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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

DEIXE-SE LEVAR...

★★★★★★★★☆
Título: La La Land
Ano: 2016
Gênero: Comédia, Romance, Musical
Classificação: 12 anos
Direção: Damien Chazelle
Elenco: Ryan Gosling, Emma Stone, J.K. Simons, John Legend
País: Estados Unidos
Duração: 128 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um pianista se apaixona por uma aspirante a atriz, e ambos tentam conciliar o romance que cresce ao mesmo tempo que os sonhos individuais se engrandecem.

O QUE TENHO A DIZER...
Logo no começo do filme é óbvio e notório sua intenção de resgatar uma época ao aparecer a conhecida marca "Filmado em CinemaScope", tecnologia utilizada nas décadas de 50 e 60 para capturar imagens em widescreen, formato que hoje é acessível até mesmo na televisão. Época, inclusive, da grande era comercial dos musicais de Hollywood.

De Fred Astaire a Gene Kelly, de Bob Fosse a Rob Marshall, de Mary Poppins a Glee... Damien Chazelle não hesita em mostrar logo no início que o seu produto é o resultado de todo esse background. E que, de alguma forma, aquilo é a evolução natural dos musicais: o hoje definitivo daquilo que o gênero um dia iria se tornar.

Mesmo que a intenção seja resgatar/homenagear/referenciar uma época, essa época nunca é definida de fato, tanto no filme, quanto nas suas referências. Sim, há celulares e Toyota Prius, mas sempre algum objeto, uma roupa, uma música, ou uma situação estão dispostos a contradizer isso, como no momento da festa 80tista, em que há uma banda tocando synthpop, e logo na sequência os protagonistas estão em um mirante, como se tivessem voltado aos anos 50.

Essa mistura de tempos e épocas é observado na longa sequência sem cortes de sua abertura, com diferentes carros que, assim como mencionei antes, vagam em referências que atravessam décadas. E nos diferentes estilos, cores e formas, o cenário é uma ponte congestionada em Los Angeles, num misto de veículos que outrora marcaram um período, mas que estão no cenário agora para simbolicamente representar uma história que pretende ser atemporal. E então, de algumas batidas eletrônicas que saem de um SUV branco até desaparecerem completamente numa outra introdução musical, uma garota resolve sair do carro cantarolando e fazendo de tudo uma grande festa, arrastando com ela todas as pessoas entediadas em seus carros para celebrar a vida em mais um dia, em um surrealismo típico dos mais comerciais dos musicais.

Mas o diretor liga o ventilador na potência máxima para "gleematizar" o ambiente e atrair o público atual mais pelo gigante espetáculo do que pela sua consistência. Gente jovem, colorida, feliz e reunida, cantando e amassando capôs de carros, talvez como seus próprios pais um dia fizeram em Grease junto com Travolta e Newton John. A experiência é megalomaníaca, com centenas de figurantes numa coreografia que remete muito mais a um massivo flash mob do que algo mais fluido e natural que se esperaria numa fantasia musical. E de repente o baú de um caminhão é aberto, e lá está uma banda que toca para uma roda de pessoas improvisando no street dance. Da dança de salão à dança contemporânea e urbana, as coreografias também se diversificam.

Não há como ignorar que tudo se recusa a ser mantido em um padrão. A intenção de Chazelle é atirar para todos os lados, pois a premissa é a mesma em todos os quesitos: escolher exemplos extremos e trabalhar com tudo que existe entre um e outro. Isso acaba sendo um grande trunfo para a experiência nostálgica, mas ao mesmo tempo um grande defeito, pois não há identidade própria. Tudo tenta forçar uma mágica, porque nada nele é de fato genuíno, embora consiga ser uma experiência prazerosa mesmo assim.

E então os letreiros aparecem para mostrar o título do filme, situando o espectador de que ele está numa terra movida à música e sonhos, incluindo Mia (Emma Stone), a heroína da história. Uma aspirante a atriz que, ao contrário dos demais, se manteve dentro do carro decorando as falas para um teste, enquanto o músico Sebastian (Ryan Gosling), o perturbado herói, buzina freneticamente para que ela lhe dê passagem. E tão inusitado quanto os eventos musicais, é assim que a epopéia romântica dos dois tem início, ao mesmo tempo que cada um deles busca seu sonho particular em Hollywood: ela em ser famosa, ele em ter uma casa de Jazz.

Mesmo com um início bastante tumultuado e exagerado para impressionar, a verdade é que o filme . nada manterá disso tudo, sendo bastante diferente daquilo que vem sido promovido ou comentado. Longe de ser um Across The Universe (2007), ou um Mama Mia! (2008), onde cada frase é motivo para um grande video clip, se você não é do tipo que gosta de musicais, não se deixe enganar pelo preconceito, dê oportunidade para se deixar levar, descobrindo o seu charme e perceber que, na verdade, os números musicais se enfraquecem ao longo dos 128 minutos, pois não são os elementos principais, mas apenas artifícios fantasiosos para complementar a história e deixar a narrativa mais leve e simpática.

Há um momento no filme em que é dito que, se não há evolução de um gênero para que o público atual possa apreciá-lo, então o gênero morre. E Chazelle segue isso à risca, e por isso esse excesso de referências a clássicos, para mostrar ao público atual e imediatista de que esses gêneros não morreram, apenas se transformam com o tempo. Uma idéia que realmente se opõe aos mais tradicionalistas, e talvez seja por isso que o filme tenha gerado gostos e desgostos por aí. 

A repercussão do filme começou por parte dos críticos, quando o longa não tinha perspectiva alguma de sucesso. Eles entenderam essa grande homenagem e os esforços do diretor em realizá-lo aos moldes clássicos, com cenas musicais em plano sequência, coreografias que interagem com espaçosos cenários, e uma história simples e bonitinha que cativa o público. O ponto de vista mais contemporâneo funciona, tornando-se uma surpresa inesperada tal como foi com Moulin Rouge em 2001, e o ressurgimento do estilo musical que acontece de tempos em tempos desde então.

Mas acima de tudo, La La Land ainda contém muito daquele ranso que Hollywood adora ovacionar, referenciando ela mesma de maneira exuberante para se mostrar bonita no comércio um tanto decadente de idéias. É a reciclagem sustentável, o exercício narcisístico no qual ela sempre se propõe, e que o público compra e engole sem digerir.

A produção se beneficia do casal protagonista, já que os dois atores são hoje considerados as grandes estrelas de suas gerações. São talentosos de fato, e isso é válido. Seja Emma Stone que se esforça para sair de suas zonas de conforto, tal qual fez em Birdman (2014), seja Ryan Gosling, que sempre deu preferência a papéis desafiadores àqueles que pudessem aumentar seu caché. Aqui, em particular, Gosling fez questão de decorar as sequências em piano para tocar de verdade, sem dublês ou truques.

Nenhum dos dois atores são exuberantes e de rara beleza plástica. Nenhum dos dois canta bem, tanto que suas canções são sempre sussuradas, às vezes até difícil de entender, abolindo notas muito altas para evitar o desafino. Nenhum dos dois também são Fred Astaire e Ginger Rogers na dança. Mas existe o elemento natural que cativa. Não vemos na tela duas grandes estrelas escaladas para fingir um espetáculo de sucesso, mas duas pessoas comuns em plena sintonia, dando o melhor de si para tudo funcionar e fazer algo comum ser visto como um sucesso. Mia e Sebastian são dois personagens frágeis, humanos e verdadeiros. E se tem uma coisa bela em La La Land, são exatamente os momentos em que ele é simples.

O longa tem seus méritos, suas belezas e particularidades, e apesar de um começo pretencioso, consegue achar seu tom e seguir fiel na sua proposta romântica e sonhadora, mas muito dele funciona melhor quando não cantado, algo que felizmente é sua maior parte. Sem percebermos La La Land passa de um musical para uma comédia romântica tradicional, e desencadeia para um ato final dramático diferente, que irá contra a expectativa de muitos, mas ainda tem seu "quê" poético e a liberdade do espectador dar sua própria continuidade. As canções, quando surgem, em geral são fracas e descartáveis, no sentido de funcionarem apenas para aquele momento e nada mais. Não é algo que se mantém vivo, de sair do filme cantarolando trechos. O que fica na memória é, sem dúvida, a melodia que se torna a vida de ambos.

Assim como O Artista (The Artist, 2011) resgatou o cinema mudo aos dias atuais para ser uma grande homenagem e auto-referência de Hollywood, o novo filme de Damien Chazelle faz o mesmo com os musicais e as comédias românticas de situações dos anos 50. mas não consegue se bem suceder em alguma delas com efetividade, até porque não há nenhum desses estilos feito com efetividade. Mas de alguma forma tem seu encanto.

Como dito, não soa original, e comparado a outros concorrentes, La La Land talvez seja o mais água com açucar deles, mas é exatamente aquilo que Hollywood gosta, e exatamente aquilo que toca o público que o procura.

CONCLUSÃO...
O favoritismo do filme é grande e seu número recorde de indicações ao Oscar se justifica facilmente porque ele realmente tem qualidade em todas as 14 categorias, mas não signifca que seja o melhor em todas elas. É uma produção trabalhosa por excelência, um belo filme, cheio de momentos bastante satisfatórios muito mais por conta dos atores e da agradável fotografia. Nada mais que um bolo simples, mas bem feito, com apenas uma cereja no topo.

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