, nesse grande misto exagerado de situações cômicas e piadas prontas para satirizar uma cultura tão forte e exportada mundialmente como é o Velho Oeste norteamericano. Assim como a figura do Super-Homem, a imagem do Velho Oeste ainda é o principal material publicitário para divulgar de forma simbólica a potência da nação americana, em como ela é durona fazendo as leis com suas próprias mãos armadas, e como ela deve ser temida pelos forasteiros. MacFarlane faz disso o cenário pronto para o ridículo ao brincar incansavelmente com esses cliches e os estereótipos do machismo e da brutalidade masculina, da submissão e fragilidade feminina e da "terra sem lei" que historicamente caracterizam essa época e região do país. Mas de certa forma não dá pra deixar de notar que, querendo ou não, o filme também deixa na superfície que toda essa grande e violenta ignorância latente e atual no país é claramente fruto e conseqüência dessa herança cultural constantemente consumida e ruminada por eles e por todo o mundo.

A idéia surgiu de uma piada interna, quando McFarlane, junto com seus co-roteiristas (que também são roteiristas de Uma Família da Pesada), começaram a analisar como deve ter sido estúpido, triste e perigoso viver no Velho Oeste já que você poderia morrer de diversas formas (tanto que essa é uma das razões do título em português não fazer o menor sentido). O nível de sátira presente é o mesmo de Sua Alteza (Your Higness, 2011), de Danny McBride e que também levam muito do que as sátiras de Mel Brooks chegaram a representar no passado. Mas enquanto McBride fez da seriedade do cenário medieval um grande palco para o absurdo e para uma surreal grosseria, MacFarlane faz dos cowboys fora da lei personagens jocosos e cartunizados. Por isso temos na lista o personagem Clinch (Liam Neeson), que tem um sotaque irlandês (o ator é irlandes); Edward (o sempre esquisito Giovani Ribisi), que não se importa com o fato de sua noiva, Ruth (Sarah Silverman), ser a prostituta mais requisitada da cidade e que se recusa a fazer sexo com ele antes do casamento por ser uma devota cristã; e o próprio personagem de MacFarlane, um simples e covarde pastor com crise existencial porque odeia o lugar onde mora e acha um absurdo existir tanta conivência das pessoas com tanta coisa errada.

Como roteirista, ele não se impede de ousar, usando referências anacrônicas que realmente fazem determinadas sequencias serem mais engraçadas do que poderia supor, como a breve (e inesperada) referência ao clássico De Volta Para O Futuro III (Back To The Future - Part III, 1990), ou quando consegue enfiar no filme o trecho mais famoso da também clássica música Tarzan Boy, da banda Baltimora. Também vale dizer que, acreditem ou não, a sequencia musical sobre os bigodes não é tão surreal assim, já que a música existe, chamada If You've Only Got A Moustache, feita por Stephen Foster em 1864. Claro que o filme recebeu críticas mistas e foi recepcionado pelo público de maneira controversa tal qual Sua Alteza, mas com certeza porque grande parte do público também pode não ter captado a idéia da maneira fácil como esperavam. Ele é grosseiro e explícito tanto quanto o filme de McBride, mas igualmente engraçado dentro de suas características absurdas por ridicularizar o principal ícone de uma cultura que se auto ridiculariza o tempo todo. E é sempre engraçado ver alguém tirando sarro disso.

CONCLUSÃO...
Um filme sobre nada, mas que sobrevive por satirizar e ferir o orgulho norteamericanos sobre um ícone cultural tão forte construído por eles mesmo como é o Velho Oeste, em um mundo que MacFarlane criou onde piadas voam tão rápido como balas, como bem disse Dave White em sua resenha sobre o filme.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

INCOERENTE...

★★★★
Título: Divergente (Divergent)
Ano: 2014
Gênero: Ação
Classificação: 12 anos
Direção: Neil Burger
Elenco: Shailene Woodley, Theo James, Ashley Judd, Kate Winslet
País: Estados Unidos
Duração: 139 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Chegou a hora de Beatrice (Shailene Woodley) escolher a qual facção pertence, mesmo ela não tendo idéia de qual deva escolher, já que ela na verdade pode ser de qualquer uma, o que a caracteriza como uma divergente.

O QUE TENHO A DIZER...
O filme é dirigido por Neil Burger, mais conhecido por filmes como o elogiado O Ilusionista (The Illusionist, 2006), o competente Gente de Sorte (The Lucky Ones, 2008) e o pouco relembrado sucesso Sem Limite (Limitless, 2011). Ou seja, Burger não é um diretor ruim, e ele consegue usar bem suas experiências adquiridas nos diferentes gêneros de seus filmes anteriores pra tentar construir alguma coisa em uma narrativa cheia de altos e baixos de um roteiro perdido em um filme que podia muito mais chamar Incoerente do que qualquer outra coisa.

Seguindo as portas que a Saga Crepúsculo abriu, o filme é mais uma adaptação de uma trilogia de livros para adolescentes/adultos jovens escrita por Veronica Roth (a atualmente milionária autora tem apenas 26 anos) e o primeiro livro foi originalmente lançado em 2011. Essas adaptações vem apresentando sinais de cansaço, já que depois da consagração de Jogos Vorazes (The Hunger Games, 2012), tudo o que os estúdios querem agora são produtos similares. Foi assim com o fracasso de Ender's Game (2013), que não haverá continuações, e com a grande expectativa em cima de Correr ou Morrer (The Maze Runner, 2014), também parte de uma trilogia, a ser lançado em Setembro. Isso tem levado o público a inevitavelmente fazer comparações com a adaptação de Suzanne Collins e seus Jogos, já que todas adaptações em produção agora estão vindo dentro de um mesmo pacote de jovens sobrevivendo em um mundo futurista ou distópico que remeta a paralelos sociais e políticos atuais só para não soarem tão superficiais, levando o público a ter a iminente sensação de deja vu. Por conta disso, Divergente suou a camisa para arrecadar mundialmente os US$275 milhões que (in)felizmente garantiram suas continuações (o primeiro Jogos Vorazes arrecadou mais que isso em apenas uma semana).

A história, cheia de demasiados e irrelevantes detalhes, vai se passar em uma Chicago futurista, destruída por uma terrível guerra que a isolou do resto do mundo por uma grandiosa muralha. A sociedade agora é determinada por cinco facções: Abnegação, Amizade, Audácia, Franqueza e Erudição. Cada uma delas possui uma função específica na sociedade e é obrigatório que os jovens, em uma determinada idade, realizem um teste (algo como um teste vocacional) que mostra qual sua tendência faccional, ao mesmo tempo que ele terá, por uma única vez, a liberdade de escolher qual facção deseja fazer parte para o resto de sua vida, independente do resultado. Caso ele desista ou não se encaixe na facção escolhida, ele não terá outra oportunidade e será jogado na rua como um desertor, vivendo como um mendigo (ahn???). As facções e todas essas exigências existem para manter o equilíbrio e a ordem na sociedade. Ao mesmo tempo, nenhum membro de uma facção deve ter contato com os membros de outra, nem mesmo com familiares (ahn??? de novo). O problema surge quando um jovem tem tendência para qualquer uma das facções (ou a nenhuma delas), sendo então essas "raras" pessoas denominadas divergentes. Por serem divergentes, acredita-se na potencialidade de serem rebeldes e desequilibrarem a estrutura social com suas "naturezas humanas", gerando o caos, a violência, a guerra, dentre outras coisas. Beatrice (Shailene Woodley) é uma divergente tal qual seu mentor, Quatro (Theo James). Ela descobriu isso no dia do teste, mas só vai perceber a gravidade disso quando Jeanine (Kate Winslet), a chefe dos eruditos, resolve realizar uma caça às bruxas aos divergentes, já que eles podem atrapalhar seus planos de dominação. Ou seja, uma referência sobre fascimo político bem, mas bem pobre.

O grande problema é sem dúvida os mil detalhes irrelevantes apenas pra dar volume e uma complexidade tão vazia que chega a doer, porque a base dela é um paralelo bem fajuto ao fascismo político. Nem a autora (nem os roteiristas) tiveram ao menos o cuidado de transformar essa situação em uma referência simbólica para justificar a alienação dos personagens sobre isso. As facções são denominadas facções de fato, e isso, por si só, já classifica o fascismo latente que os personagens vivem. Só que o engraçado é que os personagens foram construídos de tal forma que ignoram isso completamente desde o princípio e pra eles todo esse autoritarismo e toda essa segregação é muito normal e uma festa, até que, finalmente, um raio cai na cabeça da personagem principal e ela se toca de que alguma coisa errada acontece. Uau... acho que não precisava ser nenhum membro da Erudição para perceber isso, não é? Se bem que nem eles mesmos percebem...

Então a incoerência e absurdez começa aí, e pra levar o filme a sério só se for adolescente que não gosta de História ou que nem chegou nas aulas sobre Mussolini ainda, porque o enredo realmente é uma bobagem sem tamanho. Tudo bem que dar um tom de seriedade é o que Jogos Vorazes também tenta fazer, mas ao menos a história não esconde em momento algum que tudo que é feito, narrado ou mostrado é um grande pão com ovo mesmo. Divergente deveria ter feito o mesmo, pelo menos se desde o princípio algum personagem já tivesse expressado alguma grande insatisfação sobre todo esse regime que vivem, ao menos a história seria um pouco mais convincente.

Mas aí você também tem os grandes buracos na história que não explicam nada ou que conflitam com outras, como razão da cidade ter um muro. A única explicação dada no próprio filme é que o muro existe porque tem que existir. Ok, obrigado! Talvez seja explicado nos filmes posteriores, mas agora não me interessa mais. Ou o governo querer ser tão equilibrado que quem não se encaixa em uma facção, ou não quer mais fazer parte dela, automaticamente vira um mendigo. Parabéns, isso realmente é a solução! Ou a pior de todas, na minha opinião, é Beatrice ser considerada "divergente", pelo menos segundo explicação do filme, por se enquadrar em qualquer facção. Isso pra mim não é ser divergente, mas convergente e coerente. Portanto toda essa criação que a autora fez para esse mundo distópico aparenta ser bem distópico mesmo, mas no sentido de ser completamente sem pé nem cabeça só pra dar razão pra um bando de adolescente tatuato se rebelar com alguma coisa. Pode ser que o livro seja diferente nessas abordagens, mas desconheço e realmente é difícil acreditar nisso.

Segue todo o erro na também forçação de barra de transformar Shailene Woodley em uma nova Jennifer Lawrence. Isso foi tão nítido que logo após o filme ter sido lançado ela estava com o mesmo corte de cabelo de Laurence e com um visual totalmente repaginado pra também tentar virar um ícone da moda em Hollywood. Ela não é uma atriz ruim, mas também não possui o mesmo carisma e versatilidade. Shailene não consegue ser sutil. Ou ela chora escancaradamente, ou grita histericamente, ou está sempre com aquela cara de quem sofre o tempo todo, algo que funcionou muito bem em O Espetacular Agora (The Spectacular Now, 2013) e pode ter convencido em A Culpa é das Estrelas (The Fault In Our Stars, 2014), mas ela definitivamente não é uma atriz de ação. E ação é o que o filme tem bem pouco, pelo menos nessa primeira parte (as demais continuações já foram anunciadas).

O filme só toma um pouco de forma depois de uma hora, quando realmente não dá pra ignorar como a história quer a todo custo realizar um comparativo com a nossa realidade de como as pessoas são facilmente manipuladas, e como a sociedade realmente critica e oprime aqueles que pensam um pouco diferente da maioria. Talvez, a única moral efetivamente interessante, mas que vai ser bem ignorada no meio de tanta alienação. Mas como um todo, nem o elenco salva, com Kate Winslet na pior personagem de sua carreira e Ashley Judd se rendendo a papéis tão coadjuvantes que quando ela finalmente tem alguma oportunidade, ela morre.

CONCLUSÃO...
É um filme tipicamente adolescente, percentual da população que é a mais influenciavel pela mídia na atualidade e por isso já espero um monte deles com essas tatuagens por aí. Assim como aconteceu com Jogos Vorazes, que sofreu uma brusca mudança de narrativa no filme para compensar as falhas do livro, em Divergente isso também deveria ter acontecido para lapidar uma história que não é de toda ruim, mas muito exagerada e com dezenas de detalhes irrelevantes apenas para, no meu ver, aumentar as páginas do livro e ultrapassar as duas horas de duração. Irrelevante também poderia ser um bom nome.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

WES ANDERSON CADA VEZ MELHOR...

★★★★★★★★★☆
Título: O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel)
Ano: 2014
Gênero: Comédia, Fantasia
Classificação: Livre
Direção: Wes Anderson
Elenco: Ralph Fiennes, Tony Revolori, F. Murray Abraham, Jude Law, Adrien Brody, Saoirse Ronan, Willem Dafoe, Edward Norton, Tilda Swinton, Bill Murray, Harvey Keitel
País: Estados Unidos, Alemanha
Duração: 100 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Sobre as aventuras de um respeitado concierge de um famoso hotel europeu e seu pupilo, que veio a ser seu melhor e mais fiel amigo.

O QUE TENHO A DIZER...
"É um engano extremamente comum pessoas acreditarem que a imaginação de um escritor está sempre em funcionamento, que ele tem um suprimento infinito de casos e incidentes, simplesmente inventando suas histórias do nada. Mas a verdade é que é o contrário. Quando as pessoas descobrem que você é um escritor, elas trazem os personagens e os eventos até você, e se mantiver sua habilidade de observar e ouvir com atenção, as histórias continuarão a..." e então o narrador é interrompido por um garoto que atira com uma arma de brinquedo ao mesmo tempo que, ao fundo do garoto, muito rapidamente, vemos em um segundo plano um pintor qualquer trabalhando na parede de uma sala. A câmera volta ao narrador, e ele continua.

É assim que começa a nova comédia aventuresca de Wes Anderson, que vai contar a saga de Gustave H (Ralph Fiennes), um elegante, bem humorado, magnífico e amplamente respeitado concierge do famoso Grande Hotel Budapeste, e como o aprendiz Zero Moustafa (Tony Revolori/F. Murray Abraham) se tornou seu melhor amigo e herdeiro de uma imensurável fortuna.

O início é exatamente o resumo daquilo que o diretor é em todos seus filmes, numa obsessão compulsiva, mas no extremo bom sentido e coerência. O momento que o narrador é interrompido por conta da criança, exatamente quando divagava sobre a habilidade do escritor em observar e ouvir, é o que Anderson faz o tempo todo com situações secundárias nas cenas quando chama a atenção do espectador para o segundo plano com ações inesperadas de figurantes, coadjuvantes ou simplesmente um cenário que aparentaria ser fora do contexto da situação. Outros diretores utilizariam as mudanças de foco para chamar a atenção entre diferentes planos e profundidades, mas Anderson, tal qual como Kubrick, raramente (a quase nunca) utiliza este artifício fotográfico. A imagem é limpa, todo o cenário e suas composições são claras e objetivas em toda a panorâmica da cena. Mas para Anderson, o segundo plano não é apenas uma composição dela, ela é a valorização do "slice of life", ou seja, o pedaço do cotidiano pouco visto ou admirado, mas que ele usa metodicamente para forçar o espectador a aprimorar sua habilidade de atenção e observação daquilo a sua volta e que pouco é notado.

Esse jogo entre imagens, ações e narrativa que Anderson faz chega a ser fascinante, pois é de uma sutileza tão marcante que é impossível não ser notada, e nem por isso perdemos o foco da narrativa ou do plano principal. Ao invés disso, quando descobrimos essa personalidade própria tão presente e aprendemos a identificar esses elementos delicados nas construções de suas cenas sempre dentro dessa harmonia incomum, seus filmes tomam outra dimensão e viram experiências prazerosas onde notamos seu humor singular, pois fogem completamente do convencional.

Muito se diz atualmente que os filmes de Tarantino acontecem em um mesmo universo. Mesmo sendo dois diretores de estilos completamente diferentes, essa afirmação é muito mais coerente nos filmes de Anderson. Enquanto Tarantino interliga seus filmes através de referências, Anderson faz isso através da sua linguagem visual única. É como se ele tivesse um mundo com vida própria em suas mãos, e seus filmes fossem uma pequena observação de um lugar aleatório dele, pois todos possuem personagens comuns que se destacam e são explorados pelas situações excêntricas que se encontram, cada um deles em um espaço muito definido e atemporal, com a mesma abordagem lúdica, por mais séria que possa ser. Tanto é assim que conseguimos imaginar, por exemplo, os personagens deste filme se relacionando com os personagens de qualquer um de seus filmes anteriores.

Para este filme o diretor utilizou três tipos diferentes de proporções de vídeo para diferenciar as épocas em que as histórias se situam, pois O Grande Hotel Budapeste é uma história com várias histórias dentro que se completam quando atingem novamente seu ponto de partida. E contar histórias é o que Anderson sabe fazer, além de tudo, muito bem. É interessante notar como seus personagens nunca são coadjuvantes, até mesmo o próprio Hotel, que não é um cenário, mas um personagem também. Em todos seus filmes, o que manda são os eventos, e são eles que conectam um personagem ao outro, como é observado logo no início. A dupla Gustave H e Zero podem ser a unha e carne da narrativa, só não existiriam se, por exemplo,
Madame D. (Tilda Swinton) nunca tivesse sido citada. Mesmo ela tendo uma participação de apenas 95 brilhantes segundos, ela é o principal evento de toda a saga, tão memorável e principal como qualquer outro. Aliás, Tilda Swinton, mesmo irreconhecível em uma maquiagem feita "pelos melhores" (como afirmado pelo próprio Anderson), oferece uma caricatura tão cativante e verdadeira de sua personagem que é como se ela realmente existisse. Uma personagem tão passageira como qualquer um dos hóspedes do hotel, mas em nenhum momento fugaz.

Anderson é um diretor para ser apreciado com leveza, que faz da comédia não um gênero, mas uma observação singular e uma aula de como degustar histórias e imagens e apreciar o mundo e suas seriedades sem o peso da responsabilidade adulta.

CONCLUSÃO...
Se em Moonrise Kigdom (2012) Anderson contou uma maravilhosa e ingênua história de amor, neste filme ele utiliza os mesmos elementos para contar na sua forma lúdica uma aventura cheia de outros grandes personagens memoráveis que se conectam por eventos inesperados em um mundo próprio que ele observa para nos ensinar a observar o nosso próprio. Cada vez melhor, o diretor sem dúvida novamente carimba uma marca única no cinema atual sem se impor, apenas agradando com a bela forma de construir histórias simples, repletas de diferentes camadas e nuances que conseguiram migrar do público alternativo para conquistar o gosto popular de maneira relevante.

domingo, 13 de julho de 2014

3 EM 1...

★★★★★★
Título: 300: A Ascensão do Império (300: Rise Of An Empire)
Ano: 2014
Gênero: Açãp
Classificação: 14 anos
Direção: Noam Murro
Elenco: Sullivan Stapleton, Eva Green, Rodrigo Santoro, Lena Headey
País: Estados Unidos
Duração: 102 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Com a derrota dos espartanos pelos persas na batalha de Termópilas, agora é a vez de mostrar a batalha de Salamina do ateniense Temístocles contra a outra parte do indestrutível exército de Xerxes, agora liderado pelo seu braço direito, a cruel Artemísia.

O QUE TENHO A DIZER...
Embora não tenha sido dirigido por Zack Snyder, o mesmo do primeiro filme, ele produziu e escreveu o roteiro, já que ele estava bastante ocupado com o reboot de Superman no péssimo O Homem de Aço (Man Of Steel, 2013). A direção agora ficou a cargo de Noam Murro, um israelense desconhecido que antes só havia dirigido a comédia romântica igualmente desconhecida Vivendo e Aprendendo (Smart People, 2008). Então fica a questão no ar se ele realmente foi uma boa escolha. Não que Snyder, quando dirigiu o primeiro, fosse um grande diretor, o que ele provou nos filmes posteriores que ele não é, mas para esta continuação, com o orçamento que teve (US$110 milhões comparados com os US$65 milhões do primeiro), sem dúvida a cadeira pedia alguém com melhor expertise. O que se nota é que Snyder manteve a produção a rédeas curtas, pois tanto o visual quanto a história tem exatamente os mesmos elementos e segue praticamente o mesmo desenvolvimento narrativo do original, salvo algumas interessantes diferenças.

Com o sucesso de 300 (2006), que arrecadou quase US$500 milhões no mundo, a Warner ficou desesperada para que uma continuação fosse feita, não importasse como. Várias idéias correram e a sequencia chegou até a ter um título provisório de 302, o que virou piada na rede, porque embora o filme seja baseado na versão fictícia e mítica dos quadrinhos de Frank Miller sobre a histórica guerra entre persas e gregos, não teria fundamento fugir da cronologia real dos fatos. E, pensando nisso, não se pode negar que A Ascensão do Império é uma continuação diferente, porque conta três episódios em um único filme e de forma linear e bem coerente.

O filme é narrado pela rainha Gorgo, viúva do derrotado espartano Leonidas. Ela começa contando a história pregressa do filme original e o que fez o imperador Xerxes ter sucumbido a ambição de destruir a Grécia. Depois mostra a batalha paralela dos atenienses contra os persas no Mar Egeu enquanto acontecia a batalha entre os espartanos e persas mostrada no primeiro filme. A terceira parte da história segue no que aconteceu depois que os 300 de esparta foram dizimados, e como os gregos venceram os persas na Batalha em Salamina.

Ou seja, o filme é ao mesmo tempo uma pré-continuação, uma história paralela e uma continuação direta do original. De fato, não dá pra ignorar que este é seu grande mérito porque consegue encaixar de forma bastante convincente cenas e acontecimentos do primeiro filme (mesmo não tendo o ator Gerard Butler). Mas, a grande diferença é que, enquanto no primeiro filme a crítica tenha sido mista ao afirmarem que era visualmente interessante, mas vazio por conta do excesso de imagem e ausência de diálogos, nesse filme há diálogos até demais, e muito ruins. Erraram também na escolha do ator desconhecido, o australiano Sullivan Stapleton, na tentativa de repetir o que fizeram com o escocês Gerard Butler no primeiro. A única parte do elenco que salva o filme de uma tragédia é Eva Green, que faz a grega magoada Artemísia, braço direito de Xerxes, que se virou contra seus conterrâneos para liderar a outra parte do exército persa. Eva consegue fazer uma vilã fria, bastante classuda e sexualizada, mas o carro desanda na desnecessária cena de sexo entre ela e Temístocles naquilo que era pra ser o ápice dramático entre o respeito e a rivalidade, já que os dois são mostrados no filme como os maiores táticos de guerra naquela fictícia e fantasiosa antiguidade. O resultado foi uma vulgaridade descabida só pra voltar no velho cliché da mulher rejeitada e acentuar subliminarmente que, a partir dali, todas as atitudes de vingança da personagem se justificarão por isso. É Hollywood sendo sexista como sempre. Podem colocar uma mulher como chefe de um exército, mas ela sempre será emocionalmente perturbada. O que é uma pena, pois pelo gênero do filme e o público masculino que ele atinge, Artemísia até que tinha um desenvolvimento bastante interessante e equilibrado por ser uma das duas únicas personagens femininas de todo o filme.

O impacto visual é o mesmo do primeiro, com batalhas bem coerografadas, cheias de efeitos que voam na tela para impressionar no 3D e toda marca registrada que fez de 300 uma referência além das "barrigas tanquinho", referências visuais que foram usadas com frequência em filmes épicos e de ação nos últimos oito anos. Tudo é muito escuro, e realmente exageraram nos filtros de cor e imagens em segundo plano desfocadas para dar aquele tom de história em quadrinho animada. Interessante e com sequencias até deslumbrantes, mas é justificadamente mais enjoativo e visualmente cansativo que antecessor.

A princípio o filme era pra se chamar Xerxes, já que é baseado na história gráfica de Frank Miller com o mesmo nome, mas o estúdio teve medo do filme não ser bem recebido por não ter uma referência direta em seu título, e o personagem persa vivido por Rodrigo Santoro é novamente tão coadjuvante como foi antes. Arrecadou mais de US$330 milhões no mundo, e seu final deixa abertura para mais uma provável sequencia que até valeria a pena ser feita para concluir a derrota persa e o posterior assassinato de Xerxes por um de seus ministros, como conta a história.

CONCLUSÃO...
Mesmo o grande e interessante diferencial de ser três tipos de continuações em uma única narrativa, o filme poderia ter um maior impacto se não pecasse na falta de uma direção que soubesse utilizar sem excessos as qualidades do primeiro filme, além do roteiro que definitivamente erra nos diálogos pobres, anacrônicos e sequencias abusivas e desnecessárias, mas em contraponto une os dois filmes de maneira convincente, além de conseguir seguir, a seu modo, a cronologia histórica verdadeira. Cheio de altos e baixos, prós e contras, não dá pra dizer que o filme é tão empolgante quanto o primeiro, ou tão ruim quanto imaginaram que poderia ser. Consegue até oferecer um produto bem melhor do que esperado, mas que podia ser melhor elaborado para tirar o ranso pastelão que as vezes vem a tona.
Add to Flipboard Magazine.