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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

UMA GRANDIOSA PARTE DA HISTÓRIA...

★★★★★★★★★☆
Título: O Amante da Rainha (En Kongelig Affære)
Ano: 2012
Gênero: Drama, História
Classificação: 14 anos
Direção: Nikolaj Arcel
Elenco: Alicia Vikander, Mads Mikkelsen, Mikkel Boa Folsgaard, Cyron Melville
País: Dinamarca, Suíça, República Tcheca
Duração: 137 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma passagem sobre a Dinamarca durante o Iluminismo no século XVIII e a influencia sofrida no reino pelo médico e pensador alemão Johann Friedrich Struensee.

O QUE TENHO A DIZER...
Esta pérola do cinema dinamarquês foi dirigida e escrita por Nikolaj Arcel. O roteiro, escrito em parceria com Rasmus Heisterberg, já estava em desenvolvimento desde 1999 e era para ser baseado na obra The Visit Of The Royal Physician, de Per Olov Enquit, que por sua vez é baseado nos eventos que aconteceram durante o período em que Friedrich Struensee fazia parte da corte dinamarquesa. Porém, os direitos de adaptação do livro já haviam sido vendidos há uma companhia que tentava há uma década adaptá-lo em inglês, sem sucesso. Esta companhia não quis vender os direitos a produtora Zantropa, que produziu este filme, e cujo um dos chefes é Lars Von Trier. As pesquisas continuaram e o filme foi, então, baseado no livro erótico Prinsesse Af Blodet, de Bodil Steensen-Leth, que conta a história a partir do ponto de vista da rainha Caroline Mathilde.

Embora a narrativa e as caracterizações ainda continuem fortemente baseadas no livro que era originalmente para ser adaptado, foi necessária diversas mudanças no roteiro e na construção da história para que a produção pudesse ter continuidade. Olov Enquit foi até mesmo consultado pessoalmente para que o diretor pudesse esclarecer o que era inventado e o que era baseado em pesquisas históricas ao ponto de uma pessoa ter sido contratada especificamente para comparar o roteiro com o livro de Enquit, página a página, para garantir que havia diferenças significativas e a produção não correr o risco de ser impedida caso fosse considerada uma adaptação não autorizada.

Mesmo com todas essas dificuldades sofridas durante a produção e a forma às vezes extremamente romântica e shakesperiana de como é mostrado o romance entre a rainha Caroline e o físico/médico/filósofo Struensee, não há como negar que o filme não apenas é belíssimo como também um grandioso drama histórico sobre um período pouco conhecido hoje em dia sobre aquele país durante o movimento iluminista ocorrido na Europa no século XVIII, e que, portanto, transformou a Dinamarca no último país Europeu a sofrer avanços sociais e políticas relevantes durante o reinado de Christian VII sob influência de Struensee.

A história do filme vai pegar o período em que Struensee, um físico/médico plebeu, é admitido como Médico da Coroa depois de ser influenciado por seus amigos igualmente iluministas de que essa seria uma grande oportunidade de conseguirem inserir (ou reinserir) seguidores desse movimento filosófico e político na nobreza. Com medo de perder sua soberania e domínio sobre os camponeses e de que os pensamentos e ideais contraditórios atingissem as fronteiras do país, a corte era tirana, governando através de imperativa autoridade através do medo e da censura. Proibia a circulação de textos e livros, e retaliava encontros entre intelectuais que pudessem trazer risco à confortável situação da nobreza, castigando, punindo, torturando e matando todos aqueles que se rebelassem ou divulgassem um pensamento contrário.

Struensee conseguiu mais do que aquilo que imaginava, e se tornou um grande aliado do rei Christian VII, pois foi o único que soube lidar com sua demência, e o rei, por sua vez, encontrou no médico um grande amigo e parceiro justamente por ser o único capaz de compreender seus delírios e tratá-lo não como um louco, mas como uma pessoa naturalmente excêntrica. As boas intenções do médico e a possibilidade de trazer mudanças ao país e ao povo, e a oportunidade de se tornarem uma grande referência no continente, fez com que Struensee bem utilizasse essa influência sobre o Rei para o bem da ideologia política e iluminista. Várias mudanças substanciais ocorreram durante esta influência, ao ponto do médico plebeu se transformar na autoridade máxima da corte quando o Rei resolveu dissolvê-la por completo após uma tentativa deportarem Struensee para a Alemanha, seu país natal, e nomeá-lo Ministro da Corte.

Na dificuldade de atacarem o agora Ministro, descobriu-se que o mesmo tinha um caso com a Rainha Caroline, que, segundo o filme, desprezava o Rei e era intolerante com ele pois desconhecia até onde sua demência e desvios comportamentais eram uma ameaça. Não apenas isso, Caroline ficou grávida de seu segundo filho, mas dessa vez de Struensee. Os ex membros da corte se aproveitaram dessa fraqueza e fizeram disso um grande escândalo que colocou o reino e sua população em polvorosa, e um golpe foi orquestrado para a queda do poder do médico filósofo sobre o reino.

Entre os fatos reais e fictícios, a distinção é clara para o bem do drama, da construção do roteiro e suas tramas, mas em nenhum momento eles se conflitam ao ponto de diminuir a grandiosidade de toda a história que mostra e pontua claramente as dificuldades e incertezas de um povo submisso e que vivia sob a sombra de incertezas.

Embora o título se refira ao romance Real, e seja essa a trama principal, as demais não são ofuscadas por isso, e há momentos de grande importância para cada tema abordado. Pelo mínimo que seja lido sobre este período já é possível verificar que o roteiro realmente se baseia em fatos sólidos e verídicos, construídos de forma cronológica e didática o suficiente, dando uma noção de passagem de tempo e mudanças convincentes e que raramente é visto com tanta eficácia e eficiência em filmes do gênero. Ao contrário de muitos filmes de temática histórica, este está longe de ser tedioso ou cansativo, mesmo tendo mais de duas horas de duração. As situações e fatos são tão bem definidos e construídos que seu desenvolvimento atrai o interesse do espectador pela História e nos insere dentro dela, como um observador vivo e presente, que vibra com os sucessos, anseia pelas mudanças e sofre com a falta de caráter dos outros tanto quanto os personagens principais. A idéia também desenvolvida pelo filme de que tudo pode ser contornado, resolvido e superado, como ocorre em vários momentos, faz o espectador torcer por um final feliz aos personagens, mesmo ele sabendo que na História as coisas não foram assim. Esse sentimento é graças ao tom fictício utilizado com sucesso dentro de tantos fatos verídicos. Portanto, brincar com a História de maneira séria ao ponto de conseguir fazer o espectador esperar que o fim seja diferente, é um sinal de que a proposta do cinema foi atingida, a de nos imergir em todo aquele mundo recriado. Mas apesar de todo o sofrimento e um final trágico a todos, sempre há alguma esperança para as mudanças e não há como não se emocionar com o epílogo e as tranformações positivas que o país sofreu por conta da grandiosa índole dos descendentes Reais.

A relação mostrada entre Struensee, Christian e Caroline e a relação de confiança e comprometimento entre eles não apenas é mostrada de forma muito bonita como motivadora, deixando de ser simplesmente uma traição amorosa oca e vulgar para se tornar algo verdadeiro e humano suficiente, um bem necessário para toda a maturidade ideológica. E como já dito, uma grande aula de história também, já que esclarece muito o que foi o Iluminismo e porque ele foi tão temido pela nobreza européia.

As atuações de um elenco desconhecido nas américas surpreende, e o desenho de produção igualmente. O filme foi bastante aclamado pela crítica e pelo público. Chegou a concorrer ao Oscar e ao Globo de Ouro em 2013 na categoria Filme Estrangeiro, perdendo para o francês Amor (Amour, 2012), mas foi um passo relevante e uma grande publicidade a uma produção que poderia facilmente ter sido ignorada, mas felizmente está acessível a todos.

CONCLUSÃO...
Um drama histórico surpreendente que cresce e insere o espectador na história como uma parte dela. Uma grande aula de história contada de forma até shakesperiana e que esclarece muito os ideais iluministas e uma parte da história da Dinamarca desconhecida por muita gente.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

TIME QUE GANHA NÃO SE MEXE...

★★★★★★★★
Título: Trapaça (American Hustle)
Ano: 2013
Gênero: Drama, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: David O. Russel
Elenco: Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Jeremy Renner, Robert De Niro
País: Estados Unidos
Duração: 138 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Irving e Sydney são um casal de trapaceiros forçados a ajudar o agente do FBI, Richie, a coletar provas contra o Prefeito e desarmar um esquema mafioso e de corrupção em cadeia.

O QUE TENHO A DIZER...
Onde ou quem é que tenha dito a David O. Russel que "time que está ganhando não se mexe", ele ouviu muito bem. Ele dirige e escreve este novo filme e, tal qual seu anterior, O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, 2012), volta a trabalhar com Bradley Cooper e Jennifer Lawrence, bem como a maioria dos demais atores que trabalharam com ele em filmes anteriores, com excessão de Jeremy Renner. Mas os movimentos que ele utilizou nesse tabuleiro de xadrez em Hollywood foi diferente. Embora novamente tenha pego os dois atores que ele ajudou a consagrar, aqui eles não atuam em parceria (aparecem juntos em apenas uma única cena muito breve), além de terem uma participação mais coadjuvante. Isso já torna o filme interessante, porque não abusa da exploração do sucesso de ambos. E mesmo atualmente sendo os atores mais requisitados, também optaram por um filme menor e papéis menores, mas nem por isso desinteressantes. Isso é muito relevante e mostra a maturidade de ambos. Bradley Cooper, mais experiente, já apresentava essa tendência quando começou a investir como produtor (aqui ele assina como co-produtor), e Jennifer vem sabendo escolher bem os papéis que caem em suas mãos (ou seu agente que é bom demais), e ela caiu nas graças do público e da crítica e se tornou a nova "Namoradinha da América".

A história deste filme nada tem a ver com o anterior, embora os personagens sejam tão problemáticos quanto (principalmente as personagens femininas), e não é uma história tão real como dizem no princípio, informação que virou moda hoje em dia até mesmo na ficção. A trama é apenas um esboço do esquema Árabe ocorrindo no final dos anos 70 e começo de 80, em que o FBI iniciou uma investigação pontual e depois a expandiu para incluir outros esquemas de corrupção. O roteiro do filme já estava pronto havia anos e ficou em oitavo lugar na Lista Negra de Hollywood no ano de 2010, que é uma lista divulgada todos os anos sobre os melhores roteiros que não foram produzidos.

Como é de costume nos filmes de Russel, o que manda não é o roteiro, ele é apenas uma linha guia. Quem manda são os atores e seus shows particulares, pois há muitos improvisos em ações e diálogos (mesmo assim o filme está presente na temporada de premiações na categoria Roteiro Original), o que, particularmente, faz dele algo muito mais interessante, pois foge de marcações e deixa os atores livres e ainda sim encarnados em seus personagens, demonstrando um outro domínio de técnica.

Falando em técnica, é um dos filmes tecnicamente perfeitos do ano, daqueles feitos realmente para serem enquadrados na temporada de premiações. Isso é bom porque é prazeroso ver tanta qualidade, mas ao mesmo tempo soa plástico demais por conta desse excesso de qualidade.

Russel novamente abusa da câmera na mão, mas seu esquema de direção firme, porém adaptável, faz todas as atuações - sem excessão - serem pontuais e muito bem colocadas em cena. É nítido como sua visão sobre o produto final era algo muito sólido porque o filme flui sem tropeços graças a seu roteiro, direção e principalmente pela edição, que se não fosse tão exata frente a tantas histórias e reviravoltas que acontecem facilmente teria tirado o filme do trilho. Não há engasgos ou momentos em que o espectador se sinta perdido na história frente a tantas tramas paralelas e tantos personagens com personalidades tão distintas e muito bem exploradas e desenvolvidas. Os improvisos, que são marcas do diretor, que já declarou que sua preocupação com os personagens é maior do que com seus diálogos, faz o filme fugir do que está originalmente descrito e previsto, tomando um rumo natural, como se os personagens criassem vida própria.

A trilha sonora original, assinada pelo sempre magnífico Danny Elfman, nunca é invasiva e sempre um grande complemento para todo o desenvolvimento, mas o que mais chama atenção, sem dúvida, é o desenho de produção. Belíssimo no figurino e cenários, reproduzido bem a década de 70 e o exagero estiloso da época. Ainda sobre o desenho de produção, não podemos evitar de perceber que em alguns momentos soa mais moderno e atual que a própria década reproduzida, até porque sabemos que a tecnologia cosmética e têxtil da época era muito diferente da utilizada hoje e no filme, algo que parece ser um pouco ignorado, o que resulta em um anacronismo sobre as diferenças de qualidade, cores e texturas que não atrapalha, mas frustra um pouco na tentativa de ser fidedigno.

As atuações são excelentes em todos os aspectos, mesmo quando há a esquisitice exagerada de Christian Bale em engordar absurdamente para o papel, uma atitude muito mais para chamar atenção sobre seu comprometimento do que um grande adicional ao personagem, porque era dispensável. Bale nunca foi um galã para ter que sofrer grandes transformações para dar mais foco a seu talento do que para uma beleza que ele nunca teve, mas ele aparenta gostar desses processos metamórficos, já que é o terceiro filme com Russel que ele se propõe a isso. Mas com excessão dessas decisões dispensáveis e particulares do ator, sua performance é notável, e seu personagem, tal qual é dito até mesmo no filme, consegue atrair a simpatia mesmo sendo esquisito e às vezes asqueroso, justamente por ser um homem sensível e inteligente. Mas sem dúvida quem rouba toda e qualquer cena é Amy Adams, que nunca peca pelo excesso. Sua personagem começa o filme fraca, apenas chamando atenção por ser belíssima, envolvente e bastante sexualizada, mas conforme o filme desenvolve notamos que ela é composta de várias camadas, e que, no fundo, ela tem mais profundidade do que aparenta, além de ser uma mulher frustrada por nunca ter sido realmente amada e valorizada pela sua essência e capacidade. O desenvolvimento da sua personagem é tão brilhante que em determinadas cenas Amy consegue transpor todas essas frustrações, anseios e até poucas felicidades e prazeres de uma única vez, o que deixa evidente em como sua personagem é complexa, com um misto de emoções e sensações que a perturbam. Não é à toa que, juntamente com Cate Blanchett ou Kate Winslet, ela também é considerada por alguns como uma nova Meryl Streep (esta será sua quinta indicação ao Oscar).

Agora, muito tem se falado sobre a atuação de Jennifer Lawrence, mas particularmente acredito que seja mais uma superestimação por conta de sua grande exposição do que uma personagem realmente marcante. Todos já sabemos que ela é talentosa, mas os surtos dramáticos em cena não são muito diferentes do que os mostrados em O Lado Bom da Vida, algo que futuramente deixará de ser convincente pra ser um vício de interpretação, caso ela se acomode nesse exagero. Há poucos momentos em que sua personagem é dominante, e são momentos típicos e clichés para serem apresentados no telão do Oscar quando seu nome for bradado entre os indicados. Há até um beijo na boca de Amy Adams, que pode soar irônico e até engraçado, mas um tanto fora de contexto. De qualquer forma, a personagem é tão complexa quanto a de Amy (ou talvez até muito parecida), mas é tão coadjuvante que se fosse dispensada não atrapalharia a trama, ela só existe para dar uma profundidade dramática maior aos conflitos do personagem de Christian Bale, como se os que ele já possui não fossem bastante. Ela venceu prêmios importantes na categoria Atriz Coadjuvante, e tem grandes chances de novamente receber o Oscar pela sua atuação, mesmo porque esta categoria não esteja muito bem servida este ano.

É um filme longo (mais de duas horas) e que demora pra engatar na trama propriamente dita, uma primeira parte para apresentar e se aprofundar nos personagens e uma segunda para chegar na trama principal de fato, mas tudo é tão bem construido e costurado que essa divisão parece até muito simplópria no meio de tanta qualidade, além de tudo ser muito bem escrito e detalhado, ninguém precisa se esforçar pra entender o que acontece na trama principal ou entre os personagens, algo raro em filmes comerciais com tendência a aparentarem complexos demais só para enganar bobo.

CONCLUSÃO...
Como um todo, Trapaça é um filme sólido e respeitável, com qualidades técnicas que chegam a ser deslumbrantes e uma trama que envolve vagarosamente e surpreende, mesmo que sua conclusão já seja previsível. Merece figurar entre os melhores do ano e entre as listas da temporada de premiações, deverá ganhar em algumas categorias principais, mas não podemos ignorar também o fato de que o cinema de Hollywood anda cada ano mais fraco e sem grandes surpresas, por isso que a atenção e superestimação a poucos títulos aconteçam.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

CARMINHA EXPLODINDO POBRE NO ESPAÇO...

★★★★
Título: Elysium
Ano: 2013
Gênero: Ficção, Ação
Classificação: 14 anos
Direção: Neill Blomkamp
Elenco: Matt Damon, Jodie Foster, Wagner Moura, Alice Braga
País: Estados Unidos
Duração: 109 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
A Terra está destruída e os ricos resolveram ir morar no espaço, enquanto os pobres trabalham a seu favor. Aí um homem recebe uma carga de radiação que o matará em 5 dias, e aí ele resolve ir para Elysium, onde há uma máquina super poderosa capaz de recuperar até um rosto destruído por uma bomba, e junto a isso, tentar salvar a classe pobre e proletária sem saber.

O QUE TENHO A DIZER...
O sulafricano Neill Blomkamp acertou quando estreiou na direção e escreveu a aclamada ficça-ação Distrito 9 (Disctrict 9, 2009), transformando extraterrestres em seres escravizados, excluídos e segregados na Terra pelos humanos em uma metáfora e referência direta ao Apartheid que ocorreu no sul da África por quase meio século. O interessante deste inesperado filme foi que isso não era uma crítica social apenas à exclusão racial, mas a qualquer tipo de exclusão social que existe, podendo-se substituir os extraterrestres por qualquer grupo excluído ou segregado sem perder o contexto da história. Isso levou o diretor a concorrer ao Oscar pelo filme nas categorias de Roteiro Adaptado e Melhor Filme, e catapultou o estreante diretor ao topo dos mais promissores.

Muito barulho correu sobre Elysium quando sua produção foi anunciada e muita gente se perguntou se ele manteria essa discussão política e social relevantes dentro de um filme de ação pipoca, mas o papo perdeu a força com trailers fracos e uma estréia modesta, que não agradou a primeira leva de público. Compreensível, pois a verdade é que sua nova investida decepciona por extamente tentar seguir os mesmos passos do anterior, mas nada de tão relevante ao ponto de acharmos as analogias interessantes demais para que ele possa ser considerado alguma coisa. O resultado foi um fracasso. O filme que custou mais de US$120 milhões, arrecadou custosamente um pouco mais de US$90 milhões só nos EUA.

O pano de fundo que Blomkamp utiliza nada mais é do que a segregação entre ricos e pobres, a concentração da assistência a saúde apenas aos poderosos e uma leve referência a Revolução Industrial. Temas batidos no cinema e que dificilmente convencem se não bem fundamentados e estruturados. Dessa vez ele faz da Terra um lugar destruído pela poluição e pelo esgotamento das reservas naturais, superpopulado por latinoamericanos que vivem em favelas, explorados incansavelmente por um governo elitista, como se latinoamericanos fossem, em sua essência, o exemplo da pobreza, da miséria e submissão. Pode até ser, mas ficou feio e mal arranjado na tela com um monte de gente falando espanhol.

Não é à toa que o filme tem dois atores brasileiros entre os principais, como Alice Braga (sobrinha de Sônia Braga) e o chatíssimo Wagner Moura, que pode ter sido bom em outra época, mas hoje virou mais um ator Rede Globo. Claro que o herói não podia ser outra pessoa além do norteamericano Matt Damon, que está perdido no filme e só vai descobrir de fato o que tem que fazer só lá pro final, quando ele finalmente recebe o resto do roteiro e o briefing do desfecho de seu personagem.

Já é decepcionante logo no começo, quando Damon solta piadinhas manjadas de rapariga gente boa que acorda todos os dias para enfrentar a fila do busão para realizar o trabalho explorador e ter uns tostões no fim do mês. Um tipo canastrão, de criminoso arrependido e que combina em nada com a persona do ator e personagens que ele interpretou no passado, principalmente em filmes de ação. Aí ele apanha de policiais ciborgues e sofre assédio no trabalho por um patrão casca grossa que ameaça substituí-lo por qualquer desempregado que está na fila em dois momentos cruciais da história: 1) quando chega com o braço quebrado no setor; 2) quando se recusa a entrar com o braço quebrado em uma cabine radioativa para desenroscar a porta de fechamento automático. Óbvio que, com o braço quebrado, ele entra na cabine, desenrosca a porta que se fecha automaticamente e ele recebe um banho delicioso de pura radioatividade que, como diz um dos personagens, não foi capaz de descolar a pele do corpo, mas vai deixá-lo vivo e em agonia por mais cinco dias. Tem umas pilulas mágicas que ele pode tomar e que farão os órgãos funcionarem normalmente até se deteriorarem por completo por conta da radioatividade (oi???), mas isso não é importante, porque ele vai se esquecer deste detalhe durante o filme, e quando lembra toma todas de uma vez.

O mais interessante de tudo é que era pra ele estar até verde (ou azul, como o Dr. Manhattan, de Watchmen) de tanta radiação, mas ele anda normalmente entre as pessoas sem qualquer problema e todo mundo fica de boa. Só vomita no começo, mas depois passa.

Aí a coisa piora quando resolvem acoplar um dispositivo biotecnológico em seu corpo, porque ele está fraco, mas precisa de forças de alguma forma para ir até Elysium porque ele não quer morrer, mas só vai conseguir chegar lá clandestinamente caso, em troca, consiga completar uma missão para o Wagner... digo... para o Spider, interpretado pelo Wagner (lembrando que ele tem apenas cinco dias para isso). Todo o processo cirúrgico e agressivo é feito em um buraco imundo qualquer, por pessoas suadas que usam ferramentas enferrujadas. A pressa era tanta que nem tiraram a roupa dele: serraram, martelaram, parafusaram e colaram tudo por cima daquela roupa encardida mesmo. Também acredito que ele não tenha passado nem uma noite sequer no ambulatório. Acordou algumas horas depois, sem dor alguma, olhou para todo aquele desconforto e perguntou (sic): "O QUE VOCÊS FIZERAM COMIGO?"

Uai... nada! Só uns ajustes.

E assim o filme se desenvolve, entre absurdos enfadonhos e outros, entre diálogos terríveis e outros, como no momento em que Matt vira para o Wagner e fala (sic): "PRECISO IR PARA ELYSIUM AGORA!", e o Wagner responde (sic): "SÓ VOU CONSEGUIR EM 5 DIAS". Mas peraí... no começo do filme o Matt não tinha dito que morreria em cinco dias? Weird!!!

Agora pulando toda a baboseira, vamos para o espaço: Elysium é lindo e parece um pedaço gigante de Miami. Tem coqueiros por todos os lados, mansões, piscinas, sol o dia todo e um bando de gente folgada de biquini e bebendo Martini. Tudo está a céu aberto porque todo este planeta artificial tem uma atmosfera qualquer e que ninguém se importa em explicar como funciona, mas ninguém também tem interesse em saber. É assim porque é assim.

Quem manda naquilo tudo é a Jodie Foster, toda metida a Carminha, de Avenida Brasil, sempre vestida de branco e mandando explodir pobre no espaço. Tem também um vilão meio afeminado, um personagem super esquecível e que não agrega nada na história, vivido pelo igulamente esquecido William Fichtner, que abre a boca apenas umas três vezes. Sua única função é carregar um dado no cérebro que será responsável por todas as reviravoltas na trama, se é que tem alguma de fato. Mas ele vai morrer, só pra dizer.

Lá no espaço o Matt trava uma batalha bem nervosa com o Krueger, outro vilão, vivido pelo ator Sharlto Copley. O ator é até interessante, mas aquele sotaque que ele usa, que não se sabe se é russo, francês, chinês ou o quê, é chato pra caramba, e toda vez que ele abre a boca pra falar é um grande desconforto primeiro porque, como já disse, o sotaque é chato, e segundo porque ele adora ser um vilão engraçadinho cheio de sadismo, que virou um tipo cliché nos últimos anos.

Enfim, o filme tem um visual muito interessante e uma história que poderia ter sido excelente se tivesse sido bem desenvolvida, mas no fundo ele é chato, arrastado, forçado e não convence. As atuações são caricatas e perdidas. A inclusão dos brasileiros no filme não tem razão. Alice Braga é sempre aquela coisa: franze a testa pra mostrar que está com raiva e faz cara de choro sem lágrima. Ver a atuação de Wagner Moura chega a ser constrangedor porque, aqui no Brasil, pra ser considerado bom ator, você tem que fazer careta e falar gritado, principalmente na Rede Globo, e esse exagero expressivo que não cabe numa tela de cinema não combina em nada com a competência comedida e quase européia de Matt Damon, que atua bem até quando atua mal. Então imagina...

Obs: detalhe para um ciborque enfermeiro que aparece bem rápido no fim do filme, lendo informações em um tablet. Pra que ler informações em um tablet se ele poderia ter as informações no próprio sistema, hein?! Que burro.

CONCLUSÃO...
Filme triste, arrastado, uma história sem pé nem cabeça. Percebe-se que sua produção foi corrida em roteiro. Vai agradar leigos e troianos, mas não convence nem na ficção. Blomkamp errou a mão e nas idéias, mas ainda é seu segundo filme, dá tempo de recuperar a carreira.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

BESSON É ASSIM MESMO...

★★★★★
Título: A Família (The Family)
Ano: 2013
Gênero: Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Luc Besson
Elenco: Robert De Niro, Michelle Pfeiffer, Tommy Lee Jones
País: Estados Unidos, França
Duração: 111 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
O clã mafioso dos Manzoni agora foi relocado na Normandia sob o programa de proteção a testemunhas. Agora tentam levar uma vida normal, mesmo que seja difícil tirar do sangue italiano a brutalidade pela vingança.

O QUE TENHO A DIZER...
A Família foi dirigido, escrito e produzido pelo francês Luc Besson. Não vou me estender aqui sobre quem é esse diretor, ao invés disso vou apenas citar que ele criou o exemplo máximo da femme fatale em Nikita (1990), depois foi o responsável por dar o primeiro papel a Natalie Portman em O Profissional (Léon, 1994), conseguiu também transformar a modelo Milla Jovovich naquilo chamado de "atriz" no que também virou uma referência da ficça-ação científica em O Quinto Elemento (The 5th Element, 1997), e conseguiu repaginar a carreira de Liam Neeson como um senhor de ação em Busca Implacável (Taken, 2008/2012), franquia que já foi anunciada terceira parte (embora Besson não tenha dirigido nenhuma, apenas criou os personagens e escreveu o roteiro).

O seu sucesso como diretor o transformou mais em um grande produtor do que um grande cineasta (são 15 longas como diretor, contra mais de 100 como produtor). A fama não faz tanto jus ao talento. A maior força de Besson sempre esteve nos poucos e memoráveis personagens que ele criou, mais do que na sua capacidade como diretor ou roteirista.

Neste filme de humor negro e pesado na violência, que mais funciona como uma sátira sobre histórias de máfia e gângsters contados no cinema ao longo dos anos, não seria diferente. Os personagens são muito mais interessantes do que a história em si, e que infelizmente também perdem sua força conforme o filme chega ao fim.

O elenco, formado por atores que, em sua maioria, já passaram dos 50 anos de idade, também tenta pegar carona nas produções de ação que agora resgatam atores desta faixa etária para agradar o público da mesma idade e conquistar os mais jovens ao mostrar que, sim, eles ainda são capazes de carregarem um filme deste gênero com muito empenho. Exemplos destes filmes são: o sucesso da terceira idade chamado Red - Apostentados e Perigosos (Red, 2010), cuja continuação de 2013 foi um fracasso; Os Mercenários (The Expendables, 2010), que também terá uma terceira parte este ano; Liam Neeson novamente em Desconhecido (Unknown, 2011); Liam Neeson novamente outra vez em A Perseguição (The Grey, 2011); e por aí vai...

Conta a história da família Manzoni, que resolveu delatar seus comparsas para tentarem largar a vida do crime e viver uma vida normal, comum e correta através do programa de proteção a testemunhas que existe nos Estados Unidos, onde um grande criminoso pode ter sua pena reduzida ou perdoada caso ele colabore com a justiça na ajuda pela busca e/ou identificação de outros criminosos dentro de um grupo correlato ou afim. O programa agora enviou a família para a Normandia, na França, onde terão que se adaptar com os costumes locais e viver através do disfarce de uma familia americana tradicional, que gosta de churrascos e filmes. O problema é que o sangue italiano e o temperamento explosivo de todos os impedem de se adaptar nesta vida pacata e pacífica, e qualquer motivo se transforma em uma grande razão para retaliações severas como explodir um supermercado porque ouviu os donos falando mal da manteiga de amendoim, espancar o colega de escola com uma raquete porque ele tentou roubar um beijo, ou quebrar todos os ossos do encanador com um taco de baseball porque ele quis cobrar caro pelos serviços.

Essa violência por pouca coisa, absurda e um tanto surreal, deixa de ser chocante pra ser engraçada porque desde o princípio sabemos que o filme não é pra ser levado a sério. É até divertido em sua esquisitice, e que mais chama atenção por situações engraçadas criadas pelos atores, principalmente por Robert De Niro, que criou uma sátira dos personagens feitos por ele mesmo depois de tantos filmes seríssimos com Scorcese sobre o mesmo tema. Há até um momento para uma pequena referência a um de seus clássicos (Scorcese também assina a produção deste filme). Portanto, vendo o ator americano atuar como um chefe da máfia italiana, que fala inglês fluente e com sotaque meio italiano e meio novaiorquino (do Brooklyn) naquele mau humor e rustidez típica, chega a ser hilário e mais uma prova de como ele é bom. Michelle Pfeiffer é sempre graciosa demais para ser ignorada, mas está dentro da zona de conforto e só consegue arrancar algumas risadas também no falso sotaque que às vezes ela solta esguelado, como um miado de um gato velho.

Mas o roteiro não ajuda a segurar as qualidades. Toda a história poderia ter sido melhor aproveitada se a ordem dos acontecimentos tivessem sido diferentes no roteiro. Muita coisa que está no fim, deveria ter acontecido no começo, muita coisa que está no começo devia estar no fim e várias das coisas que está no meio poderiam ter sido divididas entre o começo e o fim. Demora muito para entendermos o que está acontecendo, quem é quem na história, ou sobre o que é tudo. Toda a explicação é dada em uma conversa entre De Niro e Tommy Lee Jones (seu personagem é totalmente dispensável na história) de uma forma pouco clara e direta, quando o roteiro caminhou em tanto buraco que ninguém mais está interessado em saber.

Como dito, conforme o filme chega a seu fim, os personagens vão perdendo sua força, bem como a narrativa empobrece mais ainda e transforma tudo em um filme descartável. Uma pena, há muito talento para pouca coisa na tela. Muito potencial para pouca visão. Tinha tudo para ser bom, só não teve ordem de idéias.

CONCLUSÃO...
De qualquer forma, para quem estiver mais interessado em De Niro, nos personagens, ou na violência cômica criada, vale a pena assistir, porque apesar de seus defeitos, não é um filme irritante e seus bons e esparsos momentos valem a pena. Mas assista sem muitas expectativas, porque Besson é assim mesmo.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

OS PREMIADOS DO GLOBO DE OURO 2014...

O Globo de Ouro neste domingo, em mais um ano, não foi de todo surpreendente, mas preferiu favorecer filmes e atores que, dentre os concorrentes, realmente eram os mais qualificados a serem considerados os melhores, algo raro. 2013 será novamente um ano bastante competitivo no Oscar, mas um ano repleto de filmes fracos e pouco memoráveis. Ao menos evitaram a apelativa necessidade de manter a popularidade de jovens estrelas de Hollywood ou filmes superestimados de graça, e preferiram o meio termo, agradando um pouco de tudo. Para ver a lista completa, CLIQUE AQUI:

MELHOR FILME
-Drama: 12 Anos de Escravidão (12 Years As A Slave)
-Musical/Comédia: Trapaça (American Hustle)

Nota: Era um tanto óbvio que 12 Anos levaria o prêmio este ano na categoria Drama. É um daqueles títulos anuais lançados para fazerem os lobbys necessários nas temporadas de premiação (pode aguardar o Oscar) e, claro, embarcarem numa camuflagem política tal qual foi Argo, no ano passado. Mas dentre os finalistas nesta categoria, era o mais capaz. Não que Gravidade, por exemplo, não fosse, mas 12 Anos é o típico filme que agrada a Imprensa de Hollywood e o público ávido pelo drama suado e sofrido, além de mexer com fatos verídicos numa época muito delicada da história do país, e isso é sempre uma bela publicidade para qualquer premiação. A disputa estava mais acirrada na categoria Musical/Comédia, e Trapaça foi a declaração para David O. Russel de que "time que ganha não se mexe", atropelando preferidos como Ela ou até mesmo O Lobo de Wall Street, na milésima parceria entre o diretor Scorcese e o ator Leonardo DiCaprio (embora a verdade seja que muita gente não aguenta mais os dois juntos).

MELHOR ATOR

-Drama: Matthew McConaughey
-Comédia/Musical: Leonardo DiCaprio

Nota: Ano passado Matthew chegou perto com duas performances fantásticas na comédia Magic Mike e no drama gótico Killer Joe, embora este último não tenha sido lembrado em nenhuma premiação mais popular, mas foram filmes suficientes para mostrar que o ator realmente não tem só sex appeal. E claro, o juri também adora atores que chegam aos seus extremos para um papel. Para Leonardo DiCaprio, o prêmio foi praticamente de consolação e um pedido de desculpas por concorrer tantas vezes (nove vezes) e ter sido ignorado tantas vezes (só venceu uma). Ao menos uma vez nessa parceria infinita entre ele e Scorcese isso tinha que acontecer, e para mim, tomara que seja a primeira, única e última.

MELHOR ATRIZ
-Drama: Cate Blanchett
-Musical/Comédia: Amy Adams

Nota: Não vou arriscar em dizer que são as duas favoritas neste ano porque novamente a temporada de premiações está com uma lista de grandes e importantes atrizes que tiveram desempenhos fantásticos, mas serão duas atrizes que estarão presentes em todas as premiações. Pra mim foi surpresa ter sido Cate Blanchett a vencedora, e não Sandra Bullock, que recebeu elogios unânimes da imprensa (Cate também), e seu filme foi um sucesso de crítica e público, e outra vez ela se consagra como uma grande estrela de Hollywood. O premio a Blanchett foi merecido e em grande hora, já que é uma atriz memorável e de impressionante desempenho filme após filme, e talvez será por isso que ela abocanhará todas a partir de agora nas premiações mais populares. O prêmio a Amy Adams não foi uma surpresa. Ela é constantemente considerada a "Meryl Streep" de sua geração, e já concorreu a 4 Oscars e 4 Globos e levou nenhum, até então. Não foi uma categoria de difícil decisão, Julie Delpy e Greta Gerwig tem excelentes desempenhos nas propostas de seus filmes, mas óbviamente Amy é a mais popular entre todas neste ano, logo...

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Jared Leto

Nota: Supreende mais uma vez Michael Fassbender não ter levado o prêmio, mas o desempenho de Jared Leto tem sido ovacionado a quatro cantos tal qual o de seu colega. Ele não é um ator de desempenhos tão memoráveis como Michael (embora também saiba escolher bem os filmes que trabalha), também nem tem uma popularidade tão alta assim, então realmente tudo aparenta que seu talento e desempenho no filme realmente tenham sido de grande relevância mais do que qualquer outra coisa. Até porque o juri também adora atores interpretando transexuais tanto quanto interpretando soropositivos ou prostitutas, porque são sempre os extremos do estereótipo dramático.

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Jennifer Lawrence

Nota: Não era surpresa a nova "Namoradinha da América" ter vencido. Primeiro porque há muito tempo Hollywood não tinha uma "Namoradinha" (a última foi Sandra Bullock), segundo porque ela realmente tem talento (embora acredite que a superestimação da mídia esteja sendo maior que o próprio talento que a atriz tem), mas realmente não era uma categoria de grandes disputas e o prêmio estava mais pra óbvio do que algo divertido e surpreendente.

MELHOR DIRETOR
Alfonso Cuarón

Nota: Mais do que merecido, só pelas dificuldades técnicas sofridas e a pesquisa realizada pelo diretor que resultaram em um dos filmes mais surpreendentes do ano no quesito técnico, já deixavam explícito seu favoritismo. Muito embora este reconhecimento possa não ser repetido no Oscar.

MELHOR ROTEIRO
Spike Jonze

Nota: Faz muito tempo que este diretor/roteirista merece um reconhecimento destes, sem falar que faz tempo que ele não recebe uma grande promoção tal qual vem recebendo desde Quero Ser John Malkovich. É um cara com idéias esquisitas, que desenvolve histórias esquisitas, mas que nesse mundo esquisito consegue criar uma atmosfera tão real e sensível que é impossível não adorá-lo.

domingo, 12 de janeiro de 2014

APENAS PARA FÃS DO GÊNERO...

★★★★★
Título: Somos O Que Somos (We Are What We Are)
Ano: 2013
Gênero: Horror, Mistério, Drama
Classificação: 16 anos
Direção: Jim Mickle
Elenco: Bill Sage, Ambyr Childers, Kassie Wesley DePaiva, Kelly McGillis
País: Estados Unidos
Duração: 105 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
A família Parker é tradicional, e segue um ritual antigo que já existe há gerações. Eles se encontram em uma situação de risco depois que a morte de um membro da família coloca todas as responsabilidades em cima das irmãs Iris e Rose em seguir com essas tradições.

O QUE TENHO A DIZER...
O filme é uma versão americana do mexicano Somos Lo Que Hay (2010), e segue tipicamente um estilo de horror que não é agradável para muito espectador, um estilo fora de circuito, típicos para o público de Sundance, onde o roteiro está muito mais interessado em desenvolver a história e as situações até um clímax final por vezes chocante, e que foge de qualquer expectativa.

Tecnicamente ele tem lá suas qualidades e as atuações estão bem acima da média para um elenco desconhecido e para a história desenvolvida, mas não há como negar que seja desconfortável. Para quem assistiu Stoker (2012) e gostou, que foi outro filme de horror um tanto esquisito lançado em 2013 com Mia Wasikowska e Nicole Kidman, provavelmente também gostará deste. Mas ao contrário de Stoker, que tenta justificar a psicopatia dos personagens principais a partir de seus pontos de vista, traumas e razões que justifiquem a progressão desta doença, Somos O que Somos tenta justificar as ações dos personagens a partir de uma cultura ancestral pouco esclarecida em roteiro, o que deixa boa parte da história vaga e perdida, soando apenas algo inconsequente ao chegar no ato final.

A apresentação, toda trabalhada em filtros visuais e imagens desfocadas, numa fotografia até bonita, deixa dúvidas se será um filme de horror baseado no sobrenatural ou não, mas após a introdução as coisas ficam mais claras e um tanto óbvias até termos a certeza de que ele abordará temas antropofágicos, religiosos e até psicológicos.

Para os Parker, a religião e a crença estão em primeiro lugar, e eles seguem um diário ancestral que é repassado para as gerações seguintes, cuja responsabilidade sempre fica ao filho mais velho (aparentemente depois da matriarca, que é a responsável por todo o processo ritualístico). O diário detalha este ritual que hoje é realizado por eles de tempos em tempos, e é o que vai justificar a apresentação do filme e, inclusive, a demência que vai tomando conta de Frank, o patriarca.

A verdade é que a história é baseada na doença chamada Doença de Kuru, ou Doença de Creutzfeldt-Jakob, estudada e reportada pela primeira vez na década de 20, na Alemanha. Também se baseia na epidemia que ocorreu em Papua, na Nova Guiné, nas décadas de 50 e 60 entre pessoas que faziam parte de tribos que realizavam rituais antropofágicos. Durante os rituais de passagem, essas tribos se alimentavam do cérebro do familiar morto, e o que se sabe é que esta doença é transmitida pelos príons através da ingestão da carne contaminada, que são agentes infeccioso que não virais, nem bacterianos ou fungicos, portanto não conseguem ser combatidos, sendo letal para o indivíduo ou animal que o contrair. Por isso a ocorrência da epidemia em Papua. Posteriormente, descobriu-se uma variação moderna da doença em animais, a popularmente conhecida Doença da Vaca Louca.

Os sintomas são a perda de memória, tremores e demência, e se manifestam geralmente a partir dos 40 ou 50 anos de idade nas pessoas contaminadas, em sua maioria mulheres. No filme os personagens acreditam que esses sintomas sejam um reflexo da falta de fé e uma manifestação divina de que é o momento de ser realizado o ritual. As irmãs Iris e Rose não possuem a doença manifestada, portanto se questionam se o ritual realmente é necessário, e esse questionamento as colocarão em conflito com seu pai, que já está com a doença desenvolvida e todos os sintomas latentes, mas como ele não sabe disso, acredita que seja uma punição divina.

Foi uma sacada até interessante utilizar uma base científica e um fato histórico para dar profundidade a um filme de horror, ousado até, mas o momento da revelação de tudo isso é um momento tão breve e rápido que ele não apenas aparenta ser fictício como uma justificativa banal para quem não souber da existência da doença ou não pesquisar a veracidade das informações. A falta de uma explicação mais didática e condensada deixa a história superficial, e que a antropofagia pela antropofagia acaba sendo simplesmente para o bem do horror sanguinário da história e para justificar uma psicopatia latente. De qualquer forma, não é um filme de horror para qualquer um, mas impacta e até consegue construir uma atmosfera um tanto sombria.


CONCLUSÃO...
O final do filme chega a ser chocante e um tanto desnecessário, mas conclui a moral do título. Mas não chega a ser algo muito relevante no gênero, apenas um diferencial para satisfazer unicmanete os verdadeiros fãs do gênero.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

WOODY NA MELHOR FORMA...

★★★★★★★★★☆
Título: Blue Jasmine
Ano: 2013
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Woody Allen
Elenco: Cate Blanchett, Alec Baldwin, Sally Hawkins, Peter Sarsgaard
País: Estados Unidos
Duração: 98 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Jasmine é uma socialite que não está mais com seu marido, e embora aparente ter milhões, está sem casa e dinheiro no bolso, e agora volta a São Francisco para morar com sua irmã adotiva.

O QUE TENHO A DIZER...
Vamos encarar o fato de que eu definitivamente não sou um daqueles fãs disciplinados de Woody Allen que colecionam seus filmes desde a década de 70 e que tiram o pó da prateleira Woody Allen toda semana onde, de cima pra baixo, estão as coleções em VHS na primeira prateleira, depois as coleções de DVD, as de Blu Ray, e abaixo os livros: biografias, antologias, fotobiografias e peças teatrais. Mais abaixo, quase ao chão, as revistas de cinema, recortes de resenhas dos críticos mais honoráveis e respeitáveis, e entre uma prateleira e outra, souvenirs de pontos turísticos de Manhattan citados em seus filmes para cobrir buracos de uma ordem cronológica que ainda não foi completada.

Também vamos encarar o fato de que eu não tenho articulação suficiente para dialogar sobre seus filmes na sua forma mais psicoanalítica possível, e que também não vou levantar do sofá e esbravejar uma tese de doutorado quando alguém disser que não gostou, por exemplo, de O Escorpião de Jade (The Curse Of Jade Scorpion, 2001), ou que considera Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (You Will Meet a Tall Dark Stranger, 2010) um de seus piores filmes.

Vamos encarar também que eu nasci na década de 80, comecei a assitir filmes com 8 anos de idade e, por mais precocemente entendido que fosse aos 14, ainda era muito novo pra compreender seus filmes e personagens que sempre foram partes de suas próprias neuroses e complexidades. Talvez seja por isso que hoje aprecio os seus filmes com muito prazer, principalmente depois que ele descobriu que existe um mundo fora de Nova York, e que a esquisitice humana é presente em todos, não somente nele.

Blue Jasmine é mais um de seus filmes de uma safra pós autoconhecimento, vindo de uma temporada européia que renovou seu próprio estilo e o tornou mais acessível e agradável, saindo da autoanálise para focar em objetos que não seja ele, ou sobre ele, ou sobre o que o atormenta (embora seu estilo esteja presente o tempo todo), o que vem acontecendo com muito entusiasmo em seus títulos na última década.

O objeto de análise agora é Jasmine (Cate Blanchett), uma socialite casada com um poderoso empreendedor (Alec Baldwin) que, da noite para o dia, perdeu absolutamente todo e qualquer resquício de sua fortuna, deixando-a apenas com as roupas do corpo e com aquelas que couberam no seu conjunto de malas Louis Vuitton. Nem ao menos as jóias ela pode manter, já que precisou vender todas a preço de barganha para conseguir sobreviver temporariamente de alguma forma. Sem dinheiro ou ter onde morar, busca ajuda de sua irmã adotiva Ginger (Sally Hawkins), a qual ela sempre desprezou e teve vergonha por levar uma vida modesta e popular, sem qualquer característica considerável para poder fazer parte de seu círculo refinado ou até mesmo ser convidada para seu aniversário requintado.

Jasmine agora não tem futuro definido e não possui qualquer outro talento além de se vangloriar de viagens, pessoas que conheceu, bebidas que bebeu e supérfluos que nunca fizeram a menor diferença em sua vida além de entreter e conquistar aqueles que igualmente se importam com isso, já que toda a sua vida era mantida e alinhada pelo marido, portanto, nada da vida ela sabe, muito menos como sobreviver sozinha.

Não há dúvidas de que ela consegue ser uma mulher encantadora, que se esforça no excesso de etiqueta, educação e classe numa exigida conveniência social para ser alguém agradável o tempo todo, o que a fez esquecer completamente até mesmo de quem ela essencialmente é. Woody consegue desmontá-la peça a peça, colocando-a em situações tão expressivas e em ambientes tão destoantes da realidade banal que ela vivia que a personagem aos poucos se torna antipática e intolerável, que mesmo com o choque de realidade sofrido ao encarar seu novo subemprego, ou o bairro simples que agora mora, e na vida de divertimentos baratos e comuns das pessoas a sua volta, ela consegue se adaptar ou remodelar suas atitudes e comportamentos, por mais que tente e se esforce. E assim a tragetória desta heroína se tranforma em uma viagem emocional densa e profunda que, apesar de tudo, consegue conquistar a compaixão do espectador e até mesmo se identificar com essa desconexão com o mundo em algum momento.

Sem dúvida o humor sarcástico e classudo do autor está presente o tempo todo para alguns momentos da risada desperta pelo constrangimento alheio, na sua clássica forma de levar a seriedade no tom absurdo e caricato sem deixar de ser pontual, mas nada disso alivia o peso que Jasmine carrega e o buraco autodestrutivo que ela cava e se joga cada vez mais por conta de situações que deixaram-na perdida, sofrendo de pânico, paranóia e de uma distimia emocional que beira a bipolaridade. Mas ela mantem-se firme na pose virtuosa e iludida de si mesma para impedir que os outros vejam os cacos dispersos que ela realmente é, sendo capaz de ficar horas falando sobre si mesma e vangloriando-se de louros do passado para continuar no apego de uma vida que ela não possui mais.

Vamos supor que, como o crítico Dave White disse (e pelo que muito de seus filmes já mostraram), Woody odeie todo mundo e que sua misantropia seja a grande responsável por essa constante autorepugnância que agora se extende a seus personagens de maneira aleatória. Por isso ele é cruel, e não poupa qualquer personagem do sofrimento, do principal ao figurante, nem que este sofrimento seja momentâneo o suficiente para ser esquecido. Mas com Jasmine o cuidado pela destruição é refinado, como se ele amasse odiá-la, fazendo de todo o filme um processo sádico e lento de amorosa vingança por uma vida fútil que ela escolheu, pois apenas para ela a felicidade é algo momentâneo e esquecível, e nenhum tapa em sua cara é o suficiente para impedi-la de, até mesmo, julgar a vida de sua irmã como algo sem graça e desinteressante, anulando-se completamente da situação que ela se encontra, o que nada mais é do que a ostentação da mentira que ela mesma contrói sobre si para acobertar a inveja e recalque de uma felicidade que ela nunca teve, nem mesmo quando acreditava ter.

Cate Blanchett realmente consegue construir uma personagem sólida e convincente dentro dos propósitos usuais do diretor, em uma postura de refinamento exagerado de alguém que, no passado, obviamente foi uma reles suburbana, uma alpinista social que conseguiu se transformar em uma mulher luxuosa e sofisticada, porém deslumbrada sem propósitos (isso fica óbvio quando seu nome verdadeiro é revelado). O filme também não deixa de ter suas críticas sociais sobre a força dos relacionamentos aparentes e os laços de conivência, interesse e conveniência que são criados entre as pessoas, além da insistência da maioria em dar valor ao que não há valor algum, da criação de mentiras e falsa imagem que criamos para sermos notados como algo relevante em uma sociedade vazia e tão caricata quanto seus personagens.

Essa diferença de comportamento social é simbolicamente nítida quando Ginger pergunta a seu marido em um quarto barato de hotel se ele contaria a um amigo que o mesmo está sendo traído, caso descobrisse. Ele categoricamente diz que sim, justificando que os amigos existem para resguardar uns aos outros. De forma irônica, aproximadamente uma hora de filme depois, Jasmine se encontra com uma amiga em um requintado café. Sua amiga sabia que Jasmine estava sendo traída há muito tempo (não apenas ela, como todos), mas ninguém nunca disse nada, pois a consideração existente dentro da sociedade que vivem é diferente, havendo o incessante desinteresse por aquilo que não tem valor material algum, e Woody pontua essas diferenças a todo momento e em diferentes situações e nuances.

Novamente é um filme em que Woody Allen pisa com maestria entre a comédia e a tragédia no seu mais clássico significado (e embora tenha uma levada cômica, o filme é uma tragédia em sua essência), em um equilíbrio técnico em roteiro e direção que ele outra vez atinge por conta de sua insistência metódica por esses dois temas que ele vem desenvolvendo nos últimos anos obsessivamente.

CONCLUSÃO...
Não é à toa que os críticos tem considerado Blue Jasmine como o melhor e mais refinado drama do diretor. Deliberadamente equilibrado na discussão comédia/tragédia, além de ser categórico nas ironias da vida e do destino da personagem principal e uma crítica às crueldades de uma sociedade banal. Uma história muito bem contada e uma trama com algumas surpresas até bastante interessantes que sem dúvida faz dele um dos melhores filmes de 2013, e um dos melhores na longa tragetória do diretor.
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