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domingo, 12 de fevereiro de 2017

SIMPLES, DELICADO E COMPORTADO...

★★★★★★★☆
Título: Moonlight
Ano: 2016
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Barry Jenkins
Elenco: Mahershala Ali, Janelle Monae, Naomi Harris, Trevante Hodes, Andre Holland
País: Estados Unidos
Duração: 110 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma história sobre auto-descobertas, contando a história de um jovem negro, de sua infância até a vida adulta, ao mesmo tempo que se esforça para encontrar seu lugar no mundo em meio à hostilidade das condições sociais e urbanas na qual vive.

O QUE TENHO A DIZER...
Moonlight é o segundo filme de Barry Jenkins como diretor e roteirista, baseado em um projeto teatral de Tarell Alvin McCraney, escrito em 2003. Entitulada In The Moonlight Black Boys Look Blue (Sob a Luz do Luar Garotos Negros Ficam Azuis), a peça só foi sair do papel uma década depois para servir de base para o roteiro do filme. E em 2013, durante o Festival de Telluride, Jenkins apresentou o roteiro aos executivos da Plan B, produtora de Brad Pitt, a qual aceitou de imediato financiar o projeto.

Não é para menos. O longa tem todos as características e aspectos de outros filmes que a Plan B tem priorizado nos últimos anos, principalmente a roteiros com temáticas raciais e mais autobiográficos, resultando no razoável sucesso de público do filme, de sua popularização e reconhecimento mundial, tal qual os títulos anteriores, como 12 Anos de Escravidão (2013) e Selma (2014).

Mas como um todo, Moonlight nada mais é que um filme simples, delicado nos diversos temas que aborda e extremamente comportado.

A história é centrada no personagem Chiron, e percorrerá as três primeiras grandes fases de sua vida: sua infância, adolescência e a vida adulta jovem. Essa divisão um tanto didática é para facilitar a compreensão de transformação que o personagem sofre ao longo dos anos através de traumas e experiências vividas, estas nem sempre prazerosas. Não chega a ter a profundidade de Boyhood (2014) quando se trata de uma crônica sobre o período da infância até a maturidade, mas consegue ser sucinto. 

Da falta da estrutura familiar por conta de sua mãe viciada em crack até o assédio diariamente sofrido na escola, bem como sua dúvida a respeito de sua sexualidade, a infância de Chiron lhe proporcionou poucos momentos alegres e memoráveis. Graças a ajuda constantemente oferecida por Juan (Mahershala Ali) e sua mulher Teresa (Janelle Monae), e outros raros momentos de diversão e confidência por seu único amigo, Kevin, são esses os responsáveis por dar a ele o escapismo necessário para os eventos de sua vida não parecerem tão brutos.

Tímido, frágil e introspectivo, sua adolescência não foi muito diferente, fazendo com que ele se enfiasse cada vez mais dentro de uma concha para se defender do ambiente hostil em que vivia, ao ponto de confessar a seu amigo que há noites em que ele chora tanto que tem a sensação de ficar seco por dentro, tamanho o sofrimento e a falta de perspectiva. A convivência intimidadora com seus assediadores toma proporções cada vez maiores e mais violentas, ao ponto de Kevin também se tornar uma vítima dessa covardia quando se vê obrigado a bater em Chiron em um momento transformador, aquele em que o protagonista finalmente será tomado por uma onda de fúria engatilhada por anos de repressão e sofrimento. O ambiente como meio modificador do ser.

Por mais que a vida do protagonista seja marcada por episódios difíceis e muito complexos para serem esmiuçados de uma vez, o roteiro pisa em ovos para não ser apelativo, evitando transformar a vida do protagonista em sensacionalismo barato. O sofrimento do personagem é muito mais sentido pelo seu aspecto protuso e retraído, de seu comportamento calado e solitário, do que pelos acontecimentos de fato. O roteiro oferece apenas o necessário para compreendermos os acontecimentos, e tenta distanciar o espectador desses elementos que causam sofrimento justamente para os sentimentos não se sobreporem ao objeto principal, que é Chiron. Isso é observado pelas cenas dramáticas, que nunca se extendem demais nas propostas. Essa abordagem tangente nos aproxima mais do protagonista, nos sensibilizando com suas tristezas e frustrações, criando uma empatia natural por um ponto de vista mais pessoal e humano, longe de ser melodramático. É como se quisesse dizer: ok, a vida de Chiron não é fácil e já sabemos, ele tem forças para continuar e é isso que será mostrado.

Jenkis evita chegar a extremos nos temas que aborda, principalmente quando fala sobre a sexualidade do personagem, algo que, ao contrário do que vem sido comentado, não é o tema central do filme, mas uma das diversas condições paralelas importantes para a maturidade dele, sendo discutida em apenas dois importantes momentos durante todo o filme.

Por um lado esse tipo de abordagem mais superficial sobre tudo deixa claro que não é necessário apertar o torniquete para forçar uma boa narrativa linear, mas ao mesmo tempo mostra a falta de um comprometimento maior em aspectos que poderiam ter dado maior profundidade dramática ao personagem e que evitaria um filme politicamente correto, o que ele se obriga a ser.

Sim, Jenkins não quer ser chocante porque é como se ele solicitasse a aprovação do público, e sua direção é efetiva justamente porque está com as rédeas curtas o tempo todo. Não é comum filmes raciais também abordarem sexualidade justamente por parecer ser muito a ser digerido. Aliás, com excessão da comédia Cara Gente Branca (Dear White People, 2014), não me lembro de um filme abordar isso de maneira mais séria como em Brokeback Mountain (2005), por exemplo. Não com protagonistas negros.

O preconceito ao negro já é grande no cinema e fora dele, mas o preconceito ao negro homossexual é maior ainda, principalmente entre eles mesmos. Por alguns momentos é fácil confundir que a orientação sexual do personagem seja uma consequência social, ao invés de uma dúvida inerente carregada consigo desde sua infância, e isso é consequência do roteiro tratar tudo na tal superficialidade confortável.

Não é um filme corajoso, porque em nenhum momento ele é provocativo, mas é respeitável por tratar de diversas problemáticas que permeiam comunidades, sejam negras ou carentes, não apenas nos Estados Unidos, mas em diversos países onde ainda existe sociedades segregadas por raça ou diferenças de classe. E mesmo na superficialidade, mantendo a história em um platô confortável e pouco polêmico, a narrativa consegue construir um drama sensível de tranformações e descobertas, intensificados por uma cenografia soturna que intensifica essa melancolia arrastada pelo protagonista como uma corrente.

As atuações conseguem ser naturais e convincentes, superando expectativas até mesmo de novatos, como é o caso de Trevante Rhodes, em sua estréia no cinema. Mas, particularmente, questiono as indicações que recebeu nas categorias de Ator e Atriz Coadjuvantes. Mahershala Ali sempre foi um grande e competente ator, agora superexposto depois de viver o vilão Cornell no seriado Luke Cage, mas a curta participação no longa e sua atuação até bastante simples sobre um personagem bastante comum não justificam qualquer favoritismo. O mesmo sobre Naomi Harris, esta que faz um excepcional trabalho, mas pouco explorado na tela por conta da direçao comedista, imagino que seus melhores momentos tenham sido aqueles que ficaram fora da edição final. Sem contar que alguns personagens entram e saem de cena sem sabermos muito deles, como é o caso do casal Juan e Teresa, já que foram referências essenciais na vida do protagonista, o que é uma pena.

O excesso de 8 indicações ao Oscar talvez tenha sido mais pela surpresa sobre o tema do filme (que costuma agradar a banca de críticos) e pela Academia não ter encontrado outros favoritos no seu atual falso engajamento de tentar quebrar as barreiras raciais que historicamente a acompanha.

Um belo feito, de qualquer forma, mas ainda demonstra que o cinema tem de parar de só abrir janelas, mas escancarar portas e derrubar muros aos negros no cenário artístico para que as escolhas sejam feitas não por falta de opção, mas por excesso dela.

CONCLUSÃO...
Embora algo comedido e que não demonstre ter a mesma coragem que seu protagonista, ainda sim é uma bela história contada, mesmo que de maneira um tanto superficial, sobre a trajetória de um personagem verdadeiro, um exemplo de diversos Chirons espalhados pelo mundo, ignorados e pouco compreendidos, e que fazem suas próprias descobertas a grandes tropeços rumo a maturidade.

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