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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O OSCAR MAIS NEGRO DA HISTÓRIA...

Recapitulando...

Quando os indicados ao Oscar 2016 foram anunciados, Will Smith tinha tanta certeza que seria indicado que ficou um tanto "magoado" por descobrir que não havia sido. Ele ergueu a voz e decretou boicote à premiação justificando que a Academia ignorava negros, sendo o segundo ano consecutivo que nenhum deles era indicado nas categorias principais.

Pode-se imaginar a dimensão da polêmica. Muita gente desaprovou a atitude, outros aprovaram, e alguns poucos apoiaram de maneira diferente, como foi o caso de Spike Lee, que defendeu que a culpa não é da Academia em si, mas da desigualdade da Indústria como um todo. Claro que o discurso de Lee foi muito mais sensato e coerente, sendo basicamente em cima desse discurso que o Oscar se levou a sério, e sendo em cima do discurso de Smith que o Oscar fez piada do início ao fim como um belo tapa na cara.

Sim, de fato culpar ou boicotar a festa não mudaria nada. A mudança deve ser feita na base, partindo-se do princípio de que a arte não tem cor. As oportunidades devem ser iguais na hora da escolha de elenco, justamente para que quando um juri sente em uma mesa, essa igualdade se reflita nos votos e indicações.

Embora Chris Rock tivesse sido contratado para apresentar a premiação antes da polêmica acontecer e ironicamente Spike Lee ter recebido um prêmio honorável, a Academia não conseguiu esconder o desconforto porque toda a festa foi desenvolvida de tal forma a promover a doce ilusão de que o Oscar é igualitário.

Os organizadores espalharam estrategicamente negros por todos os lados: das zonas de entrevista no tapete vermelho ao auditório, do auditório aos bastidores. Artistas negros importantes (e os mesmos de sempre) apresentaram prêmios ou indicados. Até mesmo o maestro da orquestra não era mais o mesmo senhor branco e de cabelos brancos dos anos anteriores.

Vale dizer que não apenas negros, mas a organização também fez questão de promover a diversidade com etnias diferentes também. E entre piadas irônicas e discretamente insultuosas de Chris Rock naquela velha idéia de transformar a própria premiação em uma figura de chacota, o Oscar deste ano foi, sem dúvida, o mais negro e diversificado de todos, para que qualquer negro ou mexicano pudesse se orgulhar.

Eu tenho uma certa dificuldade em entender o humor norteamericano, e por isso fico na dúvida se Chris Rock foi coerente o tempo todo, ou simplesmente atuou como o host obrigado a agradar, acima de qualquer coisa.

Foi bom? Sim, foi. Mas não foi natural. Natural teria sido se nos anos anteriores essa diversidade tivesse sido igualmente farta assim. Foi uma atitude forjada por conta de um grito que virou polêmica, um grito que pode ter sido feito de maneira e em hora errada, mas que no fundo incomodava muita gente e ninguém teve coragem de soltar. Honesto teria sido a Academia reconhecer que essa desigualdade social existe na Indústria e abraçar a causa, mas não... como se não bastasse, houve até oportunidade para Cheryl Isaacs tomar a frente do palco para mostrar ao mundo que, vejam só... ela é negra e Presidente da Academia.

Em uma visão generalista, é fácil ser presidente negro, mas é difícil agir para os negros. A Indústria é tão igualitária que os mesmos atores negros de sempre foram chamados para participar da premiação: Morgan Freeman, Whoopi Goldberg, Angela Bassett, Quincy Jones... os mesmos que são tão os mesmos que estão até velhos, enquanto a variedade branca é sempre muito grande e jovem. É tão igualitária que, nos últimos 5 anos, apenas Lupita Nyong'O foi revelação, enquanto nesses mesmos 5 anos, no mínimo uns 5 nomes de atrizes brancas se destacaram, incluindo Brie Larson este ano.

Foi óbvia a atitude desesperada da Academia em levar toda a situação na brincadeira e com sorriso amarelo ao mesmo tempo que tenta se desculpar de mais de 80 anos de erros. Foi como Chris Rock disse... para quê dar gritos de protesto sobre o Oscar agora, depois de tanto tempo? A resposta é clara: antes tarde do que nunca. 

Então vejo a posição de Will Smith contraditória, pois foi tomada mais pra disfarçar um rancor do que uma incrível necessidade de mudança, mas ao mesmo tempo é possível ver que o cenário se transforme a partir de agora mesmo assim.

E dentro de toda essa injustiça social sólida, também foi interessante ver mexicanos fazendo história na premiação: Emanuel Lubezki levando o prêmio de Melhor Fotografia pelo terceiro ano consecutivo, e Alejandro Iñárritu levando o prêmio de Melhor Diretor pelo segundo ano consecutivo. Duas situações historicamente raras de se acontecer. E se contarmos o prêmio de Cuarón em 2014, é o terceiro ano consecutivo que um mexicano leva o prêmio de direção. Ou seja, mais raro ainda, e de fazer Donald Trump morder os punhos de raiva e querer construir uma muralha nas fronteiras o mais rápido possível.

No mais foi uma festa "rápida", dentro de um tempo mais justo que o tomara-que-caia de Sofia Vergara. E as maiores surpresas foram com a premiação de Mark Rylance ao invés de Sylvester Stallone na categoria Coadjuvante, e a preferência de Spotlight (2015) ao invés de O Regresso (The Revenant, 2015) na categoria Melhor Filme.

O brasileiro Alê Abreu não levou o prêmio, e preferiram Sam Smith ao invés de Diane Warren e Lady Gaga, em uma performance exagerada e teatral como só ela poderia fazer. A impressão que eu tinha é que enquanto uma lágrima dela não escorresse, ela não sairia do palco. Não escorreu, e ela teve que sair. Mas enfim... perto da sofrível performance de Sam Smith, numa música fraca e um tanto oca, de fato a canção de Gaga/Warren poderia ter ganho.

No mais foi a mesma festa protocolada e monótona de sempre, e se em resultado do protesto feminista do ano passado esse ano o protocolo proibiu repórteres de perguntarem às mulheres o que elas vestiam, pode ser que a partir do ano que vem os negros sejam mais ativos na premiação de maneira mais natural e não forçada como foi nesse.

Ah, e estava me esquecendo... DiCaprio finalmente levou o prêmio

sábado, 27 de fevereiro de 2016

COMO TODA CONTINUAÇÃO MAL PENSADA...

★★★☆
Título: O Tigre e o Dragão: A Espada do Destino (Crouching Tiger, Hidden Dragon: Sword Of Destiny)
Ano: 2016
Gênero: Ação, Artes Marciais
Classificação: 14 anos
Direção: Yuen Woo-Ping
Elenco: Michelle Yeoh, Donnie Yen, Shuya Cheng, Natasha Liu Bordizzo
País: China
Duração: 96 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
18 anos após a morte de Li Mu Bai, a Destino Verde vira alvo dos clãs ambiciosos que almejam o poder e domínio marcial.

O QUE TENHO A DIZER...
Quando Ang Lee dirigiu O Tigre e o Dragão (Crouching Tiger, Hidden Dragon, 2000), ele consolidou o seu estilo de unir a cultura oriental com a ocidental de forma acessível e inspiradora. Baseado no quarto livro da pentalogia Crane-Iron, de Dulu Wang, era basicamente um drama sobre honra, respeito e amor, onde o estilo Wuxia predomina, que são histórias da cultura chinesa contadas como lendas, sempre narrando aventuras de mestres em artes marciais (ou guerreiros voadores) na China antiga.

O tremendo sucesso do filme fez a especulação sobre uma continuação sempre existir, mas Ang Lee nunca demonstrou interesse. Essa idéia se arrastou até 2013, quando a onda de reboots mostrou-se algo lucrativo e a Weinstein Company, juntamente com o Netflix, resolveram produzir uma continuação direta baseada em Iron Knight, Silver Vase, último livro da série.

Lançado simultaneamente no serviço e em cópias limitadas no cinema, teria sido um fenômeno se feito dez anos atrás, mas agora nada mais é do que uma oportunidade interessante para o Netflix continuar fazendo aquilo que aprendeu bem, que é pegar para si aquilo que os outros jogam fora.

A história segue 18 anos após a morte de Li Mu Bai no primeiro filme. O clã do qual Yu Shu Lien (Michelle Yeoh) faz parte se reduziu a poucos, e uma guerra se estabeleceu para que seja imposto um clã dominante no mundo marcial, e novamente a Destino Verde se torna alvo de ambição de muitos, cabendo ao clã de Shu Lien defendê-la e mantê-la nas mãos dos bem intencionados enquanto uma história de amor se forma e outra tenta ser superada.

Sinceramente, o resultado é equivocado como toda continuação mal pensada. A direção foi parar nas mãos do coreógrafo marcial chinês Yuen Woo-Ping, responsável pela coreografia tanto do filme original quanto de Matrix (1999) ou Kill Bill (2003), e sua inexperiência fez todo o respeito cultural que Ang Lee esculpiu com esmero no filme original ser destruído sem qualquer cerimônia pelo simples fato de não ser em mandarim. Ao invés disso é em lingua inglesa, algo sempre visto pelos chineses como uma afronta quando se trata da cultura deles. 

A trama de fato começa quando um misterioso mascarado tenta roubar a Destino Verde da Casa de Chá na calada da noite. É... de novo! A gente já viu essa mesma situação no filme original, e é até bom quando isso acontece porque dá pra fazer uma comparação direta. Aquilo que nas mãos de Ang Lee parecia um poema belamente coregrafado e até com um sutil humor, aqui se torna uma lutinha sem sentido, monótona, cheia de pausas e câmeras lentas indevidas que fazem toda aquela dinâmica de um filme marcial perder a graça. Sem falar da incrível previsibilidade da situação que já deixa evidente que serão eles o par romântico principal da história. Tenta criar situações engraçadas entre um golpe e outro, mas a edição arrastada não ajuda.

A incompetência é nítida. O roteiro de John Fusco nada tem daquela fantasia e senso histórico do anterior, e os diálogos ruins fazem os novos personagens serem esquecíveis, mais ainda quando em atuações sofríveis como a de Natasha Liu Bordizzo, a quem foi dado o papel de Vaso de Neve. Woo-Ping não consegue conduzir seus atores, muito menos posicioná-los. A câmera constantemente estática deixa as cenas apáticas. Várias das sequências começam (ou terminam) em planos aéreos para mostrar os cenários digitalizados e sem vida. Não há ousadia, nem identidade. Aliás, sobre os cenários, é constante a sensação de que eles não se conectam. De um campo vai para as montanhas, que vai para a Casa de Chá e que pula pra floresta. Não há transições, não há uma vida dentro do filme e nem uma continuidade aceitável. O que existe são esquetes em cenários para tentar reproduzir genericamente ou causar o mesmo impacto visual que o filme de Ang Lee causa com deslumbre.

Até mesmo as cenas de luta, o principal atrativo para o público que espera isso, e que é o verdadeiro talento do diretor, aqui parece uma sátira, uma brincadeira de quintal. A coreografia não é fluida, percebe-se uma certa "demora" na execução dos movimentos, como se os atores estivessem pensando nas marcações, algo que no original nunca acontece. Então não convencem, pelo contrário, acentuam mais ainda a insegurança dos atores em realizá-los. Apenas nas últimas batalhas que essa sensação melhora um pouco.

De repente o filme se torna um pastelão chinês, com batalhas sem sentido, personagens que se apresentam como super heróis engraçadinhos e que fazem caretas o tempo todo. Aí que a oportunidade do filme ser algo sério se perde de vez. Talvez a situação mais estranha seja a da personagem Jen Yu, que no filme original foi interpretado por Ziyi Zhang, a qual se atira em um precipício para se redimir de suas culpas e deixa a história em aberto se aquilo foi um suicídio ou uma fuga. A presença da personagem, agora vivida por Shuya Chang, não é esclarecida, e nem ao menos há um confronto entre ela e Shu Lien, o que, por vias de ser uma continuação direta, deveria ter sido obrigatório, já que toda a trama do primeiro filme aconteceu, em grande parte, em torno disso. Mas ao contrário do que se espera, ela entra e sai do filme como algo irrelevante.

É triste admitir, mas tudo é muito artificial e amador, algo que pelo trailer já esperava-se. Michelle Yeoh até tenta carregar nas costas, mas não consegue. É tudo tão forçado e distante do original que até os figurantes parecem estar lá sem saber porque estão. A única coisa que atrai (se é que pode-se dizer isso) é uma ou outra sequência e a fotografia, que por muitas vezes consegue ser bonita, mas não porque foi algo estratégico, mas um susto que deu certo porque a câmera está sempre em angulações confortáveis, tiradas de um manual de como fazer um filme em nível básico.

Definitivamente o Netflix errou. Claro que não deixa de ser um entretenimento e uma opção a mais exclusiva pra quem assina o serviço, mas não há motivo de assisti-lo quando o original também está disponível. Se tivessem feito um seriado baseado nos livros talvez o resultado teria sido muito mais interessante, e mais a cara do serviço.

CONCLUSÃO...
Se não serve pra ser assistindo nem como filme para televisão, serve menos ainda para ser assistido como uma sequência de uma obra prima que uniu o cinema comercial com o alternativo da cultura chinesa. Um clássico de Ang Lee insubstituível.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O MUNDO QUE VIVEMOS...

★★★★★★★★☆
Título: O Quarto de Jack (Room)
Ano: 2015
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Lenny Abrahamson
Elenco: Brie Larson, Jacob Tremblay, William H. Macy, Sean Bridgers, Joan Allen
País: Canadá, Irlanda
Duração: 118 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma mulher e seu filho se libertam de um quarto por onde viveram anos. Ao saírem enfrentarão processos de descobertas, mas não mais na mesma sincronia.

O QUE TENHO A DIZER...
Joy (Brie Larson) foi sequestrada e mantida em cativeiro por sete anos. Frequentemente molestada pelo seu sequestrador, foi assim que engravidou de Jack (Jacob Tremblay), e assim o manteve por perto para motivá-la a viver nas condições de extrema solidão em que foi posta.

Os anos se passaram e Jack completou 5 anos. O mundo não se transformou ao seu redor, e o ambiente em que vive é, para ele, como uma extensão do útero de sua mãe, uma parte viva que o complementa, enquanto para Joy, o mundo que vivia teve de ser abandonado. Um mundo paralelo e escapista teve de ser criado para que seu filho se adequasse àquela realidade. Tanto que Jack se refere ao Quarto como uma pessoa, e não como um lugar, até porque ele não sabe o que são lugares, já que nunca esteve em outros.

Embora O Quarto De Jack seja um drama sobre a penosa vida em cativeiro que a protagonista se encontra e a forma como aprendeu a se abstrair disso, chega um momento em que sua história se transforma em um mar de descobertas em todos os sentidos. E grande parte disso se deve pelas observações de Jack e sua visão infantil e ingênua sobre os diferentes mundos que se chocam para ele em contraponto à visão mais comum e conformista de sua mãe após a libertação.

Os mundos reais e imaginários se confrotam quando Joy finalmente percebe que Jack não pode continuar vivendo daquela forma, e que um dia ele perceberia que há muito mais além das quatro paredes. Em um ato de desespero e sem escolhas, ele é jogado para fora do quarto, e é quando Jack conhece o mundo como se nascesse novamente. Tudo será uma descoberta e uma novidade, enquanto para ela o processo será mais doloroso e inverso em reflexo à sua perda de identidade e função depois de sair do cativeiro.

O filme definitivamente consegue abordar de forma bastante sutil os traumas tanto de Joy quanto de seu filho. Conseguimos nos colocar no lugar de ambos e imaginar como deve ser para Joy ter de abandonar em absoluto o mundo e as pessoas que amava, e como deve ser para Jack acreditar que a cama, as cadeiras, a mesa, a pia, o guarda roupa e a clarabóia são a constituição máxima de seu mundo. Mesmo que seja uma criança com uma condição mental plástica, ou seja, que se adapta facilmente, é imaginável o choque para ela ao abrir os olhos e descobrir que as únicas paredes que existem no mundo são aquelas que os próprios homens constróem. Enquanto para Joy essa plasticidade em se readaptar às situações não será tão simples assim, e acreditará ser mais fácil manter-se aprisionada em um lugar onde ninguém possa ter acesso.

Talvez a maior dificuldade da protagonista seja cortar o cordão umbilical imaginário de seu filho. Ela desenvolveu um estado de dependência e cuidado, e Jack foi seu único objetivo para continuar viva dentro do cativeiro. Ao sair dele ela entra em pânico ao perceber que ele está se adaptando bem às bruscas mudanças, pois é como se os objetivos dela não existissem mais, como se ela não tivesse mais objetivos para continuar vivendo. É quando seus conflitos fora do quarto se estabelecem.

Não é um drama pesado como poderia ser, mas sem dúvida é bastante comovente e emotivo com honestidade e sem exageros. Quando se tem a impressão de que a carga dramática ficará mais pesada, é aliviada com a narrativa de Jack, que tenta colorir em palavras suas novas descobertas e sua visão particular sobre aquilo que o rodeia.

Quando o filme está sob o ponto de vista de Joy, é como se o mundo não fizesse tanta importância. Ele é cinza, opaco, sem graça e doloroso. Mas quando o ponto de vista de Jack vem à tona, é como se as janelas fossem abertas e percebessemos como desperdiçamos nossa vida sem prestar atenção à nossa volta, e que nós mesmos nos confinamos em nosso mundo particular mesmo vivendo em liberdade. Uma associação entre a realidade com o quarto em que viviam: pequeno, comum e limitado.

Essa diferença de percepções já foi usada pelo diretor Lenny Abrahamson anteriormente em O Que Richard Fez? (What Richard Did, 2012), um filme igualmente delicado, que não evita  mostrar como o peso de nossas escolhas são responsáveis por drásticas mudanças em nossas vidas.

O trabalho desempenhado por ele aqui segue no mesmo equilíbrio entre a sutileza e a densidade, emocionando nos tempos certos e sendo motivador desde o princípio.

Além do roteiro bastante linear e conciso de Emma Donoghue (também autora do livro), os méritos do filme se valem pelo fato de não haver um momento de desperdício. Todas as cenas são claras e diretas e respeitam toda a delicadeza da história. O elenco reduzido e extremamente competente também faz toda a diferença. Não é à toa que Brie Larson vem abocanhando os prêmios da temporada, a qual, para se preparar para o papel, ficou em reclusão por um mês em um único cômodo, dentro de uma dieta restrita, como acontece com sua personagem.

Uma pena que não fica muito claro como a protagonista foi parar lá ou quem de fato era seu sequestrador, só é comentado muito brevemente a circunstância em que ele se aproveitou da situação. Bate essa curiosidade, mas não há dúvidas de que o filme funciona muito bem sem isso. Também pode ficar um pouco estranho para alguns o motivo do pai de Joy não conseguir aceitar o neto, mas não havia forma mais sutil para demonstrar o ódio e repúdio que ele sente não pela criança, mas pelo causador de tudo aquilo.

Aliás, existe uma teoria de que todo filme fica mais interessante quando William H. Macy aparece, e realmente isso volta a acontecer aqui. Uma pena que sua participação é breve demais quando poderia ter sido maior ao longo da segunda parte da história.

Acho interessante a polêmica que se criou em torno da androginia da criança. Por ter cabelo comprido não se sabe ao certo se é um menino ou uma menina. Enfim, como se realmente o sexo da criança importasse no desenvolvimento da história. Talvez tenha sido exatamente por isso que ela foi caracterizada dessa forma e posteriormente caracterizada de outra, como se ela mesma tivesse encontrado sua identidade no mundo externo.

O filme tem sido vendido como baseado em fatos reais. E embora o livro tenha levemente se baseado em um fato verídico, o diretor afirmou que o filme não faz referência a nenhum fato real.

CONCLUSÃO...
Um filme delicado e interessante que também funciona bastante como uma metáfora quando pensamos que, mesmo livres, nos limitamos e restringimos em um mundo imaginário dentro da imensidão de espaços e lugares a nossa volta. O Quarto não é um drama de vingança e de justiça, mas de diferentes percepções do mundo e daquilo que consideramos mundo.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

ULTIMAS APOSTAS PARA O OSCAR 2016!

Este ano, assim como tem sido nos anos anteriores, estát udo muito eclético, atuações bastante diferentes e roteiros variados caracterizam a temporada 2016 de premiações. Mas sem dúvida há um favoritimos maior nesse ano que nos últimos três. Se você não assistiu a todos os títulos, vale a pena. E para quem ainda não viu a lista de indicados, acesse AQUI.

MELHOR FILME
Novamente uma lista de oito títulos. Há drama, ficção científica, policial e até mesmo ação com Mad Max. Não há dúvidas de que os favoritos sejam A Grande Aposta (The Big Short, 2015) e O Regresso (The Revenant, 2015). Mas será o filme de DiCaprio que levará por motivos bastante evidentes. É um filme extremamente bem feito, um épico viceral de tirar o fôlego. Iñárritu novamente surpreendeu e, assim como Birdman (2015), o prêmio é merecido.

MELHOR DIRETOR
Adam McKay, de A Grande Aposta; George Miller, de Mad Max e Alejandro Iñárritu são os preferidos. Haveria grandes chances de McKay levar por determinados resgates narrativos em seu filme que deram uma interessante atualizada na linguagem moderna do cinema, bastante interessante e competente. Miller mereceria por um conjunto de obra, e até mesmo porque ele também atualizou sua linguagem e Mad Max consegue ser ao mesmo tempo clássico e contemporâneo numa mistura muito maluca que só ele soube fazer. Mas definitivamente o trabalho braçal de Iñarritu e toda essa viceralidade de O Regresso, os planos sequências fabulosos e o minimalismo técnico que transformou o filme em algo estupendo e deslumbrante contarão muito, e se Iñárritu levar o Oscar como Diretor pelo segundo ano consecutivo, será uma surpresa prevista, agradável e interessante, porque dobradinhas nessa premiação são difíceis.

MELHOR ATOR
DiCaprio e não se fala mais nisso. Muitos acreditam que ele deveria ter recebido o prêmio muito antes. Eu já não compartilho dessa opinião. Mas sem dúvida esse filme é o filme para o Oscar. DiCaprio se despiu completamente de qualquer zona de conforto. Encarar a natureza da forma como ele fez, e ainda oferecer uma atuação emocionante de todas as formas, é de cair o queixo. MAS... se ano passado o favorito era Michael Keaton, que perdeu a estatueta para Eddie Redmayne numa das maiores injustiças cometidas, não seria surpresa se esse ano acontecesse o mesmo e DiCaprio saísse chupando o dedo pela sexta vez enquanto Redmayne levasse o prêmio numa dobradinha. Confesso que acharia interessante se esse azar ocorresse, mas pode ter certeza que haveria uma revolta coletiva ao vivo.

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Para ser bastante sincero, acredito que esta categoria esteja mais interessante que a de ator principal, só é um tanto ridículo terem dado a indicação para Christian Bale ao invés de Steve Carell, que sem dúvida é o cara que leva o público a delírio do início ao fim de A Grande Aposta. Há uma estranha torcida para Stallone levar, e é o que acredito que no fim acabe acontecendo.

MELHOR ATRIZ
Cate Banchett e Brie Larson são as favoritas. Jennifer está na lista só pra manterem seu status de estrela, porque embora ela carregue Joy inteiramente nas costas, não é uma personagem memorável, embora fabricada especialmente para esta ocasião. Então tem um ar teatral todo fake em torno, e poderá ser ignorada por isso. Charlotte Rampling desenvolve um trabalho excepcional em 45 Anos, mas é fato que a Academia costuma deixar passar atrizes maduras e pouco conhecidas nas Américas. Veja o caso de Emmanuelle Riva, que mesmo com 86 anos na época, desempenhou um trabalho formidável em Amour (2012), mas não levou o prêmio. Com 21 anos, é segunda indicação de Saoirse Ronan, bastante elogiada também, mas talvez não seja dessa vez novamente.

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
A disputa está difícil. Pode ser Kate Winslet, pode ser a sueca Alicia Vikander, que poderia ter sido indicada por Ex_Machina ao invés de A Garota Dinamarquesa. Mas é capaz que Kate leve o segundo prêmio pra casa.

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
Ponte de Espiões, Spotlight e Ex_Machina são os preferidos. Acho o trabalho de Ex_Machina interessantíssimo, mas Spotlight definitivamente tem uma sutileza muito interessante na condução da história, sabendo desenvolver tudo muito bem sob o ponto de vista editorial da equipe jornalistica. Mas... a surpresa pode ficar mesmo para Straight Outta Compton, que é (chulamente dizendo) a versão hip hop de Whiplash (2014). Surpreendentemente Tarantino não entrou na lista, e particularmente dizendo era o que eu já esperava pois Os Oito Odiados, embora tenha uma idéia brilhante, se perde na megalomania tarantinesca de seu criador. Por outro lado Pontes dos Espiões é roteiro dos irmãos Cohen... então está difícil chegar a uma conclusão direta.

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
Definifitavamente irá para A Grande Aposta. E se não for, confesso que ficarei de cama, em choque, por uma semana. Perdido em Marte e O Quarto de Jack são igualmente favoritos, mas o roteiro de A Grande Aposta é extremamente moderno e diferente.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

COMENTANDO O TEXTO: "O NEGRO NÃO ESCREVE, DIRIGE E NEM FAZ PARTE DOS CRÍTICOS"

Antônio Pitanga em foto para a coluna especial.
Fonte: UOL Entretenimento/Cinema
Quando li a coluna especial do Antonio Pitanga, entitulada O NEGRO NÃO ESCREVE, DIRIGE E NEM FAZ PARTE DOS CRÍTICOS, eu percebi em vários pontos a lucidez da discussão e a forma coerente que ele conduziu a segregação no meio artístico.

Assim como ano passado a discussão em Hollywood foi o espaço da mulher no cinema, esse ano a discussão é o espaço do negro, o que desencadeou uma série de discussões sobre o tema ao redor do mundo, em nações que sofrem do mesmo problema, principalmente no Brasil, um país onde mais de 50% da sua população se afirma negra ou parda, e que pode chegar facilmente aos 60% se considerarmos aqueles que negam a raça não por preconceito, mas por medo de sofrerem o preconceito.

A discussão começou porque Will Smith não foi indicado ao Oscar por Um Homem Entre Gigantes (Concussion, 2015). Revoltado, ele sua família resolveram boicotar o Oscar justificando a ausência de negros na premiação este ano. Certo...

Logo em seguida Spike Lee se agregou ao boicote, diretor que precisou arrecadar fundos no Kickstarter porque nenhum estúdio queria financiar um de seus projetos, mas afirmou categoricamente que não é pela premiação em si, mas pela indústria que não oferece espaço para os negros, o que resulta na baixa presença deles nas premiações. Sim, coerente e sensato, mais do que a família Smith.

Portanto, a briga não é por "cotas" no Oscar, mas maior participação dos negros em toda a indústria e em todo o processo.

Para aqueles que ainda não entenderam a problemática, aqui explico didaticamente: se em 100 filmes lançados 90 são com elenco principal predominantemente branco (diretores, produtores, roteiristas, atores, etc.) e apenas 10 deles possui elenco principal predominantemente negro, qual a probabilidade dos negros serem indicados nas premiações e nas principais categorias?

Probabilidade bem baixa, não é? Principalmente em um setor onde são lançados mundialmente entre 15 a 20 mil títulos por ano, sendo que, aproximadamente, apenas 8% desse número possui algum negro como protagonista ou coadjuvante principal.

No Brasil a situação "parece" não ser tão caótica quando se pensa em cinema: primeiro porque o número de produções é baixo; segundo porque as cotas exigem participação racial. Ajuda? Não. Porque tira-se as cotas e negros são extintos de partipação, sendo lembrados apenas para interpretar escravos, domésticas, cozinheiras e favelados. Não que hoje seja diferente, mas ao menos, entre uma novela e outra, Taís Araújo (que já interpretou uma escrava) faz uma mulher poderosa e bem sucedida. Ou seu marido, Lázaro Ramos, que foi o primeiro negro a ter tido a possibilidade de ser o protagonista de um seriado na maior emissora do país.

Terceiro problema é que aqueles que participam das produções e são contratados para cumprir a cota, são sempre os mesmos, como Taís Araújo, Lázaro Ramos, ou até mesmo a filha de Pitanga, Camila.

É difícil notar o número de negros no cinema e na televisão brasileira aumentar. São sempre pequenos grupos de Taíses, Lázaros, Julianas, Camilas e Majus, mantidos para camuflar a diferença real e existente, enquanto na novela Malhação (o principal termômetro da Rede Globo para novos talentos) é lançado anualmente de 5 a 10 novos nomes com promessa de estrelato. Todos brancos.

Diretores e roteiristas sofrem do mesmo problema. Se mal há espaço para atores, imagine para eles. Nos bastidores mais profundos confesso que desconheço, pode ser que alguns sejam contratados para os trabalhos mais braçais, mas duvido que exista algum produtor bem sucedido em atividade em grandes centros.

Aí você lê alguém comentar: é porque eles não foram bons o bastante.

Então, além de eles terem uma parcela participativa bastante baixa, obrigatoriamente precisam ser incrívelmente bons pra compensar o desfalque. Ou seja, um único negro precisa ser melhor que os 5 melhores brancos da fila.

Essa situação é bastante parecida quando ouvimos mulheres bem sucedidas dizerem: sim, tenho que me esforçar no trabalho para mostrar que sou melhor que os homens.

Isso é cruel e desumano. A escravidão dos tempos modernos.

Aí vem outra pessoa e comenta: se não há diretores, roteiristas ou comentaristas negros, é porque o material deles não é bom.

Quem disse que não é bom? Não é bom ou não é preferencial? Entre eu, um roteirista branco, e meu vizinho, um roteirista negro, a probabilidade de meu roteiro ser aceito é 95% maior do que a do meu vizinho, mesmo que meu roteiro seja inferior. Da mesma forma que, entre duas pessoas de diferentes raças capacitadas para o mesmo emprego, a possibilidade do branco ser contratado é infinitamente maior do que o negro. Mentira? Você empregador, sabe disso melhor do que eu. Basta me dizer quantos negros contratou nos últimos 10 anos para cargos de confiança ou que não sejam braçais.

Eu, nas minhas entrevistas, nunca vi darem preferência para o negro que passou pelo mesmo processo que eu. Aliás, em uma entrevista que fui, só havia brancos, na outra, três negros, dos quais nenhum conseguiu a vaga. Ao longo da minha vida acadêmica (entre ensino médio, superior e pós-graduação), só estudei com 2 negros, e um deles teve que comer o pão que o diabo amassou pra hoje fazer o mesmo que eu faço. Eu, no lugar dele e com o mesmo esforço, provavelmente já seria um diretor. E aí? Alguma coisa está errada, não concorda?

Aí algum empregador diz: eles não são capacitados.

Em primeiro lugar é o preconceito que muitas vezes dita que eles não são capacitados. Já se tem enraizado na cultura que negro é desqualificado porque é pobre já que, segundo o IBGE, dos 16 milhões de brasileiros miseráveis, 70% são pardos ou negros. Um negro que nasce em uma situação de miséria se submete a subempregos para sobreviver, é dinheiro para a comida e ponto. Nada mais. Sim, há muitos brancos na mesma situação, mas como a pesquisa mostrou, são "apenas" 30% dos miseráveis. E mesmo brancos e negros miseráveis terem as mesmas condições, é muito mais fácil para um branco sair dela do que um negro.

Então, nessa breve análise, percebe-se que uma afirmação tão simples como "negros não possuem espaço no cinema como os brancos", desenvolve um assunto muito complexo que sempre leva para outro nível de discussão. E apenas isso já demonstra que os problemas envolvendo preconceito, racismo e segregação vem muito mais de baixo do que se imagina, ao ponto de não sabermos onde se estabelece de fato, mas que está solidificada na cultura social de tal forma que, para as pessoas em geral, tudo isso parece muito normal.

E aí eu leio os comentários sobre essa coluna escrita pelo próprio Pitanga, e elas me chocam porque grande parte destes comentários é para justificar o racismo e sua existência, quando deveria ser o contrário. Muitos deles vem de pessoas que sequer leram o texto e soltaram comentários aleatórios sobre tudo, menos sobre do que o texto se tratava. O que claramente demonstra que o racismo é um problema sociocultural latente pela desinformação.

Quando Matt Groening criou Os Simpsons, a justificativa que ele deu para os personagens serem amarelos é para que não houvesse distinção de raça e que todos fossem iguais. Com excessão de um ou outro persongem caricato, já que estes costumam ser sátiras de figuras públicas, a Springfield dos Simpsons pode até ter personagens preconceituosos, mas pela ausência de cor, não são racistas.

Pitanga diz que a arte não tem cor, mas é na hora de montar um casting que o contrário se prova. Ao invés de enxergarem atores em um tom monocromático, como são os Simpsons, a diferença entre as cores é propositalmente acentuada, como em um filme preto e branco.

A arte só tem distinção de cor quando uma raça é representada, caso contrário, afirmar que um ator branco foi escolhido porque o personagem em que ele é baseado é branco ou porque ele é descrito como branco, não é justificativa. Frequentemente personagens masculinos são readaptados para mulheres, o mesmo para os homens. Da mesma forma como atualmente virou moda atores interpretarem personagens femininas, e o mesmo com as atrizes. Ou em um caso de etnia, em que chineses ou koreanos interpretam personagens japoneses ou vice-versa. Isso acontece porque a capacidade de interpretação é a mesma, e o resultado é o mesmo independente da forma ou da pele porque não são elas quem representam, mas a pessoa, o ator.

Dizem que Morgan Freeman afirmou que o dia que a discussão racial parar as coisas tomarão o rumo certo. Óbvio, porque o dia que a discussão racial parar significa que não é mais necessário tê-la. Se ela existe, é porque é necessário. Se você ignora ou se irrita com os negros que querem tê-la ou brancos que querem desenvolvê-la, é porque o problema parte de pessoas como você.


Portanto, vale um top 10 comentado dos "melhores" comentários feitos na coluna, e se você se identifica com algum deles, sim... você é racista e preconceituoso:

1) Igualdade racial se faz com trabalho, deixe de esperar de graça o que você tem e deve fazer.
Igualdade racial se faz com o trabalho de todos, principalmente porque essa segregação surgiu pelos brancos, algo que permeia na História até hoje. Portanto, existe débito histórico e atual.

2) O problema de muitos de cor preta é o mesmo de muitos de cor branca, e de muitos de cor parda, e o de muitas mulheres de todas as cores, chama-se preguiça.
É presunçoso citar um defeito nato do ser humano, tanto que é um pecado capital no catolicismo justamente porque todo mundo comete. A única coisa que se tem certeza é que a proporção de oportunidades para brancos é muito maior do que para negros. Tanto que 70% dos empregados no país são brancos enquanto 70% dos miseráveis são pardos ou negros. Reflita.

3) Sempre a mesma balela...
Talvez porque essa "balela" de problema afeta mais de 50% da população brasileira parda ou negra. Agora imagine no mundo?

4) O negro não escreve porque é negro?
Mania da ignorância torcer fatos e transformar qualquer opinião antirracista em "coitadismo". A discussão não é essa. A discussão é: Por que o negro que escreve não tem espaço? Assim como o negro que atua, que dirige, que administra, que organiza, que cria, que estuda e que desenvolve não tem espaço.

5) Assim como negros ajudaram a criar a escravidão, muitos negros se auto boicotam das oportunidades.
Bom... primeiro que existem várias formas de escravidão ao longo de toda a História. A escravidão negra, ocorrida entre os séculos XVI e XIX, é uma delas. Então afirmar isso é o mesmo que dizer que os judeus ajudaram a criar o nazismo.

6) A velha historia de complexo de inferioridade... Principalmente vindo de atores, atrizes. Nunca vi ou ouvi nenhum jogador de futebol, cantor de samba ou pagode ou axé reclamando pelo fator de ser negro... Parece que se o cidadão é negro ele já tem motivos para se auto descriminar... Essa sempre ladainha...
Já é involuntariamente imputado aos cidadãos negros motivos para serem discriminados. A alienação das pessoas de que a discriminação não existe é tão grande que mesmo quando jogadores de futebol são chamados de macaco, cantores de samba, pagode ou axé são ofendidos na rua... todo mundo acha isso normal e diz que "nunca viu ou ouviu algo do tipo", como se tudo fosse um sonho.

7) Spike Lee é negro. Barack Obama é negro. Oprah Winfrey é negra.
A velha história de usar poucos exemplos pra tentar justificar um problema de milhões. Com excessão de Spike Lee, que é um negro militante de sucesso, Barack Obama é considerado "o presidente de alma branca" pelos negros por motivos evidentes. E Oprah Winfrey é apenas uma metáfora, feita um exemplo de sucesso para alimentar a ilusão de que diferenças não existem. Dúvidas? Então existem mais Oprahs por aí, ou só Uma*?

8) Ou seja, a culpa é dos negros de não mudarem as coisas na ação. Você não muda reclamando rapaz, só mulher consegue isso porque sempre tem um homem trouxa para fazer algo por elas.
A reclamação é o último recurso quando se não consegue um objetivo por fatores óbvios, e isso é com absolutamente tudo, até mesmo no liquidificador queimado que você comprou das Casas Bahia. E sobre as mulheres, em uma sociedade machista e sexista que vivemos, assim como os negros, reclamar é o que resta para muitas delas.

9) Eu acho que os albinos também são injustiçados. Nunca vi um albino ganhar o Oscar.
Pra começar, albinismo não é raça. Segundo porque, por incrível que pareça, a incidência do albinismo entre os povos africanos é alta, e estima-se que a porcentagem de albinos nos mundo não chega nem a 1%. Imagina então quantos deles são atores, ou quantos deles não sofrem o mesmo tipo de preconceito?

10) Sou caucasiano e o melhor ator para mim há muito tempo: Denzel Washington, melhor lutador de box da história: Cássius Clay, melhor jogador do mundo desde de que surgiu o futebol: Pelé. Meu melhor amigo durante toda a faculdade, o "NEGÃO" Joel...
É a mesma coisa que afirmar que não é homofóbico porque tem amigos gays. Novamente pessoas usando pequenos exemplos pra justificar ou camuflar um problema, ou simplesmente ignorarem que esses problemas existem. Denzel Washington e Morgan Freeman deveriam ganhar o prêmio Top Of Mind do cinema, porque todo mundo que se diz não racista, só citam eles.

Conclusão? Esse "bla bla bla..." ou "mi mi mi...", como alguns dizem ser, continuará existindo por muito tempo enquanto o homem em si não perceber que só existem duas diferenças: seres racionais e irracionais. E por mais que eles ajam de forma irracional, nós não os excluímos por isso. Portanto, o mesmo não deve ser feito por uma questão de cor.





*Piadinha sem graça pra relaxar, em referência ao Oscar de 1995.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

WHAM! ELE CHEGOU!

★★★★★★★★☆
Título: Deadpool
Ano: 2016
Gênero: Ação, Super Herói
Classificação: 16 anos
Direção: Tim Miller
Elenco: Ryan Reynolds, Morena Baccarin, T.J. Miller, Ed Skrein, Gina Carano
País: Estados Unidos
Duração: 108 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um ex-agende das forças armadas se submete a uma experiência genética na promessa de ser curado de um câncer terminal. A experiência lhe deu superpoderes, mas em compensação o deixou com sequelas físicas e mentais, se tornando um anti herói kamikaze e alienado em busca de vingança.

O QUE TENHO A DIZER...
Desde quando a 20th Century Fox abraçou a Marvel com os X-Men (2000), pouca gente imaginava que 15 anos depois filmes de super heróis não apenas continuariam sendo lucrativos como criaram um novo gênero.

Desde então a mesma fórmula tem sido usada incansavelmente, tudo de forma muito branda para atingir todas as faixas etárias, obviamente serem sucessos de bilheteria e garantirem continuações.

Manter a faixa indicativa baixa sempre destruiu muitos heróis no processo, como aconteceu com o próprio Deadpool em Wolverine (2009).

Mas se a adaptação para o cinema de X-Men dividiu o espaço entre as eras antes e pós o gênero de super-heróis, espera-se que Deadpool agora divida as águas novamente entre filmes desse gênero com censura livre, e aqueles nem tão livres assim.

Isso não significa que seja um filme sério. Pelo contrário, a sério ele não se leva em momento algum a começar pela sequência dos créditos iniciais, tirando sarro de si mesmo, satirizando o gênero da melhor forma possível. Piadas é o que não vão faltar, mas o tom jocoso, chulo e infame realmente não seria o mesmo se o roteiro tivesse sofrido modificações para ser acessível ao público infantojuvenil. O personagem perderia suas características principais que tanto o destaca dos demais.

Deadpool é um anti herói, um mercenário que basicamente surgiu pela admiração do desenhista Rob Liefeld pelos Jovens Titãs, da DC, por isso sua aparência um tanto similar com a do vilão Deathstroke. Quando ele ganhou sua própria revista, seu futuro era incerto, e a constante possibilidade de seu cancelamento fez o roteirista Joe Kelly transformá-lo em uma sátira e uma paródia de todo o universo dos quadrinhos, naquela idéia de que "já que não tem futuro, a gente arregaça". Mas o que aconteceu é que todo esse tom autodestrutivo foi o que chamou atenção, e de repente as revistas de Deadpool começaram a sumir das bancas e a base de fãs havia se consolidado.

Ao ser cobaia de um experimento, o personagem ficou imortal e mentalmente instável, o que fez desse fato uma excelente justificativa para o excessivo uso de palavrões e atitudes que ridicularizam seus inimigos, vítimas das mais mirabolantes e sanguinárias formas de execução, e também de suas piadas chulas recheadas de referências da cultura pop. Aquele tipo de personagem que literalmente samba na carcaça, seja sua ou dos outros, feito para ser irritante e autodepreciativo, que fala o tempo todo até mesmo com seus leitores, quebrando aquilo definido por Denis Diderot no século XIX de "quarta parede".

Essa "quebra" acontece quando um personagem se volta para seu público, falando diretamente com ele, como a que chamar atenção para um fato específico. O uso desse elemento tem várias funcionalidades narrativas, como acontece no recente A Grande Aposta (The Big Short, 2015). É comumente usado na comédia por dar oportunidade para o personagem fazer um parenteses sobre a situação, um comentário extra, esclarecendo um pensamento que os demais personagens desconhecem. Portanto, é qualquer ação em que o personagem dialoga diretamente com o observador, e é o que Deadpool faz com frequência nos quadrinhos quando fala com seus leitores, e que agora também faz com seus espectadores no cinema, lembrando a todo instante que próprio cinema esqueceu que esse elemento existia.

Em planejamento desde 2000, o projeto para o filme sofreu diversas modificações ao longo dos anos, engavetado várias vezes, e o ator Ryan Reynolds entrou nessa história um tanto por acaso. Ele ficou obcecado pelo personagem em 2004, quando lhe deram uma edição dos quadrinhos e ele abriu exatamente na página em que Deadpool se autodescrevia como "o cruzamento de Ryan Reynolds com um cão shar-pei". Aquilo chamou sua atenção, e segundo ele mesmo afirmou, a princípio achou que fosse uma pegadinha ou um sinal divino de que seu futuro seria interpretá-lo. Ele se identificou demais com o humor das histórias, e quando descobriu que o personagem seria incluído no filme Wolverine (2009), convenceu os produtores a darem o papel a ele. Mas a descaracterização foi tão grande que os fãs reagiram negativamente, e desde então Reynolds promoveu a idéia de que Deadpool tivesse um filme próprio para que o erro fosse consertado.

A idéia de um spinoff sempre existiu, mas o produtor Lauren Donner queria que o filme solo do herói fosse o mais fiel possível dos quadrinhos, o que exigia ignorar o que foi apresentado sobre ele em Wolverine e que a classificação etária não fosse menor do que 16 anos, fato que deixou o estúdio relutante porque não era esse o objetivo. Reynolds declarou que quando interpretou o personagem pela primeira vez, sua idéia era completamente diferente, mas que por decisões maiores precisou modificar, e que ele nada pode fazer porque era apenas um ator contratado.

Foi então que em 2012 a equipe de efeitos especiais produziu um curta para testes de pré-produção, e em 2014 esse vídeo vazou na internet. Os fãs foram à loucura, e enquanto o estúdio tentava descobrir quem foi o responsável pelo vazamento do material, a reação positiva foi monstruosa nas redes sociais. A Fox recebeu uma avalanche de e-mails solicitando a realização do filme, e aquilo que parecia um erro se transformou no maior acerto, porque o sucesso do vídeo foi a razão para o estúdio finalmente liberar a verba, dando total independencia e liberdade criativa para a produção. Segundo o ator, os chefes do estúdio basicamente deram o sinal verde não porque realmente queriam fazer o filme, mas porque queriam que os deixassem em paz.

Os custos foram estimados em aproximadamente US$50 milhões, muito inferior do que costuma ser para filmes do gênero. Mas Reynolds estava tão engajado e interessado no personagem há tantos anos que aceitou reduzir seu cachê para favorecer os custos e também entrou como um dos produtores para ter a mesma liberdade criativa e poder interferir no material sempre que achasse necessário.

E não podia ter acontecido coisa melhor. 

O filme é violento, sangrendo, cheio de palavrões e referência sexuais, mas na história das adaptações de quadrinhos na tela, isso nunca caiu tão bem como acontece aqui. Tanto que Reynolds, junto com os roteiristas, deram aos atores liberdade para improviso. São imperceptíveis, pois são naturais como é a linguagem de Deadpool nos quadrinhos.

E se você pensa que o modesto orçamento limita a qualidade, puro engano. Com pouco foi feito muito. As cenas de ação não deixam a dever para nenhum outro filme de grande orçamento, sempre recheadas de efeitos especiais e de câmera, havendo até a inclusão de uma versão digitalizada de Colossos. Colossos pode não ser o melhor exemplo de personagem digital que existe, mas o visual um tanto tosco e cartoonizado neste filme - quando comparado com suas aparições na franquia X-Men - se encaixam muito bem nessa despretenção do filme de ser algo sério.

Ao contrário daquilo que poderia ser com o excesso de piadas, diálogos e quebras de quarta parede, Deadpool não é irritante como consegue ser nos quadrinhos, se transformando em um personagem bastante carismático. Não havia obrigação em desenvolverem uma trama a partir do romance dele com Vanessa (Morena Baccarin), mas o cliché romântico funciona muito bem dentro dessa meta sátira que o personagem vive, ao mesmo tempo que deu oportunidade para Reynolds embutir no personagem uma camada emotiva sutil, como quando descobre estar doente, ou quando é abordado para fazer parte da experiência genética. Essa trama romântica em nada atrapalha a história de vingança e no filme essencialmente de ação que ele é, aliás, nos faz torcer ainda mais para que ela aconteça.

Sem dúvida o persongem boca suja, irreverente, impiedoso e fã do grupo Wham! está lá como está nos quadrinhos. É um filme incorreto por excelência, com coadjuvantes tão incorretos como ele, como seu interesse romântico, que é uma prostituta; seu melhor amigo Weasel (T.J. Miller), que é dono de um bar frequentado por mercenários e criminosos; ou a cega Al (Leslie Uggams), uma senhora viciada em cocaína que divide apartamento com o protagonista. Mas os pontos altos, além da personalidade bipolar e assexuada do personagem (rendendo até uma breve cena de sexo que vai deixar muito machão bolado), sem dúvida são as constantes referências usadas o tempo todo em diálogos ou situações, como quando Wade pede que não lhe deem um traje verde ou digitalizado, em referência a Lanterna Verde, personagem que Reynolds também interpretou e que foi igualmente um fiasco reconhecido até mesmo por ele.

Para quem não tem uma cultura popular muito abrangente, algumas piadas podem não fazer muito sentido, mas tudo foi construído de forma que o humor exista mesmo assim. Até em piadas manjadas e classicas do personagem, como o famoso "murro no saco", conseguem sair daquele pastiche de comédias B. Uma pena que as legendas empobrecem bastante as piadas na tradução, então para quem entende a língua, a experiência será completamente outra.

Acima de tudo é um filme feito para fãs do herói e da cultura pop em geral, mas para quem assitir apenas no interesse de se entreter por ser mais um filme de ação ficará surpreso por Deadpool ser uma antítese ousada e escapista daquilo que ficamos acostumados a ver em filmes de super heróis, tudo ao ponto de querermos que, daqui pra frente, qualquer adaptação siga a mesma despretenção para que a diversão seja garantida até mesmo quando o personagem corta a própria mão para se ver livre de algemas.

Com uma estratégia de marketing inovadora que rendeu aproximadamente 20 vignettes (pequenos vídeos) no YouTube, o resultado de tudo isso é um filme que já rendeu mais de US$260 milhões no mundo em seu primeiro final de semana, o que garantiu sua continuação. O que vem muito a calhar porque ele realmente deixa aquele gosto de quero mais.

CONCLUSÃO...
Se os filmes de heróis já pareciam não ter nenhuma novidade, Deadpool chegou em tempo para provar o contrário e dar abertura para aquilo que faltava no gênero: ousadia e despretensão independente da faixa etária. É um dos raros filmes que provam que uma boa adaptação não precisa de um orçamento exorbitante, mas criatividade, interesse e fidelidade ao material original. Sem dúvida há muito para falar sobre o personagem, mas o filme em si já dispensa maiores detalhes.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

CASAMENTO, TECNOLOGIA, RACISMO E DROGAS...

★★★★★★★★★☆
Título: Chelsea Does...
Ano: 2016
Gênero: Documentário, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Eddie Schmidt
Elenco: Chelsea Handler
País: Estados Unidos
Duração: aproximadamente 70 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Através de quatro temas, Chelsea Handler irá buscar seu autoconhecimento ao mesmo tempo que se aprofunda em questões atuais de delicada discussão, mas que irá desenvolver da melhor forma com seu humor sarcástico e autodepreciativo sem sair da seriedade.

O QUE TENHO A DIZER...
Embora ela tenha 40 anos, sua carreira e sucesso é, digamos, um tanto recente. Resumidamente começou sua carreira como comediante de stand ups, e seu reconhecimento teve início na série de pegadinhas chamada Girls Behaving Badly (2002-2005). O sucesso veio mesmo a partir de 2006, quando comandou seu próprio talk show, o Chelsea Lately, no canal E!. Apesar do sucesso progressivo do programa ao longo dos anos, ela decidiu encerrá-lo em 2014.

Um tanto absorvida pelo mundo fútil e fictício das celebridades em um programa que por mais que se esforçasse não podia se aprofundar nos assuntos que realmente lhe interessavam porque, como ela mesma cheogou a dizer, quanto pior o entrevistado, mais patético seria e mais o público iria gostar, talvez tenha sido essa a necessidade de mudar os rumos de sua carreira como comediante.

Com sua saída do canal E!, ela participou de um stand up especial encomendado pela própria Netflix entitulado Uganda Be Kidding Me (2014), e agora o serviço lança Chelsea Does, que foge completamente daquilo que ela ficou conhecida por fazer. Não é um talk show, não é um stand up comedy, não é um documentário comum. É um misto de reality show documentado, dividido em quatro episódio com a essência de seu humor, mas sem deixar de falar de alguns temas interessantes e que, para ela, são os assuntos que mais a incomodam.

Ao comparar essas duas produções da Netflix em que participa, percebe-se um grande avanço na carreira de uma mulher que, como ela diz em um dos episódios do documentário, está mais madura e consciente de sua posição no mundo do que antes, pesando globalmente e agindo globalmente.

O humor de Chelsea como comediante de stand ups é duro, sempre crítico e reverso, ou seja, se ela quer criticar o racismo e o machismo, ela vai fazer piadas racistas e machistas de forma a ridicularizar essas pessoas, que irão desencadear no público aquelas risadas de constrangimento, aquelas que damos não porque de fato achamos aquilo engraçado, mas porque atingem nosso ponto de defesa, porque nos identificamos com a forma ridícula como ela faz essas situações ou pessoas parecerem, porque somos aquilo, ou porque já vimos aquilo acontecer, ou simplesmente porque ela dá um tapa na cara daqueles que gostaríamos de dar.

Já o humor de Chelsea como pessoa é autodepreciativo e sarcástico, dizendo o que pensa, o que acha e o que quer. Não interessa a forma como as pessoas a interpretem, ela tem uma bagagem familiar e cultural que embasa sua personalidade, o que é mostrado aos poucos no decorrer dos quatro episódios.

Mas aqui o tom não é de um stand up e por isso ela não precisa criar personas e não precisa ser constrangedora. Dessa vez ela irá tratar dos temas vagando entre a informalidade e a análise. Não é à toa que todos episódios começam com uma reunião de amigos em uma mesa, da mesma forma como também tem encontros mais introspectivos com seu terapeuta, dividindo os momentos para discutir e momentos para refletir. E partindo-se desse princípio os temas se desenvolvem da mesma forma, e que são quatro: casamento, tecnologia, racismo e drogas.

Parecem temas um tanto corriqueiros e monótonos. O que há de interessante para se discutir sobre o casamento? O que Chelsea tem a dizer sobre tecnologia? Racismo outra vez? E... bom... drogas. Certeza eu ela já consumiu muito.

É o que se pensa em um primeiro momento.

Mas para começar, ela mesma não tem muito o que dizer sobre tudo isso. Na verdade esses temas existem para autoconhecimento e para esclarecer melhor seus espectadores sobre diferentes pontos de vista e opiniões. Quem realmente terá coisas a dizer são as pessoas que ela convida para participar ou aquelas entrevistadas através do princípio democrático, seja para favorecer suas idéias pessoais ou para contrariá-las. Isso quer dizer que ela evita ao máximo traçar julgamentos muito pessoais sobre certas idéias ou declarações, por mais que discorde deles. O oferecido é a oportunidade para todos darem os seus pontos de vista, porque já que ela pode fazer isso, podem também as outras pessoas, e seu papel é confrontá-las saudavelmente e respeitá-las, até quando isso chega a ser impossível.

Quando desenvolve o tema do casamento, que é o primeiro episódio, ela deixa claro que, por mais que nunca tenha se importado com isso e ache difícil entender a razão dessa constituição familiar ser tão importante na sociedade, ela não consegue esconder a frustração por não fazer parte disso devido a pressão cultural forte existente à nossa volta, que nos condiciona a tratar do casamento e da fidelidade como um objetivo e um compromisso que muitas vezes é ilusório, o que fica claro quando entrevista Noel Biderman, que na época da entrevista ainda era diretor do Ashley Madison, o maior website de relacionamentos extra-conjugais. Isso não significa que todo casamento é falido. Ela sabe que existem dificuldades durante o processo e que muitas vezes eles funcionam, como foi o caso de seus pais. O que ela questiona é a razão da fixação das pessoas sobre o tema, inclusive ela mesma.

Mesmo sendo o sentimento de Chelsea sobre isso, existem outras pessoas que se identificam com ele, como é o caso de uma adolescente que expressa não ter interesse em casar quando crescer porque para ela existem coisas mais importantes a fazer do que isso. Também não evita as pessoas que acreditam no casamento de repensarem sobre a idéia, ou sobre os limites e consequências de uma relação a longo termo.

O mesmo tom é abordado sobre a tecnologia, em que ela age como uma verdadeira analfabeta digital tal qual muitas pessoas, questionando a todo momento como é a relação das gerações que nasceram com poucos recursos versus aquelas que já nascem com um celular nas mãos e porque a necessidade de se desenvolver coisas que nem sempre funcionam como queremos na ilusão de que elas podem facilitar nossa vida o tempo todo.

Mas sem dúvida os pontos altos são os dois últimos episódios, sobre o racismo e drogas respectivamente, em que consegue a difícil tarefa de equilibrar a seriedade do tema com o humor, sem descarecterizar ou transformá-lo em ferramenta cliché para piadas, como geralmente é o que se vê e que muito ela já fez.

Temas delicados por si só, isso não obriga Chelsea a pisar em ovos ao falar sobre eles, mas também não exagera quando confronta alguns indíviduos sobre o assunto, como quando entrevista um segregatista ou quando conhece pessoas de uma pequena cidade da Carolina do Sul durante o episódio sobre racismo. O que ela faz com essas pessoas e dar corda para que elas mesmas se enforquem em suas idéias absurdas que negligenciam qualquer direito humano existente. Seu desconforto nessas horas é evidente, mas ela deixa a pessoa se posicionar porque percebe que quanto mais ela fala e desenvolve suas idéias estapafúrdias, pior fica e mais constrangedor é para elas mesmas. Ver um homem apoiar a barreira que divide a fronteira entre Estados Unidos e México, comparando mexicanos a assaltantes e ladrões (ainda mais depois que afirma ter mexicanos na família), ou ouvir compararaem negros a tratores, ou uma mulher afirmar que existiu boas consequências com a escravidão, é estarrecedor. E nessas horas Chelsea lança seu sarcamos como facas a cortarem pescoços. Tudo muito sutil, mas é essa a função dessa figura de linguagem e que ela sabe usar muito bem.

Quando fala sobre as drogas, pode até soar apologético, mas ao contrário disso, ela demonstra ser uma pessoa que tem plena consciência do que são e de como seu corpo reage, além de ter total controle sobre elas, e não o contrário. Sua intenção é esclarecedora, seja para o uso recreativo ou puramente experimental, como faz ao se submeter a uma sessão espíritual com ayuaska, ou até mesmo quando, supervisionada por uma especialista no assunto, experimenta misturar algumas delas para que suas reações sejam documentadas pelas câmeras e sejamos testemunhas de que o uso indiscriminado e desinformado de drogas que estão ao nosso alcance é perigoso.

Os episódios tem uma progressão interessante. A princípio ela aparenta ser uma celebridade um tanto egocêntrica, com uma grande necessidade de se autoafirmar, falar de suas conquistas e preservar a identidade de que ela é uma mulher bem sucedida, rica, influente e que parece ter domínio sobre tudo, como durante sua reunião entre amigos no primeiro episódio, ou como quando sai pelo Vale do Silício pregando suas fotos pelas paredes dos estabelecimentos, como se todos tivessem obrigação de saber quem ela é.

Começando com um tema aparentemente fútil e que depois converge para para preocupações mais atuais de grande complexidade sociocultural, é nítido como a consciência que ela tem sobre as coisas também muda, inclusive sobre si mesma. É o que acontece quando ela está em uma mesa com representantes sociais no terceiro episódio, em que um deles começa a questioná-la sobre suas piadas que são julgadas como racistas e preconceituosas mesmo que ela, como comediante, não enxergue desta maneira. A forma como eles esclarecem esse ponto de vista demonstra como ela não tinha consciência de que seu humor pode ferir pessoas, raças e culturas quando analisados através de um maior escopo. E esse é o grande ponto transformador da série, pois a partir daí Chelsea se distancia da celebridade e se aproxima do ser humano comum em que o racismo e o preconceito estão tão absorvidos em nossa cultura que nós nem notamos quando somos, por mais que nos auto consideramos não ser. E é essa a percepção que ela passa a ter, de que de tudo ela nada sabe.

E com o último episódio ela fecha com chave de ouro esse pequeno ciclo transformador ao expressar a sua fragilidade e se despir emocionalmente de uma forma que ela nunca fez antes e nunca se permitiu. Por vários momentos podemos rir muito, mas também nos sentir extremamente sensibilizados. Chelsea soube escolher as pessoas certas para falar sobre temas importantes da maneira mais fácil, acessível e informativa possível, seja com humor ou sem ele, mas com equilíbrio e foco.

Não é um documentário por excelência porque é notório que ele se divide entre situações forjadas para criar um desenvolvimento aceitável e que entretém ao mesmo tempo que utiliza situações reais para fundamentar claramente os temas propostos. Independente disso é relevante, principalmente em uma época em que ao invés de avançarmos, retrocedemos nas idéias e nos pensamentos coletivos. E Chelsea, na verdade, passa a ser uma projeção de nós mesmos, daqueles que precisam buscar seu autoconhecimento e analisar a sua relação com o mundo.

CONCLUSÃO...
Netflix acerta mais uma vez com uma série documentada diferente de muita coisa que já produzida no gênero. Só depois de assistido percebe-se que ninguém melhor que Chelsea para tratar desses assuntos com equilíbrio entre o humor e a seriedade. Ao mesmo tempo que é cômico, consegue ser impactante e por vezes difícil de ser digerido e para compreendê-lo devemos nos abrir às opiniões diversas, tal qual ela mesma teve de fazer, seja para entender a tecnologia, seja para mostrar os horrores do racismo. Seja para dialogar sobre a vida conjugal ou consigo mesma.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

QUANDO A BOLHA ESTOURA...

★★★★★★★★★☆
Título: A Grande Aposta (The Big Short)
Ano: 2015
Gênero: Drama, Biografia, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Adam McKay
Elenco: Steve Carell, Christian Bale, Ryan Gosling,
País: Estados Unidos
Duração: 130 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Seis pessoas que trabalham no mundo de altas finanças resolvem apostar no erro dos grandes bancos, que não conseguiram prever o estouro da bolha imobiliária e do crédito que ocorreu entre entre 2007 e 2008.

O QUE TENHO A DIZER...
Todo ano são lançados filmes com abordagens ou até temas simliares para concorrerem entre eles. Esse ano não seria diferente, e A Grande Aposta tem um teor biográfico muito parecido com seu concorrente direto, Spotlight (2015).

Mas enquanto Spotlight aborda o jornalismo investigativo, aqui a história é sobre o mundo das altas finanças e investimentos que culminaram no estouro da bolha imobiliária e do crédito entre 2007 e 2008, resultando em uma crise econômica mundial.

O filme é dirigido por Adam McKay, mais conhecido por O Âncora (Anchorman, 2004) e sua continuação, Tudo Por Um Furo (Anchorman 2, 2013). O roteiro é escrito por ele em parceria com Charles Randolph, baseado no livro homônimo de Michael Lewis. Um tanto diferente do livro, com excessão de Michael Burry, personagem que existe de fato em pessoa e nome, os demais possuem nomes fictícios com caracterizações um pouco exageradas para sutilmente satirizar o momento. .

Que Estados Unidos faz negócio com qualquer negócio, isso não é novidade. Se bobear vendem até as mães. Nessa história esse consumismo desenfreado e todo o sistema capitalista atual é vilanizado como poucos filmes fazem, evidenciando que o sistema realmente existe para favorecer única e exclusivamente um seleto grupo, como aquele de Wall Street, que usa termos complexos para coisas aparentemente simples e assim manter pessoas comuns distantes do dinheiro e do poder para ser fácil enganá-los, manipula-los e explorá-los. Também mostra como uma nação conseguiu colocar a economia mundial em risco por egoísmo, egocentrismo e excesso de autoconfiança.

Em 2006, quando Michael Burry (Christian Bale) prevê através de análises estatísticas sobre juros, riscos, inadimplência e outras variáveis, que em um período de um ano o mercado imobiliário iria falir, e junto com ele os bancos, e com os bancos seus investidores, todo o caos econômico é exposto como uma ferida à sua frente. Ao contrário do que se pensava, muitos ricos e detentores de poder seriam jogados no asfalto sem um dólar no bolso. Baseando-se nisso e sendo responsável por investimentos de risco dentro de uma empresa média, para garantir o futuro de seus investidores ele escolhe a dedo alguns dos mais rentáveis imóveis hipotecados e resolve ir de banco em banco para propor um tipo de "seguro" sobre eles.

Como ironica e didadicamente explicado pela atriz Margot Robbie em uma inserção que mais parece material publicitário, Burry resolve "apostar" contra o mercado. Ele investe US$1.5 bilhões nisso, aceitando pagar aos bancos uma taxa anual milhonária de manutenção em um acordo que o faria receber todo o dinheiro investido acrescido de juros inversamente proporcional à desvalorização do mercado. Ou seja, se desvalorizasse 200%, ele lucraria mais 200% em cima do valor investido nessa "aposta", ou "seguro". Resumidamente do resumo, ele apostou que o mercado imobiliário iria um dia se autodestuir, e os bancos aceitaram sua aposta porque tinham certeza que isso nunca iria acontecer.

Todos os investidores de Burry, bem como seus associados, acreditam que ele cometeu uma loucura e resolvem interceder, enquanto os bancos comemoram ter fechado um negócio milhonário com um lunático. Para os bancos, foi dinheiro fácil. Para Burry, foi um investimento a longo prazo que os salvariam do colapso.

É então que entra Jared Vennett, que descobre sobre os investimentos de Burry, acredita neles, e cria um ramo de negócio em cima disso, convencendo Mark Baum a fazer parte. Baum faz uma investigação e descobre que o mercado imobiliário realmente está a ponto de explodir porque nenhuma pessoa física ou jurídica está conseguindo pagar suas hipotecas devido aos juros crescentes que estão sendo mascarados e a escasses de crédito oferecido pelos bancos porque os fundos estavam se esgotando. Então isso o leva a também descobrir um grandioso esquema de corrupção através de fraudes monstruosas criadas tanto por corretoras que passaram a utilizar o crédito de investidores para cobrir o crédito de outros, quanto pelas empresas de análise de riscos, que receberam propina para mascarar as taxas de risco do mercado imobiliário e assim evitar que os investimentos congelassem, inflando muito mais o problema. Essas fraudes foram cruciais naquilo que levou dezenas de empreas a investirem em negócios vazios, e quando a bolha estourou e a grana de todo mundo desapareceu, uma onda de falência atingiu não apenas a maiores empresas nos EUA, como no mundo, resultando em uma taxa de desemprego e desapropriação em uma porcentagem nunca vista na história.

Portanto, basicamente é sobre isso que o filme trata, porém explicado de forma muito mais minusciosa, tentando por vezes ser até didático para os leigos no assunto, como eu. Também complementa o filme A Última Hora (Margin Call, 2011), cujos eventos cronologicamente acontecem após o estouro da bolha.

Por incrível que pareça está longe de ser um filme chato. Essa linguagem dinâmica desenvolvida por McKay, misturando diversos estilos com interlúdios ilustrativos e eventos que se intercalam para complementar fatos em comum, funciona muito bem e faz um tema complicado e extenuante se tornar interessante, com uma linguagem acessível. Chega um momento que parece que é impossível digerir tantos termos técnicos, mas não se preocupe, o contexto é compreendido assim como uma conversa entre duas pessoas que não falam a mesma lingua: não é necessário saber o que se diz para compreender o que se quer.

Com a câmera na mão, para forjar um estilo documentado (mas sem ser), McKay dá abertura para alguns breves momentos em que personagens dialogam diretamente com o espectador, como um parênteses na história para enfatizar a circunstância. Além disso intensificar o humor embutido, a narrativa feita pelo personagem Jared Vennett (Ryan Gosling) é ao mesmo tempo metainformativa (e crítica), desmentindo alguns momentos que claramente foram feitos para deixar o filme mais interessante, assim como confirma alguns outros que realmente aconteceram na realidade, como no momento que o personagem Mark Baum (Steve Carell) questiona um palestrante, fato realizado por Steve Eisman, quem o personagem é baseado.

Sim, uma sacada bem legal, feita de maneira muito bem dosada, exatamente naqueles momentos em que o tema parece ficar complexo demais ou cair na monotonia.

O elenco, além de grandioso, é excepcional em grande parte, mas é Steve Carell quem rouba as cenas, mesmo com toda a esquisitisse de Christian Bale e sua terceira indicação ao Oscar, um ator que obviamente não é ruim, mas não impressiona mais porque todos os personagens que escolhe sempre são excêntricos e cansativos, ao contrário de Carell, que aos poucos tem saído da zona de conforto da comédia e abraçado papéis mais sérios, embutindo uma ironia que, assim como nesse filme, sem dúvida é seu ponto mais alto e interessante.

Não há dúvidas de que é um filme para ser lembrado, principalmente porque mesmo com todo esse circo que foi armado onde milhões de pessoas foram sacrificadas no processo, tudo conclui que as coisas voltaram a ser como eram, só mudando os nomes para manter longe aqueles que serão sempre as vítimas. E não importa se tudo isso voltar a acontecer daqui 50 anos que seja, até lá muita gente vai ter aproveitado muito, nadado em muita grana e se respaldado para o pior, enquanto somos nós quem continuaremos pagando o pato sempre. Um filme muito interessante para quem acha que lá fora tudo é muito melhor do que aqui dentro, ou que o capitalismo, da forma como é levado, seja tão excelente como muita gente acha.

CONCLUSÃO...
Utilizando diversos estilos e linguagens em um tema complexo, tudo que parecia ser um caos se torna mais organizado do que se pensa, sendo até didátido e ilustrativo para aqueles que nada entendem sobre o tema. O que na verdade não importa, porque McKay conduz tudo de forma que, independente da linguagem, a interpretação será a mesma. E o choque de que somos meros fantoches de um pequeno grupo continua sendo grande. Independente da dimensão, seremos nós as vítimas dos erros alheios.
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