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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O MUNDO QUE VIVEMOS...

★★★★★★★★☆
Título: O Quarto de Jack (Room)
Ano: 2015
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Lenny Abrahamson
Elenco: Brie Larson, Jacob Tremblay, William H. Macy, Sean Bridgers, Joan Allen
País: Canadá, Irlanda
Duração: 118 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma mulher e seu filho se libertam de um quarto por onde viveram anos. Ao saírem enfrentarão processos de descobertas, mas não mais na mesma sincronia.

O QUE TENHO A DIZER...
Joy (Brie Larson) foi sequestrada e mantida em cativeiro por sete anos. Frequentemente molestada pelo seu sequestrador, foi assim que engravidou de Jack (Jacob Tremblay), e assim o manteve por perto para motivá-la a viver nas condições de extrema solidão em que foi posta.

Os anos se passaram e Jack completou 5 anos. O mundo não se transformou ao seu redor, e o ambiente em que vive é, para ele, como uma extensão do útero de sua mãe, uma parte viva que o complementa, enquanto para Joy, o mundo que vivia teve de ser abandonado. Um mundo paralelo e escapista teve de ser criado para que seu filho se adequasse àquela realidade. Tanto que Jack se refere ao Quarto como uma pessoa, e não como um lugar, até porque ele não sabe o que são lugares, já que nunca esteve em outros.

Embora O Quarto De Jack seja um drama sobre a penosa vida em cativeiro que a protagonista se encontra e a forma como aprendeu a se abstrair disso, chega um momento em que sua história se transforma em um mar de descobertas em todos os sentidos. E grande parte disso se deve pelas observações de Jack e sua visão infantil e ingênua sobre os diferentes mundos que se chocam para ele em contraponto à visão mais comum e conformista de sua mãe após a libertação.

Os mundos reais e imaginários se confrotam quando Joy finalmente percebe que Jack não pode continuar vivendo daquela forma, e que um dia ele perceberia que há muito mais além das quatro paredes. Em um ato de desespero e sem escolhas, ele é jogado para fora do quarto, e é quando Jack conhece o mundo como se nascesse novamente. Tudo será uma descoberta e uma novidade, enquanto para ela o processo será mais doloroso e inverso em reflexo à sua perda de identidade e função depois de sair do cativeiro.

O filme definitivamente consegue abordar de forma bastante sutil os traumas tanto de Joy quanto de seu filho. Conseguimos nos colocar no lugar de ambos e imaginar como deve ser para Joy ter de abandonar em absoluto o mundo e as pessoas que amava, e como deve ser para Jack acreditar que a cama, as cadeiras, a mesa, a pia, o guarda roupa e a clarabóia são a constituição máxima de seu mundo. Mesmo que seja uma criança com uma condição mental plástica, ou seja, que se adapta facilmente, é imaginável o choque para ela ao abrir os olhos e descobrir que as únicas paredes que existem no mundo são aquelas que os próprios homens constróem. Enquanto para Joy essa plasticidade em se readaptar às situações não será tão simples assim, e acreditará ser mais fácil manter-se aprisionada em um lugar onde ninguém possa ter acesso.

Talvez a maior dificuldade da protagonista seja cortar o cordão umbilical imaginário de seu filho. Ela desenvolveu um estado de dependência e cuidado, e Jack foi seu único objetivo para continuar viva dentro do cativeiro. Ao sair dele ela entra em pânico ao perceber que ele está se adaptando bem às bruscas mudanças, pois é como se os objetivos dela não existissem mais, como se ela não tivesse mais objetivos para continuar vivendo. É quando seus conflitos fora do quarto se estabelecem.

Não é um drama pesado como poderia ser, mas sem dúvida é bastante comovente e emotivo com honestidade e sem exageros. Quando se tem a impressão de que a carga dramática ficará mais pesada, é aliviada com a narrativa de Jack, que tenta colorir em palavras suas novas descobertas e sua visão particular sobre aquilo que o rodeia.

Quando o filme está sob o ponto de vista de Joy, é como se o mundo não fizesse tanta importância. Ele é cinza, opaco, sem graça e doloroso. Mas quando o ponto de vista de Jack vem à tona, é como se as janelas fossem abertas e percebessemos como desperdiçamos nossa vida sem prestar atenção à nossa volta, e que nós mesmos nos confinamos em nosso mundo particular mesmo vivendo em liberdade. Uma associação entre a realidade com o quarto em que viviam: pequeno, comum e limitado.

Essa diferença de percepções já foi usada pelo diretor Lenny Abrahamson anteriormente em O Que Richard Fez? (What Richard Did, 2012), um filme igualmente delicado, que não evita  mostrar como o peso de nossas escolhas são responsáveis por drásticas mudanças em nossas vidas.

O trabalho desempenhado por ele aqui segue no mesmo equilíbrio entre a sutileza e a densidade, emocionando nos tempos certos e sendo motivador desde o princípio.

Além do roteiro bastante linear e conciso de Emma Donoghue (também autora do livro), os méritos do filme se valem pelo fato de não haver um momento de desperdício. Todas as cenas são claras e diretas e respeitam toda a delicadeza da história. O elenco reduzido e extremamente competente também faz toda a diferença. Não é à toa que Brie Larson vem abocanhando os prêmios da temporada, a qual, para se preparar para o papel, ficou em reclusão por um mês em um único cômodo, dentro de uma dieta restrita, como acontece com sua personagem.

Uma pena que não fica muito claro como a protagonista foi parar lá ou quem de fato era seu sequestrador, só é comentado muito brevemente a circunstância em que ele se aproveitou da situação. Bate essa curiosidade, mas não há dúvidas de que o filme funciona muito bem sem isso. Também pode ficar um pouco estranho para alguns o motivo do pai de Joy não conseguir aceitar o neto, mas não havia forma mais sutil para demonstrar o ódio e repúdio que ele sente não pela criança, mas pelo causador de tudo aquilo.

Aliás, existe uma teoria de que todo filme fica mais interessante quando William H. Macy aparece, e realmente isso volta a acontecer aqui. Uma pena que sua participação é breve demais quando poderia ter sido maior ao longo da segunda parte da história.

Acho interessante a polêmica que se criou em torno da androginia da criança. Por ter cabelo comprido não se sabe ao certo se é um menino ou uma menina. Enfim, como se realmente o sexo da criança importasse no desenvolvimento da história. Talvez tenha sido exatamente por isso que ela foi caracterizada dessa forma e posteriormente caracterizada de outra, como se ela mesma tivesse encontrado sua identidade no mundo externo.

O filme tem sido vendido como baseado em fatos reais. E embora o livro tenha levemente se baseado em um fato verídico, o diretor afirmou que o filme não faz referência a nenhum fato real.

CONCLUSÃO...
Um filme delicado e interessante que também funciona bastante como uma metáfora quando pensamos que, mesmo livres, nos limitamos e restringimos em um mundo imaginário dentro da imensidão de espaços e lugares a nossa volta. O Quarto não é um drama de vingança e de justiça, mas de diferentes percepções do mundo e daquilo que consideramos mundo.

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