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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

UMA GRANDIOSA PARTE DA HISTÓRIA...

★★★★★★★★★☆
Título: O Amante da Rainha (En Kongelig Affære)
Ano: 2012
Gênero: Drama, História
Classificação: 14 anos
Direção: Nikolaj Arcel
Elenco: Alicia Vikander, Mads Mikkelsen, Mikkel Boa Folsgaard, Cyron Melville
País: Dinamarca, Suíça, República Tcheca
Duração: 137 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma passagem sobre a Dinamarca durante o Iluminismo no século XVIII e a influencia sofrida no reino pelo médico e pensador alemão Johann Friedrich Struensee.

O QUE TENHO A DIZER...
Esta pérola do cinema dinamarquês foi dirigida e escrita por Nikolaj Arcel. O roteiro, escrito em parceria com Rasmus Heisterberg, já estava em desenvolvimento desde 1999 e era para ser baseado na obra The Visit Of The Royal Physician, de Per Olov Enquit, que por sua vez é baseado nos eventos que aconteceram durante o período em que Friedrich Struensee fazia parte da corte dinamarquesa. Porém, os direitos de adaptação do livro já haviam sido vendidos há uma companhia que tentava há uma década adaptá-lo em inglês, sem sucesso. Esta companhia não quis vender os direitos a produtora Zantropa, que produziu este filme, e cujo um dos chefes é Lars Von Trier. As pesquisas continuaram e o filme foi, então, baseado no livro erótico Prinsesse Af Blodet, de Bodil Steensen-Leth, que conta a história a partir do ponto de vista da rainha Caroline Mathilde.

Embora a narrativa e as caracterizações ainda continuem fortemente baseadas no livro que era originalmente para ser adaptado, foi necessária diversas mudanças no roteiro e na construção da história para que a produção pudesse ter continuidade. Olov Enquit foi até mesmo consultado pessoalmente para que o diretor pudesse esclarecer o que era inventado e o que era baseado em pesquisas históricas ao ponto de uma pessoa ter sido contratada especificamente para comparar o roteiro com o livro de Enquit, página a página, para garantir que havia diferenças significativas e a produção não correr o risco de ser impedida caso fosse considerada uma adaptação não autorizada.

Mesmo com todas essas dificuldades sofridas durante a produção e a forma às vezes extremamente romântica e shakesperiana de como é mostrado o romance entre a rainha Caroline e o físico/médico/filósofo Struensee, não há como negar que o filme não apenas é belíssimo como também um grandioso drama histórico sobre um período pouco conhecido hoje em dia sobre aquele país durante o movimento iluminista ocorrido na Europa no século XVIII, e que, portanto, transformou a Dinamarca no último país Europeu a sofrer avanços sociais e políticas relevantes durante o reinado de Christian VII sob influência de Struensee.

A história do filme vai pegar o período em que Struensee, um físico/médico plebeu, é admitido como Médico da Coroa depois de ser influenciado por seus amigos igualmente iluministas de que essa seria uma grande oportunidade de conseguirem inserir (ou reinserir) seguidores desse movimento filosófico e político na nobreza. Com medo de perder sua soberania e domínio sobre os camponeses e de que os pensamentos e ideais contraditórios atingissem as fronteiras do país, a corte era tirana, governando através de imperativa autoridade através do medo e da censura. Proibia a circulação de textos e livros, e retaliava encontros entre intelectuais que pudessem trazer risco à confortável situação da nobreza, castigando, punindo, torturando e matando todos aqueles que se rebelassem ou divulgassem um pensamento contrário.

Struensee conseguiu mais do que aquilo que imaginava, e se tornou um grande aliado do rei Christian VII, pois foi o único que soube lidar com sua demência, e o rei, por sua vez, encontrou no médico um grande amigo e parceiro justamente por ser o único capaz de compreender seus delírios e tratá-lo não como um louco, mas como uma pessoa naturalmente excêntrica. As boas intenções do médico e a possibilidade de trazer mudanças ao país e ao povo, e a oportunidade de se tornarem uma grande referência no continente, fez com que Struensee bem utilizasse essa influência sobre o Rei para o bem da ideologia política e iluminista. Várias mudanças substanciais ocorreram durante esta influência, ao ponto do médico plebeu se transformar na autoridade máxima da corte quando o Rei resolveu dissolvê-la por completo após uma tentativa deportarem Struensee para a Alemanha, seu país natal, e nomeá-lo Ministro da Corte.

Na dificuldade de atacarem o agora Ministro, descobriu-se que o mesmo tinha um caso com a Rainha Caroline, que, segundo o filme, desprezava o Rei e era intolerante com ele pois desconhecia até onde sua demência e desvios comportamentais eram uma ameaça. Não apenas isso, Caroline ficou grávida de seu segundo filho, mas dessa vez de Struensee. Os ex membros da corte se aproveitaram dessa fraqueza e fizeram disso um grande escândalo que colocou o reino e sua população em polvorosa, e um golpe foi orquestrado para a queda do poder do médico filósofo sobre o reino.

Entre os fatos reais e fictícios, a distinção é clara para o bem do drama, da construção do roteiro e suas tramas, mas em nenhum momento eles se conflitam ao ponto de diminuir a grandiosidade de toda a história que mostra e pontua claramente as dificuldades e incertezas de um povo submisso e que vivia sob a sombra de incertezas.

Embora o título se refira ao romance Real, e seja essa a trama principal, as demais não são ofuscadas por isso, e há momentos de grande importância para cada tema abordado. Pelo mínimo que seja lido sobre este período já é possível verificar que o roteiro realmente se baseia em fatos sólidos e verídicos, construídos de forma cronológica e didática o suficiente, dando uma noção de passagem de tempo e mudanças convincentes e que raramente é visto com tanta eficácia e eficiência em filmes do gênero. Ao contrário de muitos filmes de temática histórica, este está longe de ser tedioso ou cansativo, mesmo tendo mais de duas horas de duração. As situações e fatos são tão bem definidos e construídos que seu desenvolvimento atrai o interesse do espectador pela História e nos insere dentro dela, como um observador vivo e presente, que vibra com os sucessos, anseia pelas mudanças e sofre com a falta de caráter dos outros tanto quanto os personagens principais. A idéia também desenvolvida pelo filme de que tudo pode ser contornado, resolvido e superado, como ocorre em vários momentos, faz o espectador torcer por um final feliz aos personagens, mesmo ele sabendo que na História as coisas não foram assim. Esse sentimento é graças ao tom fictício utilizado com sucesso dentro de tantos fatos verídicos. Portanto, brincar com a História de maneira séria ao ponto de conseguir fazer o espectador esperar que o fim seja diferente, é um sinal de que a proposta do cinema foi atingida, a de nos imergir em todo aquele mundo recriado. Mas apesar de todo o sofrimento e um final trágico a todos, sempre há alguma esperança para as mudanças e não há como não se emocionar com o epílogo e as tranformações positivas que o país sofreu por conta da grandiosa índole dos descendentes Reais.

A relação mostrada entre Struensee, Christian e Caroline e a relação de confiança e comprometimento entre eles não apenas é mostrada de forma muito bonita como motivadora, deixando de ser simplesmente uma traição amorosa oca e vulgar para se tornar algo verdadeiro e humano suficiente, um bem necessário para toda a maturidade ideológica. E como já dito, uma grande aula de história também, já que esclarece muito o que foi o Iluminismo e porque ele foi tão temido pela nobreza européia.

As atuações de um elenco desconhecido nas américas surpreende, e o desenho de produção igualmente. O filme foi bastante aclamado pela crítica e pelo público. Chegou a concorrer ao Oscar e ao Globo de Ouro em 2013 na categoria Filme Estrangeiro, perdendo para o francês Amor (Amour, 2012), mas foi um passo relevante e uma grande publicidade a uma produção que poderia facilmente ter sido ignorada, mas felizmente está acessível a todos.

CONCLUSÃO...
Um drama histórico surpreendente que cresce e insere o espectador na história como uma parte dela. Uma grande aula de história contada de forma até shakesperiana e que esclarece muito os ideais iluministas e uma parte da história da Dinamarca desconhecida por muita gente.

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