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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

COMENTANDO O TEXTO: "O NEGRO NÃO ESCREVE, DIRIGE E NEM FAZ PARTE DOS CRÍTICOS"

Antônio Pitanga em foto para a coluna especial.
Fonte: UOL Entretenimento/Cinema
Quando li a coluna especial do Antonio Pitanga, entitulada O NEGRO NÃO ESCREVE, DIRIGE E NEM FAZ PARTE DOS CRÍTICOS, eu percebi em vários pontos a lucidez da discussão e a forma coerente que ele conduziu a segregação no meio artístico.

Assim como ano passado a discussão em Hollywood foi o espaço da mulher no cinema, esse ano a discussão é o espaço do negro, o que desencadeou uma série de discussões sobre o tema ao redor do mundo, em nações que sofrem do mesmo problema, principalmente no Brasil, um país onde mais de 50% da sua população se afirma negra ou parda, e que pode chegar facilmente aos 60% se considerarmos aqueles que negam a raça não por preconceito, mas por medo de sofrerem o preconceito.

A discussão começou porque Will Smith não foi indicado ao Oscar por Um Homem Entre Gigantes (Concussion, 2015). Revoltado, ele sua família resolveram boicotar o Oscar justificando a ausência de negros na premiação este ano. Certo...

Logo em seguida Spike Lee se agregou ao boicote, diretor que precisou arrecadar fundos no Kickstarter porque nenhum estúdio queria financiar um de seus projetos, mas afirmou categoricamente que não é pela premiação em si, mas pela indústria que não oferece espaço para os negros, o que resulta na baixa presença deles nas premiações. Sim, coerente e sensato, mais do que a família Smith.

Portanto, a briga não é por "cotas" no Oscar, mas maior participação dos negros em toda a indústria e em todo o processo.

Para aqueles que ainda não entenderam a problemática, aqui explico didaticamente: se em 100 filmes lançados 90 são com elenco principal predominantemente branco (diretores, produtores, roteiristas, atores, etc.) e apenas 10 deles possui elenco principal predominantemente negro, qual a probabilidade dos negros serem indicados nas premiações e nas principais categorias?

Probabilidade bem baixa, não é? Principalmente em um setor onde são lançados mundialmente entre 15 a 20 mil títulos por ano, sendo que, aproximadamente, apenas 8% desse número possui algum negro como protagonista ou coadjuvante principal.

No Brasil a situação "parece" não ser tão caótica quando se pensa em cinema: primeiro porque o número de produções é baixo; segundo porque as cotas exigem participação racial. Ajuda? Não. Porque tira-se as cotas e negros são extintos de partipação, sendo lembrados apenas para interpretar escravos, domésticas, cozinheiras e favelados. Não que hoje seja diferente, mas ao menos, entre uma novela e outra, Taís Araújo (que já interpretou uma escrava) faz uma mulher poderosa e bem sucedida. Ou seu marido, Lázaro Ramos, que foi o primeiro negro a ter tido a possibilidade de ser o protagonista de um seriado na maior emissora do país.

Terceiro problema é que aqueles que participam das produções e são contratados para cumprir a cota, são sempre os mesmos, como Taís Araújo, Lázaro Ramos, ou até mesmo a filha de Pitanga, Camila.

É difícil notar o número de negros no cinema e na televisão brasileira aumentar. São sempre pequenos grupos de Taíses, Lázaros, Julianas, Camilas e Majus, mantidos para camuflar a diferença real e existente, enquanto na novela Malhação (o principal termômetro da Rede Globo para novos talentos) é lançado anualmente de 5 a 10 novos nomes com promessa de estrelato. Todos brancos.

Diretores e roteiristas sofrem do mesmo problema. Se mal há espaço para atores, imagine para eles. Nos bastidores mais profundos confesso que desconheço, pode ser que alguns sejam contratados para os trabalhos mais braçais, mas duvido que exista algum produtor bem sucedido em atividade em grandes centros.

Aí você lê alguém comentar: é porque eles não foram bons o bastante.

Então, além de eles terem uma parcela participativa bastante baixa, obrigatoriamente precisam ser incrívelmente bons pra compensar o desfalque. Ou seja, um único negro precisa ser melhor que os 5 melhores brancos da fila.

Essa situação é bastante parecida quando ouvimos mulheres bem sucedidas dizerem: sim, tenho que me esforçar no trabalho para mostrar que sou melhor que os homens.

Isso é cruel e desumano. A escravidão dos tempos modernos.

Aí vem outra pessoa e comenta: se não há diretores, roteiristas ou comentaristas negros, é porque o material deles não é bom.

Quem disse que não é bom? Não é bom ou não é preferencial? Entre eu, um roteirista branco, e meu vizinho, um roteirista negro, a probabilidade de meu roteiro ser aceito é 95% maior do que a do meu vizinho, mesmo que meu roteiro seja inferior. Da mesma forma que, entre duas pessoas de diferentes raças capacitadas para o mesmo emprego, a possibilidade do branco ser contratado é infinitamente maior do que o negro. Mentira? Você empregador, sabe disso melhor do que eu. Basta me dizer quantos negros contratou nos últimos 10 anos para cargos de confiança ou que não sejam braçais.

Eu, nas minhas entrevistas, nunca vi darem preferência para o negro que passou pelo mesmo processo que eu. Aliás, em uma entrevista que fui, só havia brancos, na outra, três negros, dos quais nenhum conseguiu a vaga. Ao longo da minha vida acadêmica (entre ensino médio, superior e pós-graduação), só estudei com 2 negros, e um deles teve que comer o pão que o diabo amassou pra hoje fazer o mesmo que eu faço. Eu, no lugar dele e com o mesmo esforço, provavelmente já seria um diretor. E aí? Alguma coisa está errada, não concorda?

Aí algum empregador diz: eles não são capacitados.

Em primeiro lugar é o preconceito que muitas vezes dita que eles não são capacitados. Já se tem enraizado na cultura que negro é desqualificado porque é pobre já que, segundo o IBGE, dos 16 milhões de brasileiros miseráveis, 70% são pardos ou negros. Um negro que nasce em uma situação de miséria se submete a subempregos para sobreviver, é dinheiro para a comida e ponto. Nada mais. Sim, há muitos brancos na mesma situação, mas como a pesquisa mostrou, são "apenas" 30% dos miseráveis. E mesmo brancos e negros miseráveis terem as mesmas condições, é muito mais fácil para um branco sair dela do que um negro.

Então, nessa breve análise, percebe-se que uma afirmação tão simples como "negros não possuem espaço no cinema como os brancos", desenvolve um assunto muito complexo que sempre leva para outro nível de discussão. E apenas isso já demonstra que os problemas envolvendo preconceito, racismo e segregação vem muito mais de baixo do que se imagina, ao ponto de não sabermos onde se estabelece de fato, mas que está solidificada na cultura social de tal forma que, para as pessoas em geral, tudo isso parece muito normal.

E aí eu leio os comentários sobre essa coluna escrita pelo próprio Pitanga, e elas me chocam porque grande parte destes comentários é para justificar o racismo e sua existência, quando deveria ser o contrário. Muitos deles vem de pessoas que sequer leram o texto e soltaram comentários aleatórios sobre tudo, menos sobre do que o texto se tratava. O que claramente demonstra que o racismo é um problema sociocultural latente pela desinformação.

Quando Matt Groening criou Os Simpsons, a justificativa que ele deu para os personagens serem amarelos é para que não houvesse distinção de raça e que todos fossem iguais. Com excessão de um ou outro persongem caricato, já que estes costumam ser sátiras de figuras públicas, a Springfield dos Simpsons pode até ter personagens preconceituosos, mas pela ausência de cor, não são racistas.

Pitanga diz que a arte não tem cor, mas é na hora de montar um casting que o contrário se prova. Ao invés de enxergarem atores em um tom monocromático, como são os Simpsons, a diferença entre as cores é propositalmente acentuada, como em um filme preto e branco.

A arte só tem distinção de cor quando uma raça é representada, caso contrário, afirmar que um ator branco foi escolhido porque o personagem em que ele é baseado é branco ou porque ele é descrito como branco, não é justificativa. Frequentemente personagens masculinos são readaptados para mulheres, o mesmo para os homens. Da mesma forma como atualmente virou moda atores interpretarem personagens femininas, e o mesmo com as atrizes. Ou em um caso de etnia, em que chineses ou koreanos interpretam personagens japoneses ou vice-versa. Isso acontece porque a capacidade de interpretação é a mesma, e o resultado é o mesmo independente da forma ou da pele porque não são elas quem representam, mas a pessoa, o ator.

Dizem que Morgan Freeman afirmou que o dia que a discussão racial parar as coisas tomarão o rumo certo. Óbvio, porque o dia que a discussão racial parar significa que não é mais necessário tê-la. Se ela existe, é porque é necessário. Se você ignora ou se irrita com os negros que querem tê-la ou brancos que querem desenvolvê-la, é porque o problema parte de pessoas como você.


Portanto, vale um top 10 comentado dos "melhores" comentários feitos na coluna, e se você se identifica com algum deles, sim... você é racista e preconceituoso:

1) Igualdade racial se faz com trabalho, deixe de esperar de graça o que você tem e deve fazer.
Igualdade racial se faz com o trabalho de todos, principalmente porque essa segregação surgiu pelos brancos, algo que permeia na História até hoje. Portanto, existe débito histórico e atual.

2) O problema de muitos de cor preta é o mesmo de muitos de cor branca, e de muitos de cor parda, e o de muitas mulheres de todas as cores, chama-se preguiça.
É presunçoso citar um defeito nato do ser humano, tanto que é um pecado capital no catolicismo justamente porque todo mundo comete. A única coisa que se tem certeza é que a proporção de oportunidades para brancos é muito maior do que para negros. Tanto que 70% dos empregados no país são brancos enquanto 70% dos miseráveis são pardos ou negros. Reflita.

3) Sempre a mesma balela...
Talvez porque essa "balela" de problema afeta mais de 50% da população brasileira parda ou negra. Agora imagine no mundo?

4) O negro não escreve porque é negro?
Mania da ignorância torcer fatos e transformar qualquer opinião antirracista em "coitadismo". A discussão não é essa. A discussão é: Por que o negro que escreve não tem espaço? Assim como o negro que atua, que dirige, que administra, que organiza, que cria, que estuda e que desenvolve não tem espaço.

5) Assim como negros ajudaram a criar a escravidão, muitos negros se auto boicotam das oportunidades.
Bom... primeiro que existem várias formas de escravidão ao longo de toda a História. A escravidão negra, ocorrida entre os séculos XVI e XIX, é uma delas. Então afirmar isso é o mesmo que dizer que os judeus ajudaram a criar o nazismo.

6) A velha historia de complexo de inferioridade... Principalmente vindo de atores, atrizes. Nunca vi ou ouvi nenhum jogador de futebol, cantor de samba ou pagode ou axé reclamando pelo fator de ser negro... Parece que se o cidadão é negro ele já tem motivos para se auto descriminar... Essa sempre ladainha...
Já é involuntariamente imputado aos cidadãos negros motivos para serem discriminados. A alienação das pessoas de que a discriminação não existe é tão grande que mesmo quando jogadores de futebol são chamados de macaco, cantores de samba, pagode ou axé são ofendidos na rua... todo mundo acha isso normal e diz que "nunca viu ou ouviu algo do tipo", como se tudo fosse um sonho.

7) Spike Lee é negro. Barack Obama é negro. Oprah Winfrey é negra.
A velha história de usar poucos exemplos pra tentar justificar um problema de milhões. Com excessão de Spike Lee, que é um negro militante de sucesso, Barack Obama é considerado "o presidente de alma branca" pelos negros por motivos evidentes. E Oprah Winfrey é apenas uma metáfora, feita um exemplo de sucesso para alimentar a ilusão de que diferenças não existem. Dúvidas? Então existem mais Oprahs por aí, ou só Uma*?

8) Ou seja, a culpa é dos negros de não mudarem as coisas na ação. Você não muda reclamando rapaz, só mulher consegue isso porque sempre tem um homem trouxa para fazer algo por elas.
A reclamação é o último recurso quando se não consegue um objetivo por fatores óbvios, e isso é com absolutamente tudo, até mesmo no liquidificador queimado que você comprou das Casas Bahia. E sobre as mulheres, em uma sociedade machista e sexista que vivemos, assim como os negros, reclamar é o que resta para muitas delas.

9) Eu acho que os albinos também são injustiçados. Nunca vi um albino ganhar o Oscar.
Pra começar, albinismo não é raça. Segundo porque, por incrível que pareça, a incidência do albinismo entre os povos africanos é alta, e estima-se que a porcentagem de albinos nos mundo não chega nem a 1%. Imagina então quantos deles são atores, ou quantos deles não sofrem o mesmo tipo de preconceito?

10) Sou caucasiano e o melhor ator para mim há muito tempo: Denzel Washington, melhor lutador de box da história: Cássius Clay, melhor jogador do mundo desde de que surgiu o futebol: Pelé. Meu melhor amigo durante toda a faculdade, o "NEGÃO" Joel...
É a mesma coisa que afirmar que não é homofóbico porque tem amigos gays. Novamente pessoas usando pequenos exemplos pra justificar ou camuflar um problema, ou simplesmente ignorarem que esses problemas existem. Denzel Washington e Morgan Freeman deveriam ganhar o prêmio Top Of Mind do cinema, porque todo mundo que se diz não racista, só citam eles.

Conclusão? Esse "bla bla bla..." ou "mi mi mi...", como alguns dizem ser, continuará existindo por muito tempo enquanto o homem em si não perceber que só existem duas diferenças: seres racionais e irracionais. E por mais que eles ajam de forma irracional, nós não os excluímos por isso. Portanto, o mesmo não deve ser feito por uma questão de cor.





*Piadinha sem graça pra relaxar, em referência ao Oscar de 1995.

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