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domingo, 23 de setembro de 2018

EMOCIONALMENTE CONSISTENTE...

★★★★★★★☆☆☆
Título: Maniac
Ano: 2018
Gênero: Drama, Fantasia, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Jonah Hill, Emma Stone, Justin Theroux, Sonoya Mizuno, Sally Field
País: Estados Unidos
Duração: 60 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Dois estranhos se cadastram em uma empresa farmacêutica para realizarem uma série de testes com um droga em desenvolvimento que promete curar todos seus problemas.

O QUE TENHO A DIZER...
Ao contrário do que se pode imaginar, Maniac não é uma idéia original, mas uma adaptação norteamericana de uma série norueguesa de mesmo nome. Na série original, Espen é o personagem principal, uma pessoa que todo mundo gosta. Um cara agradável e que sempre encontra soluções para tudo. Mas na verdade isso é o que se passa dentro de sua cabeça por conta de um tratamento psiquiátrico no qual está submetido, já que ser Espen na vida real é completamente o oposto.

Com algumas mudanças aqui e ali, mantendo (talvez) a mesma premissa, nesta adaptação conheceremos Owen (Jonah Hill) e Annie (Emma Stone), dois estranhos que não se conhecem e que de alguma forma se encontram desconectados do mundo real. Owen por sofrer de esquizofrênia e despersonalização, e Annie por ter depressão e comportamento autodestrutivo. Os dois vão parar em uma empresa farmacêutica que está recrutando pessoas dispostas a realizar uma série de testes para o desenvolvimento de uma nova droga. Owen porque acredita que possa ser curado de seu problema, e Annie porque simplesmente quer ter acesso à substância e continuar vivendo no mundo do nada.

Maniac, embora possa ser carregado de momentos dramáticos honestos por conta da beleza e sutileza com que desenvolve os protagonistas, e principalmente pela interpretação atenta a detalhes tanto de Emma Stone como de Jonah Hill (o cara simplesmente domina todas as cenas), também tem seus momentos de humor negro. Mas seu foco é, desde o princípio, dissertar sobre a fantasia e imaginação humana, e como de perto realmente nenhuma pessoa é normal, ao mesmo tempo que é essa complexidade que nos faz humanos.

Dirigido e escrito por Cary Fukunaga, criador do premiado True Detective, da HBO, e também por ter dirigido uma das primeiras grandes produções originais do Netflix, Beasts Of No Nation (2015), já podemos imaginar que densidade é o que não vai faltar. Só que ao contrário de seus outros trabalhos, aqui ele alivia a mão da realidade e mergulha de cabeça numa imaginação fundamentada em preceitos psicoanalíticos de transtornos psicóticos e depressivos, como a esquizofrenia, paranóia, pânico, egocentrismo, dentre outros, para desenvolver uma narrativa que, mais do que fantástica, é humana e sobre as diferentes formas que temos de nos encontrar como seres no espaço em que vivemos, e de como nossa mente é capaz de criar esses dispositivos para nos salvar de dores, traumas e angústias, mesmo que para isso se pague o preço caro da incompreensão e do desajuste social.

Há um momento em que um dos personagens diz que ninguém deveria dizer o que a outra pessoa tem antes que ela mesma descubra. A razão nessa afirmação é porque, além de cruel, é como rotular e lacrar aquilo que aquela pessoa será para o resto da vida, ao contrário daquela que, quando descobre por si só, não apenas tenta encontrar as razões, mas aprende a conviver com o problema ao invés de querer encontrar uma cura para ele que não existe, com a própria Annie chega a afirmar em um determinado momento.

O seriado é construído exatamente para uma plataforma streaming, daquela maneira em que ninguém consegue desgrudar os olhos dele enquanto não chegar no último episódio. Não porque ele realmente seja tão intrigante assim ao ponto de fazê-lo naturalmente, mas porque o formato e a maneira como seus episódios se apresentam obriga o espectador a isso.

Os primeiros episódios prendem a atenção, os episódios centrais enchem a linguiça necessária para dar conteúdo a 10 episódios, e os episódios finais vão direto ao ponto que o espectador espera quando a sensação de que nada mais faz sentido, ou de que a história esteja repetindo os mesmos temas, mas com outras roupas, começa a surgir.

E esse é o grande problema da produção que, por se tratar de uma minissérie (com começo e fim declarado, pelo menos até segunda ordem), poderia ter sido mais enxuta. Todos os devaneios das histórias fantasiosas que é desenvolvida nos episódios centrais, que vagam desde O Fantástico Mundo do Dr. Parnassus até Matrix, tem fundamento em suas repetitividades, mas novamente falham, como no filme A Origem, em tentar transportar o espectador para um mundo onde a lógica e a razão não existem, apenas os simbolismos e as emoções. Os sonhos policiais, aventurescos e misteriosos que ocorrem se tornam esquetes com apenas alguns detalhes da vida dos protagonistas que já tínhamos visto antes para sabermos que seus devaneios nada mais são do que resgates disso, ao invés de nos dar uma sensação mais consistente de que alguma compreensão de suas vidas de fato esteja acontecendo. Momentos desconexos de toda a maravilhosa introdução, ou dos muito bem construídos episódios iniciais e finais que, quando agrupados, oferecem um resultado melhor do que a série em toda sua integralidade. Esses devaneios tolos não deixam de ser divertidos e até emocionantes, mas dispersam do delicado e complexo tema principal, aquele que a gente só vai lembrar que existe no fim.

O bom é que, mesmo com muitos desenvolvimentos desnecessários, existe um charme visual na produção que é o atrativo extra de um mundo que soa esquisito, mas identificável; simplório e distante, mas confortável. Nada de ficções científicas e biotecnologia invasiva. A inteligência artificial existe e está difundida como estão nos celulares, mas a maneira devastadora como ela é retratada em outros filmes é amenizada até mesmo quando a impressão que se tem é que veremos novamente mais uma assustadora sabotagem, como a do computador Hal em 2001.

Seja nos equipamentos eletrônicos datados, porém com funcionalidades extremamente atuais, numa total contravenção ao cyberpunk 80tista; seja uma homenagem os seriados japoneses igualmente dos anos 80 (os conhecidos Tokusatsus), cheios de personagens caricatos, expressividade exagerada e cientistas malucos mergulhados em laboratórios cobertos de botões e fios elétricos; serão esses elementos, assim como o proposital amadorismo de algumas cenas, que fazem o seriado ser uma divagação leve sobre a psiquê e o comportamento humano, e não aquela masturbação mental massante e cansativa. Até os raros momentos violentos não soam violentos, mas sátiras desse gênero, como no episódio em que um personagem vira uma peneira com tantos tiros. A situação é tão caricata que é impossível conter a gargalhada.

Agora, nada melhor para complementar o cuidado visual do que uma trilha sonora memorável. E nesse quesito, Dan Romer, o compositor responsável, consegue o maior êxito (e um dos maiores cartões de visita do seriado) que é, obviamente, unir o som e a imagem, amarrando com coerência e transformando tudo isso em uma enxurrada sinestésica, onde as diferentes sensações são sentidas desde aquele crescente instrumental que parece que vai arrebentar o peito, até aquele violino de arrepiar o fio do cabelo. Momentos que aumentam a tensão e a expectativa, da mesma forma que aumentam sentimentos dramáticos e motivantes. A trilha sonora é realmente mágica na sua simplicidade e em toda a excêntrica fotografia.

E são essas coisas que, apesar de Maniac muitas vezes escorregar no seu timing e até mesmo exagerar no seu conteúdo, ainda sim consegue ser um entretenimento delicado e emocionalmente consistente sem ser piegas ou melodramático. Uma viagem com um esquisito glamour sobre a dificuldade de ser o que somos.

sábado, 22 de setembro de 2018

E O TRIOZINHO VOLTA...

★★★★★★☆☆☆☆
Título: Tully
Ano: 2018
Gênero: Drama, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Jason Reitman
Elenco: Charlize Theron, Mackenzie Davis, Ron Livingston, Mark Duplass
País: Estados Unidos
Duração: 95 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma babá noturna é contratada para ajudar com o filho recém nascido de uma mãe de três.

O QUE TENHO A DIZER...
Quando Jason Reitman leu o roteiro de Juno (2007), ele quis dirigí-lo imediatamente. O filme foi um sucesso surpresa na carreira do diretor, e catapultou Diablo Cody de ex-stripper e jornalista a uma das roteiristas mais promissoras de Hollywood ao ganhar o Oscar por Melhor Roteiro Original em sua estréia.

Com um seriado premiado (United States Of Tara, 2009) e um filme de horror adolescente fracassado depois (Jennifer's Body, 2009), Cody não parecia ter a ascenção que esperavam. Reitman continuou acreditando, e persistiu na parceria, dirigindo em seguida Jovens Adultos (2011), também estrelado por Charlize Theron.

Aqui o trio Cody, Reitman e Theron se repete pela segunda vez. O que não é ruim, pois embora o filme anterior acabe tendo seus momentos claudicantes, Theron sempre (e sempre mesmo) sabe o que fazer em frente uma câmera; Reitman sempre sabe ser dirigido pelos seus atores mais do que ele dirigí-los; e Cody...

... bom, Diablo Cody é uma roteirista que sabe criar personagens complexos (ou ao menos tenta). Multifacetados, cheios de camadas dramáticas, que vagam entre o cativante e o antipático nas mesmas passadas. Todos sempre baseados em figuras reais e experiências pessoais. Eles nunca sofrem glamourizações desnecessárias, ou um excesso de banho Hollywoodiano para serem aquilo que não pretendem e não devem ser. Em nenhum momento seus personagens forçam empatia com o público.

Não é à toa que a personagem de Theron em Jovens é irritante, inconveniente e afrontosa, mas nem por isso deixa de ser cativante porque seus comportamentos vem de traumas e experiências desagradáveis que teve na vida, o que a faz ser compreensível, mas não necessariamente simpática, mas naturalmente cria uma conexão com o espectador em algum momento ou outro. Até mesmo no grande erro que é Ricki And The Flash (2015), a personagem de Meryl Streep é bem dosada nos mesmos princípios, ou Juno, a menina dos olhos de Cody, de uma petulância que consegue tirar qualquer um do eixo por ser inteligente, porém adolescente. E para quem assistiu United States Of Tara, essas multicamadas são explicitas na satírica e metafórica dissociação de personalidades da personagem de Toni Collette. E nessas construções conseguimos entender as motivações e desmotivações de cada um.

Mas ao mesmo tempo que na teoria tudo parece muito bem estruturado, a execução nem sempre é tão virtuosa assim porque Cody costuma desviar seus focos de atenção para situações um tanto peculiares, querendo muitas vezes construir análises observacionais de uma sociedade norteamericana esquizofrênica, histérica, estereotipada, acomodada, preguiçosa e pessimista. Pois é, uma complexidade bonita no tema, mas que ela não consegue valorizar como deveria por imprimir visões bastante particulares, ao invés de trabalhar dentro de uma linguagem mais universal e linear para uma assimilação que não precisa ser didática, mas poderia ser mais direta.

As idéias e os comportamentos contraditórios dos personagens conseguem exercer esse papel autoreflexivo, e suas histórias, que sempre são representações de um pedaço da vida do personagem (o estilo narrativo conhecido como "slice of life"), muitas vezes tentam seguir tão à risca essa premissa que as rotinas daquele momento da vida escolhido para construir a narrativa não só é dispensável como também se tornam monótonas. E quando ela arrisca se aprofundar mais em algum drama ou alguma situação mais consistente e que fuja do cotidiano de pessoas comuns, como acontece aqui, a resolução não se mostra tão grandiosa quanto poderia, porque não se encaixam com a realidade que ela cria.

Como dito, Theron sabe o que fazer. Aqui ela não está irreconhecível como em Monster (2003), mas faz questão de sair da pose de estrela ao se ultra caracterizar para a personagem, engordado 20 quilos, usando moletom e pouca maquiagem, tentando ser como a mais comum das pessoas que você poderia encontrar no dia a dia. E mesmo assim, é impossível desgrudar os olhos dela e de seu talento que é nato e hipnotizante (sem falar da beleza) que chega a ser constrangedor comentar porque parece tietagem avulsa, mas não é.

Marlo (Theron) é mãe de três filhos: uma garota mais velha, um filho do meio com um grau brando de autismo ou algo do tipo, e uma recém nascida. Ela é a típica mãe e dona de casa norteamericana, que ama seu marido e que faz de tudo para seus filhos. Mas depois de ter sofrido de depressão pós-parto com o segundo filho, ela agora tem indícios de stress cumulativo. É nesse momento que entra Tully, a personagem de Mackenzie Davis, uma babá noturna que seu irmão rico deu de presente para que ela tenha, ao menos, noites bem dormidas.

Nesse momento a virtude de Cody entra, porque ela realmente aborda temas extremamente atuais e que a sociedade recrimina, como a depressão pós parto, a sobrecarga feminina dentro do conceito familiar, a imposição social de que mães nunca devem criticar a maternidade, dentre outros subtemas importantes, como o despreparo e a falta de informação da sociedade e até mesmo da própria família frente a um filho problemático, porque em nenhum momento o filme diz o que seu filho tem, e tampouco a protagonista sabe, como chega a demonstrar em um determinado momento.

É também uma analise feminina sobre a mulher moderna que não evoluiu na mesma dinâmica que a sociedade, que abriu mão de valores essenciais que cultivava por auto negação e até um pouco pela falta de indulgência própria. E ela o faz até com bastante delicadeza, mostrando que tudo isso, somado e multiplicado, pode ser uma bomba relógio na vida de uma mãe e de uma mulher que até pode ser casada e acreditar ser feliz na situação que está, mas faz uma caminhada isolada e solitária de sustentação familiar dentro de uma cultura ultrapassada sem sequer notar nada disso.

Só que quando Tully entra em cena, e que deveria ser o momento em que a história poderia incrementar seu ritmo e dar consistência em tudo aquilo que ela já havia apresentado, ou até mesmo a questionar a própria existência da protagonista de maneira mais direta e funcional, o filme perde seu tom. É Cody voltando a divagar sobre coisas que nada agregam. Discussões tolas sobre o dia a dia e desenvolvimentos banais que vão e vêm sobre uma rotina que o espectador podia construir na imaginação, sendo desnecessário esse didatismo. Funciona sobre o ponto de vista da personagem, mas não funciona diretamente sobre o ponto de vista do espectador.

O que posso dizer é que quando o filme atinge o ápice da sua história tudo isso fará mais de sentido, mas o espectador já está tão entediado que a resolução não chega a ser surpreendente como poderia.

Tully, que deveria ser uma personagem motivadora, que confrontasse os medos e receios de Marlo e que definitivamente mostrasse que nunca é tarde demais para resgatar coisas que se perderam com o tempo, é apenas uma faceta linear, sem grande expressividade, que apenas se mostra cansativa e intrometida quando em cena, e seus reais propósitos na trama se apagam, quando deveriam fazer exatamente o oposto.

Não é um filme ruim, mas tem aquele cansaço de Diablo Cody que sempre permeia suas histórias, e assim como Reitman sempre permite nos seus filmes com ela.

Outra vez uma história definitivamente maternal, sobre a maternidade e sobre o comportamento feminino. Se em Juno ela divaga sobre a maternidade precoce ao mesmo tempo que a adolescente se descobre mulher, aqui ela divaga sobre a maternidade tardia pelo lado de fora do arco-íris e sobre a redescoberta feminina. E claro, sobrando espaço para reflexões humanas, mesmo que por vezes banais, mas fundamentais para a sociedade.
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