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domingo, 9 de julho de 2017

NOVELÃO DA PORRADA...

★★★★★★★★☆☆
Título: GLOW
Ano: 2017
Gênero: Comédia, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Alison Brie, Betty Gilpin, Sydelle Noel, Britney Young, Marc Maron, Chris Lowell
País: Estados Unidos
Duração: 35 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Os bastidores das vidas pessoais e profissionais da primeira liga de Luta-Livre feminina de Los Angeles.

O QUE TENHO A DIZER...
Depois de Stranger Things e sua incrível homenagem aos anos 80, a filmes clássicos e estilos que marcaram essa época, a Netflix dá continuidade a essa "sessão nostalgia" com GLOW, um acrônimo de Gorgeous Ladies On Wrestling, algo como "lindas mulheres na luta-livre".

A série se baseia livremente no documentário GLOW: A História das Lindas Mulheres na Luta-Livre (GLOW: The Story Of Gorgeous Ladies On Wrestling, 2012), e na série televisiva original, que foi ao ar entre 1986 e 1989. Mas ao contrário dos materiais originais, aqui narra de maneira mais fictícia e cômica o início da modalidade feminina de Luta-Livre em Los Angeles, um esporte encenado para o puro entretenimento da platéia e que já fazia muito sucesso na modalidade masculina. Não é à toa que, por conta disso, todas as personagens da série, embora levem nomes distintos, sejam referências diretas às personagens da verdadeira liga de luta-livre, inclusive o próprio personagem Sam Sylvia, baseado em Matt Cimber, o diretor original da equipe. 

Marcando a estréia de Liz Fahive e Carly Mensch como criadoras, ambas foram produtoras de sucesso de seriados como Homeland e Weeds, respectivamente. Elas também assinam a produção e o roteiro, e trazem junto Jenji Kohan como produtora executiva, a mesma criadora de Orange Is The New Black e Weeds.

Claro que, com uma equipe dessas, não tinha como a produção dar errado, e tudo funciona como deve, mostrando de maneira convincente os bastidores e as dificuldades que as mulheres encontraram em uma modalidade esportiva dominada pelos homens e pelo público masculino. Assim como Flahive chegou a afirmar em uma entrevista a Rolling Stone, sem dúvida a história pega carona no movimento de liberação feminina que ocorreu nos anos 70, questionando as consequências e os resultados disso nos anos posteriores, e até que ponto o surgimento de ligas femininas explorava ou empoderava as mulheres.

Esse questionamento emerge o tempo todo principalmente por conta do personagem Sam Sylvia (Mark Maron), um tipo que muito se assemelha aos personagens canastrões de Robert De Niro ao longo de sua carreira. Um diretor excêntrico e mal compreendido, com sérios distúrbios de humor, dotado de uma pungente ironia e arrogância para encobrir a auto-confiança abalada por uma carreira decadente, fadada ao fracasso.

Sylvia aceita a proposta de um jovem rico de dirigir uma série de luta-livre apenas com mulheres, e desde o processo de seleção do elenco, ele não esconde que sua principal intenção é explorá-las através de estereótipos sexistas para atrair o público e a audiência televisiva. O comportamento primariamente um tanto machista do diretor são os pontos altos da série, pois é através dele que o roteiro caminha na linha entre a exploração e o empoderamento. Elementos usados principalmente para o desenvolvimento das demais personagens, que mesmo aceitando se submeterem a essa exploração visual e sexual, também se empoderam ao tomar as rédeas criativas do processo e moldarem o produto final em um formato onde elas utilizam essa exploração como uma ferramenta de fortalecimento feminista em cima dos estereótipos, seja em suas vidas pessoais, seja na vida profissional.

A história começa apresentando Ruth Wilder (Alison Brie), a heroína da história, uma atriz determinada "que só faz pontinhas", igualmente abalada por nunca ser escolhida nos diversos processos de seleção de elenco nas quais se inscreve, ou nunca conseguir papéis realmente interessantes, ou que explorem sua capacidade artística além de papéis de dona de casa ou de secretária. Falida e sem dinheiro para sequer comprar comida, é assim que acaba entrando para o elenco de GLOW. Tal como ela, as demais personagens também não se encaixam em perfis profissionais esperados, incluindo sua melhor amiga (que também virá a se tornar uma inimiga), que largou a profissão de atriz para casar com uma homem bem sucedido e assim garantir seu sustento, mas que tem o benefício de ser loira, o que facilita seu protagonismo, como é dito em um determinado episódio.

Assim como Sylvia deixa evidente logo no começo, a série se aproveita de auto-referências para igualmente construir cada personagem em cima de estereótipos sociais, e Ruth se torna a metáfora da dificuldade feminina de sobreviver à independência e ao mercado de trabalho numa época em que o sexo feminino era taxado como frágil. Não é à toa que a grande força motriz é a união de tipos socialmente excluídos, assim com também acontece com os personagem de Stranger Things, resultando em conclusões épicas e engrandecedoras para provar que, assim como a personagem Sheila (Gayle Rankin) diz sobre ela mesma - mas que pode ser interpretado de maneira geral - todas elas são humanas e capazes, mas precisam encontrar artifícios extras para se sobreporem em uma sociedade preconceituosa e segregadora.

Infelimente Ruth não parece ser bem desenvolvida como poderia ser, ou como a princípio parecia ser. Seu excesso de determinação, confiança e indulgência acabam prejudicando seus momentos ora cômicos, ora dramáticos, se tornando uma personagem cansativa, perdida entre no limbo entre o humor e a tragédia, sendo sempre vítima dela mesma em diversos momentos que ao invés de serem cômicos, se tornam humilhantes. Seus momentos de humilhação e vergonha alheia se assemelham em número e grau com a personagem Valerie Cherish, vivida por Lisa Kudrow em The Comeback. Há até mesmo momentos para suas persononificações tal qual a personagem de Kudrow constantemente faz, como no momento em que está em seu quarto e mostra a Sheila sua mais "nova" personagem, que nada mais é do que uma imitação de Katherine Hepburn, atriz a qual tanto admira que possui até um poster em sua parede, seu único objeto de valor. Não é à toa que este poster está estrategicamente atrás dela nesta cena. Mas ao contrário de Valerie, cuja proposta desde o princípio é mostrar os constantes esforços de uma atriz decadente a retomar o sucesso em um arco dramático coeso, Ruth não tem uma razão muito clara para ser como é pois ela não tem um passado ou um futuro já exposto, seu pedantismo excessivo dificulta atrair a simpatia do espectador. É quando a personagem é aliviada desses excessos que ela finalmente se torna relevante, mesmo explorando com exagero igualmente cansativo seu alter ego russo, igual aquelas pessoas que não param de contar piadas, e no fim todo mundo já está dando risada mais por educação do que por ser engraçado.

Talvez a intenção tenha sido proposital para que, a princípio, a atenção seja voltada às demais personagens, que mesmo em participações menores, conseguem ser muito mais interessantes e consistentes. Há até um momento em que Sylvia ameaça demitir algumas atrizes, dizendo que seria até bom, já que há excesso de personagens. Isso poderia ser visto como uma auto-crítica dos próprios roteiristas, mas que felizmente é contornado porque há espaço para todas, mesmo que alguma delas às vezes sejam um pouco esquecidas, subutilizadas, ou estejam lá apenas para cobrir buracos, como é o caso de Cherry (Sydelle Noel) e da dupla Stacey e Dawn (Kimmy Gatewood e Rebekka Johnson).

O comprometimento das atrizes é notório. Todas elas foram realmente treinadas durante as filmagens pelo lutador Sam Guerrero, sobrinho de Armando Guerrero, treinador da equipe original, e mesmo com muitos truques de câmera e algumas situações onde evidentemente se usam dublês, muitas das cenas foram feitas pelas próprias atrizes. Com excessão de Kia Stevens, que faz a personagem Welfare Queen, a única lutadora na vida real.

No geral é uma série que se constrói de maneira interessante, que gradualmente mostra sua consistência em uma trama principal simples, empolgante e convincente, com diálogos inteligentes, personagens cativantes (como não se apaixonar por Melrose, Rhonda, Tammé, Carmem ou Arthie?), abraçando referências a filmes do gênero e a uma trilha sonora igualmente nostálgica, escolhida a dedo. Como não associar o intensivo treinamento de Ruth e Debbie (Betty Gilpin) à clássica cena de ensaio em Dirty Dancing entre Baby e Johnny (Jennifer Grey e Patrick Swayze)? Há até igual similiaridade ao mesmo filme quando Debbie desiste de realizar o movimento mais marcante, tal como Baby quando desiste de ser erguida por Johnny quando se apresentam juntos pela primeira vez. Pode-se dizer o mesmo, em igual consistência, às sub-tramas, havendo até um momento bastante dramático entre Sylvia e Justine (Britt Baron), que é tão bem desenvolvido ao longo dos episódios que pegará qualque um de surpresa.

GLOW é exagerado na sua produção como foi os anos 80. Não chega a ter o mesmo nível de fidedignidade como nos filmes Cegueira Histérica (Hysterical Blindness, 2002) ou 200 Cigarros (200 Cigarettes, 1999), mas ainda  consegue ser um produto essencial para os mais saudosistas, e principalmente para aqueles que pouco (ou tudo) desconhecem sobre o ingresso das mulheres nesta modalidade esportiva, e porque, ao mesmo tempo, ele é considerado um "novelão da porrada".


segunda-feira, 3 de julho de 2017

ABRA SEUS OLHOS, NETFLIX!

Era esperado que a hegemonia da Netflix algum dia chegasse ao fim. A empresa, responsável por popularizar o novo segmento streaming como um abre alas da independência daqueles insatisfeitos com os canais a cabo nos últimos anos, além de oferecer maior liberdade de escolha à sua audiência por um preço baixo e justo, chegou a ser ponto de polêmicas e alvo de ataque da indústria do entretenimento e também debate nas escalas políticas, como aconteceu no Brasil, sobre a taxação tributária específica de um serviço não legislado por não ter categoria específica, e assim haver aumento do preço do serviço para restringir consumidores. Até mesmo as empresas de telefonia resolveram voltar a restringir o uso de dados, cuja uma das principais alegações foi o grande tráfego - e consequente congestionamento - que o excesso de streaming causava, impactando na qualidade do serviço móvel.

E no fundo, o que se viu foi diferentes setores que se beneficiam entre si se unirem para tentar reduzir o impacto da democrática escolha que o serviço causou. Em resumo, ao invés desses setores resolverem concorrer de maneira honesta, melhorando seus conteúdos e serviços, preferiram encontrar a via mais fácil da sabotagem para permanecerem nas suas zonas confortáveis. 

Não há como negar que o serviço conseguiu pisar em calos alheios, mesmo que essa nunca tenha sido a real intenção. Mas sempre que algo bom surge em qualquer área que seja, os incomodados se armam até os dentes para guerrear pela manutenção do seu espaço e domínio.

Polêmicas à parte, pelo menos no Brasil, o serviço ainda se mantém da mesma forma como veio. Os humores exaltados se normalizaram e felizmente as coisas ainda correm bem.

A história da Netflix começou de maneira modesta em 1997, como uma empresa desenvolvedora de conteúdo digital, ganhando popularidade a partir do momento que começou a oferecer vídeos por demanda, em 2007, serviço que atualmente conhecemos e consumimos. Com o passar dos anos, o número de assinantes pelo mundo só veio a crescer, gerando lucro suficiente para, em 2013, começar a produzir seu próprio conteúdo, ou pagar para que o conteúdo seja exclusivo e leve seu carimbo.

Só que, da mesma forma que novidades incomodam alguns, também abrem novas oportunidades no mercado para outros, e o que se vê é um crescente número de concorrentes, como a Amazon, a HBO Go, Crackle (recentemente comprado pela Fox para esse fim), dentre outros. E junto a tudo isso, a Netflix agora tem que também evitar de se tornar ameaça dela mesma.

Nos últimos quatro anos, houve um crescimento absurdo de novas produções. Longas metragens aclamados, e outros nem tanto; seriados que apostavam em conteúdos diversos, mas nem sempre tão bons. Uma enxurrada de produtos que deixaram no ar se ela seria capaz de mantê-los conforme outros lançamentos chegassem e integrassem a vasta videoteca que só crescia, mas que nunca soube ao certo para que rumo ir.

A ousadia sempre fez parte da proposta do serviço, o que é admirável. O que não é tão admirável assim é a sensação de que a direção de conteúdo apenas "rapeava" aquilo que outras produtoras e estúdios pretendiam jogar no lixo, dando aval a produções pensando mais no incremento de conteúdo do que pela qualidade, atirando para todos os lados na pressa de ter produtos originais e aos poucos trocar os produtos da prateleira virtual.

É desnecessário citar seriados e filmes que deram certo ou não. Cada um de seus assinantes consegue ter uma noção, mesmo que bastante superficial, daqueles que funcionam e daqueles que não fazem qualquer diferença, como acontece, como exemplo, na maioria do conteúdo de comédia, que muitas vezes sequer arranca um sorriso genuíno do espectador.

Em um relatório recentemente divulgado pela 7Park Data, observa-se que, dentre os 10 conteúdos mais assistidos entre 2016/17, apenas Orange Is The New Black e Stranger Things levam a marca Netflix, respectivamente em 6º e 10º lugar. Isso veio à tona como uma bomba. Afinal, de que vale gastar dinheiro com conteúdo original se as pessoas não tem interesse por ele? É a pergunta que surge após a entrevista concedida pelo Diretor Executivo, Reed Hastings, à CNBC, canal por assinatura sobre finanças e negócios.

A solução que a empresa agora encontrou foi de fazer aquilo que os canais de televisão mais fazem: cancelar suas produções sem qualquer aviso, o que impacta diretamente na produção de séries. Isso prejudica o conteúdo, que é interrompido sem conclusão, o que historicamente desagrada e revolta a audiência, que aos poucos tende a perder a confiança. E independente de ser um conteúdo recente ou já consagrado na casa, qualquer um deles se tornou alvo, gerando muita apreensão por parte dos assinantes.

É o que aconteceu recentemente com o inesperado cancelamento de Sense8, série bastante popular no Brasil, cujo fim foi anunciado logo após o lançamento de sua segunda temporada, a qual não possui um final conclusivo. A revolta de fãs e assinantes chegou no escritório de conteúdo, que resolveu dar um passo atrás e anunciar, na última semana de Julho, que a produção de um especial de duas horas foi encomendada para encerrar a trama como se deve.

Sense8 foi apenas um dos escolhidos de Ted Sarandos, Diretor de Conteúdo, a cancelamento pelo seu alto custo. Marco Polo é outra, e The Get Down também não chegará a ver a luz de uma segunda temporada pelas mesmas razões. A baixa repercussão de Girlboss também levou ao seu precoce cancelamento, e o cancelamento de Hemlock Grove não foi uma grande surpresa, mas gerou certo buzz entre a base de fãs. E como dito, todos os outros títulos já estão na berlinda, salvo algumas excessões consagradas, ou que são interessantes serem mantidas para o marketing positivo da marca ao levantar disscussões de relevâncias sociopolíticas, com no caso de House Of Cards, ou o recente Dear White People.

O inchaço de produções foi o grande problema, principalmente com o excesso de stand-up comedies, formato muito mais popular nos Estados Unidos do que em outros países. A ousadia se sobrepôs ao planejamento de longa data, a atenção a excessos com megaproduções para chamar a atenção (como o caso de Sense8 ou Marco Polo) se sobrepuseram ao planejamento financeiro. E agora a Netflix passa por uma reformulação forçada.

A atenção a isso agora é primordial, ao mesmo tempo que o cuidado nas decisões e um maior foco ao planejamento se tornaram quesitos fundamentais à sua sobrevivência. E a empresa irá sambar na corda bamba, pois deverá encontrar alternativas para manter o interesse de seus assinantes mesmo com conteúdos indo embora, e novos outros serviços de streaming aparecendo com conteúdos até mais interessantes.

Inchar o carrossel do aplicativo com produções baratas e de qualidade duvidosa apenas para levar o selo de LANÇAMENTO ou NOVOS EPISÓDIOS não segura ninguém. Ela deveria ter se atentado a isso desde o princípio. O mérito da existência da Netflix é poder ousar, mas isso não significa fechar os olhos para a qualidade. A direção de conteúdo de Sarandos não parece ser uma das melhores, já que poderia ser mais peneirada, evitando produções como o horroroso The Farm, ou até mesmo na insistência em parcerias milhonárias como a de Adam Sandler, que trazem pouco retorno. De igual medida, apenas investir na hospedagem de produções não inéditas também não atrai mais pessoas da mesma forma como atraiu no começo do serviço em demanda, quando era novidade ter temporadas disponíveis para usuários fazerem suas maratonas sem terem que esperar a boa vontade dos canais abertos.

A Netflix não precisa ter o mesmo punho de ferro comercial e industrial de estúdios. Ela deve continuar sendo ousada na escolha de seus produtos, pois esse sempre foi seu diferencial. Mas deve ter uma equipe de análise de conteúdo mais competente, onde seja avaliado a qualidade de sinopses e roteiros antes de serem aprovados. E mesmo em produções tercerizadas, o acompanhamento deveria ser mais rígido para o controle de qualidade. E principalmente, na dúvida de não saberem se um novo lançamento chegará a ter uma nova temporada ou não, exigir que os últimos capítulos tenham mais conclusões do que pontas soltas para não desagradar a audiência e perder a sua confiança. E para as produções já existentes, o planejamento a longo prazo deve ser primoridal, como aconteceu com Orphan Black, cujo fim foi anunciado com bastante antecedência, dando tempo para a construção de sua conclusão para a quinta temporada.

Qual seriado deve ser mantido mesmo que não gere muito lucro? Qual conteúdo deve ter oportunidade para os próximos dois anos? Qual produção deve ser cancelada para a próxima temporada sem afetar o público? Há necessidade de determinado conteúdo ter mais do que um número X de episódios? Qual a relevância de um longa metragem, independente de seu gênero?

Planejamento, Netflix! Puro planejamento e respeito a seus assinantes.

Agora basta esperar para saber se o serviço terá a vida longa que tão de início parecia ter, mas que agora se tornou algo de futuro nebuloso.
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