Translate

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

MULHERES FAZEM A FORÇA...

★★★★★★★★★☆
Título: Big Little Lies
Ano: 2017
Gênero: Drama, Suspense, Mistério
Classificação: 16 anos
Direção: Jean-Marc Vallée
Elenco: Nicole Kidman, Reese Witherspoon, Shailene Woodley, Alexander Skarsgård, Adam Scott, Zoë Kravitz, James Tupper
País: Estados Unidos
Duração: 60 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
As histórias de três mulheres, de suas respectivas famílias, e da relação existente entre elas, são expostas após um controverso assassinato.

O QUE TENHO A DIZER...
Houve uma época em que David E. Kelley era o J.J. Abrams dos anos 90/00, sendo conhecido principalmente por suas séries com bases jurídicas, já que ele mesmo foi advogado, largando a carreira para construir a de produtor de TV. Criou sucessos premiados como Ally McBeall (1997-2002), The Practice (1997-2004) e Boston Legal (2004-2008), também tiveram os aclamados Chicago Hope (1994-2000), Boston Public (2000-2004) e alguns outros. Mas advogados e séries era o seu negócio e sua característica como criador e produtor. Naquela época parecia que Kelley não tinha freios, e acumulou em sua carreira um total de 11 Emmys, sendo o último recebido por Big Little Lies, sua última criação até o momento, baseada no livro homônimo de Liane Moriarty, com roteiro adaptado integralmente por ele.

Mesmo tendo uma outra série em destaque no Amazon Prime, com Goliath (2016-), Big Little Lies é o grande retorno de Kelley depois de alguns anos um tanto apagado. A popularidade e o sucesso da mini-série não só trouxe de volta um dos maiores produtores aos holofotes, mas também o tirou completamente da zona de conforto daquilo que se condicionou a fazer e produzir ao longo de duas décadas.

Ter um roteiro bem escrito, cheio de elementos dispersantes (mas sem ser confuso), uma direção efetiva e que consegue lidar com o elenco peso-pesado, além de uma história intrigante e que reflete de maneiras, ora subliminares, ora diretas, muito daquilo que é a nossa sociedade moderna, não são os únicos elementos que deram créditos, superexposição e superestimação à série. A guerra pelos direitos do livro entre Netflix e HBO botou lenha nessa fogueira, e a partir do momento que HBO ganhou a licitação, um grande selo de qualidade foi carimbado, principalmente em tempos de Game Of Thrones, um dos maiores sucessos do canal pago até então. Além disso, o elenco formado excepcionalmente por estrelas de diferentes grandezas como Nicole Kidman, Reese Witherspoon, Laura Dern, Shailene Woodley e Alexander Skarsgård, fortaleceu mais ainda a imagem de que Hollywood tem buscado cada vez mais a televisão para se expandir, e que o encaretamento do cinema tem feito astros e estrelas encontrarem aporto e desafio em produções que fujam do status quo das salas de projeção.

Além disso, Big Little Lies é uma das poucas produções com debates claramente feministas e empoderadores que atraiu não apenas a atenção do público feminino em massa, como também do masculino, o mais resistente a temas como esse, já que, além de um drama, também é uma série de suspense e mistério.

Cada uma das personagens principais abordará basicamente um tema específico, como a maternidade ultraprotetora de Madeleine (Reese Whiterpoon), a violência e submissão doméstica de Celeste (Nicole Kidman), os traumas e as dificuldades da maternidade solitária de Jane (Shailene Woodley), o sucesso e a referência empresarial de Renata (Laura Dern) e, mais coadjuvante, porém nem menos importante, a liberalidade de Boonie (Zoë Kravitz). Todas elas com diferentes narrativas, construções e desenvolvimentos, ao mesmo tempo que dividem outras poucas qualidades em comum, como a independência financeira, idéias mais progressistas e menos arbitrárias do que a sociedade em que vivem na pacata, bem sucedida, porém conservadora e hipócrita cidade de Monterey, na Califórnia.

O roteiro tem sua parte linear, mas constantemente interrompida por flashbacks confusos de um passado mais distante, que aos poucos vão fazendo sentido conforme os episódios avançam. E também flashbacks mais recentes e coesos de certos fatos momentâneos ocultados para aumentar o nível de surpresa de suas revelações. Longe de ser uma novidade, essa narrativa desconstruída é o elemento que mais tem sido usado na televisão nos últimos 10 anos para elevar o suspense e a apreensão, conquistando facilmente a atenção do espectador, fazendo-o cair como um pato no gancho que o segura para o próximo capítulo. Não é um elemento ruim, mas para quem já o conhece de outros seriados como Damages, Bloodline ou até no mais recente The Sinner, não verá nisso algo realmente atraente, pelo contrário, nem damos muito atenção porque já se tornou previsível para os familiarizados.

De qualquer forma, são as abordagens sociais inseridas no contexto que trazem um certo charme repulsivo nas situações. A maioria  sobre as heranças históricas do comportamento feminino e a adequação delas na sociedade moderna, e da relação individual e coletiva das mulheres em comunidade. Temas complexos que envolvem todo um ecossistema, e não são simplesmente questões de gênero, do tipo: "mulheres são fofoqueiras porque é parte de sua natureza"; ou "mulheres não perdoam porque é parte da personalidade delas"; ou "elas são do jeito que são por questões hormonais". Respostas simplistas para uma sociedade machista que historicamente condicionou cada uma delas a estereótipos que encontramos a todo momento, e a coletivamente se comportarem como se comportam.

É a partir do momento que cada uma dessas personagens desafia o meio em que vive e entra em conflito com suas próprias crenças e raízes sociais que a transformação começa a ocorrer entre elas e na relação que as personagens passam a desenvolver entre si. Mulheres que, a princípio, começam a transferir suas pessoais frustrações a seus filhos e famílias, ao invés de resolverem os problemas fundamentais que causam esses dilemas. Não resolvem não por inalibilidade, mas por medo do julgamento social, da exploração indevida da imagem imaculada de mulheres perfeitas cobrada pela sociedade e fora do ambiente doméstico.

Sim, quando analisamos a fundo, Big Little Lies é uma versão mais séria e centrada de Desperate Housewives, e Monterey não é nada diferente da fictícia Wisteria Lane. Dos depoimentos maldosos até o comportamento mais cínico e desprezível de pessoas que apenas conhecem as protagonistas superficialmente, tudo é, de fato, fundamentado em fofocas, como cantigas de escárnio ou maldizer. E conforme mais as conhecemos, mais enjoados ficamos com observações tão falaciosas dos outros sobre elas.

Mesmo em toda a plasticidade apresentada, existe uma naturalidade palpável na forma como a série é conduzida. Os méritos disso ocorrem por duas razões principais, a primeira pela série ser produzida em grande parte por mulheres, incluindo Kidman e Witherspoon. A segunda é a direção de Jean-Marc Vallée, o mesmo de Livre (2014) e Clube de Compras Dallas (2013), que não apenas deu liberdade de criação ao elenco, como também de movimento, abolindo uso de iluminação artificial para que não houvesse obstáculos entre o cenário e os atores, e para que a sensação de realismo fosse maior. E funciona.

Kidman, por mais que ainda tente manter a aparência mais perfeita possível, não tem vergonha de se expor em cenas que acabam sendo as mais fortes e chocantes. Felizmente as intervenções cosméticas se amenizaram e ela agora tem expressões faciais novamente. O mesmo sobre Witherspoon, que por trás da imagem fútil e mesquinha, se mostra uma das personagens mais fortes e intrigantes. E aos poucos é assim que as relações são construídas entre elas, pessoas que criaram vínculos com outras que possuem o mesmo sentimento de não se enquadrarem no padrão exigido, por mais que tentem se adequar a ele, descobrindo que existe muito mais na realidade do que a vã filosofia dos outros.

É uma série que, a princípio, não se sabe muito bem sobre o que é, sobre o que irá falar ou qual é seu objetivo. Não chega a ser dramática ao ponto de arrancar lágrimas e soluços, mas trata de temas complexos e bastante deprimentes. Os alívios cômicos estão lá, espalhados pelos episódios, bem como o suspense e o mistério desde o primeiro capítulo, que começa como em O Rebu (2014), com um crime ocorrido durante uma festa promovida para a alta sociedade, do qual não saberemos quem foi a vítima e muito menos quem foi o assassino, até o último momento do último capítulo. Inclusive, esse foi um dos grandes êxitos, já que a mídia em geral parece ter assinado um contrato de confidencialidade, revelando nada além do mínimo necessário para não estragar prováveis surpresas, embora muita coisa se torne bastante previsível depois de um certo ponto, e confesso que, no quarto capítulo eu já deduzi toda a resolução da história, com uns 95% de acerto.

Uma série boa e muito bem construída, com alguns errinhos de continuidade aqui e ali, mas nada criminoso. Mas com tantos elementos reutilizados de narrativas de outras produções, Big Little Lies funciona pela bela química resultante de tantas idéias particulares e um esforço coletivo para que o projeto desse certo de maneira visível e quase palpável. Pode figurar entre as melhores produções do ano sim, mas o lobby em cima dele tem ofuscado outras séries que merecem as maiores premiações do ano, mais do que aqui, como: Feud, The Sinner (por sinal, muito mais intrigante) e Fargo.

MAIS ANOS 80 E STEPHEN KING...

★★★★★★★★☆
Título: It
Ano: 2017
Gênero: Horror, Suspense, Fantasia, Aventura
Classificação: 16 anos
Direção: Andy Muschietti
Elenco: Bill Skarsgård, Jaeden Lieberher, Jeremy Ray Taylor, Sophia Lillis, Finn Wolfhard, Jack Dylan Grazer, Nicholas Hamilton
País: Estados Unidos, Canadá
Duração: 135 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um grupo de crianças se unem para tentar impedir um monstro disfarçado de palhaço de machucar e raptar outras crianças.

O QUE TENHO A DIZER...
A primeira adaptação de It foi feita para a televisão em 1990, quatro anos após o lançamento do livro homônimo de Stephen King. Foi uma minissérie de dois episódios, divididos tal como o livro. Levando a alcunha de Uma Obra Prima do Medo no Brasil, as pessoas se arrepiavam apenas em ver a caixa do VHS duplo nas prateleiras das locadoras. É considerado um clássico do horror, assim como é o livro. Pode soar prepotente intitulá-lo como uma obra prima, mas se analisarmos Pennywise e a sua função na história, o significado não parece tão distante, já que ele existe e se alimenta dos mais profundos medos, e só construindo todo esse cenário com magnitude que ele conseguirá isso. Logo, "uma obra prima do medo" não seria, necessariamente, sobre a obra em si, mas sobre o personagem e a sua função na história.

É claro que a versão de 1990 hoje em dia pouco assusta, e causa mais risos do que medo por conta, principalmente, da evolução narrativa que ocorreu no cinema ao longo dos anos e a mudança drástica daquilo que hoje consideramos terror, onde o gênero aos poucos foi se tornando mais explícito e chocante, deixando de lado a técnica. A sutileza foi substituída pelo banho de sangue, e os efeitos práticos pelos digitais. Hoje em dia filmes de terror agora só lidam com exorcismos exagerados, contos sobrenaturais cheios de efeitos especiais, ou o abuso do gore para ser chocante de maneira fácil. O terror imediatista, assim como tudo tem sido na última década.

O público se desacostumou com o terror de vanguarda, aquilo de causar arrepio na espinha, de deixar a gente tenso na poltrona apenas com o uso adequado da câmera, do som, e da expectativa. Por isso que muitas vezes, nessa nova versão, por mais que o diretor e o roteiro tente apelar para o terror mais visual e sangrento, muita gente saiu do cinema com a sensação de ser muito mais um filme de aventura do que algo assustador. De fato, ele é um pouco dos dois, e foi intencional, mas não deixa de ser um filme horripilante, ou creepy, como diriam os norteamericanos.

O livro, uma bela bitola de mais de mil páginas, é cheias dos mais ricos detalhes que apenas King consegue fazer, e corajoso aquele que conseguir devorá-lo. Primeiro pela sua extensão narrativa, e segundo porque realmente é assustador assim como os demais grandes clássicos do autor, como Carrie, O Iluminado, Cemitério Maldito e Christine, apenas como exemplos.

O grande fator interessante é que esta nova adaptação mantém um pouco das duas atmosferas: a clássica, com preferência aos efeitos práticos, da maquiagem e a preservação da técnica; a atual e moderna, com os efeitos digitais que funcionam na maior parte das vezes, da narrativa e edição mais condensadas e dinâmicas. As interpretações também são, de longe, muito melhores que a versão de 1990, principalmente por parte do elenco infantil, muito mais convincente e espontânea agora do que antes, até porque o diretor fez questão de dar liberdade aos atores de improvisarem. Sobre Pennywise, o de hoje é tão assustador quanto o de antes, e Bill Skarsgård imprimiu uma personalidade tão única a ele quanto Tim Curry. Curry deu ao personagem uma personalidade mais cômica, cheio de perversidade em suas piadas mórbidas e no tom caricato focado no humor físico, enquanto Skarsgård o deixou mais sombrio, expressivo e psicológico, com uma bagagem mais obscura e perturbada. O alívio cômico ainda existe, usado com seriedade para deixar a narrativa mais atraente, e não mais palatável. Tal qual o Coringa, não importa o ator que o interprete, Pennywise oferece material suficiente para ser criado e desenvolvido das mais diferentes formas sem perder sua característica principal, que é desafiar suas presas antes de atacá-las, ebulir o sangue para ele ser mais saboroso, como os vampiros fazem. O instinto selvagem e primitivo do animal caçador farejar o medo e se beneficiar disso.

Assim como Pennywise, que reaparece a cada 27 anos, a indústria do entretenimento também faz ressurgir gêneros, estilos e épocas de tempos em tempos. Seja no cinema, na moda ou na música, a saturação de uma tendência nos obriga a resgatar clássicos. Uma reciclagem necessária para oferecer referências às novas gerações, assim como aquilo que um dia foi feito é referência para nós hoje.

Não é à toa que os anos 80 voltou a ser uma tendência, e estamos sendo bombardeados por essa época por todos os lados, principalmente na música, no cinema e na televisão. Vide Stranger Things (2016-), um dos maiores fenômenos da Netflix, inteiramente baseado na época e que, inclusive, presta grandiosas homenagens ao próprio Stephen King e demais outros nomes responsáveis por importantes referências daquela década, como Spielberg e George Lucas. Tanto é assim que a história original se passa nos anos 60, mas esta readaptação agora se passa em 1987, não apenas para se enganchar na história, mas também no ressurgimento 80tista. E falando em King, é outro que também de tempos em tempos retorna às tendências, e depois de alguns anos em total hibernação, seu nome voltou a ser de grande interesse dos estúdios, principalmente agora, depois de uma leva de boas adaptações de suas obras que tivemos ao longo de todo esse ano, e principalmente do inesperado sucesso desta adaptação, que faturou quase US$700 milhões pelo mundo, se tornando o filme de horror mais bem sucedido da História do Cinema até o momento.

Não se pode ignorar que resgatar uma tendência movimenta o mercado, e tudo aquilo que é relacionado àquela tendência resgatada será igualmente consumido em massa, até ocorrer a saturação e as pessoas enjoarem.

A nova adaptação não foge dessa regra. Segundo o próprio diretor, Andy Muschietti, sua versão nada mais é do que um misto de Goonies (1985) com o horror. Oras, nada diferente da premissa de Stranger Things, que obviamente se baseou nas mesmas referências, fez sucesso com isso, e resgatou uma tendência. Originalmente eram os Irmãos Duffer (criadores, produtores, roteiristas e diretores de Stranger Things) quem tinham a intenção de dirigir o remake de It, mas só não o fizeram porque não tinham popularidade, e estavam focados na estréia da série. De qualquer forma, It vem tão embarcado nessa onda que o sentimento de estar assistindo a série da Netflix é a mesma, tanto que até Finn Wolfhard, que interpreta Mike na série mencionada, também está no elenco aqui. Claro que seu papel é bem diferente, e Richie nada tem a ver com Mike. Mas voltamos na teoria das referências, e quanto mais for possível alguém fazer referências sobre o que está em tendência, mais consumido aquilo será.

Lançado propositalmente 27 anos após a primeira adaptação, o filme não é uma propaganda enganosa. Ele realmente possui mais méritos do que o contrário, principalmente no misto de horror, aventura juvenil e comédia que são feitos tão bem. Não é um filme assustador e de se levar sustos o tempo todo, mas é aterrorizante e tenso na forma como o diretor constrói as cenas mais com técnicas visuais do que sonoras, criando sequências um tanto perturbadoras e aflitivas. O maior potencializador disso é, sem dúvida, Bill Skarsgård. Mesmo com tanta maquiagem, é possível perceber o talento do ator na caricatura mostruosa que ele criou de Pennywise à sua forma. A maquiagem serve mesmo mais para sequer imaginarmos que esse ator tem apenas 27 anos também.

Quando falamos das obras de King, nunca podemos esquecer das influências da realidade em suas fantasias. Aqui é a violência social e a corrupção infantil que toma grande forma, e como as pessoas são facilmente dominadas por aqueles que infligem o medo, de tal forma a marcar a memória, traumatizar a infância e influenciar a vida adulta. O que Muschietti tenta mostrar em muitas cenas é que o grande vilão da história nem é Pennywise de fato, mas as pessoas com quem convivemos no dia a dia, todos os dias do ano, sem 27 anos de hibernação. Da maternidade ultra-protetora e possessiva, do abuso doméstico, do assédio moral, da vulnerabilidade infantil. Pennywise é apenas o produto das doenças sociais que nós mesmos criamos, cultivamos e mantemos por gerações.

Por isso que o vilão não tem uma origem definida. Assim como Fred Krueger em seus primeiros filmes, as figuras mais assustadoras do cinema são aquelas que desconhecemos a origem, pois foram concebidas para serem a personificação do mal. O mal não precisa ser explicado ou definido, ele existe por si só, e todas as vezes que a maldade foi justificada, como o cinema costuma fazer em suas franquias, o medo genuíno deixa de existir. Ainda sobre Krueger, enquanto ele se alimenta do medo das pessoas por pesadelos, Pennywise existe pelo medo real, das aflições e fobias que nos atinge e nos enfraquece perante ele. Não é à toa que outro personagem na história tem tanto destaque. O adolescente Henry Bowers (Nicholas Hamilton) é a versão humana de Pennywise, aquele que igualmente amedronta, persegue, tortura, caça e fere, usando o terrorismo para dominar e camuflar sua covardia.

O roteiro, escrito primeiramente por Chase Palmer e Cary Fukunaga, acabou sofrendo algumas alterações por Gary Dauberman quando Fukanaga abandonou a direção, deixando o projeto por diferenças criativas com o estúdio. Enquanto Fukanaga pretendia explorar o medo através do suspense, mais do que com imagens óbvias, Muschietti preferiu o contrário quando o substituiu na direção, dando preferência às virtudes de Pennywise, que é sua habilidade de materializar o medo dos personagens. A concepção de Fukanaga, de ser mais sutil e subliminar, era interessante, e embora a de Muschietti seja mais óbvia e convencional, acabou funcionando de igual forma pelo simples fato de ter se mantido fiel ao livro e a narrativa de King em sua maior parte.

Portanto, dizer que é uma das melhores adaptações de King até hoje, é correto. Está longe de ser aquele filme de horror que tanto se esperou, mas as boas doses de variação entre os gêneros foi algo bem vindo em uma época em que o cinema tem sido muito pretensioso nas idéias, mas péssimos nas execuções. A segunda parte da história já teve sua produção confirmada, e seu lançamento é previsto para o fim de 2018. Esperaremos para conferir se, como um todo, as duas partes farão jus a todo o universo fantasioso e horripilante de King como se deve.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

NOVELÃO DE PRIMEIRA...

★★★★★★★★☆☆
Título: Outlander
Ano: 2014-
Gênero: Drama, Ação, Época
Classificação: 16 anos
Direção: Vários
Elenco: Caitriona Balf, Sam Heughan, Duncan Lacroix, Tobias Menzies, Graham McTavish
País: Estados Unidos, Inglaterra
Duração: 60 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Por motivos desconhecidos, uma mulher volta 200 anos no tempo, sendo obrigada a esquecer da vida que um dia teve e se adequar aos costumes de uma sociedade antiga, ao mesmo tempo que se deixa conquistar por um novo grande amor.

O QUE TENHO A DIZER...
Claire (Caitriona Balf) é uma mulher inglesa comum que sobreviveu aos horrores da Segunda Guerra Mundial, na qual atuou como enfermeira para seu país e seus aliados. Em uma visita a Iverness durante sua lua de mel, em 1945, por razões inexplicáveis, ela é transportada ao passado, voltando 200 anos para a segunda metade do século XVIII, deixando para trás seu marido, o historiador e professor Frank Randall (Tobias Menzies).

É a partir daí que toda a história tem início nessa série baseada na saga de oito livros da escritora estadunidense Diana Gabaldon (que também atua como consultora da produção), publicados entre 1991 a 2014, e cujo nono livro, já anunciado, ainda não tem previsão de lançamento.

A adaptação televisiva, uma co-produçao entre Estados Unidos e Inglaterra, é um grande sucesso do canal Starz, que estreou em 2014 e já foi renovada para sua quarta temporada, a ser lançada em 2018. E não é à toa que no Brasil ela tenha se popularizado bastante, pois mesmo sendo uma série, sua estrutura é bastante similar àquilo que nossa cultura está acostumada a ver nas telenovelas, ou soap operas. A diferença não esta apenas no requinte da produção, com cenários e fotografia deslumbrantes, figurinos de época belíssimos e atuações convincentes, mas também na qualidade narrativa, que mesmo tendo como núcleo central os clichés românticos do gênero, conquista exatamente por dar foco a um casal protagonista cativante, cuja exótica relação nunca se torna cansativa, além de subtramas consistentes que abusam de fatos históricos para embasar sua ficção.

Misturar ficção com a História não é novidade, mas Outlander faz isso de maneira bem interessante, abordando a diversidade cultural europeia do século XVIII com eloquência, seja no interior da Escócia ou entre os condados ingleses, do período hegemônico Francês e a engraçada liberdade sexual aristocrática que tomava conta dessa época à Boston da década de 60 e a influência de Jacqueline Onassis na moda, é impossível não se sentir imerso cada vez mais na narrativa conforme os episódios avançam.

Claire, por ser uma mulher independente e determinada, o que já era algo notável e pouco aceito ainda na década de 40, é recebida com espanto e repúdio pela sociedade escocesa machista do século XVIII, onde as mulheres eram apenas donas de casa subservientes, colocadas sempre atrás de seus esposos. Os rígidos códigos de honra existentes impediam-nas de decisões e participação efetiva na sociedade, e o aparecimento de Claire oferece um choque cultural imediato, tanto para os personagens, quanto para o espectador. Seja em meio a xenofobia que dificulta a relação cultural, ou na diferença de pensamentos e comportamento, a heroína já começa a traçar sua própria história de maneira categórica e impositiva, atraindo a atenção justamente por fugir do estereótipo de mocinha frágil e condescendente. Ela sequer finge ser assim, mesmo estando em um território hostil e sem lei, cuja insubordinação feminina era punida severamente. Aos poucos ela vence barreiras e pula obstáculos, inspirando outras a fazerem o mesmo, e dessa maneira desbravadora conquista o respeito de inimigos e aliados por conta de uma personalidade que não deixa ser abalada pelo tempo ou época.

A protagonista é um elemento transformador desde o início de sua narrativa no primeiro episódio, bem como em suas atitudes e postura. O roteiro, elogiado por seguir fielmente as obras originais (cada temporada tem cronologicamente sido baseada em um livro), se engrandece demais ao estar repleto de outras personagens femininas fortes e que a todo instante mostram como as mulheres tiveram papéis extremamente importantes na História, mesmo não sendo creditadas por muitas vezes serem obrigadas a atuarem de maneira coadjuvante e até anônima, como por várias vezes é exigido à própria protagonista. A todo instante ocorrem situações e diálogos que contrariam o pensamento machista ou misógino existentes até os dias de hoje, como em um momento entre James e Jenny, sua irmã, onde ele afirma que abriria a mão de sua própria vida para não ver a honra dela ser violada por um estranho. Ela em seguida retruca, dizendo que não é pelo fato dele ser homem que o mérito da decisão seja apenas dele, e que a necessidade também poderia levá-la a optar por ceder sua honra para mantê-lo vivo. Ou seja, independente do sexo, o direito de escolha é igual a todos.

E é seguindo este pensamento que os episódios estão repletos de embates verbais como esse e sobre diversos outros temas conservadores, sejam eles sociais, culturais, políticos, espirituais ou religiosos, engrandecendo a experiência que o seriado oferece e colocando-o em um patamar acima da média. O humor também é bastante presente de diversas formas, principalmente na maneira rústica como a cultura escocesa e retratada, que chega, às vezes, até soar como sátira, porém convincente de igual forma pelo principal fato dos personagens escoceses serem interpretados por atores escoceses. Então o sotaque que ouvimos não é exagero de interpretação, mas genuíno, que respeita a linguagem coloquial da época. Tanto que uma das dúvidas dos produtores antes do seriado ser produzido era se o inglês seria a língua dominante, e foi então que chegaram à conclusão que até poderia ser, mas as línguas nativas, principalmente o galês, seriam usadas constantemente para causar a sensação ao espectador de realmente se sentirem forasteiros da história e terem a mesma dificuldade de compreensão que a protagonista muitas vezes tem.

Mas é claro que o drama é sempre o prato principal, e é isso que caracteriza o tal ar folhetinesco, já que muitas situações se repetem demais ao longo das temporadas cheias de idas e vindas para o mesmo ponto de partida, como o herói sempre ter de salvar a heroína e vice-versa, ou o constante embate maniqueísta do bem contra o mal. Não importa onde eles estejam ou para onde vão, as tramas serão sempre parecidas entre si. Mas embora pareçam repetitivas, são propostas de maneiras tão distintas e mirabolantes que, mesmo tendo finais previsíveis, nos empolgamos sempre como se fosse novidade, pois o que tira a sensação repetitiva é a multidimensionalidade dos personagens e as mudanças constantes de cenários e locações.

Cada um dos protagonistas e coadjuvantes tem suas respectivas tendências heroicas ou vilânicas, mas o karma construído tem profundidade, e não importa ser mocinho ou bandido, todos cometem erros, acertos e possuem momentos de redenção na hora certa. Aliás, isso é algo muito interessante, já que o roteiro nunca adia ou reprime os sentimentos de seus personagens, correspondendo exatamente com a atitude que o espectador espera. Quando pensamos que um personagem deveria agradecer outro por um ato nobre, isso acontece; quando pensamos que a protagonista deveria abraçar o mais turrão dos combatentes para expressar sua gratidão, isso acontece; até mesmo quando simplesmente queremos que o casal principal se beije, se abrace e role no chão como se não houvesse amanhã, isso acontece. Diferente de elementos unicamente previsíveis, essas ocasiões são méritos da honestidade do roteiro que está sempre em constante sincronia com as emoções de quem assiste, oferecendo exatamente aquilo que se espera nos momentos certos, sendo por isso muitas vezes difícil de conter emoções genuínas, por mais banais que sejam.

A relação entre Claire Randall e James/Jamie Fraser é um dos elementos mais atraentes da história. É literalmente o caldeirão que encontrou sua tampa, construindo a partir daí aquela velha premissa do grande épico romântico atemporal. A prepotência de James é amenizada pelo temperamento dominante de Claire e a teimosia de ambos encontra equilíbrio quando se chocam. Dessa forma desenvolvem uma relação de respeito e cumplicidade tão fortes que o senso de um viver em complemento ao outro é crescente, se fortalecendo cada vez mais frente a tantas adversidades, sendo um dos casais românticos mais bem desenvolvidos na televisão nos últimos anos, pois ao mesmo tempo que abusam dos clichés, a química existente é surpreendente e honesta suficiente para conquistar o respeito e a admiração sem cansaço.

Os vilões das diversas subtramas pipocam em cena com grandiosidade e em momentos inesperados, muitas vezes em coincidências bem forçadas, mas que fazem parte da característica do seriado como um folhetim clássico. Seja na sádica sociopatia de Black Jack Randall ou do caricato humor maquiavélico do oportunista Duque de Sandringham, é o tom às vezes até exagerado de seus arcos dramáticos que fazem deles personagens assustadoramente memoráveis, em performances que muito se assemelham aos vilões Coronel Hans Landa (Christoph Waltz), de Bastardos Inglórios (2009); ou Charlie Rakes (Guy Pearce), de Os Infratores (2012); ou até mesmo Silva (Javier Bardem), de Skyfall (2012). Todos personagens de requintada perversidade que, como dito, mesmo tendo finais previsíveis, conseguem tirar do espectador o mais genuíno asco. Claro que a violência aqui não chega aos níveis de Game Of Thrones, mas há o suficiente para dar aquele incremento espetaculoso, enjoando, revoltando, ou até mesmo satisfazendo nossa sede de vingança. Existem situações tão cruéis, como as cenas de chicoteamento ou de estupros, que são bastante indigestas, e outras que não são mostradas, mas deixa implícito na imaginação do espectador a brutalidade, trazendo aquele gosto amargo da injustiça, como as referências à inquisição e a terrível caça às bruxas promovida pelas religiões cristãs.

Outlander, a princípio, pode parecer uma série bastante feminina e abusar do formato novelesco. Tem uma temática feminista forte para desenvolver discussões sociais, mas nem por isso deixa de ter aquilo que o público masculino também gosta de ver. Não perdem a oportunidade de agradar o público alvo com as várias cenas de nudez masculina, mas ainda há excesso de peitos de fora ao longo das temporadas, principalmente da protagonista, coisas que servem apenas como elementos eróticos dispersantes, mas nunca são ofensivos. É um seriado adulto, que pode demorar um pouco para cativar, mas depois que se embarca em todo esse misto de fantasia e época, se torna tão viciante quanto qualquer boa telenovela brasileira, uma sensação que fica muito maior na terceira temporada, repleta de situações dramáticas açucaradas e muito romance perfeito.

A terceira temporada pode não ter o mesmo brilho que as duas primeiras tiveram, mesmo quando a segunda temporada simplesmente inventou uma desculpa qualquer e abandonou o cenário francês de um minuto para o outro, uma das fases mais belas e surpreendentes do seriado. A impressão que se tem é que ou os custos estavam elevados demais, ou o roteiro se perdeu, até porque vários personagens entraram mudos e saíram calados, sem grandes desenvolvimentos. Além de que, é realmente clássico o roteiro se embramar em subtramas irrelevantes para ofuscar buracos ou erros de continuidade, e fazer o espectador facilmente se esquecer da ausência de certas conclusões ou defeitos, como gerações passarem e os protagonistas não envelhecerem, tal como a "Síndrome de Glória Perez", dos protagonistas de suas novelas nunca se modificarem com as longas passagens de tempo, como em O Clone (2001-2002). Mas no geral, nada que prejudique a linearidade da história.

De qualquer forma vale a pena. É um drama de época escapista e interessante, extremamente bem produzido e escrito. Como dito, os roteiristas respeitam não apenas o material original, como os sentimentos e as emoções dos espectadores, sendo isso que o faz ser cativante da forma como é.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

DA GÊNESIS AO APOCALIPSE...

★★★★★★★★☆
Título: Mãe! (Mother!)
Ano: 2017
Gênero: Suspense, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Darren Aronofsky
Elenco: Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Kristen Wiig
País: Estados Unidos
Duração: 121min.

SOBRE O QUE É O FILME?
O relacionamento de um casal é posto à prova quando um grupo de estranhos os visitam, atrapalhando a vida tranquila que tinham.

O QUE TENHO A DIZER...
Quando Deus criou a Terra, ele deu a Natureza o poder do ciclo perpétuo da vida, e deste ciclo a criação de outras vidas. Mas não era o bastante, e à sua imagem e semelhança, colocou na Terra um homem, chamado Adão para ter alguém que pudesse amá-lo e adorá-lo. Para tirar a solidão de seu filho, dele foi retirada uma costela, e dela Eva foi feita. Ambos podiam usufruir de tudo aquilo que a Natureza poderia oferecer, só não podiam cometer o pecado original. O pecado original retirou de seus filhos a atenção e devoção, e dele nasceram Caim e Abel. A inveja levou o mais novo a matar o irmão mais velho, e assim os pecados foram perpetuados por seus descendentes, geração após geração, que juntos aos sete pecados capitais e a quebra dos 10 mandamentos, gerariam o caos, a guerra e à destruição. Deus não é perfeito, pois sua imagem e semelhança cometeu erros, mas em suas mãos existe o poder para destruir e reconstruir de novo, e para isso ele precisa apenas da materia prima mais pura da Mãe de todas as mães, aquilo que ela sempre ofereceu, mas ele nunca aceitou por ter ficado cego pelas belezas que criou.

E dessa mesma forma, mas contado de uma maneira muito mais peculiar, é que a história do casal interpretado por Javier Bardem e Jennifer Lawrence começa em sua bela casa de campo, afastados de qualquer civilização.

Sim, a base de todo o filme é o resumo dos livros Genesis e Apocalipse, da criação e da destruição. Dizer isso não é um spoiller, mas um favor para a melhor compreensão do filme e dos impactos que ele gera ao longo de suas duas horas. Mas falar sobre a história propriamente dita e suas mais obvias referências, é fazer sentido até aí, porque depois disso o filme é ribanceira abaixo para uma enxurrada de associações, metáforas e alegorias de outras metáforas e alegorias, já que não só da Bíblia que tudo se baseia. Como dito, o filme apenas utiliza o livro religioso como as principais bases da história, mas é possível identificar outras, como a da casa viva, que se torna o reflexo de quem vive nela. E assim como em A Guerra dos Roses (The War Of The Roses, 1989), no qual o cenário se desfalece conforme a relação entre o casal protagonista chega ao ápice da auto-destruição, o mesmo é de ser esperado no filme de Darren Aronofsky, mas com muito mais informações e parenteses até isso acontecer.

Não era de se esperar algo diferente do diretor, o qual também assina o roteiro e a produção, tal qual fez com seus filmes anteriores, e igualmente perturbadores, Requiem Para Um Sonho (2000) e Cisne Negro (2010), além dos questionamentos religiosos e espirituais que ele faz em Noé (2014), algo que ele volta a explorar aqui, mas de maneira muito mais crua e chocante.

Dessa vez o diretor viaja fundo nas entranhas da humanidade, nas suas crenças e descrenças, da sua forma mais simbólica até a mais folclórica. Se em Requiem ele divagou sobre os prazeres pessoais e até que ponto os diferentes personagens estavam dispostos a ir pelos seus sonhos e vontades, e em Cisne ele pegou praticamente a mesma premissa, mas condensou o processo obsessivo na protagonista, aqui ele também volta a dialogar sobre vontades, obsessões e ambições, mas de uma forma tão abrangente e espalhada que é difícil não pensar em mil coisas ao mesmo tempo.

De uma esposa dedicada até a incontrolável ira de uma mãe, da misoginia ao abuso e a violência física. O filme de Arenosfky é perturbador no seu inexplicável trajeto final. Um misto de sensações que extrai e nos joga na cara as piores naturezas humanas. Por situações muito rápidas, Arenofsky tenta até ser didático ao seu espectador com as referências que usa, como quando o personagem de Ed Harris está no banheiro e Lawrence enxerga uma ferida em sua costela, ou quando a própria Lawrence diz próximo ao fim do filme que precisa organizar a bagunça deixada pelo Apocalipse. Apenas dois exemplos de vários espalhados por toda a trajetória do casal.

Essa é a intenção do diretor desde o princípio, tanto que a polêmica criada em torno do filme surgiu justamente pelas pessoas não terem conseguido entender quais eram as alegorias, e aqueles que entenderam consideram o filme uma heresia, uma deturpação religiosa sem fim, dentre outros absurdos.

Mas Mãe! não é apenas de religião ou espiritualidade, mas a consequência de tudo isso e de toda a relação humana, sendo, acima de qualquer coisa, uma ode (ou um novo requiem) ao inconveniente: das heranças culturais machistas; da imposição social; da opressão sexual; da intrusão; do desrespeito; da desvalorização humana; das ilusões sociais; da impotência; da inferiorização; da cultura vazia; da idolatração; da deturpação de valores; do definhamento humano; da exploração; do abuso; da ignorância e incompreensão; do medo, do caos, do pânico e da discriminação; do colapso; da segregação; da re-ascensão conservadora; da intolerância; da violência gratuita e sem propósito; do surto coletivo; do comportamento de rebanho; da perda da fé, da identidade e da esperança, etc... etc...

Das doenças sociais que nos afetam, transformam nosso meio e nos fazem ser o que somos. A imagem e o resultado nu e cru do fim que nós mesmos construímos.

É como o poema transformador do personagem de Javier Bardem, responsável por abrir os olhos daqueles que o leem, assim como os cegos que voltaram a enxergar em Ensaio Sobre A Cegueira, de José Saramago. É a Caixa de Pandora da Mitologia Grega aberta, liberando todos os males e, junto, indo embora a única coisa que não poderia jamais ter saído.

É óbvio que a viagem de Aronofsky é muito mais lisérgica. Segundo ele, é um filme psicológico-delirante, construído para não ter uma lógica óbvia, e quanto mais se tenta encontrar respostas ou significados para ele, mais questionamentos ele cria, numa onda sem fim. É um daqueles típicos filmes que favorecem a masturbação mental, mas que de uma forma intrigante desenvolve questões humanas profundas e de problemas tão atuais e viscerais que chega a ser indigesto. 

Da criação ao apocalipse, da origem ao fim, e do fim ao recomeço. É assim que Mãe! é. Um filme que nem agrada e nem desagrada, e terá uma interpretação diferente para cada pessoa dentro de suas referências principais. Por isso eh um filme desconfortável, polêmico e controverso. Todo o exagero do ser está lá, e a reação exagerada do público quando ele foi lançado, como aconteceu com as vaias em Cannes, apenas faz toda a ficção delirante do longa ser um mero reflexo da nossa mais estúpida realidade.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

LOIRA ATÔMICA...

★★★★★★☆☆☆☆
Título: Atômica (Atomic Blonde)
Ano: 2017
Gênero: Ação
Classificação: 14 anos
Direção: David Leitch
Elenco: Charlize Theron, James McAvoy, John Goodman, Toby Jones
País: Alemanha, Suécia, Estados Unidos
Duração: 115 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Após o assassinato de um agente secreto, uma lista contendo nomes de agentes duplos da MI6 é exposta, colocando em risco a vida de todos, incluindo a da agente enviada especialmente para descobrir os motivos do crime.

O QUE TENHO A DIZER...
Atômica foi lançado e divulgado na premissa de trazer as mulheres novamente no primeiro plano da ação bate-e-arrebenta, com protagonistas que não são abaladas pelo sexismo ou pela esterotipação masculina, e que possam ter personagens tão fortes quanto eles, em cenários tão violentos quanto os deles.

Mas vale dizer que, apesar desse mérito, ele não é um carro chefe, sequer uma revolução. Nos últimos anos tivemos filmes de ação com protagonistas femininas muito fortes. Só Charlize Theron estreou dois antes desse: na adaptação da famosa série animada da MTV, Æon Flux (2005), e no estrondoso sucesso de crítica e público de Mad Max: Estrada da Fúria (2015), de longe um dos melhores do currículo da atriz por todo o significado de sua personagem no filme e a mudança de rumos que isso trouxe para a clássica franquia de George Miller.

Quando lembramos das mulheres no cenário de pancada, não podemos esquecer de Uma Thurman em Kill Bill (2003/2004), talvez a memória máxima do estilo no cinema desde século, que não apenas colocou Beatrix Kiddo com uma das protagonistas femininas mais fortes e empoderadas do gênero como também diversas outras antagonistas numa reunião exuberante que movimenta toda a história mais do que o próprio Bill (David Carradine), como: O-Ren Ishi (Lucy Liu); Vernita Green (Vivica A. Fox); Elle Driver (Daryl Hannah); Sofie Fatale (Julie Dreyfus) e Gogo Yubari (Chiaki Kuriyama).

Também menos interessante, mas nem por isso menos importante, a tentativa de Steven Soderbergh de revitalizar o estilo com Haywire (2011), trazendo Gina Carano, a famosa ex-lutadora de MMA, como protagonista, relembrando muito daquilo que Cynthia Rothrock fez nos filmes de pancadaria para a TV nas décadas de 80 a 90. Houve tentativas esdrúxulas, como Angelina Jolie numa cópia barata de Jason Bourne em Salt, Milla Jovovich na tenebrosa franquia Resident Evil, ou Jennifer Garner na abominável adaptação de Elektra (2005).

Não importa. Seja de Pam Grier a Michelle Yeoh, de Lucy Lawless a Rhona Mitra, de Carrie-Anne Moss a Kate Backinsale... as mulheres conseguem ser bem representadas no cinema estrogênio, já que o termo "testosterona" deixou de ser representação singular de força e empoderamento há muito tempo.

O grande problema é que a frequência com que isso acontece ainda é baixa, havendo uma relutância do público quando as intenções do cinema de ação dar mais espaço às mulheres ficam exageradamente expostas, ao invés de ser promovido sem essa intenção impositora, como aconteceram com os filmes de Tarantino ou Miller. E assim como ocorreu com As Caça Fantasmas (Ghostbusters, 2016), Atômica também sofreu da fúria conservadora quando utilizou esses princípios, não arrecadando nem US$100 milhões no mundo, nada mal para uma produção de US$30 milhões, mas nada que o considere um grande sucesso.

O que é uma grande pena, principalmente em um ano dominado pela Mulher Maravilha, pois é um interessante filme de espionagem de David Leitch, estréia do ex-dublê que agora se tornou diretor, trazendo Lorraine Broughton (Charlize Theron) como uma espiã da MI6 exposta por um traidor durante uma missão em Berlim.

Quer dizer... nem tão bem estréia assim, já que Leitch foi co-diretor de John Wick (2014), mas sem ser creditado.

Atômica é uma adaptação da novela gráfica The Coldest City (2012), de Anthony Johnston (autor) e Sam Hart (ilustrador), e assim como a obra original, o filme irá se desenvolver em meio aos acontecimentos que precederam o colapso do Comunismo na Alemanha com a Queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria. A história se mantém fiel ao material original, e por muitas vezes a fotografia de Jonathan Sela e os enquadramentos de Leitch utilizam das mesmas perspectivas dos desenhos que, embora sejam em preto e branco, são belissimamente adaptados ao colorido do filme. Cores sempre muito frias para causar a sensação de desconforto, isolamento e distância, com um ou outro choque, principalmente nos momentos mais densos da história, ou quando a protagonista parte diretamente para sua violência de sobrevivência.

Para quem é fã de James Bond e delirou com Skyfall (2012), lançado no mesmo ano da novela gráfica, irá encontrar muitas semelhanças entre as duas histórias, principalmente por ambos serem agentes secretos da MI6, e também porque a exposição de uma lista secreta de agentes duplos que passam a ser caçados um a um, sobrando à heroína tentar sobreviver e impedir o avanço da operação porque ela mesma está incluída nesta lista, também é um enredo similar ao de James Bond no filme mencionado. Também será impossível não relacionar os momentos de ação com as cenas antológicas da franquia Bourne, que incluem consistentes brigas corpo a corpo, o uso improvisado de objetos comuns como instrumentos de ataque e defesa, tiroteio comedido e uma perseguição de carro bastante interessante. A sensação da câmera na mão é presente o tempo todo, mas não tão delirante e labiríntica como os filmes de Paul Greengrass popularizaram. E ao invés da edição picotada, utilizada em demasia na Trilogia Bourne e que igualmente virou febre em todos os filmes de ação posteriores, aqui Leitch prefere abusar de planos sequência para que as coreografias de luta fossem amplamente registradas e mais convincentes, deixando de lado técnicas de edição para intensificar as técnicas de batalha. O que é sempre muito interessante em um cinema que tem deixado cada vez mais a atenção a mínimos detalhes de lado.

Mas enquanto o filme prefere impressionar em alguns pontos com a preferência de técnicas mais vibrantes e interessantes, ele peca no excesso de outros, como na trilha sonora recheada de clássicos 80tistas, usada de maneira tão intensa que chega a ser invasiva. Ou sempre mais alta que os diálogos ou sempre entrando em momentos desnecessários, a intenção é claramente de compensar as sequências mais monótonas de desenvolvimento da história, como na primeira metade do filme, e assim o espectador ter a falsa impressão de que tudo é empolgante do início ao fim. O que não é. Apenas na segunda metade que a ação vai tomar conta de tudo e o dinamismo da história acelera. Nem por isso o roteiro deixa de ir e vir várias vezes de e para lugar algum, tornando-se redundante para uma história que, inclusive, pode parecer confusa demais, naquela velha técnica narrativa de desconstruir fatos para causar a impressão de complexidade. E mesmo assim continuar previsível.

Charlize, deslumbrante como sempre, não precisa mais do que ela mesma em frente a câmera para chamar atenção até em filmes bem porcarias como Branca de Neve e o Caçador (2012) e sua sequência O Caçador e a Rainha de Gelo (2016), e mesmo numa personagem sem grandes variações emocionais, ela dá conta do recado, trazendo ao filme um refinamento que dificilmente qualquer outra atriz teria em seu lugar. Até porque o grande e único atrativo é ela e apenas ela, realizando movimentos numa coordenação que impressiona, imprimindo um estilo próprio assim como outras grandes estrelas de ação já fizeram em seus respectivos filmes. Irritante mesmo é James McAvoy, que se acomodou nos cacoetes com sua boca e acredita que fazer careta é atuar. Entorta a boca aqui, arreganha os dentes ali, morde ou bota a língua pra fora acolá... é tão irritante quanto a altura da trilha sonora. Inconveniente, propriamente dizendo.

E mesmo com esses defeitos que podem ter tido destaque justamente por ser um diretor estreante e mais preocupado com elementos visuais e sonoros, novamente não é um filme memorável, mas traz consigo idéias interessantes e cenas bem empolgantes e realistas. Não tem o excesso de ação como o trailer prometia, mas ainda sim empolga em sua segunda metade, acordando o espectador que bocejava nos primeiros 30 minutos.

Sem falar que é impagável uma das cenas finais de Charlize, quando pergunta o que ela deveria vestir para o chá com a Rainha. Cena simples e que mostra como a atriz tem um poder único e quase hipnotizante na tela, sendo esta a razão do filme funcionar e, de certa forma, oferecer o que propõe. Poderia ter acabado alí, mas infelizmente nem sempre os filmes são como esperamos.

domingo, 10 de dezembro de 2017

O LABORATÓRIO DO VOYEUR...

★★★★★★☆☆☆☆
Título: Voyeur
Ano: 2017
Gênero: Documentário
Classificação: 16 anos
Direção: Myles Kane, Josh Koury
Elenco: Gay Talese, Gerald Foos,
País: Estados Unidos
Duração: 96 min.

SOBRE O QUE É O DOCUMENTÁRIO?
Sobre um homem que adquiriu um motel apenas para observar seus hóspedes, algo que fez durante aproximadamente 30 anos sem qualquer pessoa sequer imaginar ou descobrir.

O QUE TENHO A DIZER...
Ser voyeur não é um mérito apenas de fetichistas sexuais. A denominação daquilo que outrora foi estritamente considerado uma desordem sexual, acabou tendo outras derivações ao longo dos tempos, sendo um dos desejos (ou práticas) mais intrínsecos e natos do ser humano que nem o próprio ser humano se dá conta. É engraçado que as pessoas comuns tendem a relacionar a prática diretamente com o sexo, porém ela não é necessariamente isso, mas uma realização de um prazer pessoal, uma satisfação pela observação do comportamento alheio, seja ele qual for. Você pode achar que não seja assim, justamente por essa analogia sexualizada ser tão forte. A verdade é que, no fundo, todo mundo é.

Seja observando as pessoas à sua volta em um ambiente, seja querendo saber o que esteja acontecendo por trás da silhueta em uma janela, seja querendo saber do que se trata o barulho do outro lado da parede ou no quarto vizinho do hotel, seja verificando constamente suas redes sociais nos perfis alheios de pessoas conhecidas ou anônimas, o voyerismo é simplesmente a saciação do desejo de querer saber o que outras pessoas façam. Comumente confundida com a simples curiosidade. Mas quem disse que ser curioso não é ser voyeur?

A prática era muito relacionada à observação anônima de uma situação privada, mas essa denominação também foi perdendo forças, já que ela também pode acontecer em situações onde o(s) indivíduo(s) observado(s) esteja(m) ciente(s) disso, pois assim como existem aqueles que gostam de observar, existem aqueles que gostam de se expor e serem observados, como é bastante explorado no filme De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut, 1999), de Kubrick.

A questão é que, a impressão que se tem é que a sociedade relacionou o voyeurismo unicamente ao sexo, à desordem e à perversão, justamente para tentar negar que seja uma prática comum, presente no nosso cotidiano das mais diversas formas, e assim vivemos na hipocrisia de atribuir o fato apenas àqueles que determinamos serem "perturbados" ou sexualmente pervertidos, e assim nos mantemos distantes da realidade.

Foi assim que Alfred Hitchcock abordou a prática em diversos de seus filmes, como Janela Indiscreta (Rear Window, 1954), talvez a maior referência do gênero no cinema comercial. O diretor propositalmente utilizou o voyeurismo não apenas para desenvolver a história, mas também como técnica para criar o crescente suspense e induzir o espectador ao interesse, transformando-o em um voyeur sem ele mesmo perceber, persuadindo-o a ter os mesmos interesses que o os personagens. O interessante desse filme é que o voyeurismo abordado é da forma mais abrangente possível e não restrita apenas a desejos sexuais, pois o personagem de James Stewart não realiza a prática para cultivar sua libido, mas para saciar o desejo pela curiosidade e o prazer/satisfação pessoal que isso lhe proporciona conforme desvenda os interesses e mistérios relacionados ao objeto observado com a progressão dos fatos. Ele passa a se interessar pelo cotidiano alheio por consequência do tédio que se encontra ao estar preso a uma cadeira de rodas, e aos poucos sua rotina de observador oculto igualmente influencia seus amigos que o visitam, atraindo o interesse dos mesmos pela vida do vizinho. O que o protagonista faz com os demais personagens é exatamente o que ele e o diretor fazem com seu espectador, e por isso o filme também é considerado um grande experimento de massa, pois todas as pessoas que o assistem acabam tendo os mesmos desejos e vontades do protagonista, que é um voyeur.

Dar toda essa introdução é importante para que o documentário assinado pela Netflix seja visto por outros olhos. Ele vai contar a história de Gerald Foos, um senhor de 78 anos que, por 30 anos, observou cada um dos hóspedes do motel em que foi proprietário. Foos é um cara comum, inteligente, reservado, eloquente, engraçado e um grande contador de histórias, coisas que não esperaríamos de alguém que pudesse ser mentalmente perturbado, obsessivo ou sexualmente perverso. Foos relata que a vontade de observar as pessoas em um ambiente controlado foi sua grande motivação para comprar a propriedade na década de 60. Segundo ele, o motel era perfeito para tudo aquilo que ele queria, sendo exatamente como ele imaginava. Para ele, observar a todos por cima era como brincar de deus, numa analogia até bastante segura e interessante, já que deus seria o maior voyeur que existe.

É claro que, dentro da cabeça de Foos, algo deve acontecer, não por ser voyeurista, mas por ter alimentado isso por tanto tempo da forma como fez. Seu acervo de inúmeras coleções, seu comportamento metódico, suas anotações detalhadas, o empenho e a dedicação na realização dos processos, até dão indícios maníacos e psicóticos, mas que em nenhum momento interferiram negativamente na sua vida ou na das outras pessoas, até mesmo as observadas, já que os registros de Foos eram apenas manuscritos, numa época que a tecnologia não era tangível como é hoje, além de nunca ter revelado identidades. Dizer que tudo o que ele fez faz parte de uma normalidade social, não é correto, mas também denominá-lo como uma pessoa perturbada também não é. Há um meio termo, algo que acontece entre um e outro, mas que não conseguimos identificar.

Gerald Foos sempre tratou o assunto como um grande experimento, tanto que ele se refere ao seu lado voyeurista em terceira pessoa, apenas como "O Voyeur". Existe uma ética que ele cumpre à risca, que o distancia daquilo, como a querer valorizar o olhar científico do que faz e impedir a influência pessoal sobre o que exerce, mesmo que ele tenha quebrado essas regras em algumas situações. Tanto que, por diversas vezes, ele criou ambientes adversos para observar o comportamento das pessoas, como o experimento que fez com a maleta de dinheiro, algo que, dentro de toda a situação controversa e polêmica, acabou sendo até genial. Mas errou quando o lado pessoal resolveu interferir diretamente em um momento que envolveu um hóspede traficante de drogas.

Sim, a história de Gerald é interessante, e ele sabia disso. Por essa razão, na década de 80, ele procurou Gay Talese, um renomado jornalista do The New York Post que havia acabado de publicar um de seus maiores best sellers, A Mulher do Próximo (1980), um grande marco do Novo Jornalismo, que além de ser investigativo, também é participativo, revelando o painel contemporâneo dos costumes sexuais que surgiram nos anos 60 e 70 nos Estados Unidos. Após ler o livro, Foos acreditava que Talese era o jornalista perfeito para o qual ele deveria contar sua história e publicá-la. E foi por uma carta que a relação entre eles teve início.

Toda essa relação entre Foos e Talese é bem desenvolvida e explorada no documentário, bem como os pormenores que acabaram levando a reviravoltas interessantes na história. Tudo baseado na omissão de informações por parte de Foos, como o exagero da auto-confiança narcisística e egocêntrica de Talese. Quando esses dois grandes defeitos se chocam, a bomba atômica é lançada numa sequência de desastres que afeta a todos de uma só vez.

Mas o documentário não passa disso. Ele raramente entra em pormenores sobre o que de fato é interessante ao espectador, que são as observações de Foos. A conclusão que ele tirou depois de anos como um voyeur ativo, ou os motivos de ter vendido a propriedade na década de 90, nada disso parece ser relevante. Foos não é tratado com humanidade, apenas como um objeto que observa objetos. A produção se atenta apenas em mostrar quem é o voyeur e quem é o jornalista, ambos em um duelo de quem é que fala mais a verdade, criando até momentos interessantes de dúvida, já que Foos é a fonte de informação dele mesmo. E como diz Talese em um momento: para um jornalista, uma única fonte de informação sempre é perigoso demais.

Pode ser que Foos aumente um ponto aqui e invente uma coisa alí porque toda a história é baseada apenas naquilo que ele mesmo documentou, mas não é possível acreditar que tudo seja uma ficção criada por ele mesmo, até mesmo porque o motel realmente existiu, Gay Talese o conheceu e confirmou a existência não apenas das estruturas e adaptações construídas pelo próprio Foos, como também os blocos de anotações detalhadas dos hóspedes e das observações feitas. O documentário ignora insistentemente que a mulher de Foos também é uma fonte, já que ela tinha conhecimento de tudo e participava ativamente do dia a dia do marido no motel e de sua rotina de observação.

É um documentário bem raso perto da profundidade do assunto que ele aborda. Não há relações tangíveis do voyeurismo com a nossa realidade para que a situação se torne mais próxima e compreensível, não há uma explicação clara do que é ser voyeur e o impacto que este comportamento gera na sociedade, elementos que seriam cruciais para a construção da base narrativa do documentário. Na verdade, a real intenção dele é de promover tardiamente o livro The Voyeur's Motel (2016), cujas razões ficarão bastante evidentes na reta final do documentário que a todo momento abstém-se de dar maiores detalhes sobre todos os fatos descritos por Talese para que o espectador sinta-se influenciado a ir atrás da fonte bibliográfica, tanto que por vários momentos é possível notar um corte brusco na edição em situações onde as informações começam a ficar mais interessantes e consistentes.

Claro que a produto final não deixa de mostrar até que ponto a obsessão de uma pessoa pode chegar, mesmo que isso não traga consequências negativas de nenhum tipo a nenhuma pessoa, como foi o caso de Gerald Foos. Mas se Foos realmente era um cientista amador ou não, não temos como julgar. E por mais maluca que a idéia possa parecer, não deixa de ser interessante e igualmente intrigante.
Add to Flipboard Magazine.