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segunda-feira, 3 de abril de 2017

24 POR 1/2 DÚZIA...

★★★★★★☆
Título: Fragmentado (Split)
Ano: 2017
Gênero: Suspense, Fantasia
Classificação: 14 anos
Direção: M. Night Shyamalan
Elenco: Anya Taylor-Joy, James McCavoy, Betty Buckley, Haley Lu Richarson, Jessica Sula
País: Estados Unidos
Duração: 127 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Três garotas são raptadas por um homem que sofre de dissociação de personalidade. Diagnosticado com 23 alter-egos, dois deles tentam fazer o 24º deles emergir, o mais poderoso e dominante de todos, enquanto as três tentam escapar do cativeiro antes que seja tarde demais.

O QUE TENHO A DIZER...
Depois de O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), M. Night Shyamalan nunca mais conseguiu repetir o mesmo sucesso de crítica. Apesar de tudo, o público continuou a seguí-lo e engordar a bilheteria de seus filmes. Aos poucos, até aqueles que um dia se diziam fãs, começaram a perder o interesse nos filmes autorais do diretor, que sempre tinham uma grande premissa e um interessante enredo, mas que no fim pecavam no desenvolvimento e em conclusões tolas. Todos eles tentando, no fundo, repetir o mesmo elemento surpresa que, em 1999, funcionou tão bem.

Shyamalan nunca escondeu sua vontade de ser conhecido como um diretor autoral, com uma assinatura própria, e essa obsessão lhe custou um tanto caro no decorrer da carreira. Claro que um ou outro filme chamou a atenção, como Corpo Fechado (Unbreakable, 2000) e Sinais (Signs, 2002), mas, no geral, ele amargou uma antologia de fracassos, filme após filme.

Foi com o inesperado sucesso de A Visita (The Visit, 2015), o primeiro filme independente e produzido por ele mesmo, que, depois de 16 anos, o diretor viu uma luz no fim do túnel. O filme foi, no geral, elogiado pelo seu clima sombrio, generosas doses de terror e violência, com um tom cômico que funcionou muito bem. Pela primeira vez em muito tempo, o longa foi bem recebido pela crítica e pelo público. Parecia que ele havia retomado à sua forma, ou repensado que, para um bom filme, não era necessário tantas reviravoltas inúteis. Shyamalan justificou, atribuindo o fracasso de seus filmes anteriores ao controle dos estúdios, e que pelo fato de A Visita ser um produto independente, ele mesmo pode tomar suas próprias decisões durante todo o processo.

Fragmentado parecia ser um resultado disso, e pelo título original, poderia-se até supor que fosse uma referência indireta a Corpo Fechado, no qual o título original, Unbrakeable, soa como um antônimo. Corpo Fechado é um de seus filmes mais comentados depois de O Sexto Sentido, uma produção que, de certa forma, foi o grande precursor daquilo que viria a ser o que os filmes de super-heróis e a exploração do universo dos quadrinhos se tornaram.

Trabalhando em cima de um personagem com múltiplas personalidades, o filme carrega um "quê" de Identidade (Identity, 2003), de James Mangold (que recentemente dirigiu o dramático Logan), mas de uma forma um pouco mais inchada na fantasia, característica de seu estilo. Sem titubear, o filme começa com um interessante tom slasher movie, com uma abertura similar àquela que Wes Craven e Kevin Williamson criaram tão bem na série Pânico

A história é progressiva e lenta, e não há como negar que Shyamalan consegue criar um ambiente atemorizante e apreensivo com pouco em suas jogadas de câmera, lentas aproximações, e constante domínio do cenário que os personagens estão inseridos. Isso é uma de suas qualidades, que sempre estiveram presentes em todos seus filmes, e aqui ele consegue criar um terror psicológico tal qual feito em seu filme anterior.

Aos poucos tudo vai ganhando forma. O personagem vivido por James McCavoy vai ganhando densidade conforme suas outras personalidades se revelam, enquanto a protagonista, vivida pela excelente Anya Taylor-Joy (de A Bruxa, 2015), volta a surpreender aqui.

Mas nem tudo são flores.

O roteiro tenta, por vezes, ser sério demais, embutindo flash backs para contar uma história de abuso da protagonista e garantir a ela um passado perturbador, o que se torna uma infeliz tentativa de montar uma moral final de que, por mais que o vilão aparente ser hediondo, tanto ela, quanto ele, são resultados de traumas similares. Mas enquanto ela cola seus fragmentos, o antagonista deixa emergir personalidades que possam emponderá-lo, esconder suas fraquezas e defendê-lo de diferentes situações em 23 personalidades que James McCavoy consegue dar conta de meia dúzia delas, já que as demais só são citadas.

De uma forma ou de outra, a história pregressa de Casey acrescenta nada na história, servindo muito mais como um elemento disperso do que algo realmente consistente. Seria consistente se fosse um filme apenas sobre ela, pois é um tema pesado e que merecia maiores cuidados, mas Shyamalan o utiliza apenas para voltar naquele seu clássico elemento de que tudo na vida há um significado e que este significado terá uma grande importância na vida em algum momento, um elemento que ele utilizou bastante para concluir seus filmes anteriores, mas que aqui ele constrói de maneira diferente para tentar fugir do óbvio.

Mesmo assim, tudo parecia bastante organizado, até a 24ª personalidade aflorar, aquela mais forte e dominante, o verdadeiro mal embutido no ser humano, em uma metáfora ao comportamento animal e primitivo que consegue pegar tudo que havia sido bem construído até então e cair no simples absurdo fantasioso de sempre do diretor. Não havia necessidade de caracterizar o personagem da forma como foi feito, e se Shyamalan tivesse mantido a mesma atmosfera mais humana e realista de Corpo Fechado, em que os personagens são a personificação do maniqueísmo, o resultado teria sido mais coerente e satisfatório do que vê-lo andando por paredes, gritando e ofegando para nada.

Não é de todo um filme ruim, mas é Shyamalan novamente pecando no excesso, construíndo tudo muito bem para terminar no exagero. E aquele final surpreendente que é esperado, resulta em algo frustrante, como uma bexiga furada. O fim da história não satisfaz, mas o fim do filme sim, e talvez tenha sido o que garantiu o seu sucesso. Parece contraditório, mas comentar sobre ele é estragar o único elemento surpresa dos quase 120 minutos. Será compreensível para quem entender as referências diretas que o diretor fez dele mesmo, criando um universo próprio e que o público sempre esperou. Uma história paralela a outra que já assistimos anos atrás.
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