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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

WHAM! ELE CHEGOU!

★★★★★★★★☆
Título: Deadpool
Ano: 2016
Gênero: Ação, Super Herói
Classificação: 16 anos
Direção: Tim Miller
Elenco: Ryan Reynolds, Morena Baccarin, T.J. Miller, Ed Skrein, Gina Carano
País: Estados Unidos
Duração: 108 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um ex-agende das forças armadas se submete a uma experiência genética na promessa de ser curado de um câncer terminal. A experiência lhe deu superpoderes, mas em compensação o deixou com sequelas físicas e mentais, se tornando um anti herói kamikaze e alienado em busca de vingança.

O QUE TENHO A DIZER...
Desde quando a 20th Century Fox abraçou a Marvel com os X-Men (2000), pouca gente imaginava que 15 anos depois filmes de super heróis não apenas continuariam sendo lucrativos como criaram um novo gênero.

Desde então a mesma fórmula tem sido usada incansavelmente, tudo de forma muito branda para atingir todas as faixas etárias, obviamente serem sucessos de bilheteria e garantirem continuações.

Manter a faixa indicativa baixa sempre destruiu muitos heróis no processo, como aconteceu com o próprio Deadpool em Wolverine (2009).

Mas se a adaptação para o cinema de X-Men dividiu o espaço entre as eras antes e pós o gênero de super-heróis, espera-se que Deadpool agora divida as águas novamente entre filmes desse gênero com censura livre, e aqueles nem tão livres assim.

Isso não significa que seja um filme sério. Pelo contrário, a sério ele não se leva em momento algum a começar pela sequência dos créditos iniciais, tirando sarro de si mesmo, satirizando o gênero da melhor forma possível. Piadas é o que não vão faltar, mas o tom jocoso, chulo e infame realmente não seria o mesmo se o roteiro tivesse sofrido modificações para ser acessível ao público infantojuvenil. O personagem perderia suas características principais que tanto o destaca dos demais.

Deadpool é um anti herói, um mercenário que basicamente surgiu pela admiração do desenhista Rob Liefeld pelos Jovens Titãs, da DC, por isso sua aparência um tanto similar com a do vilão Deathstroke. Quando ele ganhou sua própria revista, seu futuro era incerto, e a constante possibilidade de seu cancelamento fez o roteirista Joe Kelly transformá-lo em uma sátira e uma paródia de todo o universo dos quadrinhos, naquela idéia de que "já que não tem futuro, a gente arregaça". Mas o que aconteceu é que todo esse tom autodestrutivo foi o que chamou atenção, e de repente as revistas de Deadpool começaram a sumir das bancas e a base de fãs havia se consolidado.

Ao ser cobaia de um experimento, o personagem ficou imortal e mentalmente instável, o que fez desse fato uma excelente justificativa para o excessivo uso de palavrões e atitudes que ridicularizam seus inimigos, vítimas das mais mirabolantes e sanguinárias formas de execução, e também de suas piadas chulas recheadas de referências da cultura pop. Aquele tipo de personagem que literalmente samba na carcaça, seja sua ou dos outros, feito para ser irritante e autodepreciativo, que fala o tempo todo até mesmo com seus leitores, quebrando aquilo definido por Denis Diderot no século XIX de "quarta parede".

Essa "quebra" acontece quando um personagem se volta para seu público, falando diretamente com ele, como a que chamar atenção para um fato específico. O uso desse elemento tem várias funcionalidades narrativas, como acontece no recente A Grande Aposta (The Big Short, 2015). É comumente usado na comédia por dar oportunidade para o personagem fazer um parenteses sobre a situação, um comentário extra, esclarecendo um pensamento que os demais personagens desconhecem. Portanto, é qualquer ação em que o personagem dialoga diretamente com o observador, e é o que Deadpool faz com frequência nos quadrinhos quando fala com seus leitores, e que agora também faz com seus espectadores no cinema, lembrando a todo instante que próprio cinema esqueceu que esse elemento existia.

Em planejamento desde 2000, o projeto para o filme sofreu diversas modificações ao longo dos anos, engavetado várias vezes, e o ator Ryan Reynolds entrou nessa história um tanto por acaso. Ele ficou obcecado pelo personagem em 2004, quando lhe deram uma edição dos quadrinhos e ele abriu exatamente na página em que Deadpool se autodescrevia como "o cruzamento de Ryan Reynolds com um cão shar-pei". Aquilo chamou sua atenção, e segundo ele mesmo afirmou, a princípio achou que fosse uma pegadinha ou um sinal divino de que seu futuro seria interpretá-lo. Ele se identificou demais com o humor das histórias, e quando descobriu que o personagem seria incluído no filme Wolverine (2009), convenceu os produtores a darem o papel a ele. Mas a descaracterização foi tão grande que os fãs reagiram negativamente, e desde então Reynolds promoveu a idéia de que Deadpool tivesse um filme próprio para que o erro fosse consertado.

A idéia de um spinoff sempre existiu, mas o produtor Lauren Donner queria que o filme solo do herói fosse o mais fiel possível dos quadrinhos, o que exigia ignorar o que foi apresentado sobre ele em Wolverine e que a classificação etária não fosse menor do que 16 anos, fato que deixou o estúdio relutante porque não era esse o objetivo. Reynolds declarou que quando interpretou o personagem pela primeira vez, sua idéia era completamente diferente, mas que por decisões maiores precisou modificar, e que ele nada pode fazer porque era apenas um ator contratado.

Foi então que em 2012 a equipe de efeitos especiais produziu um curta para testes de pré-produção, e em 2014 esse vídeo vazou na internet. Os fãs foram à loucura, e enquanto o estúdio tentava descobrir quem foi o responsável pelo vazamento do material, a reação positiva foi monstruosa nas redes sociais. A Fox recebeu uma avalanche de e-mails solicitando a realização do filme, e aquilo que parecia um erro se transformou no maior acerto, porque o sucesso do vídeo foi a razão para o estúdio finalmente liberar a verba, dando total independencia e liberdade criativa para a produção. Segundo o ator, os chefes do estúdio basicamente deram o sinal verde não porque realmente queriam fazer o filme, mas porque queriam que os deixassem em paz.

Os custos foram estimados em aproximadamente US$50 milhões, muito inferior do que costuma ser para filmes do gênero. Mas Reynolds estava tão engajado e interessado no personagem há tantos anos que aceitou reduzir seu cachê para favorecer os custos e também entrou como um dos produtores para ter a mesma liberdade criativa e poder interferir no material sempre que achasse necessário.

E não podia ter acontecido coisa melhor. 

O filme é violento, sangrendo, cheio de palavrões e referência sexuais, mas na história das adaptações de quadrinhos na tela, isso nunca caiu tão bem como acontece aqui. Tanto que Reynolds, junto com os roteiristas, deram aos atores liberdade para improviso. São imperceptíveis, pois são naturais como é a linguagem de Deadpool nos quadrinhos.

E se você pensa que o modesto orçamento limita a qualidade, puro engano. Com pouco foi feito muito. As cenas de ação não deixam a dever para nenhum outro filme de grande orçamento, sempre recheadas de efeitos especiais e de câmera, havendo até a inclusão de uma versão digitalizada de Colossos. Colossos pode não ser o melhor exemplo de personagem digital que existe, mas o visual um tanto tosco e cartoonizado neste filme - quando comparado com suas aparições na franquia X-Men - se encaixam muito bem nessa despretenção do filme de ser algo sério.

Ao contrário daquilo que poderia ser com o excesso de piadas, diálogos e quebras de quarta parede, Deadpool não é irritante como consegue ser nos quadrinhos, se transformando em um personagem bastante carismático. Não havia obrigação em desenvolverem uma trama a partir do romance dele com Vanessa (Morena Baccarin), mas o cliché romântico funciona muito bem dentro dessa meta sátira que o personagem vive, ao mesmo tempo que deu oportunidade para Reynolds embutir no personagem uma camada emotiva sutil, como quando descobre estar doente, ou quando é abordado para fazer parte da experiência genética. Essa trama romântica em nada atrapalha a história de vingança e no filme essencialmente de ação que ele é, aliás, nos faz torcer ainda mais para que ela aconteça.

Sem dúvida o persongem boca suja, irreverente, impiedoso e fã do grupo Wham! está lá como está nos quadrinhos. É um filme incorreto por excelência, com coadjuvantes tão incorretos como ele, como seu interesse romântico, que é uma prostituta; seu melhor amigo Weasel (T.J. Miller), que é dono de um bar frequentado por mercenários e criminosos; ou a cega Al (Leslie Uggams), uma senhora viciada em cocaína que divide apartamento com o protagonista. Mas os pontos altos, além da personalidade bipolar e assexuada do personagem (rendendo até uma breve cena de sexo que vai deixar muito machão bolado), sem dúvida são as constantes referências usadas o tempo todo em diálogos ou situações, como quando Wade pede que não lhe deem um traje verde ou digitalizado, em referência a Lanterna Verde, personagem que Reynolds também interpretou e que foi igualmente um fiasco reconhecido até mesmo por ele.

Para quem não tem uma cultura popular muito abrangente, algumas piadas podem não fazer muito sentido, mas tudo foi construído de forma que o humor exista mesmo assim. Até em piadas manjadas e classicas do personagem, como o famoso "murro no saco", conseguem sair daquele pastiche de comédias B. Uma pena que as legendas empobrecem bastante as piadas na tradução, então para quem entende a língua, a experiência será completamente outra.

Acima de tudo é um filme feito para fãs do herói e da cultura pop em geral, mas para quem assitir apenas no interesse de se entreter por ser mais um filme de ação ficará surpreso por Deadpool ser uma antítese ousada e escapista daquilo que ficamos acostumados a ver em filmes de super heróis, tudo ao ponto de querermos que, daqui pra frente, qualquer adaptação siga a mesma despretenção para que a diversão seja garantida até mesmo quando o personagem corta a própria mão para se ver livre de algemas.

Com uma estratégia de marketing inovadora que rendeu aproximadamente 20 vignettes (pequenos vídeos) no YouTube, o resultado de tudo isso é um filme que já rendeu mais de US$260 milhões no mundo em seu primeiro final de semana, o que garantiu sua continuação. O que vem muito a calhar porque ele realmente deixa aquele gosto de quero mais.

CONCLUSÃO...
Se os filmes de heróis já pareciam não ter nenhuma novidade, Deadpool chegou em tempo para provar o contrário e dar abertura para aquilo que faltava no gênero: ousadia e despretensão independente da faixa etária. É um dos raros filmes que provam que uma boa adaptação não precisa de um orçamento exorbitante, mas criatividade, interesse e fidelidade ao material original. Sem dúvida há muito para falar sobre o personagem, mas o filme em si já dispensa maiores detalhes.

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