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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

L'AMOUR TOUJOURS L'AMOUR

★★★★★★★★★☆
Título: Amor (Amour)
Ano: 2012
Gênero: Drama
Classificação: 16 anos
Direção: Michael Haneke
Elenco: Emmanuelle Riva, Jean-Louis Trintignant, Isabelle Huppert
País: Áustria, França, Alemanha
Duração: 127 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Anne e Georges é um casal idoso feliz, que vivem do amor, companheirismo e cumplicidade, mas que agora terão de lidar com dificuldades que colocarão esta relação de longa data a prova.
O QUE TENHO A DIZER...
O filme é dirigido e escrito por Michael Haneke. Embora seja um diretor alemão bastante ativo, é ultimamente mais lembrado por seu penúltimo filme, A Fita Branca (The White Ribbon, 2009), filme pelo qual concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2010, além de ter vencido diversos outros importantes prêmios por todo o mundo.
Até agora o filme não apenas tem sido bem recepcionado pela crítica como também pelo público, e foi um dos destaques no festival de Cannes, ganhando a Palma de Ouro.
Conta a história de Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), um casal francês de idosos que foram importantes professores de música nos anos 80. Eles vivem uma vida comum e feliz, baseada no amor construído pelas afinidades e no companheirismo de longa data. Porém, numa manhã, Anne sofre um acidente vascular cerebral devido ao entupimento de uma artéria. Por conta disso ela perde os movimentos do lado direito do corpo e ambos vêem suas vidas e decisões mudarem radicalmente. Tentando ultrapassar e romper os obstáculos das novas dificuldades, Georges está disposto a ir até suas últimas consequências dos limites físicos e psicológicos para manter Anne não apenas o mais próximo possível, mas viva, assim como a necessidade e o amor de um pelo outro.
Amor é um filme que, dentro de sua simplicidade, é ao mesmo tempo belo e triste, como o próprio título que carrega. Ele já começa num clima de leve angústia, e dessa forma ele se mantém até o fim reproduzindo as tristes naturezas da vida. O plural é adequado, já que ele é um conto sobre o envelhecer e a morte na forma mais verdadeira possível, cheio de simbolismos discretos e verdadeiros sobre a natural necessidade do ser humano pelo amor e companheirismo e da dependência que desenvolvemos uns aos outros até a triste hora da morte.
De alguma forma o filme me lembra de Baleias de Agosto (The Whales Of August, 1989), com Bette Davis e Lillian Gish, que trata do envelhecer e da vida metódica de duas irmãs que chegaram ao fim de sua tragetória, e nada mais resta para elas do que aguardar o triste momento da partida no companheirismo uma da outra, por maiores que fossem as diferenças entre ambas.
Haneke desenvolve o filme de maneira bastante lenta e pausada, preso dentro de um espaço e tempo, conseguindo transpor efetivamente a realidade de personagens dentro de suas limitações da idade, da força de vontade de viver e manter os laços da cumplicidade. Eles tentam correr contra (ou a favor) de um relógio biológico que não espera, e que inevitavelmente irá parar em um inesperado momento.
Numa ironia da vida, os próprios atores são aquilo que vivem e suas atuações extrapolam o limite entre a pessoa e o personagem. Emmanuelle Riva tem sido ovacionada pela crítica por sua interpretação, tanto que sua vaga para as finalistas ao Oscar é praticamente garantida, e não por menos. Sua atuação ultrapassa o convincente, sendo um retrato fidedigno de pessoas que vivem situações semelhantes numa doença cujas sequelas são extremamente limitantes, tanto para quem sofre, como para quem cuida. Sem dúvida sua atuação viceral é emocionante e sensível em todos os momentos e aspectos, dando um nó na garganta de como o ser humano, sim, é frágil e vulnerável. O mesmo a ser dito sobre Jean-Louis Trintignant, que volta a atuar depois de um hiato de sete anos. Seu personagem é exatamente o que Anne diz em um determinado momento do filme, às vezes um monstro, porém gentil, e ele vaga nessa personalidade contraditória magistralmente. As dificuldades físicas do ator não é uma atuação, mas ele as utiliza como um complemento e uma extensão dos sofrimentos que seu personagem passa, o que torna a experiência muito mais triste e sincera (atenção para a cena entre Georges e o pombo, que demorou dois dias e foi filmada 12 vezes).
O filme é construído de forma até bastante teatral, em um cenário que nunca sai dos limites do apartamento onde os protagonistas vivem, mostrando o dia a dia e a lenta degradação pela qual a situação de ambos os leva, dando pouco enfoque a momentos nostálgicos, já que eles causariam mais sofrimento além do sofrimento pelo qual já estão vivendo. Isso também alivia o espectador de cargas dramáticas desnecessárias e do melodrama cliché, sendo delicado nas abordagens e verdadeiro sem ser apelativo.
Enfim, um retrato triste, porém real, de um destino inevitável que todos nós estamos fadados, em menor ou maior grau.
CONCLUSÃO...
Um dos poucos filmes que mostram de forma bastante explícita e fidedigna a vida como de fato é no fim de sua tragetória, além da necessidade que temos do companheirismo e da dificuldade de aceitar o fim inesperado e inevitável. Por um momento o filme tenta surpreender em uma situação um tanto desnecessária ao chegar no seu ápice, podendo quebrar um pouco toda a delicadeza construída, transformando uma situação comum em um ato desesperado, mas mesmo assim ainda mantendo seu lado simbólico relevante. Lento e sem pressa, para que toda a situação seja sentida e absorvida, para que a vida tenha tempo de ser revista e repensada.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A CORRIDA MALUCA DO OSCAR 2013...

Quando a temporada de verão dos Estados Unidos acaba, começa a de premiações. Os filmes que entrarão nesse seleto grupo são sempre bastante previsíveis porque premiações comerciais são assim. Todo ano filmes são escolhidos como favoritos sem uma razão muito específica. Geralmente são selecionados mais por qualidades que mantenham os padrões de exportação da ilusão hollywoodiana. Por isso que raramente entram na lista comédias mais sarcásticas, filmes independentes, chocantes ou politicamente incorretos, justamente para dar lugar àquilo que eles julgam como os mais perfeitos exemplos do que de melhor deve ser mostrado sobre a cultura norte-americana.
 
Esse ano houve algumas mudanças nas regras da Academia, uma delas é a data de divulgação dos indicados que foi novamente alterada (ela já havia sido em 2004), antecipando o anúncio para o começo de Janeiro. Isso acaba aumentando um pouco mais as expectativas de uma festa que não surpreende mais, já que os indicados serão apresentados antes da entrega (ou na mesma data) de outros prêmios também importantes como Critics Choice, Independent Spirit, BAFTAs, SAGs e Globo de Ouro.
 
Com a temporada de premiações 2013 oficialmente aberta, já é possível prever o que vai entrar ou não na corrida do Oscar por conta da previsibilidade não apenas da crítica, mas também pelas listas de outros prêmios, já que alguns dos filmes ainda estão inéditos para o público no Brasil. Como sempre, nada vai fugir da zona de conforto, sendo mais um ano fraco, chato e familiar.
 
MELHOR FILME
Numa época em que Estados Unidos passa por um período de descrença, esse ano a tendência é para os filmes com temáticas cheias de sonhos e esperança porque é isso que eles fazem em períodos como esse. Portanto, a chance é maior para filmes como: Indomável Sonhadora (Beasts Of The Southern Wild, 2012), A Vida de Pi (Life Of Pi, 2012), Moonrise Kingdom (2012) e Os Miseráveis (Les Miserables, 2012), além da tentativa de resgatar heróis do passado na falta de exemplos atuais, como Lincoln (2012).
 
Entram também alguns "cults" na intenção apenas de aumentar as perspectivas. O mais forte talvez seja a busca implacável por Bin Laden em A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty, 2012), já que a Academia também adora consagrar aquilo que enalteça a cultura local. A lista segue com The Master (2012) e Django Livre (Django, 2012), que poderão ser substituídos por algum outro título como a comédia romântica O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, 2012) ou da persistência em promover o sucesso inesperado de Argo (2012).
 
Mesmo que a campanha seja grande para esses blockbusters, O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises, 2012), Os Vingadores (The Avengers, 2012) e o atual e elogiadíssimo 007: Operação Skyfall (Skyfall, 2012) poderão ficar de fora já que desde o absurdo de Titanic (1997) a Academia tem dado preferência aos mais consagrados pela crítica ao invés dos mais consagrados pelo público, como uma forma de "compensar" os títulos e promover os menos populares, já que é sabido que o interesse do público por títulos pouco conhecidos aumenta depois que entram na lista do Oscar.

MELHOR DIRETOR
Aposto que o trofeuzinho será disputado pelo trio principal:
 
1) Kathryn Bigelow (A Hora Mais Escura/Zero Dark Thirty), que volta ao tema de guerra e terrorismo que a colocou na história da Academia por ter sido a primeira mulher a receber o prêmio de Melhor Diretor em 2008 por Guerra Ao Terror (The Hurt Locker).

2) Ang Lee (A Vida de Pi/Life Of Pi), que depois de O Tigre e o Dragão (Crouching Tigger, Hidden Dragon, 2000) amargou com altos e baixos, mas é daqueles diretores que a Academia adora e sempre que possível vai colocar ele lá porque é o exemplo mais forte que liga a cultura ocidental e oriental da forma mais acessível possível, e o cara realmente merece.
 
3) Steven Spielberg (Lincoln) é a Meryl Streep dos diretores. Grande produções biográficas tem sempre sua vez, ainda mais quando é sobre um dos heróis patriotas mais influentes da cultura norte-americana dirigido por um grande nome. Pronto, fórmula da predileção feita.
 
Pode ser que uma surpresa aconteça com Ben Affleck (Argo), já que também adoram consagrar bons mocinhos que saibam fazer corretamente a lição de casa, como ele vem fazendo. Até porque faz tempo que Hollywood procura transformar algum jovem diretor em um grande ícone à sua imagem e semelhança.
 
Fora isso a lista pode ser completada por Tom Hooper (Os Miseráveis/Les Miserables), David Russel (O Lado Bom Da Vida/Silver Linings Playbook) ou Quentin Tarantino (Django Livre/Django), se ele tiver muita sorte.
 
Há possibilidades também para Wes Anderson (Moonrise Kingdom), que há muito já deveria ser figura carimbada na lista, ou Paul Thomas Anderson (The Master).
 
Não vai ter espaço para Christopher Nolan (O Cavaleiro das Trevas Ressurge/Dark Knight Rises), nem Sam Mendes (007: Operação Skyfall/Skyfall)  e muito menos para o sempre-independente Todd Solondz (Dark Horse), ou o meu preferido do ano, William Friedkin (Matador de Aluguel/Killer Joe), já que ele não se encaixa nos padrões de Hollywood.

MELHOR ATOR
Também com um triozinho matador liderado por Bradley Cooper, que agora oficialmente consagra sua ascenção como astro de Hollywood. O cara saiu de um seriado de televisão de sucesso (Alias, 2001-2006) para astro em Se Beber Não Case (The Hangover, 2009) e se arriscar como produtor no sucesso Sem Limites (Limitless, 2011) e O Lado Bom da Vida, filme pelo qual ele com certeza será indicado este ano. Só por ele já sair dessa zona de conforto, já é admirável.
 
Daniel Day-Lewis (Lincoln) e Joaquin Phoenix (The Master) vira e mexe aparecem na lista, mas nunca ganham. O primeiro por talvez já ter vencido duas vezes, e o segundo por talvez ser problemático, o que não preenche muito os requisitos dos bons moços. Mas por interpretar uma figura bastante popular e eles adorarem caracterizações e atuações sob boas maquiagens, Day-Lewis pode levar sua terceira estatátua pra casa assim.
 
Ainda podem entrar na lista, mas sem grandes chances de ganhar: John Hawkes (The Sessions), Hugh Jackman (Os Miseráveis/Les Miserables), Denzel Washington (Flight) e Matthew McConaughey (Matador de Aluguel/Killer Joe), o que seria muito merecido numa fase que está sendo, sem dúvidas, a melhor do ator.

Jean-Louis Trintignant não poderia ficar de fora por sua belíssima atuação em Amor (Amour), e tão grandiosa quanto de sua companheira de cena, Emmanuelle Riva, mas talvez fique. Torcemos que não.
 
Antes do filme ser lançado muita gente já cogitava Anthony Hopkins em Hitchcock, mas além da campanha do filme estar bastante fraca, Anthony costuma ter seus repentes de homem inglês e esnobar a Academia. Logo... é improvável.

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Confesso que sei pouco sobre eles, mas entre os mais cotados estão Alan Arkin (Argo), Philip Seymour Hoffman (The Master), Javier Bardem (007: Operação Skyfall), Tommy Lee Jones (Lincoln) e Robert De Niro (O Lado Bom da Vida).
 
Talvez há chances novamente para Chistopher Waltz na sua segunda parceria com Tarantino em Django Livre (lembrando que ele venceu em 2010 na mesma categoria por Bastardos Inglórios, primeira parceria dos dois),  Matthew McConaughey por Magic Mike e Bruce Willis (Moonrise Kingdom). Eu facilmente encaixaria Guy Pierce e seu personagem perverso em Os Infiltrados (Lawless, 2012), mas ele ficará de fora absolutamente, já que darão preferência a Javier Barden, e ambos personagens possuem características similares.

MELHOR ATRIZ
Não, esse ano não teremos Meryl Streep, muito embora ela concorra ao Globo de Ouro por Um Divã Para Dois (Hope Springs), mas estou certo de que esse ano ela não entre na lista, pois a disputa já está acirrada sem ela.
 
Esse ano foi o ano das revelações do ano passado, Jessica Chastain (A Hora Mais Escura) e Jennifer Lawrence (O Lado Bom da Vida), por conta disso elas poderão disputar a tapas o prêmio já que a Academia adora favorecer atrizes jovens, bonitas, boas e que finalmente se destacam por algum papel inusitado, como a dar "boas vindas" ao sucesso e ao reconhecimento.
 
A garotinha Quvenzhané Wallis, de apenas 9 anos, tem grandes chances de entrar na lista por sua estréia em Indomável Sonhadora. Não é do feitio da Academia nomear e muito menos premiar crianças, mas pode ser que esse ano seja uma surpresa, já que definitivamente o papel desempenhado pela atriz mirim é equivalente ao de uma atriz adulta e experiente.
 
Dependendo do bom humor do juri, pode ter espaço para as francesas Marion Cotillard (Ferrugem e Osso) e Emanuele Riva (Amor). Helen Mirren pode e não pode entrar, já que a campanha do filme Hitchcock tem sido bem fraca.

Helen Hunt poderia entrar na lista por The Sessions, mas o juri provavelmente irá jogá-la para a categoria de Atriz Coadjuvante porque é isso que eles fazem quando querem dar algum prêmio de consolação.

Ainda há a possibilidade para Naomi Wats (O Impossível/Lo Imposible) e menos para Maggie Smith (O Quarteto/The Quartet) e Rachel Weisz (The Deep Blue Sea).

Gostei muito do desempenho de Zoe Kazan em A Namorada Perfeita (Ruby Sparks), mas foi um filme que chegou, passou e se foi sem ninguém perceber. Mas talvez a atriz consiga alguma indicação na categoria de Melhor Roteiro Original, já que o roteiro também é dela e o juri adora temáticas que misturam fantasia e realidade.

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Amy Adams (The Master), Anne Hathaway (Os Miseráveis) e Helen Hunt (The Sessions) serão figuras um tanto obrigatórias.
 
Talvez Ann Dowd (Compliance) ou Maggie Smith (O Exótico Hotel Marigold/The Best Exotic Marigold Hotel) também entrem, e pouco provável que Nicole Kidman (The Paperboy) ou Lorraine Toussaint (Middle Of Nowhere) completem a lista.
 
Agora, se levarem em conta o histórico da atriz Sally Field, já que ela venceu duas vezes como Melhor Atriz nas únicas duas vezes que foi indicada, talvez ela leve uma terceira estatueta por Lincoln, o que acho bastante justo.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

ANIMAIS DO SELVAGEM EXTREMO SUL...

★★★★★★★★★☆
Título: Indomável Sonhadora (Beasts Of The Southern Wild)
Ano: 2012
Gênero: Drama
Classificação: 12 anos
Direção: Benh Zeitlin
Elenco: Quvenzhané Wallis, Dwight Henry, Gina Montana
País: Estados Unidos
Duração: 93 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Hushpuppy é uma garotinha de seis anos de idade que vive numa região pantaneira no sul de Louisiana chamada Bathtub, seu pai está bastante doente, ao mesmo tempo que a aldeia sofre com as ameaças de enchentes e a relocação dos habitantes para um abrigo.

O QUE TENHO A DIZER...
É filme de estréia de Benh Zeitlin, o qual também assina o roteiro juntamente com sua amiga pessoal, Lucy Alibar, autora da peça "Juicy And Delicious", obra na qual o filme foi baseado. É também o primeiro longa metragem da produtora Court 13, também do diretor, que tem como filosofia realizar grandes histórias sobre pequenos grupos, revivendo seus extremos ao invés de apenas contá-las, produzindo filmes de baixo orçamento dotados de grande sentimento e desafios, mas acima de tudo, feitos para o grande público.

Sem dúvida é um dos filmes mais poéticos, belos e sensíveis de 2012, além de ser uma grande surpresa, já que, nos Estados Unidos, dificilmente são produzidos filmes com essa estrutura narrativa diferente e qualidades à parte. Ou seja, não chega a ser ousado o bastante para ter aquele apelo alternativo, ou precário o suficiente das produções independentes (embora ele seja um), mas também não fica muito distante do emocionalismo Hollywoodiano, estacionando em um meio termo que sabe se apropriar de todas essas qualidades nos momentos exatos.

Indomável Sonhadora é um drama sulista e que mostra a realidade de uma cultura e de uma sociedade aberta e receptiva, porém bastante tradicionalista. Conta a história de Hushpuppy (Quvenzhané Wallis), uma criança de seis anos abandonada pela mãe e que vive com seu pai Wink (Dwight Henry) em uma pequena comunidade pantaneira no sul da Louisiana, esquecida e isolada do resto do mundo por conta das barragens ao redor do território. A aldeia é chamada de Bathtub (banheira), por conta das constantes ameaças de enchentes por chuvas ou, no futuro, pelo derretimento das calotas polares, como diz sua professora em uma das aulas. Mas uma tempestade se aproxima e a aldeia é inundada pela água do mar. Pessoas morreram e o sal está acabando com a mata, as árvores e os animais de fome. Wink decide fazer algo a respeito disso, e com o auxílio de amigos ele destrói uma parte da barragem com dinamites para que a água escoe da aldeia. Após esse incidente, os moradores são despejados do território e enviados a um abrigo. Enquanto isso a relação entre Hushpuppy e seu pai está em crise, já que ele está gravemente doente e esconde isso dela, que descobre por conta do seu próprio senso de observação, mas acredita na sua ingenuidade que essa doença seja por conta de um coração que ficou machucado quando sua mãe os abandonou, mulher que ele referia ser tão bela que quando passava conseguia colocar água em ebulição.

O filme começa com uma observação sensível da relação da personagem com os animais, e de como ela gosta de observá-los para saber o que pensam e como agem. Ela diz que o coração de todos batem igual, porém a linguagem desses órgãos é diferente, e que a única coisa em comum a todos é a fome e as demais necessidades básicas. Portanto, descobrindo isso ela acaba por descobrir a natureza de todo animal, além de sua própria realidade.

A história é narrada pelo ponto de vista da personagem principal, que intervém frequentemente na história com suas constantes observações do mundo que a rodeia, das lições aprendidas, ensinamentos adquiridos, anseios, frustrações e desejos. Claro que imagina-se como é possível uma garota de seis anos ser tão poética e coerente enquanto narradora, mas ingenuamente infantil e sensível enquanto personagem. Mas a narrativa funciona como uma tradução de tudo que é visto e absorvido por ela. Benh Zeitlin teve um cuidado bastante delicado ao utilizar duas linguagens de filmagem, fazendo com que todas as imagens mostradas representassem a visão subjetiva da personagem, ao mesmo tempo que ele soube direcionar diversas sequencias, bem como as atuações, de forma tão natural e local que o filme também soa como um documentário, facilitando a compreensão de como todas essas informações são processadas na cabeça da personagem e dentro de sua realidade infantil e fantástica.

Embora a aldeia no filme seja fictícia elas são referências a aldeias que realmente existem em um território chamado Terrebonne Parish e Montegut, também no sul de Luisiana, lugares onde as filmagens foram realizadas. E a tempestade é uma referência ao furação Katrina que atingiu os EUA em 2005 e matou mais de 1.800 pessoas. Portanto, embora o filme seja um drama fantasioso, ele é baseado em situações reais de uma pequena população que luta para manter suas tradições e raízes, e que por mais miserável que a vida possa ser, eles possuem liberdade e riquezas dentro de uma natureza selvagem que faz parte de suas vidas e culturas que não seriam encontradas em qualquer outro lugar, sendo como tirar um peixe da água.

Por isso que nesse selvagem extremo sul as pessoas devem agir de forma igualmente selvagem, pois só assim para sobreviverem a condições tão difíceis e ao mesmo tempo encontrar prazer e a imensa razão de manter a vida nessas condições. Isso é observado na forma pedagógica pouco convencional na qual o pai de Hushpuppy a condiciona, tanto que cada um vive em uma casa, para que ela aprenda a viver de forma independente o mais cedo possível. A brutalidade rústica com que ele ensina e mostra a realidade são para prepará-la para ter forças e condições suficientes para sobreviver, bem como conquistar os prazeres de tudo isso e se conectar diretamente com sua natureza.

Hushpuppy, em paralelo com os acontecimentos ao seu redor, vive em sua fantasia um crescente confronto com os Auroques, animais selvagens ancestrais do gado doméstico, difíceis de serem domados e que são apresentados pela professora como animais tão ferozes que conseguiam se alimentar de bebês e matar os homens das cavernas por eles serem pequenos e fracos. No momento em que a relação entre ela e seu pai começa a ficar conflituosa, em sua cabeça tudo está ruindo como as calotas polares, liberando os Auroques, numa metáfora ao amadurecimento precoce e a conquista de força e coragem pela qual terá que passar. Ela também descobre no decorrer de seu amadurecimento que os animais selvagens conseguem sentir o cheiro de corações fracos, dos quais eles se alimentam. Mas sua personagem se torna tão forte e grandiosa no decorrer do filme que uma das sequências finais, quando em sua imaginação ela fica frente a frente com um Auroque, toda essa condição poética que se desenvolve durante o filme se concluí numa cena belíssima e emocionante, intensificados por uma trilha sonora simples, inocente e motivadora, tal qual a personagem.

A atriz mirim estreante, Quvenzhané Wallis, que por sinal é uma moradora local de Montegut (bem como a maioria do elenco), é o destaque de todo o filme, não apenas pelo fato de ser a atriz principal, mas pela seriedade com que ela desempenha o papel com apenas cinco anos de idade, numa sensibilidade incomum e tão realista que é impossível não se sensibilizar.

Muito bem recebido pela crítica e pelo público, ele foi um dos grandes destaques em premiações como Cannes e Sundance. Tem se tornado um dos favoritos para a temporada de premiações 2013, que começou com as indicações ao Independent Spirit Awards, no qual o filme está concorrendo nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Fotografia e, obviamente, Melhor Atriz. Há uma grande campanha para que ele seja lembrado em premiações mais comerciais como Globo de Ouro e Oscar, e talvez seja bem sucedido, já que que o filme teve um orçamento de apenas US$1.8 milhões (fundos dos quais, segundo o diretor, foram de grande dificuldade conseguir) e uma estréia bastante limitada em Julho (apenas 4 cinemas), mas já arrecadou até o momento mais de US$11 milhões, além de estar emocionando muita gente.

CONCLUSÃO...
Muito poético e sensível, um dos grandes filmes independentes do ano. Emocionante e motivador através de uma cultura sulista norte-americana que não é vista com frequência. Atuações fantásticas, com destaque para a atriz mirim estreiante, além de roteiro e direção que souberam manter um realismo em um equilíbrio entre o ponto de vista observador e o ativo.

sábado, 1 de dezembro de 2012

A FÓRMULA BOURNE...

★★★★★★★
Título: O Legado Bourne (The Bourne Legacy)
Ano: 2012
Gênero: Ação
Classificação: 14 anos
Direção: Tony Gilroy
Elenco: Jeremy Renner, Rachel Weisz, Edward Norton, Donna Murphy, Stacy Keach
País: Estados Unidos
Duração: 135 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Jason Bourne ainda vive, mas enquanto isso o agente Aaron Cross descobre que é mais uma peça de uma trama conspiratória e ele também está na mira da queima de arquivo.

O QUE TENHO A DIZER...
Baseado nos livros do escritor norte-americando Robert Ludlun, a Trilogia Bourne foi um grande sucesso tanto de crítica quando de público. Após a morte de Ludlun, em 2001, o escritor Eric Van Lustbader conseguiu permissão para dar continuidade à vida do personagem, publicando mais sete livros entre 2004 e 2012.

O primeiro filme da série, A Identidade Bourne (The Bourne Identity, 2002) foi dirigido por Doug Liman e roteiro de Tony Gilroy. O filme estrelava Matt Damon no papel do agente secreto em busca da sua identidade e Franka Potente como sua companheira Mary. Foi uma das maiores surpresas daquele ano, arrecadando mais de US$210 milhões no mundo, o que foi o suficiente para o estúdio dar sinal verde para a segunda parte.

A Supremacia Bourne (The Bourne Supremacy, 2004) deu continuidade na tragetória do ex-agente. Doug Liman saiu da direção para a produção executiva, dando lugar para o competente Paul Greengrass, o qual foi responsável por intensificar a linguagem dinâmica do filme, dando uma identidade mais forte e expressiva que no filme anterior. Tony Gilroy assinou novamente o roteiro, e o filme arrecadou mais de US$280 milhões no mundo.

A terceira e última parte, O Ultimato Bourne (The Bourne Ultimatum, 2007) fechou a trilogia com chave de ouro. Paul Greengrass continuou na direção, Doug Liman se manteve como produtor executivo e Tony Gilroy foi auxiliado por Scott Z. Burns e George Nolfi no roteiro. A última parte é considerada por muitos como o melhor filme da série. Embora os dois primeiros tenham feito muito sucesso nos cinemas, eles posteriormente viraram febre nas video locadoras, o que levou a última parte a arrecadar mais de US$440 milhões no mundo.

Negar que a Trilogia Bourne é excepcional chega a ser leviano. Foi uma das raras ocasiões no cinema comercial Hollywoodiano em que a qualidade da produção é inquestionável, bem como uma série coesa, sólida e coerente que, ao contrário de muitas outras franquias, não foi apenas ação pela ação.

Os personagens e a trama se desenvolveram em fatos e sequências que superavam seus próprios limites numa sucessão crescente e em um dinamismo de tirar o fôlego graças a edição em total sintonia com o estilo de filme que se propunha. Sem dúvida alguma o trio Greengrass, Liman e Gilroy conseguiram fazer da trilogia um dos melhores filmes de ação do cinema atual. Dizer isso não é exagero, já que houve uma mudança radical na forma como os filmes de ação posteriores a eles passaram a ser produzidos. Ou seja, a trilogia se tornou uma referência sólida numa época em que o cinema comercial perece de qualidade e boas idéias.

Na tentativa de retomar a série graças a onda de reboots que dominaram a indústria nos últimos anos, Tony Gilroy resolveu continuar o legado. O questionamento a princípio foi: como dar continuidade a uma trilogia que superou seus próprios limites?

A idéia parecia tão absurda que, ao ser questionado sobre isso, o diretor Paul Greengrass até brincou dizendo que o título do quarto filme deveria ser "A REDUNDÂNCIA BOURNE".

A princípio Gilroy queria manter Matt Damon, já que o autor Eric Van Lustbader deu continuidade à saga do personagem após a morte de Ludlun, rendendo até agora mais 7 livros. Damon achou melhor não voltar para a franquia, e por sua atuação ter sido bastante elogiada e a resistência dos fãs a sua substituição, o roteirista resolveu expandir o universo Bourne e, embora o titulo se refira ao primeiro livro de Eric Van Lustbader, o filme nada tem a ver com ele. Ao contrário disso, ele conta uma história paralela aos eventos do último filme.

O personagem principal agora é Aaron Cross, um agente da Operação Outcome, programa secreto científico de defesa que está fazendo testes bioquímicos em seus agentes para aumentar suas capacidades físicas e mentais. Porém, durante seu treinamento no Alaska, vem a tona os escândalos envolvendo os programas Blackbriar e Treadstone, revelados por Jason Bourne na última parte da Trilogia. Juntamente a isso, um vídeo comprometedor envolvendo uma relação próxima entre os chefes de pesquisa do programa Treadstone e Outcome vaza na internet. Com medo das pesquisas do programa Outcome serem descobertas durante as investigações sobre a Tredstone, o coronel da CIA Eric Byer (Edward Norton) decide apagar todas as evidências, começando pela eliminação de todos os agentes em treinamento. Aaron sobrevive a várias tentativas de assassinato, e no interesse de sobreviver, ele descobre que entrou de gaiato nos fatos conspiratórios envolvendo Jason Bourne.

A nova trama apresentada no roteiro de Gilroy (que agora também assina a direção) foi uma guinada interessante, já que os três primeiros filmes naturalmente deram gancho para que isso pudesse acontecer, já que Jason Bourne não era o único agente que participou de um programa secreto, bem como a Treadstone também não era o único programa existente. Bourne não aparece em nenhum momento, mas o personagem é citado diversas vezes.

A história se amarra bem com os filmes anteriores. Ao mesmo tempo que é uma continuação, consegue realmente ser um filme novo, mas não diferente. Jeremy Renner é competente ao dar essa continuidade ao legado de Bourne, mas a posição do seu personagem na história não tem uma conexão muito bem fundamentada entre sua situação e os acontecimentos revelados por Jason, o que faz sua fuga constante parecer meio superficial. Como o roteiro apresenta uma nova história, o desenvolvimento é mais lento tal qual o primeiro filme, dando mais atenção aos fatos do que em sequencias de ação bem arquitetadas, pra dar profundidade nos fatos e justificar as razões de tudo.

Claro que algumas cenas típicas de Jason Bourne são repetidas aqui, como as perseguições e o jeitão truculento de fugir pulando muro, arrebentando portas e pulando de janelas, exigindo ao máximo dos atores num dinamismo constante e bem editado feito por Greengrass no segundo e terceiro filme, mas não de maneira igualmente mirabolante. O interessante é que Aaron também tem uma forma diferente de lutar. Enquanto Jason tem um semblante mais fechado e era mais adestrado na hora de improvisar armas de luta (como usar livros, revistas e o que tivesse por perto, numa técnica de luta que realmente existe, o que deixava algumas cenas até mais empolgantes e engraçadas), Aaron é de um semblante mais sereno, mas que bate no oponente pra cair, sem muitos rodeios.

Jeremy Renner pode não ser um galã como Matt Damon, mas é um bom ator, e mais, competente quando se trata de um personagem que utiliza todas suas capacidades físicas tanto quanto Damon fez.

Quem já assistiu seus outros filmes de ação, como sua pequena porém relevante participação em Os Vingadores (The Avengers, 2012), ou até mesmo em Missão Impossível: Protocolo Fantasma (Mission: Impossible - Ghost Protocol, 2011), sabe que ele está muito bem preparado pra encabeçar a franquia. Sem contar que já está prometido que sua participação em Os Vingadores 2 será maior, além de Tom Cruise estar bastante motivado em passar a franquia de Missão Impossível para o ator, que também terá uma participação muito maior no quinto filme da série, ainda em planejamento.

Rachel Weisz também é igualmente boa e todo mundo já sabe disso, mas assim como no primeiro filme, temos uma personagem feminina apenas para o personagem ter com quem dividir suas cenas e criar inevitáveis clichés heroicos e sentimentais porque no fim das contas ela não é lá tão importante na história, entrando meio de sopetão e ajudando em coisas que o personagem tinha condições de encontrar outras maneiras pra se dar bem.

Sem dúvida Gilroy retoma uma fórmula que funciona e consegue fazer do filme um novo início mais discreto e menos esbanjador que os anteriores, mas que tem condições de evoluir pra algo bem interessante e tão grandioso quanto porque as possibilidades que foram abertas agora são infinitas, basta saber aproveitá-las.

Há uma grande expectativa de que as histórias de Aaron e Jason se cruzem no futuro ao ponto de os dois personagens trabalharem juntos, mas isso é incerto. Tão incerto quanto saber se a franquia realmente continuará nas mãos de Tony Gilroy.

CONCLUSÃO...
É uma expansão bem introduzida do universo Bourne, um filme menor e mais discreto que os anteriores, a princípio mais focado na história e no desenvolvimento, como que dar tempo pro expectador conhecer o novo herói e se acostumar com ele, o que funciona, mas deixar a desejar para os que assistirem esperando a metralhadora de cenas de ação que foram os dois últimos filmes dirigidos por Paul Greengrass. Para quem chegou até o Ultimato, não custa nada dar uma olhada no Legado. Uma história e personagens que tem possibilidades de crescer, como também poder se interagir com os acontecimentos dos filmes anteriores. Basta saber se a franquia vai realmente continuar.
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