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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O DIFERENCIAL QUE FALTAVA...

★★★★★★★★
Título: O Agente da U.N.C.L.E. (The Man From U.N.C.L.E.)
Ano: 2015
Gênero: Ação, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Guy Ritchie
Elenco: Henry Cavil, Armie Hammer, Alicia Vikander, Elizabeth Debicki, Hugh Grant
País: Estados Unidos, Reino Unido
Duração: 116 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Dois agentes terão de se unir para proteger uma garota que é a única capaz de conseguir descobrir o paradeiro de um importante físico perseguido pelos nazistas.

O QUE TENHO A DIZER...
Esse filme é baseado numa série norteamericana que foi muito famosa dos anos 60, e que até chegou a passar no Brasil como se fossem filmes, mas não foi algo que se manteve vivo na memória popular. Teve quatro temporadas e contou com o auxílio de Ian Fleming na concepção, o pai de James Bond. Alguns creditam Fleming como um dos criadores, quando na verdade ele apenas concebeu um dos protagonistas, Napoleon Solo, o que não é muita surpresa já que ele não foge muito do estereótipo que Fleming criou com Bond, por isso que o personagem Illya acaba sendo até mais interessante com toda sua truculência russa no filme.

O filme é dirigido e escrito por Guy Ritchie, o famoso diretor britânico que deixou de ser conhecido por Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes para levar um tropeço assustador quando fez com sua ex-mulher, Madonna, o filme Destino Insólito (Swept Away, 2002), além do kabalístico Revolver (2005), que a crítica massacrou e virou do avesso. Aos poucos ele se recompôs, e só com Sherlock Holmes (2009) que ele conseguiu, finalmente, ufa, sair da sombra do revés e se reestabelecer por completo novamente, mas dessa vez como um diretor mais comercial e não underground, como ficou conhecido.

Ritchie nunca foi de grandes públicos, mas cultuado por ter uma linguagem violenta própria muito bem dosada de ironia e humor negro, com tema sempre voltado ao crime organizado e seus criminosos, algo que remete a um Tarantino britânico, mas sem querer sê-lo. Já chegou a ser taxado de machista por seus filmes serem focados apenas em personagens masculinos e com atitudes equivalentes, além da fama de homofóbico, que para quem assistiu seus filmes poderia facilmente acreditar no mesmo. Não é à toa que suas produções mais recentes possuem personagens femininas mais fortes e participativas.

Independente de todas as polêmicas que pairam sobre seu estilo de filmagem e narrativa, ele é competente e tem uma visão bastante sólida do que quer quando o projeto lhe interessa e não há influências muito externas atrapalhando seu processo, e parece que é o que acontece aqui, já que o resultado surpreende para aqueles que esperavam alguma coisa meramente encomendada.

Já é possível sentir o ambiente boêmio e requebrado de Ritchie na trilha sonora funk e no minimalismo gráfico da abertura que conta brevemente, através de imagens, o fim da Segunda Guerra e o início da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética que, obviamente, foi o grande tema central de toda a série. Mas no filme essa vai ser, a priori, a razão para que Solo (Henry Cavil) e Illya (Armie Hammer) se conheçam de maneira nada convencional e uma explicação até bastante interessante para a origem da dupla (que nunca foi contada na série), já que tanto a agência norteamericana, quanto a russa, estão atrás de uma mesma pessoa, uma mulher chamada Gaby (Alicia Vikander), a única que pode levá-los ao paradeiro de seu pai que possui dados para a construção de uma bomba nuclear e que alguns nazistas estão atrás.

Assim que o filme começa de fato, a imagem com cores saturadas ajuda bastante na ambientação 60tista da história. Realmente parece que o filme tem uma certa idade, e esse cuidado do design artístico na pós produção faz toda a diferença. Mas assim como ele fez em Sherlock Holmes, no qual teve o mesmo cuidado na reprodução do século XIX, ele não abre mão do estilo de filmagem mais moderno e da narrativa ágil. Essa contradição que pode até dar certo anacronismo a tudo, acaba divertindo mais ainda porque tira o excesso de seriedade, e esse é um dos principais elementos de humor indiretos de Ritchie e que tanto funciona. A edição também é um elemento muito forte em seus filmes. O excesso de recortes, ao invés de atrapalhar, oferece dinamismo de forma ilustrativa, como uma novela gráfica em movimento. Ele sempre foi assim, e visualmente falando é muito interessante porque, como Tarantino, ele também tem uma linguagem pop muito presente, influenciada por diversas mídias criativas, a diferença é que sua mão é mais pesada e atual ao invés de ser nostálgica e tão referencial como Tarantino.

Por isso que, por muitas vezes, é impossível não compará-lo com Tarantino porque tudo é muito bem acabado, principalmente na sincronia entre imagem e trilha sonora, como na sequência em que Solo está numa sala de tortura. O sadismo do vilão juntamente com a ambientação sonora de Daniel Pemberton chega a causar o mesmo impacto da sequência entre Bridget e Landa, na já antológica cena em que ele descobre as verdadeiras intenções da atriz em Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, 2009). Só que Ritchie embute o humor ao invés de um crescente assustador, quebrando a seriedade sem estragar o desenvolvimento. E é dessa forma que ele conduz tudo do início ao fim, em um grande e estiloso entretenimento sem nunca precisar apelar para o desnecessário.

As piadas são sempre muito pontuais e inteligentes, principalmente na rivalidade entre Solo e Illya, que tenta ser uma metáfora e ao mesmo tempo uma crítica saudável da relação entre EUA e Rússia daquele período, oferecendo momentos genuinamente engraçados como quando precisam cortar uma cerca para invadir uma área restrita. Mas nada chega a ser tão surreal e engraçado como a fuga dos dois, em que Solo literalmente come um lanche enquanto observa Illya resolvendo as coisas na sua forma sempre menos prática, e lógico, a trilha sonora ao fundo dando o tempero especial e até pseudo-romântico. Talvez uma piada interna que tenha surgido enquanto escreviam o roteiro, mas que funcionou e se transformou em algo impagável.

Foge da ação comum que encheu os cinemas esse ano, com um grande diferencial de ser também um filme de época, talvez para exatamente não se misturar com tantos filmes de espionagem com ação e pancadaria como a série Bourne, Missão Impossível ou até mesmo seu quase parente próximo, 007. Consegue ser diferente, um alívio no meio de tanta explosão e perseguição sem fundamento em histórias sem sentido. Lógico que, ainda sim, é um filme de ação com uma história que não pode ser séria demais, mas tem referências, tem metáforas, humor, ritmo, desenvolvimento, personagens carismáticos, um elenco agradável e o principal: roteiro enxuto.

Confesso que estava com certo receio por nada conhecer do material original, por medo de ser uma adaptação e por ter assistido filmes com Henry Cavil que realmente me deixaram constrangidos pela sua falta de talento. A surpresa foi boa, principalmente porque adoro ser surpreendido por algo que sempre espero o pior.

Por tantos elementos que dão certo, talvez este seja tecnicamente o melhor filme de Ritchie porque é ponderado e preciso, é o Ritchie mais maduro e certo do que quer, ao mesmo tempo que se diverte fazendo o que faz, porque é essa a impressão que se tem ao assistir. Uma pena ter ido mal de bilheteria, o que já podemos imaginar que não haverá continuações. Mas isso também não era uma grande surpresa, já que o público de cinema tem a tendência de torcer o nariz para adaptações de séries de televisão que um dia foram famosas, o que devemos combinar que, em sua grande maioria, são bastante ruins mesmo (para não dizer quase todas).

Mas seria interessante vê-los juntos novamente, pois é impressionante como Henry Cavil melhorou e sua química com Armie Hammer tenha funcionado, e Alicia Vikander tem um carisma bastante peculiar. É até estranho ver os três juntos, já que ela fica diminuta perto deles (que são muito altos), além da beleza dos dois tender a uma disputa de atenção, mas cada um deles tem seu espaço, com todas participações equilibradas, e nem há excesso de personagens, o que é ótimo. A mistura ficou bastante interessante e convincente, onde nenhum dos personagens consegue levar ninguém a sério, mas todos conseguem fazer tudo certo. E quando o filme acaba fica aquele gosto de querer uma continuação.

CONCLUSÃO...
Um diferencial nas recentes safras de filmes de ação e que consegue ser até um dos melhores do ano e também do diretor. Se de propósito ou não, Ritchie bebe demais de Tarantino dessa vez, mas longe de ser algo ruim, dessa forma conseguiu acertar fácil em um filme que poderia ter caído no ridículo como tantas outras adaptações para o cinema de seriados antigos que já foram famosos. Um filme que, mesmo sendo do diretor que é, consegue ser leve por conta do humor inteligente, e ao mesmo tempo não descaracteriza o tema, muito menos seu gênero.

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