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terça-feira, 23 de julho de 2019

PARA RÁPIDO CONSUMO, E SÓ...

Título: Cavaleiros do Zodíaco (Knights Of The Zodiac)
Ano: 2019
Gênero: Desenho Animado
Classificação: Livre
Direção: Vários
País: Estados Unidos
Duração: 15 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Readaptação da clássica série anime onde cinco jovens são escolhidos para defender uma garota que afirma ser a reencarnação da deusa Atena.

O QUE TENHO A DIZER...
A readaptação de Cavaleiros do Zodíaco pela Netflix foi anunciada há 2 anos atrás, e desde então muito se especulou, muito se falou e se criticou negativamente com antecedência, principalmente a respeito das mudanças que a nova versão traria.

A produção nunca escondeu duas coisas novas e principais que viriam com a série. A primeira é que a história seria atualizada para os tempos atuais, dando uma localização temporal na qual a original nunca deixou evidente. A segunda seria a ocidentalização do desenho, feito inteiramente digital, perdendo, assim, características marcantes do mangá, no qual o anime original se baseou. O objetivo dessas mudanças também sempre foi muito claro, conquistar principalmente a geração atual de crianças e adolescentes conectados e envoltos por bugigangas eletrônicas, abrangendo o maior número possível dessa faixa etária coberta pela plataforma nos 190 países que está disponível, cujo maior público, obviamente, vem a ser o ocidental.

E quem critica a ocidentalização da animação precisa compreender que grande parte das referências utilizadas, além das mitologias abordadas, em sua grande maioria, são de origem ocidentais. Na verdade, há uma mistura muito bagunçada entre oriente e ocidente, e só isso já daria liberdade para diversas interpretações e adaptações.

A questão é que, de tudo o que os "juízes de internet" criticaram previamente, cujas opiniões eram muito mais movidas por preconceitos a certas mudanças e fanatismos em relação ao anime original, poucos foram os argumentos que realmente se encaixam nos reais problemas que a produção apresenta. Acabou acertando aqueles que simplesmente acreditaram que a série não prometia ser tão boa quanto a original, aqueles se apoiaram no ceticismo do "esperar pra ver".

A readaptação poderia oferecer muitas coisas boas, eletrizantes e empolgantes para quem esperou tanto tempo, mas definitivamente não consegue. Nos curtos seis episódios disponibilizados para esta primeira temporada, é mais do que uma frustração para quem esperava mais, e apenas algumas gotas de nostalgia pra quem hoje já é velho, mas cresceu chegando em casa correndo pra assistir as épicas sagas dos heróis na TV.

Os erros e defeitos da readaptação são puramente técnicos, problemas de concepção de uma produção que pode até conhecer bem o material original, mas se atentou apenas àquilo que seria facilmente assimilado pelo público. A começar pelo roteiro, que corre mais rápido do que as pernas poderiam aguentar para explicar tudo em apenas alguns minutos, e com outros minutos criar imediatas relações de amizade e confiança entre os personagens, além de explicar de maneira bem confusa as motivações dos inimigos existirem. Sem falar do desenvolvimento capenga da história ao abordar a origem de cada um dos personagens e a superficialidade com que justificam o repentino juramento de honra a Saori Kido/Atena que, convenhamos, não convence nem criança.

No anime original, tudo era construído em cima de muitos diálogos e narrativas paralelas que realmente criavam um universo imaginário muito poderoso em cima de toda a mistura mitológica orienta e ocidental presente (se engana quem acredita que apenas a Grega foi referência), conseguindo até mesmo o impossível, o de criar uma outra mitologia própria de maneira bastante imersiva, já que o espectador acompanhava todos os passos dessa construção.

Os diálogos, muitas vezes intermináveis, eram recheados de um sentimentalismo até cafona, ou de tragédias exageradas, sempre acompanhados de trilhas sonoras simplórias e chorosas que apelavam num dramalhão quase "mexicano", mas que funcionavam porque sustentavam as histórias e criavam as bases sólidas de todas as narrativas. E assim os momentos eram construídos antes de culminarem para suas conclusões surpreendentes, reviravoltas marcantes e, claro, as batalhas individuais ou em grupo, sempre cheias de frases de impacto antes de cada golpe deferido e vilões que engajavam em monólogos sem fim sobre como estavam surpreendidos pelo poder do Cosmo dos heróis antes de cairem mortos e duros no chão. Era hilariamente constrangedor, porque era de se ficar imaginando o que se passava na cabeça do roteirista para tantos rodeios verbais. E no contexto, tudo isso tinha seu charme.

Que os heróis sempre sofriam mais do que deviam, isso era inevitável, mas que nunca seriam derrotados, era um fato. Não tinha como crianças ou adolescentes não se identificarem particularmente com um ou com todos, já que o quarteto de heróis representava muita coisa para eles (posteriormente vem a se tornar um quinteto com Ikki, de Fênix). As crianças se identificavam porque era a realização do fantástico, e material de sobra para criarem as suas próprias fantasias e histórias. Para os adolescentes, era quase que uma identificação espiritual, onde os personagens e seus poderes significavam frases motivadores, como gritos particulares para superar aqueles conflitos tontos da idade, ou às vezes impersonando o herói favorito para enfrentar dificuldades reais, seja como escapismo, seja como fonte inspiradora de coragem.

A nova produção não chega nem próxima de todo esse misto de significantes e significados do original, que muito mais do que batalhas entre o bem e o mal, traziam consigo valores muito cultivados como a amizade, o respeito, a fidelidade, a sinceridade e sensos de justiça que eram possíveis de serem filtrados no meio das violências acrobáticas. É uma produção vazia, sem alma, que esqueceu desses importantes elementos para dar atenção simplesmente ao peso da marca e aos ícones embutidos nele, como se apenas isso bastasse para sua aceitação e sucesso.

A produção acertou ao respeitar as características físicas, psicológicas e comportamentais dos personagens. Mesmo que em uma animação 3D ocidentalizada, consegue ser bastante apreciada pelos fãs mais liberais. No Brasil o acerto foi maior ainda ao manter a mesma equipe principal de dubladores. Mas de nada serve ter Seiya, Shun, Shiryu, Yoga e Ikki deflagrando seus bordões clássicos se o mais importante, que é a conexão que toda a série animada criava com as pessoas, não existe mais.

É um produto puramente comercial, que tinha tudo pra ser tão bom e relevante como o original, mas cuja produção se atentou demais a uma modernidade que não cabe nesse universo. Aumentar a rapidez dos acontecimentos para corresponder com a atual falta de paciência de um público que a cada dia que passa quer consumir as coisas com a maior velocidade possível custou muito caro, um crime que derrubou o pilar central de tudo de tal forma que nem Saori consegue segurar.

Perderam mais tempo definindo uma época atual na história do que em criar cenas com cuidado, muitas delas sem sentido, parecendo inacabadas para os olhos mais atentos, que nem mesmo a edição conseguiu evitá-las. Desnecessário mostrar celulares, aparatos tecnológicos e transformar os Cavaleiros Negros em soldados militarizados para dizer que a historia é moderna quando a própria produção, feita integralmente em 3D, visualmente já demonstra isso.

Não é à toa que a série original, até o momento, não está disponível no serviço, pois é garantido que ela seria mais assistida que a readaptação, além de um material comparativo injusto com a nova versão.

Não deixa de ser um produto divertido, e visualmente bem feito, lembrando bastante os jogos recentemente lançados, e como dito, fácil e rapidamente consumível pra quem não teria paciência para os longos bla bla blás do original. Mas não tem consistência, nem relevância.

Só espero que a Netflix não demore 1 ano pra disponibilizar sua segunda temporada, ou sua segunda parte. Frente ao produto final que entregaram, tão pouco, tão curto e tão vazio, ao menos, para o bem do entretenimento, seria respeitoso aos fãs um intervalo mais breve.

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