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quinta-feira, 16 de junho de 2016

COMENTANDO A SITUAÇÃO: CINEMA vs. JOGOS

Essa semana o IMDb resolveu dar um certo destaque a filmes adaptados de jogos de video-game, fazendo uma lista com os 10 melhores avaliados pelos usuários. Claro, depois do sucesso mundial de Warcraft, um dos jogos de RPG mais bem sucedidos da história, há outras adaptações vindo por aí, como a de Assassin's Creed, uma das séries mais rentáveis desse universo.

Muito se sabe que a imaginação dos roteiristas de jogos voa solta, seguindo uma linha lógica para não parecer banal, muito mais coerente e linear do que vemos na maioria de filmes por aí. Por muito, jogadores pensam: "por que esse jogo não vira filme"? E quando vira, perguntam: "por que é tão ruim"?

Assim como X-Men abriu novas portas aos quadrinhos nos cinemas em 2000, cada nova adaptação de jogo é vista como uma nova esperança, aquela desejada borracha para passar no passado da década de 90 e de desastres, como Mario Bros. (1993), Double Dragon (1994), Street Fighter (1994) ou Mortal Kombat (1995), adaptações que mais causam constrangimento do que qualquer coisa. Foi assim que pensaram quando Tomb Raider (2001) foi lançado, depois com Resident Evil (2002), com Silent Hill (2006), Hitman (2007) e Prince Of Persia (2010), apenas como exemplos. Todos fracassados, e aquela tão desejada borracha foi roída porque era colorida e cheirosa.

O problema é que se o filme é sucesso de público, não é de crítica; se é de crítica, não é de público. É o que aconteceu com a série Resident Evil, tida pelos fãs mais rebeldes como um total massacre ao legado dos jogos, já que o diretor e roteirista Paul W. S. Anderson fez com a série o que Bryan Singer fez com X-Men: adaptou a história e seus personagens à sua maneira, ignorando completamente a cronologia e a própria história do material original. A diferença entre Anderson e Singer é que, Singer, apesar dos pesares, é um bom diretor.

Resident Evil, que vai para o sexto filme da série ainda este ano, é a mais rentável que se tem notícia, mas isso não significa que é boa. A razão disso acontecer, mesmo com tantas críticas negativas, ainda é um mistério. Um mistério que não explica, por exemplo, porque adaptações de Silent Hill (2006 e 2012), talvez uma das mais fiéis que o cinema já ousou fazer sobre algum jogo, foi tão mal das pernas e duramente criticada. A crítica, hoje bem sabe, foram de pessoas que sequer jogaram qualquer um dos títulos, desconhecendo completamente que toda a ambientação, a atmosfera fantasmagórica e obscura dos jogos foram reproduzidas com bastante fidelidade no cinema, tanto que a censura de ambos filmes foi alta, o que dificultou bastante o desempenho nas bilheterias. O trabalho desenvolvido nos dois filmes chega a ser bem impressionante, talvez até mais no segundo, que soube usar muitas das referências de Clive Barker esquecidas e empoeiradas pelo tempo em sua icônica série Hellraiser, e que tudo tinham a ver com os trevosos personagens da sombria cidade de Silent Hill. Embora as opiniões sobre o segundo filme sejam bastante controversas, visualmente ele faz um trabalho que raramente é visto em filmes de horror, e apenas isso já me faz considerá-lo acima da média, tanto como uma adaptação, como um filme psicologicamente perturbador.

Final Fantasy (2001) foi outra adaptação bastante subestimada e criticada. Na verdade, não foi bem um filme, tampouco uma adaptação. Na verdade, a idéia de Hironobu Sakaguchi, criador da série, foi de expandir a franquia de jogos para o cinema. Cada jogo da série tem uma história única, e o mesmo foi imaginado para o cinema. O problema é que os fãs esperaram participações especiais de personagens icônicos ou alguma relação direta com qualquer título mais relembrados da série, como o sétimo jogo. Com esses pré-conceitos e expectativas, o filme foi uma decepção para essas pessoas, e para os críticos que igualmente nunca experimentaram jogar um título sequer, consideraram o filme chato, entediante, sem pé nem cabeça. O que poucos sabem é que o filme é uma importante continuidade daquilo que o universo de Final Fantasy significa nos games, sem falar que, assim como os jogos foram muito importantes para grandes inovações tecnologicas no segmento, o mesmo aconteceu com o filme, que revolucionou a computação gráfica e a forma como passou a ser usada.

Há também o problema daqueles jogos que não conseguíamos imaginar que poderiam ter um resultado tão ruim no cinema, como Tomb Raider, um jogo tipicamente de ação e que poderia render sequências eletrizantes no cinema. A história dos jogos é simples, e já estava prontíssima para ser adaptada, era só jogar na tela. Não havia muitas diferenças entre Lara Croft e Indiana Jones, a não ser Lara ser do sexo feminino e uma ginasta capaz de saltos e malabarismos que Indiana nunca conseguiria fazer sem ajuda de seu chicote. Portanto, readaptar uma fórmula já pronta era fácil. Mas parece que quanto mais simples parecia tudo, mais estragam. O primeiro filme, dirigido por Simon West, foi uma coisa infame. Determinado desde o princípio a valorizar muito mais as curvas, caras e bocas de Angelina Jolie do que a ação, o resultado foi vergonhoso. Pior ainda na continuação dirigida por Joel Schumacher, diretor que, no passado, já nos proporcionou delírios com Velocidade Máxima (1994) e Twister (1996), referências da ação explosiva, mas errou a mão feio, tanto que a franquia no cinema parou no segundo filme.

É muito triste quando gamers veem seus jogos preferidos darem frutos tão podres como o que o cinema proporciona. Essa dor é sentida porque são jogos nos quais pessoas dedicaram horas, que gradualmente mergulharam na história e na "vida" de personagens por tanto tempo. É como se cada um desses jogadores fosse o próprio personagem, assumindo um papel dominante na história. Existe essa personificação, ou esse espelhamento, depois de tantas horas afundado em um mundo que não é representado da mesma forma quando filmado. É impossível não imaginar épicos como God Of War ou Mass Effect inundar os cinemas com efeitos especiais deslumbrantes e cenas de ação intensas de tirar o fôlego, ou deixar de imaginar um jogo tão cinematográfico e delicado quanto The Last Of Us ser fielmente adaptado nos cinemas apenas para aproxima-lo mais ainda da realidade e imortalizar pelas lentes de uma câmera personagens tão cativantes, complexos e ao mesmo tempo compreensíveis na sua relação.

Salvo algumas excessões, em que o esdrúxulo e o cafona fizeram de Mortal Kombat ou Dead Or Alive sucessos, e o absurdo de Street Fighter o transformar tardiamente em um cult da ação trash, a proposta desses filmes nunca foi ser mais sério do que Power Rangers, ao contrário dos outros títulos deliberadamente desrespeitados.

Todo jogador tem um jogo preferido e que adoraria vê-lo adaptado, mas a cultura cinematográfica de destruir excelentes materiais ajuda para que esses mesmos jogadores façam campanhas contra isso. A nota média dos 10 filmes selecionados pelo IMDb é de 6.5, isso porque foram selecionados "os melhores avaliados". Então imaginem os piores avaliados, em que patamar se encontram. E vale-se dizer que, com excessão de Warcraft, nenhum dos demais desse top 10 é digno de nota ou qualquer respeito. Hitchman, talvez... mas ainda sim, faltou muito para que o protagonista do filme chegasse próximo ao que é o protagonista dos jogos de fato.

Então, como melhorar essa relação? Seria possível fazer excelentes adaptações?

Sim. Em primeiro lugar porque Hollywood tem de descobrir que quando se adapta um jogo para o cinema, estamos falando de uma história e de personagens que já existem em um universo paralelo (o dos jogos) e que eles devem ser respeitados em sua essência. Segundo lugar, os roteiristas e criadores dos jogos originais devem ser consultados, ninguém mais do que eles para saber direcionar o desenvolvimento que personagens e o próprio enredo devem ter. Terceiro lugar, diretores e roteiristas dos filmes devem ser imersos nesses materiais antes de adaptá-los para saber qual é a sensação de um gamer ao interagir com aquele mundo virtual e a jornada que esse mundo oferece. São coisas que evidentemente nenhum diretor ou roteirista de cinema fizeram até hoje, com excessão, talvez, de Duncan Jones, o diretor de Warcraft. Quarto ponto é que o cinema tem que parar com essa horrorosa mania de dar um choque de moral e bons costumes a protagonistas ou histórias para o bem da empatia. Existem muitos jogos onde os esses elementos não são simpáticos, não são legais, são rudes, grosseiros, amorais, nojentos ou grotescos. Isso tem que ser mantido, faz parte da personalidade designada a eles. Essa penosa mania de sempre quererem melhorar traços de personalidade ou exagerarem nas sequências de auto-redenção para forçar uma empatia com o público não apenas é desgastante como fere em completo o resultado final. Isso é um dos erros mais graves do cinema atual. O espectador tem que aprender a ver um filme sobre a ótica do protagonista, seja pelo bem, ou pelo mal, e cabe ao diretor saber conduzí-lo a isso.

O fato é que o cinema desperdiça o material oferecido por centenas de jogos. Para uma arte que atualmente sofre de inovação e ousadia, nada seria mais interessante do que abraçar um mundo para dentro do outro. Os jogos já se transformaram em experiências cinematográficas fantásticas, como os já citados The Last Of Us e God Of War, Alan Wake, a trilogia de Ezio Auditore da Firenze, em Assassin's Creed, dentre outros. Só que o cinema insiste em ignorar jogos como uma interessante fonte de experiência imersiva como são capazes de ser, como já aconteceu com Matrix (1999), ou como acontece no mais recente Hardcore Henry, um filme sem qualquer contexto ou história, mas é impressionante, empolgante, dinâmico e de deixar qualquer espectador fascinado unicamente por ter sequências que integralmente transferem para as telas a experiência de um jogo em primeira pessoa, e tudo feito de forma brilhante e focada do diretor.

Não haveria segredo em adaptar jogos caso o cinema não ignorasse os materiais originais. E aproveitar material original não é caracterizar um ator com figurino e maquiagem e joga-lo em um chroma key, mas transformar aquela história contada em passos lentos em um video-game em uma narrativa cinematográfica que tenha sentido. A cada novo ano tem-se a sensação de que alguma nova adaptação possa ser a luz do fim desse túnel, para só depois percebermos que o fim desse túnel ainda está muito longe. Warcraft pode ser uma das raríssimas coisas realmente boas que tenha saído dessa cansável safra de tentativas, mas ainda não representa a mudança do segmento e do pensamento coletivo de cineastas e suas visões sobre o que seria uma adaptação de sucesso.

sábado, 4 de junho de 2016

O APOCALIPSE DOS HERÓIS...

★★★★☆
Título: X-Men - Apocalipse
Ano: 2016
Gênero: Super Herói, Ação
Classificação: 12 anos
Direção: Bryan Singer
Elenco: James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Oscar Isaac, Rose Byrne, Nicholas Hoult, Olivia Munn
País: Estados Unidos
Duração: 144 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Os heróis agora se unem para combater um inimigo ancestral que ressurge com o objetivo de aniquilar a raça humana, dominar os mutantes e destruir os mais fracos.

O QUE TENHO A DIZER...
Em um Egito antigo, com uma tecnologia aparentemente alienígena, nos é apresentado En Saban Nur (A Luz da Manhã, em arábico), mais conhecido como Apocalipse, um dos maiores supervilões dos X-Men e um importante personagem responsável por diversas mudanças dentro do Universo tanto dos heróis, quanto da Marvel, ao longo das décadas. Imortal e invencível, é um personagem curiosamente criado por uma mulher em 1986, Louise Simonson, e uma inteligente sacada da empresa porque ele é a metáfora do ciclo e da renovação, sendo sempre essa a intenção de suas ressurgências e reaparições de época em época. A criação do personagem se deu por uma necessidade, já que foi percebido que algo deveria estar acima de qualquer coisa e que justificasse, inclusive, até mesmo a razão de outros vilões existirem. 

É por isso que Apocalipse é narrado nos quadrinhos como o primeiro da espécie mutante (The First One), sendo ele o início da transição do homo sapiens ao homo superior em uma época em que a humanidade não estava preparada para isso, e nunca esteve. Para o vilão, que respira e transpira a crença da sobrevivência dos mais fortes, todos aqueles considerados fracos devem ser destruídos, não importa quem seja. Seu comportamento impiedoso é evidentemente o lado mais extremista, cruel e determinante daquilo que outros vilões pensam, e ao invés de convergir para o lado mais simples do maniqueísmo segregando ou extinguindo humanos, a intenção e existência dele é forçar a constante evolução selecionando os mais fortes através da guerra, obrigando todos a viverem em um constante caos para a sua própria renovação e preservação.

Por conta de seus poderes e tirania, Saban Nur dominava o Egito no ano de 3600aC, mas foi traído por seus súditos, que soterraram-no em sua própria tumba, enquanto seus Quatro Cavaleiros se sacrificaram para que ele pudesse ser preservado vivo. E é assim que o sexto filme começa, em uma narrativa rápida, escura e confusa o bastante pra deixar muita gente sem saber de fato o que aconteceu ou porquê. O que interessa é que Apocalipse agora está a salvo nos escombros de uma pirâmide soterrada no Cairo há mais de 5 mil anos, esperando um motivo para ser desperto.

Logo em seguida, entre rompantes da trilha sonora e uma breve ilustração que resume historicamente importantes acontecimentos durante os séculos, os créditos iniciais aparecem no típico estilo Bryan Singer de começar seus espetáculos.

É emocionante, principalmente para quem acompanha a trajetória dos heróis no cinema desde 2000. Mas ao mesmo tempo traz uma certa dúvida: será que Singer irá fazer jus à imagem e importância de um personagem tão grandioso e importante nesse universo quanto é Apocalipse?

Este novo capítulo é uma continuação direta do anterior, embora não haja qualquer referência. É o quarto de Singer na direção, e seria respeitável porque foi com os X-Men que ele se tornou o precursor do sucesso da nova leva de filmes de super heróis, e também de toda a renovação da Marvel nos cinemas e nos quadrinhos. Seu único grande erro foi o excesso de liberdade ao adaptá-los, fugindo completamente de certas origens e bagunçando importantes cronologias ao recontar histórias e recriar personagens à sua própria vontade.

Foi em cima dessa crítica comum que Dias de Um Futuro Esquecido (Days Of Future Past, 2014) foi feito, tentando corrigir erros passados e justificar prováveis erros futuros. Embora o filme anterior também tenha alguns buracos e confusões cronológicas dentro da própria franquia, no geral, o objetivo foi alcançado: o de sair dos becos sem saída nos quais a série havia se enfiado. Foi a oportunidade única e bem pensada de Singer para uma renovação geral e, assim, colocar tudo nos eixos novamente e em coerência com os quadrinhos, algo que ele nunca teve. Por isso, nenhuma outra sequência parecia calhar tão bem quanto Apocalipse, exatamente por conta do vilão em si ser o símbolo da mudança, o fim de um ciclo para a contemplação e firmação de outro. Parecia ser um excelente argumento para terminar mais uma trilogia e dar abertura para outra.

Mas não foi assim.

Não se pode esquecer que Primeira Classe (First Class, 2011) surgiu com o o intuito de dar um reboot na franquia que havia acabado na primeira trilogia, e Dias foi como um reboot desse reboot, como que a zerar o universo cinemático dos heróis.

Então, quando Apocalipse foi anunciado, a impressão de ser a segunda parte de uma saga de mudanças fundamentais soava coesa e madura, mas que emplodiram como a pirâmide de Saban Nur quando Singer não resistiu a si mesmo e a sua prepotência. Do filme anterior ele e seu roteirista, Simon Kimberg, nada mantiveram, nem mesmo um tema de fundo que justificasse essa continuação, por isso aparenta ser um reboot do reboot do reboot, como se a intenção agora fosse fazer de X-Men filmes com histórias individuais, sem contexto lógico, apenas para garantir à Fox o uso e exploração dos direitos e da marca, lucrando com a exaltação de fãs que apenas querem ver seus heróis preferidos nas telas, mesmo que eles estejam completamente fora de contexto, como é o caso de Jubileu, ou a própria Psylocke.

Os fãs que se irritaram com Singer ao longo dos anos e aceitaram seu indireto "pedido de desculpas" em Dias, terão outra vez os mesmos motivos para se irritarem.

É inacreditável a habilidade do diretor em desvirtuar histórias já concebidas e consagradas nos quadrinhos para deturpar personagens e suas funções. Nem mesmo o cuidado visual é o mesmo dos filmes anteriores. Se em Primeira Classe um dos pontos mais elogiados no filme de Matthew Vaughn foi a reprodução do final dos anos 60, nesta história, que se passa no início dos anos 80, as relações com a época são pífias. O anacronismo em vestuário, comportamento e tecnologia chegam a ser absurdos, na proposital intenção de deixar tudo o mais acessível possível, adequando o filme e uma época a um público mais jovem e desinformado, e não o contrário. Períodos históricos e suas respectivas épocas sempre tiveram importâncias fundamentais na Marvel, e com X-Men não seria diferente, mas Singer se esqueceu disso por completo, e nesse filme ele usa muita areia, concreto e deserto para disfarçar defeitos e  não obrigar a equipe técnica a se aprofundar em detalhes.

Nunca gostei da forma como Singer caracterizou os personagens ou narrou eventos, e o mesmo pensa muito daqueles que conhecem os materiais originais. Mas ainda sim havia algo a ser admirado, como sua habilidade de conseguir lidar com um grande elenco, de trazer humanidade e naturalidade para o fantástico, além de manter a essência aceitável e complacente das relações metafóricas da sociedade com os mutantes, que nada mais são do que uma metáfora aos diversos grupos sociais discriminados. Seus dois primeiros filmes foram produções que souberam construir uma história, mesmo que própria, sem deixar de entreter ou fugir deliberadamente do contexto no qual estavam inseridos nos quadrinhos. Ou seja, fato e fantasia, tudo aquilo que X-Men sempre soube fazer bem nas bancas e que no cinema, até então, tinha sido bem representado.

Quando Apocalipse desperta de seu sono milenar, ele afirma já ter sido chamado de várias coisas por diferentes eras, pois foi ele quem deu a centelha da vida e espalhou o fogo das civilizações. É nesse momento que você tem certeza que ele seria capaz de erguer uma montanha com um dedo e esmagar Magneto com um suspiro. Ele é alguém para se temer ou borrar as calças apenas de pensar, e é exatamente isso que ele faz quando empareda um homem com o olhar, ou faz o chão engolir dezenas de pessoas apenas com seu desdém. É dele o poder de dar vida ao pó, e ao pó fazer retornar quando bem quiser. Mas tanto poder assim eleva as possibilidades de tudo não parecer tão bom quanto deveria. Não havia necessidade de mostrar tanta onipotência em um filme só. Para que tanto poder se sua derrota é previsível desde o início? Para que insistir em batalhas quando o filme deu tantos poderes a um vilão que poderia desintegrar qualquer um com o estalar dos dedos, mas não o faz? Não houve em momento algum um crescente de acontecimentos desastrosos que levasse a um confronto justificável. Nos quadrinhos, todo esse vasto poder de Apocalipse é aperfeiçoado durante suas hibernações e despertares, portanto, definitivamente, não fazia sentido ele ter tanto poder concentrado para uma primeira aparição.

A grande graça de um vilão como ele é sua inteligência e manipulação. Sua convicção de que aquilo que ele faz tem um propósito eficaz é tão grande que muitas vezes, tenha sido nos quadrinhos ou na série animada, ele conseguia fazer o espectador questionar se ele realmente tinha razão. Isso não acontece no filme. Tudo é muito banal, grosseiro e sem inteligência. É difícil aceitar que Ororo Munroe, a Tempestade, tenha visto ele decaptar pessoas em sua frente e mesmo assim convidá-lo para entrar em sua casa, ou que Psylocke tenha se unido a ele quando, nos quadrinhos, ela sistematicamente lutou contra ele como uma X-Men. Enquanto isso, Mística, uma das mais importantes vilãs, é transformada na principal heroína da história para garantir a Jennifer Lawrence a imagem de queridinha, quando deveria ser a grande oportunidade que Singer tinha nas mãos para mudá-la de lado e fazer crescer a vilania que vimos da personagem nos três primeiros filmes.

O desenvolvimento da história não convence. A forma como ele recruta seus cavaleiros; a falta de um melhor argumento para ele "dominar o mundo"; o comprometimento amador dos heróis em salvar a humanidade; até os interlúdios - como a ridícula aparição de Wolverine, apenas para novamente agradar aos fãs e dizer que ele está lá, bagunçando mais ainda a cronologia - é tudo muito incoerente e mais uma vez desrespeitoso ao legado dos heróis e daquilo que o próprio diretor já fez. Digo isso porque, no objetivo de derrotar ou exilar Apocalipse, sempre foi necessário nos quadrinhos um exército de heróis e vilões que tréguam suas rivalidades para isso, tamanho o medo que ele desperta a todos. Mas nesse filme, não. Aqui, se tiver meia dúzia comprometido pra isso, é muito, e para Singer foi suficiente. Basta lembrar do esforço hercúleo de todos para neutralizar Jean Grey em Confronto Final (The Last Stand, 2006) e comparar com a chacota de Mercúrio surrando o vilão para entenderem o que digo.

Singer parece esgotado de idéias, ou com uma visão borrada por estar mergulhado no mesmo projeto há tantos anos, numa coisa similar a um escritor que, de tanto ler o mesmo texto, não enxerga mais erros de ortografia. O novo longa nada mais é do que um punhado de coisas que não fazem sentido apenas para dizer aos fãs que lá as coisas estão, dando a falsa ilusão de qualidade por corresponder expectativas, mas não por oferecer uma narrativa coerente, consistente. Muita gente argumenta que filmes de heróis são entretenimento e que não é cinema sério, mas a questão não é essa. A questão é levar a sério e respeitar o material pelo qual ele é baseado, só isso daria crédito suficiente.

O filme parecia bem em seu caminho até o momento em que o vilão, para evitar interferências externas, aciona todos os mísseis nucleares do mundo. Naquele instante, pensei, "isso é Apocalipse". Pensei isso porque imaginei que alguns dos mísseis retornariam para atacar algumas nações e todo o conflito ter início, pois é a natureza desse vilão atacar inimigos com suas próprias armas, criando guerras, buscando a destruição em massa para a reconstrução fortalecida. Naquele instante do filme, parecia que Singer havia compreendido todo o potencial da história, mas quando todos os mísseis desarmados ficaram a deriva no espaço, o que parecia certo ficou muito errado.

Tudo é muito óbvio e fácil. Os motivos para o vilão de repente acordar e sair destruindo tudo são rasos. Sim, ele quer dominar o planeta, disso todos sabemos. Mas não há uma razão aprofundada que o motive para isso, que tente convencer e abraçar o espectador para dentro da história e suas convicções. Quem conhece o vilão dos quadrinhos já conhece sua personalidade e sua maneira de agir, mas quem está nos cinemas não, e para essas pessoas, Apocalipse é apenas um cara mau que deve ser aniquilado. E para os fãs, vê-lo nas telas foi apenas uma realização porque, apesar de tudo, Oscar Isaac fez um bom trabalho mesmo com tão pouco. Então, é por essas e outras que muitos dos críticos taxaram este como o pior filme da série, enquanto muitos fãs que apenas queriam ver o vilão nas telas ficaram indgnados com tanta negatividade e tem feito campanhas para que as pessoas ignorem essas críticas.

Não é possível ignorar. No geral houve uma construção muito mal feita dos personagens, bem como suas relações no roteiro. Já havíamos perdoado o fato dos filmes nunca terem mencionado que Vampira é filha adotiva de Mística, mas não se pode perdoar que Noturno e Mística lutem lado a lado como dois adolescentes quando, originalmente, ela é sua mãe biológica. É muita negligência em um filme só frente a tantas outras de Singer esquecidas com o tempo.

Tá, mas e se ignorássemos os quadrinhos, e se eu tivesse que comentar apenas sobre o filme em si, ele seria bom do mesmo jeito? Não. Por mais de duas horas o roteiro leva tudo a lugar algum, há até momento para Singer novamente apelar para o holocausto e nos infortúnios de Magneto no intuito de trazer falsa densidade. É só na última meia hora que o grande confronto ocorre, onde todas as cenas de suposta ação aparecem, aquelas todas que estão no trailer. Mesmo assim essas cenas nem tão boas são porque os efeitos especiais, bem como a movimentação dos atores durante sequências circenses, são tão artificiais que é difícil até mesmo compará-los com o primeiro filme da série, que custou menos da metade e ainda são visualmente melhores.

Desperdiçaram muita coisa para dar atenção às cenas em câmera lenta de Mercúrio. Enquanto em Dias a cena do herói foi um dos momentos ápices por ter pego espectadores de surpresa, foi engraçada principalmente por ser breve e sutil. Dessa vez turbinaram o repeteco, na idéia de que exagerar na reprise o deixaria melhor. E isso não é verdade. Dessa vez, ao som de Eurythmics, a sequência de Mercúrio não teve o mesmo impacto e não funcionou da mesma forma, sequer foi melhor. Ficou longe de causar a mesma hilária surpresa da primeira vez, e o exagero na tiração de sarro apenas desperdiçou tempo e dinheiro. Para realizar essa sequência, sacrificaram os outros heróis e o próprio enredo. Magneto sequer entra em combate, apenas aparece ora aqui, ora alí, erguendo objetos e mais uma vez (MAIS UMA VEZ) destruindo pontes. Mística é poupada de seus poderes frente a câmera sempre que possível, até mesmo da maquiagem. Se em 2000, Rebecca Romjin impressionou com uma maquiagem e caracterização convincentes, nesse filme, Lawrence, A Estrela, é poupada de horas e horas de cadeira, jato de tinta e próteses, tanto que sua maquiagem ao longo dos últimos três filmes apenas piorou, virando algo tão grotesco quanto amador, que seria reprovado em qualquer reality show do tema. É por esse motivo que o número de vezes que Lawrence aparece caracterizada-de-fato consegue ser menor que no filme anterior, ao ponto de ser tão insignificante quanto sua participação na história.

Talvez seja o filme mais sofrível da série, pois empobreceu essências para valorizar tudo que é descartável. Apocalipse é um personagem grandioso, um super vilão por excelência, mas sua ode pela destruição tem uma ordem de complexidade, e assim como a Saga da Fênix, abordada no terceiro filme da série, e novamente abordada aqui como se Fênix fosse parte dos poderes de Jean e não uma entidade, são histórias que não cabem em um único filme porque demandam desenvolvimento gradual e maturação. Não é à toa que nos quadrinhos essas fases não são episódios, mas sagas (ou eras), porque não é apenas sobre a vilania, mas também sobre as consequências disso no mundo que estão inseridos.

O resultado de tudo é a receptividade amena que o filme teve nos cinemas. No primeiro final de semana já arrecadou mais de US$280 milhões no mundo. Já se pagou, mas está longe de atingir o mesmo sucesso de público dos anteriores, e a tendência é cair nas próximas semanas. E pela crítica, até mesmo O Confronto Final nem parece mais ser tão ruim ou desrespeitoso quanto esse, pelo contrário, hoje vejo que Brett Ratner tentou, na medida do seu possível, ter sido mais fiel que Singer jamais foi, e que Jean Grey, possuída pela Fênix, causou muito mais medo nas sequências iniciais e finais do que Apocalipse jamais conseguiu nesse filme.

CONCLUSÃO...
Os personagens que já conhecemos se tornaram vazios, jogados aleatoriamente com relações sem qualquer propósito para bagunçar mais ainda o que já estava bagunçado, como a intromissão de Striker, que não acrescenta nada na história além de garantir a já citada e desnecessária participação de Wolverine. É um filme que sequer consegue ser empolgante, e assim como A Origem da Justiça (Dawn Of Justice, 2016), sofre no seu desenvolvimento, arrastando o espectador em qualquer coisa para um fim trivial.
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