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domingo, 27 de janeiro de 2013

A "XICA DA SILVA" DE TARANTINO...

★★★★★★★
Título: Django Livre (Django Unchained)
Ano: 2012
Gênero: Ação, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington, Samuel L. Jackson
País: Estados Unidos
Duração: 165 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Django está livre e com a ajuda de um caçador de recompensas alemão ele vai atrás de sua mulher para resgatá-la das mãos de um perigoso fazendeiro.

O QUE TENHO A DIZER...
Não é uma tarefa fácil falar de Tarantino, porque o cara enfia tanta coisa em um filme só que o problema não é ficar perdido, mas admirar como é que ele consegue misturar tantas coisas de uma forma coerente que soa fantástica, mas não absurda. Enfim, ele não é simplesmente um cineasta qualquer, ele é uma enciclopédia humana do que existe do melhor e do pior no cinema, na cultura pop e na história. Talvez essa gigantesca capacidade dele de absorver coisas úteis e inúteis como uma esponja justifique a razão dele ter uma cabeça tão grande e uma excentricidade hiperativa que deixa evidente a velocidade com que aquele cabeção funciona.

Tarantino é a Madonna do cinema, já que as polêmicas e o frisson que envolvem cada novo trabalho são sempre as mesmas, o que já ocorre numa frequência injustificável que nem ele mesmo suporta mais ao ponto de, logo no começo do ano, ter discutido ao vivo com o repórter Krishnan Guru-Murthy quando este tentou indiretamente associar a violência de seus filmes com a violência real, como que tentando de forma indireta responsabilizá-lo por incentivar o comportamento violento e da insanidade coletiva frequentes nos Estados Unidos, coisa que a mídia adora fazer, culpando a ficção ao invés de culpar quem realmente é e deve ser culpado. Nesta entrevista o diretor se impôs numa postura ofensiva em um sarcasmo arrogante típico da sua persona e do seu estilo, colocando o entrevistador no lugar devido em um constrangimento seguido do outro. Isso porque Django Livre nem é o mais violento de seus sete longa metragens. Há balas voando por todos os lados, e sangue jorrando como geisers num exagero pastelão que mais causa riso do que assombro.

A grande violência mostrada é a relação brutal e desumana que os brancos tinham com os negros durante o período de escravidão, e mesmo mostrando algumas situações fortes de tortura, abusos e constrangimentos, ao mesmo tempo ele também não mostra mais do que o necessário, o foco é o confronto das situações e suas sobreposições. Por exemplo: grande parte das cenas os escravos estão bem vestidos e arrumados, no mesmo ambiente que seus donos, mas tratados como animais domesticados, porque é nessa caracterização que ele nos faz questionar porque essa diferença existia se a realidade é que não há diferença alguma?

O filme conta a história de Django (Jamie Foxx), um escravo rebelde que foi separado de sua mulher, Broomilda (Kerry Washington), para ser vendido na maior feira de escravos do Mississipi. No caminho ele é interceptado por por Schultz (Christoph Waltz), um caçador de recompensas alemão com ideais abolicionistas que precisa de Django para identificar três foragidos. Shultz compra sua liberdade e, sensibilizado pela história do escravo e de sua mulher, promete ajudá-lo a recuperar sua amada depois do inverno, tempo necessário para que o caçador cumpra suas missões e prepare Django para o ato final do filme.

É uma história de amor e vingança que, a princípio, Tarantino nunca contou, já que o tema principal é a relação entre Django e Broomilda. Mas isso nada mais é do que um motivo para o diretor e roteirista mudar o repertório e adentrar na sua zona de conforto preferida quando o personagem descobre que, se tornando um caçador de recompensa juntamente com seu mentor, ele terá a oportunidade de destruir todos aqueles que fizeram sua vida ser mais miserável do que já era. E assim o filme se transforma naquilo que todos os filmes anteriores de Tarantino são, a da justiça sendo feita pelas próprias mãos custe o que custar.

A vontade de Tarantindo de fazer um Bang Bang moderno, com cavalos, pistolas, botas com espora e o pastelão típico que envolve o estilo, é velha, mas ele sempre foi talhado pelos chefões. Isso não o impediu de fazer experiências e misturar esse estilo nos seus trabalhos no decorrer dos anos, como as constantes referências existentes do estilo em Kill Bill (2003/2004), ou a trilha sonora western e os personagens caricatos de Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, 2009). Logo, Django Livre é a concretização de um sonho antigo, que às vezes dá certo, mas por muitas outras ele erra a mão.

O filme não é ruim, mas peca pelo excesso, a começar pelos exagerados 165 minutos, que chegam a isso por conta de inúmeras sequências tarantinescas desnecessárias e a constante necessidade que ele tem de incrementar situações com piadinhas fora de hora e situações patéticas para deixar explícito que tudo que ele faz é uma fantasia do seu circo particular.

Não há como negar que ele consegue fazer isso muito bem, mas esse excesso de auto-confiança às vezes é seu maior defeito, pois essas situações são propositais para quebrarem a expectativa coletiva e são os ganchos necessários pra ele brincar com o inusitado como ele sempre faz, mas isso se torna frustrante muito mais por não serem coerentes com a narrativa e situação do momento, do que pela concretização da expectativa do espectador em si. Isso é evidente, por exemplo, na sequencia em que Django é revelado a Broomilda. O reencontro dos dois é o ápice do filme, o momento mais esperado, e a tensão nessa sequencia cresce de maneira tão natural e emocionante que de repente esse clima todo construído é jogado no lixo como uma facada no peito, numa frustração brochante tal qual a do assassinato de Hitler no seu filme anterior, um momento de igual catarse e tensão que se tornou banal e só soltou um "não acredito que o filme inteiro foi pra ser simples assim", do público.

A tentativa de Tarantino de reproduzir seus sucessos anteriores também é bem evidente, como a narrativa épica de Kill Bill, tanto que há diversas sequências muito similares entre os dois filmes, só mudando o sexo do personagem principal e colocando uma pistola no lugar da katana. O mesmo pode ser dito sobre a cena do jantar, em que Calvin Candie (Leonardo DiCaprio) realiza um discurso no mesmo tom perverso ao de Hans Lanza em Bastardos Inglórios, um deja vu que teria sido muito apropriado se não fosse tão recente. Sem falar no teor "gangsta" e a cultura negra que sempre foram presentes desde Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992), Pulp Fiction (1994) e o estilo blaxploitation de Jackie Brown (1997).

Essas similaridades do filme com os anteriores fizeram fãs divulgarem massivamente a teoria de que todos os filmes do diretor se passam dentro de um mesmo universo e que há relacões diretas que ligam uns aos outros. Mas segundo o próprio Tarantino sobre o filme, a construção, o desenvolvimeto e a narrativa de Django é muito similar ao de Bastardos Inglórios, e por isso, sem querer, ele se viu dentro de uma idéia de uma trilogia de vinganças históricas que irá se completar com seu próximo filme, que ainda não tem título ou data de produção, mas que a idéia existe e que talvez se passe durante a invasão da Normandia, o Dia D. Talvez seja por isso que a sensação de "eu já vi essa cena antes" seja bem recorrente nesse filme.

Os personagens são bem construídos e os atores bem caracterizados. Leonardo DiCaprio está bem convincente como o vilão, mas Tarantino fez escola quando criou o personagem Hans Lanza para Christoph Waltz, que foi o responsável por dar uma caricatura ao personagem que posteriormente virou referência para a construção de outros como Charles Rakes (Guy Pearce) de Os Infratores (Lawless, 2012) e até mesmo Raoul Silva (Javier Bardem), de 007: Operação Skyfall (Skyfall, 2012), personagens bastante similares e igualmente brilhantes. Mas esses vilões com sexualidade duvidosa, que agem com delicadeza para atrair a simpatia do espectador para depois surpreendê-los com a perversidade oculta, agora mostra sinais de cansaço com DiCaprio. O ator Christoph Waltz, que agora faz um personagem do lado dos mocinhos, é de longe um dos mais interessantes, juntamente com Samule L. Jackson, que só vai aparecer mais no final do filme no papel do negro racista, o Sr. Stephens.

Mesmo cansativo e cheio de momentos frustrantes, Django tem lá as qualidades natas do diretor, como os enquadramentos perfeitos das cenas, posicionamento de atores e toda a perfeição cenográfica que ele faz questão, além do dinamismo de filmagem referente aos clássicos japoneses que ele nunca escondeu ser um grande admirador, ou o estilo "pastiche mexicano" que também é uma forte referência no seu estilo. Sem contar que o roteiro é sempre o grande trunfo das suas produções, já que ele não é somente um roteirista, mas um autor que preza pela construção de personagens e diálogos inteligentes que são sempre a atração principal do grande mundo sarcástico que ele vive... o grande problema são as páginas extras desnecessárias.

CONCLUSÃO...
Novamente digo que não é um filme ruim, mas o excesso faz ele ser frustrante diversas vezes numa narrativa que a princípio começa muito bem, mas da metade em diante parece desandar e desenvolver aos tropeços, perdendo a identidade e não sabendo onde se colocar. Está longe de ser um dos melhores filmes do diretor, e Django nada mais é do que um punhado de cenas e sequencias que Tarantino já fez nas suas últimas produções e que poderia soar nostálgico se não fossem tão recentes.

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