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sábado, 27 de fevereiro de 2016

COMO TODA CONTINUAÇÃO MAL PENSADA...

★★★☆
Título: O Tigre e o Dragão: A Espada do Destino (Crouching Tiger, Hidden Dragon: Sword Of Destiny)
Ano: 2016
Gênero: Ação, Artes Marciais
Classificação: 14 anos
Direção: Yuen Woo-Ping
Elenco: Michelle Yeoh, Donnie Yen, Shuya Cheng, Natasha Liu Bordizzo
País: China
Duração: 96 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
18 anos após a morte de Li Mu Bai, a Destino Verde vira alvo dos clãs ambiciosos que almejam o poder e domínio marcial.

O QUE TENHO A DIZER...
Quando Ang Lee dirigiu O Tigre e o Dragão (Crouching Tiger, Hidden Dragon, 2000), ele consolidou o seu estilo de unir a cultura oriental com a ocidental de forma acessível e inspiradora. Baseado no quarto livro da pentalogia Crane-Iron, de Dulu Wang, era basicamente um drama sobre honra, respeito e amor, onde o estilo Wuxia predomina, que são histórias da cultura chinesa contadas como lendas, sempre narrando aventuras de mestres em artes marciais (ou guerreiros voadores) na China antiga.

O tremendo sucesso do filme fez a especulação sobre uma continuação sempre existir, mas Ang Lee nunca demonstrou interesse. Essa idéia se arrastou até 2013, quando a onda de reboots mostrou-se algo lucrativo e a Weinstein Company, juntamente com o Netflix, resolveram produzir uma continuação direta baseada em Iron Knight, Silver Vase, último livro da série.

Lançado simultaneamente no serviço e em cópias limitadas no cinema, teria sido um fenômeno se feito dez anos atrás, mas agora nada mais é do que uma oportunidade interessante para o Netflix continuar fazendo aquilo que aprendeu bem, que é pegar para si aquilo que os outros jogam fora.

A história segue 18 anos após a morte de Li Mu Bai no primeiro filme. O clã do qual Yu Shu Lien (Michelle Yeoh) faz parte se reduziu a poucos, e uma guerra se estabeleceu para que seja imposto um clã dominante no mundo marcial, e novamente a Destino Verde se torna alvo de ambição de muitos, cabendo ao clã de Shu Lien defendê-la e mantê-la nas mãos dos bem intencionados enquanto uma história de amor se forma e outra tenta ser superada.

Sinceramente, o resultado é equivocado como toda continuação mal pensada. A direção foi parar nas mãos do coreógrafo marcial chinês Yuen Woo-Ping, responsável pela coreografia tanto do filme original quanto de Matrix (1999) ou Kill Bill (2003), e sua inexperiência fez todo o respeito cultural que Ang Lee esculpiu com esmero no filme original ser destruído sem qualquer cerimônia pelo simples fato de não ser em mandarim. Ao invés disso é em lingua inglesa, algo sempre visto pelos chineses como uma afronta quando se trata da cultura deles. 

A trama de fato começa quando um misterioso mascarado tenta roubar a Destino Verde da Casa de Chá na calada da noite. É... de novo! A gente já viu essa mesma situação no filme original, e é até bom quando isso acontece porque dá pra fazer uma comparação direta. Aquilo que nas mãos de Ang Lee parecia um poema belamente coregrafado e até com um sutil humor, aqui se torna uma lutinha sem sentido, monótona, cheia de pausas e câmeras lentas indevidas que fazem toda aquela dinâmica de um filme marcial perder a graça. Sem falar da incrível previsibilidade da situação que já deixa evidente que serão eles o par romântico principal da história. Tenta criar situações engraçadas entre um golpe e outro, mas a edição arrastada não ajuda.

A incompetência é nítida. O roteiro de John Fusco nada tem daquela fantasia e senso histórico do anterior, e os diálogos ruins fazem os novos personagens serem esquecíveis, mais ainda quando em atuações sofríveis como a de Natasha Liu Bordizzo, a quem foi dado o papel de Vaso de Neve. Woo-Ping não consegue conduzir seus atores, muito menos posicioná-los. A câmera constantemente estática deixa as cenas apáticas. Várias das sequências começam (ou terminam) em planos aéreos para mostrar os cenários digitalizados e sem vida. Não há ousadia, nem identidade. Aliás, sobre os cenários, é constante a sensação de que eles não se conectam. De um campo vai para as montanhas, que vai para a Casa de Chá e que pula pra floresta. Não há transições, não há uma vida dentro do filme e nem uma continuidade aceitável. O que existe são esquetes em cenários para tentar reproduzir genericamente ou causar o mesmo impacto visual que o filme de Ang Lee causa com deslumbre.

Até mesmo as cenas de luta, o principal atrativo para o público que espera isso, e que é o verdadeiro talento do diretor, aqui parece uma sátira, uma brincadeira de quintal. A coreografia não é fluida, percebe-se uma certa "demora" na execução dos movimentos, como se os atores estivessem pensando nas marcações, algo que no original nunca acontece. Então não convencem, pelo contrário, acentuam mais ainda a insegurança dos atores em realizá-los. Apenas nas últimas batalhas que essa sensação melhora um pouco.

De repente o filme se torna um pastelão chinês, com batalhas sem sentido, personagens que se apresentam como super heróis engraçadinhos e que fazem caretas o tempo todo. Aí que a oportunidade do filme ser algo sério se perde de vez. Talvez a situação mais estranha seja a da personagem Jen Yu, que no filme original foi interpretado por Ziyi Zhang, a qual se atira em um precipício para se redimir de suas culpas e deixa a história em aberto se aquilo foi um suicídio ou uma fuga. A presença da personagem, agora vivida por Shuya Chang, não é esclarecida, e nem ao menos há um confronto entre ela e Shu Lien, o que, por vias de ser uma continuação direta, deveria ter sido obrigatório, já que toda a trama do primeiro filme aconteceu, em grande parte, em torno disso. Mas ao contrário do que se espera, ela entra e sai do filme como algo irrelevante.

É triste admitir, mas tudo é muito artificial e amador, algo que pelo trailer já esperava-se. Michelle Yeoh até tenta carregar nas costas, mas não consegue. É tudo tão forçado e distante do original que até os figurantes parecem estar lá sem saber porque estão. A única coisa que atrai (se é que pode-se dizer isso) é uma ou outra sequência e a fotografia, que por muitas vezes consegue ser bonita, mas não porque foi algo estratégico, mas um susto que deu certo porque a câmera está sempre em angulações confortáveis, tiradas de um manual de como fazer um filme em nível básico.

Definitivamente o Netflix errou. Claro que não deixa de ser um entretenimento e uma opção a mais exclusiva pra quem assina o serviço, mas não há motivo de assisti-lo quando o original também está disponível. Se tivessem feito um seriado baseado nos livros talvez o resultado teria sido muito mais interessante, e mais a cara do serviço.

CONCLUSÃO...
Se não serve pra ser assistindo nem como filme para televisão, serve menos ainda para ser assistido como uma sequência de uma obra prima que uniu o cinema comercial com o alternativo da cultura chinesa. Um clássico de Ang Lee insubstituível.

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