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segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

TIME QUE GANHA NÃO SE MEXE...

★★★★★★★★
Título: Trapaça (American Hustle)
Ano: 2013
Gênero: Drama, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: David O. Russel
Elenco: Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Jeremy Renner, Robert De Niro
País: Estados Unidos
Duração: 138 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Irving e Sydney são um casal de trapaceiros forçados a ajudar o agente do FBI, Richie, a coletar provas contra o Prefeito e desarmar um esquema mafioso e de corrupção em cadeia.

O QUE TENHO A DIZER...
Onde ou quem é que tenha dito a David O. Russel que "time que está ganhando não se mexe", ele ouviu muito bem. Ele dirige e escreve este novo filme e, tal qual seu anterior, O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, 2012), volta a trabalhar com Bradley Cooper e Jennifer Lawrence, bem como a maioria dos demais atores que trabalharam com ele em filmes anteriores, com excessão de Jeremy Renner. Mas os movimentos que ele utilizou nesse tabuleiro de xadrez em Hollywood foi diferente. Embora novamente tenha pego os dois atores que ele ajudou a consagrar, aqui eles não atuam em parceria (aparecem juntos em apenas uma única cena muito breve), além de terem uma participação mais coadjuvante. Isso já torna o filme interessante, porque não abusa da exploração do sucesso de ambos. E mesmo atualmente sendo os atores mais requisitados, também optaram por um filme menor e papéis menores, mas nem por isso desinteressantes. Isso é muito relevante e mostra a maturidade de ambos. Bradley Cooper, mais experiente, já apresentava essa tendência quando começou a investir como produtor (aqui ele assina como co-produtor), e Jennifer vem sabendo escolher bem os papéis que caem em suas mãos (ou seu agente que é bom demais), e ela caiu nas graças do público e da crítica e se tornou a nova "Namoradinha da América".

A história deste filme nada tem a ver com o anterior, embora os personagens sejam tão problemáticos quanto (principalmente as personagens femininas), e não é uma história tão real como dizem no princípio, informação que virou moda hoje em dia até mesmo na ficção. A trama é apenas um esboço do esquema Árabe ocorrindo no final dos anos 70 e começo de 80, em que o FBI iniciou uma investigação pontual e depois a expandiu para incluir outros esquemas de corrupção. O roteiro do filme já estava pronto havia anos e ficou em oitavo lugar na Lista Negra de Hollywood no ano de 2010, que é uma lista divulgada todos os anos sobre os melhores roteiros que não foram produzidos.

Como é de costume nos filmes de Russel, o que manda não é o roteiro, ele é apenas uma linha guia. Quem manda são os atores e seus shows particulares, pois há muitos improvisos em ações e diálogos (mesmo assim o filme está presente na temporada de premiações na categoria Roteiro Original), o que, particularmente, faz dele algo muito mais interessante, pois foge de marcações e deixa os atores livres e ainda sim encarnados em seus personagens, demonstrando um outro domínio de técnica.

Falando em técnica, é um dos filmes tecnicamente perfeitos do ano, daqueles feitos realmente para serem enquadrados na temporada de premiações. Isso é bom porque é prazeroso ver tanta qualidade, mas ao mesmo tempo soa plástico demais por conta desse excesso de qualidade.

Russel novamente abusa da câmera na mão, mas seu esquema de direção firme, porém adaptável, faz todas as atuações - sem excessão - serem pontuais e muito bem colocadas em cena. É nítido como sua visão sobre o produto final era algo muito sólido porque o filme flui sem tropeços graças a seu roteiro, direção e principalmente pela edição, que se não fosse tão exata frente a tantas histórias e reviravoltas que acontecem facilmente teria tirado o filme do trilho. Não há engasgos ou momentos em que o espectador se sinta perdido na história frente a tantas tramas paralelas e tantos personagens com personalidades tão distintas e muito bem exploradas e desenvolvidas. Os improvisos, que são marcas do diretor, que já declarou que sua preocupação com os personagens é maior do que com seus diálogos, faz o filme fugir do que está originalmente descrito e previsto, tomando um rumo natural, como se os personagens criassem vida própria.

A trilha sonora original, assinada pelo sempre magnífico Danny Elfman, nunca é invasiva e sempre um grande complemento para todo o desenvolvimento, mas o que mais chama atenção, sem dúvida, é o desenho de produção. Belíssimo no figurino e cenários, reproduzido bem a década de 70 e o exagero estiloso da época. Ainda sobre o desenho de produção, não podemos evitar de perceber que em alguns momentos soa mais moderno e atual que a própria década reproduzida, até porque sabemos que a tecnologia cosmética e têxtil da época era muito diferente da utilizada hoje e no filme, algo que parece ser um pouco ignorado, o que resulta em um anacronismo sobre as diferenças de qualidade, cores e texturas que não atrapalha, mas frustra um pouco na tentativa de ser fidedigno.

As atuações são excelentes em todos os aspectos, mesmo quando há a esquisitice exagerada de Christian Bale em engordar absurdamente para o papel, uma atitude muito mais para chamar atenção sobre seu comprometimento do que um grande adicional ao personagem, porque era dispensável. Bale nunca foi um galã para ter que sofrer grandes transformações para dar mais foco a seu talento do que para uma beleza que ele nunca teve, mas ele aparenta gostar desses processos metamórficos, já que é o terceiro filme com Russel que ele se propõe a isso. Mas com excessão dessas decisões dispensáveis e particulares do ator, sua performance é notável, e seu personagem, tal qual é dito até mesmo no filme, consegue atrair a simpatia mesmo sendo esquisito e às vezes asqueroso, justamente por ser um homem sensível e inteligente. Mas sem dúvida quem rouba toda e qualquer cena é Amy Adams, que nunca peca pelo excesso. Sua personagem começa o filme fraca, apenas chamando atenção por ser belíssima, envolvente e bastante sexualizada, mas conforme o filme desenvolve notamos que ela é composta de várias camadas, e que, no fundo, ela tem mais profundidade do que aparenta, além de ser uma mulher frustrada por nunca ter sido realmente amada e valorizada pela sua essência e capacidade. O desenvolvimento da sua personagem é tão brilhante que em determinadas cenas Amy consegue transpor todas essas frustrações, anseios e até poucas felicidades e prazeres de uma única vez, o que deixa evidente em como sua personagem é complexa, com um misto de emoções e sensações que a perturbam. Não é à toa que, juntamente com Cate Blanchett ou Kate Winslet, ela também é considerada por alguns como uma nova Meryl Streep (esta será sua quinta indicação ao Oscar).

Agora, muito tem se falado sobre a atuação de Jennifer Lawrence, mas particularmente acredito que seja mais uma superestimação por conta de sua grande exposição do que uma personagem realmente marcante. Todos já sabemos que ela é talentosa, mas os surtos dramáticos em cena não são muito diferentes do que os mostrados em O Lado Bom da Vida, algo que futuramente deixará de ser convincente pra ser um vício de interpretação, caso ela se acomode nesse exagero. Há poucos momentos em que sua personagem é dominante, e são momentos típicos e clichés para serem apresentados no telão do Oscar quando seu nome for bradado entre os indicados. Há até um beijo na boca de Amy Adams, que pode soar irônico e até engraçado, mas um tanto fora de contexto. De qualquer forma, a personagem é tão complexa quanto a de Amy (ou talvez até muito parecida), mas é tão coadjuvante que se fosse dispensada não atrapalharia a trama, ela só existe para dar uma profundidade dramática maior aos conflitos do personagem de Christian Bale, como se os que ele já possui não fossem bastante. Ela venceu prêmios importantes na categoria Atriz Coadjuvante, e tem grandes chances de novamente receber o Oscar pela sua atuação, mesmo porque esta categoria não esteja muito bem servida este ano.

É um filme longo (mais de duas horas) e que demora pra engatar na trama propriamente dita, uma primeira parte para apresentar e se aprofundar nos personagens e uma segunda para chegar na trama principal de fato, mas tudo é tão bem construido e costurado que essa divisão parece até muito simplópria no meio de tanta qualidade, além de tudo ser muito bem escrito e detalhado, ninguém precisa se esforçar pra entender o que acontece na trama principal ou entre os personagens, algo raro em filmes comerciais com tendência a aparentarem complexos demais só para enganar bobo.

CONCLUSÃO...
Como um todo, Trapaça é um filme sólido e respeitável, com qualidades técnicas que chegam a ser deslumbrantes e uma trama que envolve vagarosamente e surpreende, mesmo que sua conclusão já seja previsível. Merece figurar entre os melhores do ano e entre as listas da temporada de premiações, deverá ganhar em algumas categorias principais, mas não podemos ignorar também o fato de que o cinema de Hollywood anda cada ano mais fraco e sem grandes surpresas, por isso que a atenção e superestimação a poucos títulos aconteçam.

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