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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

QUANDO A BOLHA ESTOURA...

★★★★★★★★★☆
Título: A Grande Aposta (The Big Short)
Ano: 2015
Gênero: Drama, Biografia, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Adam McKay
Elenco: Steve Carell, Christian Bale, Ryan Gosling,
País: Estados Unidos
Duração: 130 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Seis pessoas que trabalham no mundo de altas finanças resolvem apostar no erro dos grandes bancos, que não conseguiram prever o estouro da bolha imobiliária e do crédito que ocorreu entre entre 2007 e 2008.

O QUE TENHO A DIZER...
Todo ano são lançados filmes com abordagens ou até temas simliares para concorrerem entre eles. Esse ano não seria diferente, e A Grande Aposta tem um teor biográfico muito parecido com seu concorrente direto, Spotlight (2015).

Mas enquanto Spotlight aborda o jornalismo investigativo, aqui a história é sobre o mundo das altas finanças e investimentos que culminaram no estouro da bolha imobiliária e do crédito entre 2007 e 2008, resultando em uma crise econômica mundial.

O filme é dirigido por Adam McKay, mais conhecido por O Âncora (Anchorman, 2004) e sua continuação, Tudo Por Um Furo (Anchorman 2, 2013). O roteiro é escrito por ele em parceria com Charles Randolph, baseado no livro homônimo de Michael Lewis. Um tanto diferente do livro, com excessão de Michael Burry, personagem que existe de fato em pessoa e nome, os demais possuem nomes fictícios com caracterizações um pouco exageradas para sutilmente satirizar o momento. .

Que Estados Unidos faz negócio com qualquer negócio, isso não é novidade. Se bobear vendem até as mães. Nessa história esse consumismo desenfreado e todo o sistema capitalista atual é vilanizado como poucos filmes fazem, evidenciando que o sistema realmente existe para favorecer única e exclusivamente um seleto grupo, como aquele de Wall Street, que usa termos complexos para coisas aparentemente simples e assim manter pessoas comuns distantes do dinheiro e do poder para ser fácil enganá-los, manipula-los e explorá-los. Também mostra como uma nação conseguiu colocar a economia mundial em risco por egoísmo, egocentrismo e excesso de autoconfiança.

Em 2006, quando Michael Burry (Christian Bale) prevê através de análises estatísticas sobre juros, riscos, inadimplência e outras variáveis, que em um período de um ano o mercado imobiliário iria falir, e junto com ele os bancos, e com os bancos seus investidores, todo o caos econômico é exposto como uma ferida à sua frente. Ao contrário do que se pensava, muitos ricos e detentores de poder seriam jogados no asfalto sem um dólar no bolso. Baseando-se nisso e sendo responsável por investimentos de risco dentro de uma empresa média, para garantir o futuro de seus investidores ele escolhe a dedo alguns dos mais rentáveis imóveis hipotecados e resolve ir de banco em banco para propor um tipo de "seguro" sobre eles.

Como ironica e didadicamente explicado pela atriz Margot Robbie em uma inserção que mais parece material publicitário, Burry resolve "apostar" contra o mercado. Ele investe US$1.5 bilhões nisso, aceitando pagar aos bancos uma taxa anual milhonária de manutenção em um acordo que o faria receber todo o dinheiro investido acrescido de juros inversamente proporcional à desvalorização do mercado. Ou seja, se desvalorizasse 200%, ele lucraria mais 200% em cima do valor investido nessa "aposta", ou "seguro". Resumidamente do resumo, ele apostou que o mercado imobiliário iria um dia se autodestuir, e os bancos aceitaram sua aposta porque tinham certeza que isso nunca iria acontecer.

Todos os investidores de Burry, bem como seus associados, acreditam que ele cometeu uma loucura e resolvem interceder, enquanto os bancos comemoram ter fechado um negócio milhonário com um lunático. Para os bancos, foi dinheiro fácil. Para Burry, foi um investimento a longo prazo que os salvariam do colapso.

É então que entra Jared Vennett, que descobre sobre os investimentos de Burry, acredita neles, e cria um ramo de negócio em cima disso, convencendo Mark Baum a fazer parte. Baum faz uma investigação e descobre que o mercado imobiliário realmente está a ponto de explodir porque nenhuma pessoa física ou jurídica está conseguindo pagar suas hipotecas devido aos juros crescentes que estão sendo mascarados e a escasses de crédito oferecido pelos bancos porque os fundos estavam se esgotando. Então isso o leva a também descobrir um grandioso esquema de corrupção através de fraudes monstruosas criadas tanto por corretoras que passaram a utilizar o crédito de investidores para cobrir o crédito de outros, quanto pelas empresas de análise de riscos, que receberam propina para mascarar as taxas de risco do mercado imobiliário e assim evitar que os investimentos congelassem, inflando muito mais o problema. Essas fraudes foram cruciais naquilo que levou dezenas de empreas a investirem em negócios vazios, e quando a bolha estourou e a grana de todo mundo desapareceu, uma onda de falência atingiu não apenas a maiores empresas nos EUA, como no mundo, resultando em uma taxa de desemprego e desapropriação em uma porcentagem nunca vista na história.

Portanto, basicamente é sobre isso que o filme trata, porém explicado de forma muito mais minusciosa, tentando por vezes ser até didático para os leigos no assunto, como eu. Também complementa o filme A Última Hora (Margin Call, 2011), cujos eventos cronologicamente acontecem após o estouro da bolha.

Por incrível que pareça está longe de ser um filme chato. Essa linguagem dinâmica desenvolvida por McKay, misturando diversos estilos com interlúdios ilustrativos e eventos que se intercalam para complementar fatos em comum, funciona muito bem e faz um tema complicado e extenuante se tornar interessante, com uma linguagem acessível. Chega um momento que parece que é impossível digerir tantos termos técnicos, mas não se preocupe, o contexto é compreendido assim como uma conversa entre duas pessoas que não falam a mesma lingua: não é necessário saber o que se diz para compreender o que se quer.

Com a câmera na mão, para forjar um estilo documentado (mas sem ser), McKay dá abertura para alguns breves momentos em que personagens dialogam diretamente com o espectador, como um parênteses na história para enfatizar a circunstância. Além disso intensificar o humor embutido, a narrativa feita pelo personagem Jared Vennett (Ryan Gosling) é ao mesmo tempo metainformativa (e crítica), desmentindo alguns momentos que claramente foram feitos para deixar o filme mais interessante, assim como confirma alguns outros que realmente aconteceram na realidade, como no momento que o personagem Mark Baum (Steve Carell) questiona um palestrante, fato realizado por Steve Eisman, quem o personagem é baseado.

Sim, uma sacada bem legal, feita de maneira muito bem dosada, exatamente naqueles momentos em que o tema parece ficar complexo demais ou cair na monotonia.

O elenco, além de grandioso, é excepcional em grande parte, mas é Steve Carell quem rouba as cenas, mesmo com toda a esquisitisse de Christian Bale e sua terceira indicação ao Oscar, um ator que obviamente não é ruim, mas não impressiona mais porque todos os personagens que escolhe sempre são excêntricos e cansativos, ao contrário de Carell, que aos poucos tem saído da zona de conforto da comédia e abraçado papéis mais sérios, embutindo uma ironia que, assim como nesse filme, sem dúvida é seu ponto mais alto e interessante.

Não há dúvidas de que é um filme para ser lembrado, principalmente porque mesmo com todo esse circo que foi armado onde milhões de pessoas foram sacrificadas no processo, tudo conclui que as coisas voltaram a ser como eram, só mudando os nomes para manter longe aqueles que serão sempre as vítimas. E não importa se tudo isso voltar a acontecer daqui 50 anos que seja, até lá muita gente vai ter aproveitado muito, nadado em muita grana e se respaldado para o pior, enquanto somos nós quem continuaremos pagando o pato sempre. Um filme muito interessante para quem acha que lá fora tudo é muito melhor do que aqui dentro, ou que o capitalismo, da forma como é levado, seja tão excelente como muita gente acha.

CONCLUSÃO...
Utilizando diversos estilos e linguagens em um tema complexo, tudo que parecia ser um caos se torna mais organizado do que se pensa, sendo até didátido e ilustrativo para aqueles que nada entendem sobre o tema. O que na verdade não importa, porque McKay conduz tudo de forma que, independente da linguagem, a interpretação será a mesma. E o choque de que somos meros fantoches de um pequeno grupo continua sendo grande. Independente da dimensão, seremos nós as vítimas dos erros alheios.

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