Translate

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

POLÊMICAS E BIN LADEN NA HORA MAIS ESCURA...

★★★★★★★
Título: A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty)
Ano: 2012
Gênero: Drama, Ação, Guerra
Classificação: 14 anos
Direção: Kathryn Bigelow
Elenco: Jessica Chastain, Jason Clarke, Kyle Chandler, Jennifer Ehle
País: Estados Unidos
Duração: 157 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Os dez anos de busca e finalmente captura e assassinato de Bin Laden.

O QUE TENHO A DIZER...
Este filme é dirigido por Kathryn Bigelow, aquela que em 2010 surgiu do "nada" com o filme Guerra Ao Terror (The Hurt Locker, 2008) e abocanhou o Oscar de Melhor Filme e Direção, entrando para a história da premiação como a primeira mulher a receber o prêmio nas duas categorias. Eu felizmente tive a oportunidade de assistí-lo pouco tempo depois de seu lançamento, ainda no começo de 2009, e sempre o considerei um filme bom e um grande concorrente antes mesmo da sua fama. Na época fiquei bastante surpreso e feliz com sua presença no Oscar 2010, já que ele só foi entrar na premiação quase um ano e meio depois do seu lançamento.

Muita gente não se conforma com isso, já que ela derrubou o favoritismo de Avatar (2009) que, por sinal, é do seu todo-poderoso-ex-marido-James-Cameron, o qual também foi responsável até mesmo por convencê-la a realizar aquele filme. Hoje em dia críticos alegam que os prêmios dados a ela foi a oportunidade que tiveram para esnobar a arrogância de James Cameron e também para dizer que a Academia não é machista, misógina ou preconceituosa, e que mesmo o filme tendo sido, a princípio, um grande fracasso de bilheteria (ele foi conseguir se recuperar apenas 1 ano depois por conta da publicidade adquirida no Oscar), ele tinha suas qualidades. E ele realmente tem.

Por isso que vale dizer que Guerra Ao Terror é um excelente filme. Ele não deve ser diminuído (como foi na época) por não ser uma grande produção (custou apenas US$15 milhões, o filme mais barato a receber o prêmio da Academia de Melhor Filme). Tecnicamente é um filme complexo, que sofreu grandes problemas de produção por conta das dificuldades de filmagem no Iraque, do perigo por toda a equipe ter trabalhado em um território hostil, além de seu orçamento limitadíssimo ao ponto de várias pessoas, tanto da equipe técnica quanto de atores, terem desistido no meio das filmagens. Mas ao mesmo tempo vários atores importantes acreditaram no projeto e fizeram questão de participar, como Guy Pearce, Ralph Fiennes e David Morse, sem contar que o filme revelou Jeremy Renner.

O prêmio de direção recebido por Kathryn foi merecido, ela soube unir diferentes estilos de filmagem para construir um filme de poucos diálogos e cenas de ação, mas tenso, carregado de um terrorismo psicológico realista ao mostrar a vida difícil de soldados do esquadrão antibombas. Tem gente por aí que diz que ela só se tornou alguma coisa por causa de James Cameron. Que seja. Se foi com ele que ela aprendeu algo, ela soube fazer direitinho as lições de casa, e isso deve ser levado como um mérito, assim como vários outros bons e atuais diretores também tiveram grandes mentores dentro da própria família, como Sophia Coppola e Jason Reitman. E sozinha ela conseguiu fazer sua história e um currículo de filmes que a crítica diz serem "tipicamente masculinos", o que também é um grande diferencial de seu estilo.


Em A Hora Mais Escura, ela dá uma certa continuidade ao filme anterior, voltando para os territórios hostis do Oriente Médio, trabalhando novamente com o jornalista e roteirista Mark Boal, o mesmo de Guerra Ao Terror.

As polêmicas começaram logo na fase de pré-produção e a possibilidade de uma parceria partidária, já que o filme estava agendado para ser lançado um mês antes das eleições norte-americanas, o que poderia favorecer a re-eleição de Barack Obama. Isso foi negado pela distribuidora Sony, que afirmou que a data de lançamento foi escolhida porque era a época mais favorável para o gênero do filme, e até mesmo o roteirista foi a público negar qualquer parceria. Por conta dessa polêmica o filme acabou tendo lançamento limitado para críticos e para a consideração de premiações, e o lançamento público e oficial foi reagendado para Dezembro de 2012.

O filme recebeu críticas positivas e o favoritismo para a temporada de premiações foi imediato, mas outras polêmicas envolvendo o desenvolvimento do roteiro acabaram denegrindo tudo isso. O roteirista e a diretora sempre foram claros ao dizer que o filme é baseado em fatos reais e que as cenas de tortura foram feitas em cima de fontes primárias. Isso ajudou o Senado a acusar a CIA e a adminsistração de Obama de ter oferecido informações confidenciais à diretora e ao roteirista, o que colocou a própria CIA e o Departamento de Segurança a investigar se isso realmente aconteceu.


Tanto o roteirista quanto a diretora negaram a participação do governo, mas a veracidade pela qual o tema é tratado no filme convence o serviço de inteligência secreta norte-americano de que houve vazamento de informações secretas e classificadas como altamente confidenciais, o que acabou sendo bombástico para sua reputação. A CIA inclusive chegou a se reportar em público, contradizendo veementemente ao negar, sem qualquer escrúpulo, de que ela não utiliza métodos violentos de interrogatório para obter informações de seus inimigos (podemos rir dessa piada?). Há inclusive um momento no filme em que aparece uma reportagem com Obama na televisão fazendo a mesma afirmação, o que é um tanto irônico e o grande ponto de mudança do filme.

O governo agora realiza uma caça às bruxas para abafar isso, e Kathryn Bigelow e Mark Boal passam por maus bocados, já que o Governo agora exige a retratação dos fatos e a verdadeira fonte dessas informações confidenciais, o que é proibido nos EUA até mesmo sob leis de liberdade de expressão, pesquisa jornalística, ou coisas desse tipo. Parece que todos os envolvidos na produção ainda correm o risco de serem julgados e até mesmo presos se nada disso for contornado. Ou seja, é uma situação complicada e que fez com que a mídia virasse a casaca e passasse a atacar o filme. Tanto foi assim que foi uma surpresa a diretora não estar entre os cinco finalistas na categoria de Melhor Diretor no Oscar 2013, o que aparenta ter sido uma medida tomada de última hora pelos membros da Academia para se absterem de qualquer partido nisso que se tornou uma guerra pública e política.


Também não é mais segredo para ninguém que o filme narra a histórica caça a Osama Bin Laden, que durou 10 anos. Mark Boal já tinha um roteiro pronto para o filme, que narraria os anos de uma busca infeliz e frustrada, que matou milhares de inocentes, colocou a economia americana e mundial em risco e que não teve sucesso algum. Mas pouco antes da pré-produção do filme ter início, Osama foi encontrado e assassinado pela CIA, e o roteirista teve que mudar toda a história. O filme também mostra a obsessão de uma agente da CIA em chegar até as últimas consequências em descobrir seu paradeiro, já que ela dedicou toda sua carreira nisso. Mostrada no filme pelo nome fictício de Maya, ela é real, mas ainda permanece disfarçada e é proibida de dar entrevistas a jornalistas por motivos de segurança. Alguns colegas que realmente trabalharam com ela afirmam que a caracterização dada pela atriz Jessica Chastain é bem próximo da realidade, principalmente a respeito da sua dedicação e temperamento.

Sem dúvida é um filme bem feito, e ao contrário do que a crítica aponta, ele não favorece a tortura. Ele apenas mostra que a tortura foi uma das atitudes tomadas pelos agentes, uma atitude desesperada até, já que a pressão sobre eles era constante e se tornou cada vez maior e mais pesada com o passar dos anos. Também não são cenas tão chocantes quanto a mídia pinta. Eu realmente assisti preparado para ver o pior, e o pior não é nem tão chocante assim, não com imagens. O choque é muito mais psicológico, porque a situação é lidada de forma bem crua, ao ponto de dar a impressão de poder sentir até o cheiro do ambiente. Não vemos chicotamento, laceração, queimaduras, nada disso... é apenas o confronto entre uma pessoa que se fortifica com a constante fragilização do outro. Em nenhum momento o filme se posiciona sobre o uso da tortura, mas ele deixa a situação duvidosa por vários momentos.


O crítico Rubens Ewald Filho acredita que se a personagem Maya tivesse verbalizado uma opinião que desaprovasse as situações, por mais curta que fosse, teria diminuído o peso sobre o filme. Mas isso não é necessário, a própria postura da personagem e seu semblante já demonstram isso a todo instante, incluindo uma sequencia em que ela mesma incita a tortura, mas logo em seguida se martiriza sozinha no banheiro pela ação extrema tomada. Portanto, sobre isso, é o que a própria diretora afirmou, o filme é duvidoso quando a própria história é duvidosa - como o uso da tortura, e acertivo quando a própria história é acertiva - como o assassinato de Bin Laden.

Na verdade o filme pode ser macro-dividido em duas partes, a primeira que mostra o uso da tortura e nenhum avanço nas buscas, e a segunda parte em que é usado a pesquisa e investigação, o que leva diretamente a Bin Laden. Por causa disso Michael Moore chegou a até ironizar, dizendo como é engraçado oito anos de tortura não levarem a nada e dois anos de investigação levar diretamente ao terrorista. Essa "mudança de planos" que ocorre no filme é outra questão que fundamenta que ele não deve ser taxado como pró-tortura. Enfim... essa questão é muito mais sensacionalismo da mídia e de críticos que assistem filmes igual fazem leitura dinâmica, apenas cinco minutos do começo, do meio e do fim, apenas para dar um parecer.

É mais um daqueles filmes lentos, que demoram pra desenvolver, além de longo. Muito longo. São 157 minutos que parecem durar o dobro pela falta de cenas mais dinâmicas e algo que realmente prenda a atenção. Mas é um filme histórico, não é um filme intencionado a descarregar adrenalina. Apesar disso, Bigelow consegue manter um clima de perigo constante ao soltar em momentos imprevisíveis os diversos atentados terroristas que ocorreram durante os 10 anos, e nisso ela tem muito êxito, pois ficamos paranóicos tanto quanto os personagens, acreditando que a qualquer momento algo pode acontecer. É ela novamente trabalhando com o terrorismo psicológico, tal qual feito em Guerra Ao Terror, em um clima que já é tenso logo quando a apresentação silenciosa do filme termina e algumas das gravações feitas entre vítimas do atentado de 11/09 são ouvidas em uma tela preta.


Embora Maya seja baseada em uma figura real e cuja participação na busca tenha sido crucial, achei a personagem bastante comum e sem uma grande participação no filme, o que é estranho. A figura na qual a personagem é baseada é tida como uma mulher determinada, chamada de "a assassina de Washington". Mas não vemos muito disso, aliás, quase nada. Pelo contrário, grande parte do filme a vemos como uma pessoa frágil, submissa, perdida, de poucas palavras. Há apenas uma cena e outra em que ela se impõe um pouco mais numa histeria desesperada, mas em definitivo não é nada que verdadeiramente justifique o favoritismo de Jessica Chastain ao Oscar, estando longe de ser um grande papel cativante como o que ela desempenhou em Vidas Cruzadas (The Help, 2011).

O filme poderia ter salvo um pouco de tempo para abordar outras situações que não foram sequer citadas como, por exemplo, o treinamento tático que os agentes tiveram em uma réplica da fortaleza de Bin Laden construída na Carolina do Norte, nos EUA, para justificar como é que o ataque foi realizado com tanta precisão, como é mostrado no final do filme, sendo uma das melhores sequências. Filmado de forma documentada, é a sequência que justifica o título original do filme, que se refere ao termo dado ao horário mais escuro da noite, às 0h30, horário no qual ocorreu o ataque (o relógio marcando esse horário pode ser visto logo no início dessa sequencia). É a única parte em que o filme é realmente escuro e que usa com excesso câmeras noturnas, mas é de uma tensão e de um tempo de filmagem preciso, em uma edição perfeitamente sincronizada, tanto que o filme tem concorrido nesta categoria em várias premiações, incluindo o Oscar. Bigelow fez questão de que essa cena fosse a mais realista possível, tanto que o tempo de ataque no filme dura 25 minutos, um pouco menos do que durou na realidade.

Em nenhum momento Bigelow apela para o sentimentalismo ou o excesso de drama. O tiro é dado na cabeça. Pronto! Não há dramatização em cima, não há trilha sonora, não há floreios. É ela agindo de forma certeira e fazendo seus personagens agirem de forma mais humana e realista possível. A bomba explodiu, tudo vai pelos ares. O foco muda e o filme continua. Até mesmo no assassinato de Bin Laden, uma cena que poderia ter sido o uso e abuso do cliché em mãos de diretores como Spielberg ou Terrence Malick, mas em nenhum momento ela faz disso um espetáculo ou um grande mérito da nação norteamericana, como é esperado. É um filme que tenta evitar partidos e posicionamentos.

Polêmicas à parte, vale ser visto por fazer um bom apanhado dos 10 anos e revelar importantes situações que são desconhecidas publicamente. A trama e os acontecimentos históricos são bem costurados ao ponto de transformar o espectador em uma parte daquilo tudo e fazê-lo pensar várias vezes "eu lembro de quando isso aconteceu" ou "eu lembro de ter lido algo a respeito disso", um espectador ativo e vivo dentro da história. O que é sempre muito interessante.

CONCLUSÃO...
Bigelow acerta mais uma vez em um filme mais tático do que de guerra, tal qual seu filme anterior Guerra Ao Terror. Aqui os grandes pontos positivos são o desenvolvimento da história, que amarra bem os fatos reais com os (possivelmente) fictícios, e o tom humano e verdadeiro da direção precisa e direta de Bigelow, sem dramatizar ou sentimentalizar demais situações em que outros diretores poderiam facilmente ter exagerado para o bem do drama. Também é um filme que coloca em discussão a polêmica do uso da força versus inteligência, e deve ser visto assim, e não como um filme que favoreça a tortura, como a mídia e críticos tem esboçado sobre ele.

Nenhum comentário:

Add to Flipboard Magazine.