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sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

MacGYVER MARCIANO...

★★★★★★★
Título: Perdido em Marte (The Martian)
Ano: 2015
Gênero: Drama, Ação, Ficção
Classificação: 12 anos
Direção: Ridley Scott
Elenco: Matt Damon, Jessica Chastain, Kate Mara, Sean Bean, Jeff Daniels, Michael Peña, Kristen Wig
País: Estados Unidos, Reino Unido
Duração: 144 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma tripulação em Marte aborta uma missão por conta de uma tempestade, e durante a evacuação um deles desaparece do raio de alcance e é dado como morto, quando na verdade ele não está.

O QUE TENHO A DIZER...
Ridley Scott andou errando feio. Tanto que seu último filme memorável foi Gladiador (Gladiator, 2000). Nem mesmo Prometheus (2012), que parecia ser o seu retorno à forma, conseguiu salvá-lo da ladeira. Sim, ele pode ter sido um dos mais influentes diretores dos anos 80 e 90, mas isso não o absteve de tantos erros sucessivos como nos últimos 15 anos e que, finalmente, são redimidos agora.

O que vale ser dito logo de cara é que, depois do estrondoso e até inesperado sucesso de Gravidade (Gravity, 2013), era um pouco óbvio que filmes com temática self survivor (sobrevivência solitária) seria o foco aberto para propostas. E se for no espaço, então... Melhor ainda! Porque o filme de Cuarón foi responsável por novamente atrair a audiência para ficções científicas espaciais. Tanto que logo em seguida Interstellar (2014) se fez presente, fazendo tanto sucesso quanto. O que pra mim é estranho é ninguém ter comentado sobre isso. Ao menos eu não vi.

Desta vez a investida é em solo marciano, já que nenhuma das tentativas anteriores deram certo com Planeta Vermelho (Red Planet, 2000) e Missão Marte (Mission Mars, 2000) porque realmente foram bem ruins (a curiosidade é que esses filmes também foram filmados em Wadi Rum, território na Jordânia pertencente à UNESCO).

Aqui a abordagem realista permanece. Não há alienígenas, nem fugas mirabolantes, nem uma inteligência artificial psicopata, nem mesmo algum alucinado para sabotar qualquer missão. O filme todo é unica e simplesmente sobre um homem esquecido em Marte e que deverá quebrar a cabeça para sobreviver por, no mínimo, quatro anos com os recursos que permaneceram após a tempestada e com aqueles deixados para trás pelos seus demais colegas (incluindo uma coletânea de músicas Disco, a piada funcional da história).

Logo, não é surpresa encontrar grandes semelhanças entre o filme de Scott com o de Cuarón. A diferença é que o personagem não está no espaço, mas no solo.

Embora Gravidade não tenha realmente um grande enredo além de uma astronauta a deriva que deverá encontrar uma maneira de voltar para a Terra, ele consegue ser um grandioso filme com metáforas interessantes sobre o renascimento, além de outras numeráveis razões. Havia suspense crescente, interesse, coerência, desenvolvimento, seriedade e embasamento. No filme de Ridley Scott, que é baseado no livro homônimo de Andy Weir, ele tenta manter as mesmas características, além do enredo ser um pouco mais consistente, porque enquanto Watney sobrevive em Marte, a vida na Terra continua e o seu caso, de comoção pública, se transforma em um reality show da NASA, onde os acontecimentos são transmitidos globalmente ao vivo.

Mas tirando isso, o desenvolvimento não apenas é quase o mesmo como algumas sequências chegam a ser muito semelhantes. Até mesmo a trilha sonora original é tão parecida que até parece ser do mesmo compositor (não é).

E falando em deriva... se pegarmos o filme Náufrago (Cast Away, 2000) e secar o mar, teremos o solo de Marte e Mark Watney seguindo os mesmos passos de Chuck Noland para não morrer de inanição. Felizmente não há cenas apelativamente dramáticas ou algo que remeta à bola Wilson na solidão marciana, mas as dificuldades para a sobrevivência são as mesmas, e só o árduo trabalho do personagem e a constante possibilidade de algo dar errado já são situações tensas e naturalmente dramáticas. Damon realmente desenvolve um papel tão importante quanto o que Bullock desenvolveu em Gravidade, mas aqui há mais espaço para tanto o personagem, quanto o espectador, relaxarem em devidos momentos e curtirem a jornada. O espectador torce por ele e suas tentativas, se emociona quando algo dá certo, da mesma forma como também se entristece ou se frustra quando algo dá errado, por mais esperada que seja uma situação assim.

O desesperador é que só assistindo ao filme para novamente termos aquela terrível sensação de que nós, meros indivíduos tão acostumados com as facilidades do dia a dia, não estamos preparados para qualquer situação de sobrevivência extrema. Se nos jogarem em um deserto com uma garrafa vazia, não teremos idéia do que fazer, mas se fizerem isso com o personagem de Damon, ele conseguirá fazer chover. Não é à toa que ele é o MacGyver do espaço, porque não existe o que ele não consiga resolver com uma manta de plástico e um pedaço de silver tape (que por sinal, só no cinema mesmo para silver tape ser tão funcional e fácil de se cortar).

Óbvio que existem momentos que chega a ser um tanto forçado imaginar que um especialista em botânica saberia fazer tanta coisa sozinho e tivesse tanto conhecimento sobre tudo, porque se fosse assim não haveria necessidade de uma equipe de seis pessoas com especialidades únicas serem enviadas ao espaço. Mas a gente pode acreditar que o treinamento dele foi tão bom, mas tão bom, que ele conseguiria reestabelecer sistemas eletrônicos com tanta facilidade ou recriar um sistema de comunicação bastante arcaico para se comunicar com a Terra da mesma forma como ele tem habilidade para plantar batatas com excremento humano.

E nada deixa de ser intrigante mesmo assim porque, apesar de tudo, é interessante ouvir as explicações do personagem enquanto faz seu registro de bordo sobre os procedimentos que deverá seguir para que obtenha sucesso, das quais algumas são verdadeiras, incluindo a produção de água que é um sistema que a NASA vem aprimorando. Claro que, em outras situações, uma ou outra mudança da realidade é feita para se adequar melhor na ficção, como o fato dos equipamentos e da tecnologia utilizada serem muito mais avançados que na realidade (mas que existe possibilidade de atingir esse avanço), da gravidade em Marte ser menor que na Terra, mas não no filme, e, assim como em Gravidade, o personagem improvisar um propulsor no espaço, o que seria impraticável por não haver outros sistemas estabilizadores. Segundo a NASA, fazer isso em gravidade zero seria como soltar uma bexiga em uma sala sem amarrar sua ponta.

Um pouco exagerado nos longos 144 minutos que não chegam a ter um ritmo tão dinâmico ao ponto do tempo não ser sentido. A história definitivamente poderia ter acabado alguns minutos antes da mesma forma sucinta como Cuarón encerrou seu filme. Talvez se o personagem tivesse reestabelecido o sistema de comunicação primeiro para posteriormente receber instruções da Terra de como progredir com demais procedimentos, isso talvez teria sido mais verossímil, e assim o personagem seria um homem que sobrevive em Marte, e não um super gênio. De qualquer forma, não deixa de ser interessante, até porque não há antagonismos muito resistentes na história, não há vilões, e o único conflito de fato é a preocupação da NASA com sua imagem pública, o que realmente aconteceria e acontece.

Também não chega a ser um deslumbre visual como foram Gravidade e Interstellar. Por mais que as locações áridas de Wadi Rum sejam atrativas, dificilmente sai daquilo. Nem mesmo os efeitos especiais impressionam tanto, principalmente na tentativa de forjar gravidade zero.

Poderia ser algo mais sério, mas também foi diferenciada a abordagem mais leve. Só acho engraçado tanto o filme quanto Matt Damon estarem concorrendo ao Globo de Ouro na categoria Comédia. Embora tenha alívios cômicos (alguns até exagerados e fora de hora), definitivamente não é um filme desta categoria. É essencialmente um drama espacial e uma ficção científica, não uma paródia. Talvez a Associação tenha resolvido incluir o filme entre os finalistas sem perceber que não havia mais espaço nas categorias dramáticas. Não faz muito sentido, mas enfim...

CONCLUSÃO...
Ridley Scott finalmente se redime neste filme que, apesar de seu desenvolvimento e outras coisas terem grandes semelhanças com o filme Gravidade, de Alfonso Cuarón, ele consegue ser interessante à sua forma, um outro ponto de vista de como sobreviver em um lugar inóspito e ameaçador. Os acontecimentos paralelos surgem para quebrar a monotonia e aumentar a duração do longa que poderia ter poupado alguns minutos, assim como se alguns acontecimentos tivessem ocorrido em ordem diferente as situações teriam sido um pouco menos exageradas. Entretém e emociona da mesma forma. Mérito de Damon e acerto de Scott.

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