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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

WOODY NA MELHOR FORMA...

★★★★★★★★★☆
Título: Blue Jasmine
Ano: 2013
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Woody Allen
Elenco: Cate Blanchett, Alec Baldwin, Sally Hawkins, Peter Sarsgaard
País: Estados Unidos
Duração: 98 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Jasmine é uma socialite que não está mais com seu marido, e embora aparente ter milhões, está sem casa e dinheiro no bolso, e agora volta a São Francisco para morar com sua irmã adotiva.

O QUE TENHO A DIZER...
Vamos encarar o fato de que eu definitivamente não sou um daqueles fãs disciplinados de Woody Allen que colecionam seus filmes desde a década de 70 e que tiram o pó da prateleira Woody Allen toda semana onde, de cima pra baixo, estão as coleções em VHS na primeira prateleira, depois as coleções de DVD, as de Blu Ray, e abaixo os livros: biografias, antologias, fotobiografias e peças teatrais. Mais abaixo, quase ao chão, as revistas de cinema, recortes de resenhas dos críticos mais honoráveis e respeitáveis, e entre uma prateleira e outra, souvenirs de pontos turísticos de Manhattan citados em seus filmes para cobrir buracos de uma ordem cronológica que ainda não foi completada.

Também vamos encarar o fato de que eu não tenho articulação suficiente para dialogar sobre seus filmes na sua forma mais psicoanalítica possível, e que também não vou levantar do sofá e esbravejar uma tese de doutorado quando alguém disser que não gostou, por exemplo, de O Escorpião de Jade (The Curse Of Jade Scorpion, 2001), ou que considera Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (You Will Meet a Tall Dark Stranger, 2010) um de seus piores filmes.

Vamos encarar também que eu nasci na década de 80, comecei a assitir filmes com 8 anos de idade e, por mais precocemente entendido que fosse aos 14, ainda era muito novo pra compreender seus filmes e personagens que sempre foram partes de suas próprias neuroses e complexidades. Talvez seja por isso que hoje aprecio os seus filmes com muito prazer, principalmente depois que ele descobriu que existe um mundo fora de Nova York, e que a esquisitice humana é presente em todos, não somente nele.

Blue Jasmine é mais um de seus filmes de uma safra pós autoconhecimento, vindo de uma temporada européia que renovou seu próprio estilo e o tornou mais acessível e agradável, saindo da autoanálise para focar em objetos que não seja ele, ou sobre ele, ou sobre o que o atormenta (embora seu estilo esteja presente o tempo todo), o que vem acontecendo com muito entusiasmo em seus títulos na última década.

O objeto de análise agora é Jasmine (Cate Blanchett), uma socialite casada com um poderoso empreendedor (Alec Baldwin) que, da noite para o dia, perdeu absolutamente todo e qualquer resquício de sua fortuna, deixando-a apenas com as roupas do corpo e com aquelas que couberam no seu conjunto de malas Louis Vuitton. Nem ao menos as jóias ela pode manter, já que precisou vender todas a preço de barganha para conseguir sobreviver temporariamente de alguma forma. Sem dinheiro ou ter onde morar, busca ajuda de sua irmã adotiva Ginger (Sally Hawkins), a qual ela sempre desprezou e teve vergonha por levar uma vida modesta e popular, sem qualquer característica considerável para poder fazer parte de seu círculo refinado ou até mesmo ser convidada para seu aniversário requintado.

Jasmine agora não tem futuro definido e não possui qualquer outro talento além de se vangloriar de viagens, pessoas que conheceu, bebidas que bebeu e supérfluos que nunca fizeram a menor diferença em sua vida além de entreter e conquistar aqueles que igualmente se importam com isso, já que toda a sua vida era mantida e alinhada pelo marido, portanto, nada da vida ela sabe, muito menos como sobreviver sozinha.

Não há dúvidas de que ela consegue ser uma mulher encantadora, que se esforça no excesso de etiqueta, educação e classe numa exigida conveniência social para ser alguém agradável o tempo todo, o que a fez esquecer completamente até mesmo de quem ela essencialmente é. Woody consegue desmontá-la peça a peça, colocando-a em situações tão expressivas e em ambientes tão destoantes da realidade banal que ela vivia que a personagem aos poucos se torna antipática e intolerável, que mesmo com o choque de realidade sofrido ao encarar seu novo subemprego, ou o bairro simples que agora mora, e na vida de divertimentos baratos e comuns das pessoas a sua volta, ela consegue se adaptar ou remodelar suas atitudes e comportamentos, por mais que tente e se esforce. E assim a tragetória desta heroína se tranforma em uma viagem emocional densa e profunda que, apesar de tudo, consegue conquistar a compaixão do espectador e até mesmo se identificar com essa desconexão com o mundo em algum momento.

Sem dúvida o humor sarcástico e classudo do autor está presente o tempo todo para alguns momentos da risada desperta pelo constrangimento alheio, na sua clássica forma de levar a seriedade no tom absurdo e caricato sem deixar de ser pontual, mas nada disso alivia o peso que Jasmine carrega e o buraco autodestrutivo que ela cava e se joga cada vez mais por conta de situações que deixaram-na perdida, sofrendo de pânico, paranóia e de uma distimia emocional que beira a bipolaridade. Mas ela mantem-se firme na pose virtuosa e iludida de si mesma para impedir que os outros vejam os cacos dispersos que ela realmente é, sendo capaz de ficar horas falando sobre si mesma e vangloriando-se de louros do passado para continuar no apego de uma vida que ela não possui mais.

Vamos supor que, como o crítico Dave White disse (e pelo que muito de seus filmes já mostraram), Woody odeie todo mundo e que sua misantropia seja a grande responsável por essa constante autorepugnância que agora se extende a seus personagens de maneira aleatória. Por isso ele é cruel, e não poupa qualquer personagem do sofrimento, do principal ao figurante, nem que este sofrimento seja momentâneo o suficiente para ser esquecido. Mas com Jasmine o cuidado pela destruição é refinado, como se ele amasse odiá-la, fazendo de todo o filme um processo sádico e lento de amorosa vingança por uma vida fútil que ela escolheu, pois apenas para ela a felicidade é algo momentâneo e esquecível, e nenhum tapa em sua cara é o suficiente para impedi-la de, até mesmo, julgar a vida de sua irmã como algo sem graça e desinteressante, anulando-se completamente da situação que ela se encontra, o que nada mais é do que a ostentação da mentira que ela mesma contrói sobre si para acobertar a inveja e recalque de uma felicidade que ela nunca teve, nem mesmo quando acreditava ter.

Cate Blanchett realmente consegue construir uma personagem sólida e convincente dentro dos propósitos usuais do diretor, em uma postura de refinamento exagerado de alguém que, no passado, obviamente foi uma reles suburbana, uma alpinista social que conseguiu se transformar em uma mulher luxuosa e sofisticada, porém deslumbrada sem propósitos (isso fica óbvio quando seu nome verdadeiro é revelado). O filme também não deixa de ter suas críticas sociais sobre a força dos relacionamentos aparentes e os laços de conivência, interesse e conveniência que são criados entre as pessoas, além da insistência da maioria em dar valor ao que não há valor algum, da criação de mentiras e falsa imagem que criamos para sermos notados como algo relevante em uma sociedade vazia e tão caricata quanto seus personagens.

Essa diferença de comportamento social é simbolicamente nítida quando Ginger pergunta a seu marido em um quarto barato de hotel se ele contaria a um amigo que o mesmo está sendo traído, caso descobrisse. Ele categoricamente diz que sim, justificando que os amigos existem para resguardar uns aos outros. De forma irônica, aproximadamente uma hora de filme depois, Jasmine se encontra com uma amiga em um requintado café. Sua amiga sabia que Jasmine estava sendo traída há muito tempo (não apenas ela, como todos), mas ninguém nunca disse nada, pois a consideração existente dentro da sociedade que vivem é diferente, havendo o incessante desinteresse por aquilo que não tem valor material algum, e Woody pontua essas diferenças a todo momento e em diferentes situações e nuances.

Novamente é um filme em que Woody Allen pisa com maestria entre a comédia e a tragédia no seu mais clássico significado (e embora tenha uma levada cômica, o filme é uma tragédia em sua essência), em um equilíbrio técnico em roteiro e direção que ele outra vez atinge por conta de sua insistência metódica por esses dois temas que ele vem desenvolvendo nos últimos anos obsessivamente.

CONCLUSÃO...
Não é à toa que os críticos tem considerado Blue Jasmine como o melhor e mais refinado drama do diretor. Deliberadamente equilibrado na discussão comédia/tragédia, além de ser categórico nas ironias da vida e do destino da personagem principal e uma crítica às crueldades de uma sociedade banal. Uma história muito bem contada e uma trama com algumas surpresas até bastante interessantes que sem dúvida faz dele um dos melhores filmes de 2013, e um dos melhores na longa tragetória do diretor.

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