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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

DOSES DE PERFEIÇÃO...

★★★★★★★★★☆
Título: Homecoming
Ano: 2018
Gênero: Drama, Suspense
Classificação: 14 anos
Direção: Sam Esmail
Elenco: Julia Roberts, Bobby Cannavale, Stephan James, Shea Whigham, Sissy Spacek, Dermot Mulroney
País: Estados Unidos
Duração: 25 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Uma assistente social é contratada por um estabelecimento privado que tem como objetivo ressocializar soldados recém repatriados.

O QUE TENHO A DIZER...
Homecoming é mais uma prova do que tem sido dito há muito tempo sobre os serviços de streaming, de ser o nicho que a indústria do entretenimento precisava para expandir suas ambições de uma forma mais produtiva que o cinema e canais de TV não oferecem com frequência.

Novos diretores e escritores estão saindo das sombras com essa tendência que só tem crescido nos últimos anos, e outros importantes estão migrando para esses serviços pela liberdade criativa oferecida. O mesmo a ser dito sobre uma grande lista de importantes atores descobertos ou já estabelecidos no mercado.

TV deixou de ser um lugar onde atores de Hollywood são contratados por terem sido esquecidos pela indústria como aconteceu nas décadas de 90 e 00 (lembram quando Alicia Silverstone estreou em Miss Match, ou Gleen Close em The Shield?). Também deixou de ser um lugar onde importantes nomes eram contratados para incrementar os valores de produção, como acontecia com frequência em seriados como Plantão Médico e Friends, por exemplo.

Ao invés disso, atores encontraram nesses serviços um importante aliado para enriquecer uma carreira que agora pode ter atingido uma zona de conforto, ou que agora sentem que projetos desafiadores se tornaram raros depois de atingirem certa idade ou patamar de estrelato na profissão. É por isso que nomes importantes como Nicole Kidman, Reese Witherspoon, Emma Stone, Sandra Bullock, e Julia Roberts (apenas para nomear alguns), estão se tornando frequentes em produções como essas, porque agora encontraram espaço e oportunidade de explorar papéis complexos e projetos desafiadores que não seriam possíveis - ou difíceis - de serem produzidos pelos meios comuns.

Esse seriado dirigido por Sam Esmail (Mr. Robot) e disponível no Amazon Prime, é uma adaptação de um podcast homônimo e fictício produzido pela Gimlet Media, cujo brilhantismo é expressado de diversas formas. Julia Roberts afirmou ser uma grande fã do podcast, e demonstrou interesse imediado em participar da produção assim que ficou sabendo que Esmail tinha intenções de dirigí-lo, diretor o qual também é grande fã, tanto que sua única exigência foi que Esmail dirigisse todo o projeto, e que nenhum outro diretor se envolvesse para que a linearidade não fosse comprometida.

Demora alguns episódios para os espectadores compreenderem seu conceito como um todo, mas essa lentidão é a maneira inteligente do roteiro construir pedaço a pedaço uma atmosfera apreensiva de acontecimentos obscuros que envolvem Heidi Bermgan (Julia Roberts), uma assistente social contratada por um estabelecimento privado pertencente a Geist, uma empresa gigante liderada por Colin Belfast (Bobby Cannavale).

Este é o enredo principal, e é interessante não se aprofundar mais diretamente sobre ele para não estragar qualquer experiência que os 10 episódios de 25 minutos cada tem a oferecer.

A atmosfera aqui é construída sobre mínimos detalhes. Da trilha sonora minimalista e progressiva à estranha simetria fotográfica; das performances certeiras dos atores à perfeição artificial do design de produção. A maneira como as câmeras são conduzidas para mistificar um futuro próximo, a edição que nunca se sobrepõe ao ritmo da história, ou até mesmo as mudanças do tamanho da tela que, muito mais do que situarem o espectador nos diferentes tempos, também cria uma impressão efetiva de consciência e espaço limitados do presente. Elementos simples que funcionam em suas formas mais singulares.

Esmail afirmou que Hitchcock e De Palma foram suas maiores inspirações para construir o suspense baseado solidamente no desenvolvimento dos personagens e de suas personalidades, e os acontecimentos que os envolvem serem elementos complementares a isso, e não principais. De Palma é homenageado sem floreios quando a clássica divisão de telas acontece, conduzindo o espectador a dinâmicas paralelas e diferentes pontos de vista sobre um mesmo fato, intensificando assim a sensação de passagem de tempo e de que a vida na tela não se resume apenas àquilo que os personagens são conduzidos.

Toda essa fantástica percepção é sentida e compreendida como um todo conforme os episódios finais se aproximam, tal qual a premissa principal do seriado, de que as boas intenções estão espalhadas em todos os lugares, mas quanto mais nos aproximamos delas, mais assustadoras se tornam.

Para aqueles que assistiram Maniac (2018), produção da Netflix, Homecoming poderá não parecer tão original quanto pareceria, mas definitivamente é muito mais sólida e contemporânea, além de um ponto de vista bastante crítico de como os Estados Unidos sempre procura formas de economicamente explorar eles mesmos e aqueles que não se atentam às suas intenções e comportamentos perniciosos, mesmo que o preço disso seja a reinvenção da escravidão para seu próprio benefício, negligenciando a vida humana a favor do tão cobiçado, desconhecido e invisível "bem maior", a base fundamental de sua ultrapolítica. E sobre "escravidão", digo no sentido de obrigar cidadãos a fazerem coisas contra suas vontades, e não na histórica relação entre brancos e negros.

Esmail faz tudo ser desconfortável de alguma forma desde o primeiro episódio. Em uma primeira impressão, muita gente não irá achar nada estranho ou ameaçador mesmo que a sensação esteja presente, e tudo soará como um drama analítico tal como Em Terapia, mas dessa vez entre uma conselheira e ex-soltados que acabaram de retornar ao país e suas dificuldades de transição para a vida civil comum. Mas mesmo assim, como dito, o desconforto é sentido e ouvido da mesma forma, dando a impressão de que há muito mais por detrás além do esperado.

Por diversas vezes me encontrei prendendo a respiração como em um filme de terror, por causa da produção que, cheia de truques técnicos, consegue brincar com todo aspecto emocional e sinestésico de seus espectadores. De repente é possível se sentir confuso, desconfortavelmente tenso, às vezes nervoso, assustado ou apreensivo sem saber ao certo o por quê já que nada está visivelmente óbvio ou explícito. A resposta para isso é que Esmail se utiliza de elementos visuais coadjuvantes e sonoros para engatilhar esses sentimentos sem que o espectador sequer perceba. Algo brilhante porque são diferentes técnicas a favor dos caminhos que o roteiro propõe para construir seu enredo e enfiar as pessoas dentro dele. E quando todos os elementos da história são finalmente revelados, encontramos nossa sanidade um tanto fragmentada por consequência de todo esse desenvolvimento emocional e sensorial criado.

De tempo ao tempo para apreciar essa fantástica produção. Pode não ter a história mais original, mas é desenvolvida de uma maneira que pouquíssimas produções são. É delicado ao mesmo tempo que é denso, esclarecedor mais ao mesmo tempo que é duvidoso. Doses perfeitas de cada, e doses perfeitas de uma perfeição quase metódica.
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