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segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O TIRO CERTEIRO DE FORD...

★★★★★★★★☆
Título: Animais Noturnos (Nocturnal Animals)
Ano: 2016
Gênero: Suspense, Drama, Romance
Classificação: 16 anos
Direção: Tom Ford
Elenco: Amy Adams, Jake Gyllenhaal, Armie Hammer
País: Estados Unidos
Duração: 116 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma artista plástica recebe um estranho presente, o rascunho final do livro de um ex-marido.

O QUE TENHO A DIZER...
Ambição nem sempre é ruim. É o que podemos pensar quando pegamos Tom Ford como exemplo, o mundialmente reconhecido estilista que, como hobby, se tornou diretor de cinema.

Quando Direito de Amar (A Single Man, 2009) foi lançado, parecia que a crítica não queria afirmar que Ford tinha feito um dos melhores filmes do ano. O preconceito em Hollywood dificulta artistas de outros circuitos a se consagrarem no cinema, e com ele não teria sido diferente. A subestimação foi tão grande que a adaptação da obra homônima de Christopher Isherwood fez Ford ser esnobado sem qualquer cerimônia pela maioria das grandes premiações. Era difícil admitir que um homem que respirava moda podia, de repente, ter uma estréia cinematográfica tão consistente. Collin Firth foi consagrado como ator pelo filme, saindo dos teatros londrinos para ganhar proeminência no cinema norteamericano. Mas Ford sequer respirou tanta consagração assim.

Segundo ele, a intenção de ter dirigido, escrito e produzido o seu filme de estréia foram mais pessoais do que qualquer outra coisa. Tanto que Animais Noturnos é seu grande retorno depois de sete anos de total ausência. É como se ele estivesse esperando por um projeto igualmente apaixonante, algo que o tirasse da zona de conforto e o fizesse pensar que apenas ele seria capaz de fazê-lo como imagina.

É esse o sentimento que se tem ao assistir seu novo filme, baseado na obra Tony And Susan (1993), de Austin Wright, pois o caráter pessoal é tão grande que Ford também assina o roteiro e a produção.

Aqui ele segue basicamente algumas das mesmas características de seu primeiro filme. A ambientação neo-noir, a delicadeza na condução da história, a sutileza no desenvolvimento das tramas e subtramas e o glamour visual. Mas ao contrário do que ele demonstra na moda, aqui o glamour é apático, frio e distante. Fútil. Enquanto a tal delicadeza e sutileza são utilizadas de maneira brilhante na finalidade de intensificar o suspense e o teor sentimental de uma história que, ao longo dos seus 116 minutos, torna-se um misto de sentimentos em pura emplosão, demonstradas da maneira mais trágica possível à protagonista através das palavras que lê de um livro, e que são traduzidas em imagens ao espectador de maneira, por vezes, emocionalmente devastadoras.

A pretensão de Ford exala como perfume, mas assim como foi ela a resposável pelo seu sucesso ao renovar a Gucci e catapultá-a às trend marks da alta costura na década de 90, é esse seu excesso de confiança que faz tudo funcionar com tanta certeza e pontualidade em um roteiro que varia entre três narrativas bastanta distintas e que aos poucos se afunilam a uma única condução.

O filme começa com a protagonista recebendo um pacote no qual corta o dedo no papel ao tentar desembrulhá-lo, algo que, de certa forma, já a deixa apreensiva. O pacote revela-se um rascunho final do livro de Edward Sheffield (Jake Gyllenhaal), seu ex-marido, o qual conheceu ainda na faculdade, época em que os dois se importavam e sonhavam com o futuro: ela em ser uma reconhecida artista plástica, e ele como um grande escritor. A relação terminou porque Susan (Amy Adams) a sabotou. Além de acreditar que ela nunca sairia do mesmo lugar como artista, e Edward nunca iria evoluir como escritor, no meio do processo uma tragédia acontece, além de surgir Hutton Morrow (Army Hammer), por quem, iludida, se apaixona, e é casada desde então.

Susan alcançou seu objetivo. Artista reconhecida, que mora em uma mansão exagerada de puro concreto e vidro, e Hutton não tem mais o menor pudor em esconder que a trai. Hoje ela se dedica a coisas ínfimas, como cuidar de sua galeria e se relacionar com amigos caricatos da alta sociedade, no qual um deles até a aconselha a aproveitar melhor o mundo absurdo no qual vivem, oportunidade para poucos. E no tédio das noites de insônia percebe como ela se distanciou dela mesma ao longo dos anos. É quando resolve dar atenção ao presente recebido de Edward, o qual a impressiona logo no começo pela sua violência bem narrada, em uma sensação entre continuar lendo ou abandoná-lo. Ler a obra é seu primeiro contato com seu primeiro grande amor em anos, engatilhando lembranças que serão cruciais para o espectador compreender qual é a linha que costura essas narrativas distintas e se o livro tem algo a mais a contar do que as próprias linhas dizem.

É aí que Ford já começa o tiro certeiro, porque ao misturar a narrativa do passado com a narrativa cruel e violenta do livro, ele já nos sugere que existe alguma conexão entre eles. Seria o livro uma velada ameaça, uma simbólica história de vingança ou uma metáfora de alguma realidade? E da mesma forma como Susan se intriga com isso, intrigado também fica o espectador. O fato é que, a cada nova página virada, a nostalgia dos tempos com Edwards se engrandece, e quanto mais Susan se interessa pela história, mais o protagonista do livro sofre, do qual o sange escorre pelas mãos de Susan sem que ela perceba.

Esse paradoxo que Ford cria entre a ficção e o momento presente consegue manter um equilíbrio narrativo constante, sem ápices ou quedas bruscas, usando os flash-backs como a querer pré-justificar a conclusão, encontrando um platô cujo nível de suspense é mantido até o fim. E mesmo que o espectador não pareça tão interessado, ele vai se sentir preso àquilo que ele não sabe exatamente o que é, no qual, sem dúvida, o fará ficar pensando sobre aquilo quando os créditos finais aparecerem.

É um filme cheio de metáforas sobre Edward e Susan, cujo clima soturno e algumas referências até um pouco óbvias a clássicos como os de Hitchcock, principalmente pela trilha sonora de Abel Korzeniowski, que tenta remeter à sonoridade de Bernard Herman, podem não parecer tão interessantes quando analisados separadamente, mas juntos se tornam um conjunto admirável e belo em sua frieza e perversidade.

Assim como no seu filme anterior, o tema volta a ser o lado trágico do amor e os arrependimentos que nos assombram. Mas aqui ele vai mais fundo, torcendo tudo como um pano sujo depois da casa limpa, e em resumo o filme nada mais é do que uma história de vingança psicológica, vencida a partir do momento que o pacote é aberto, pois é ele que reacende sentimentos e vontades de Susan, a isca no anzol de Edward.

As diferentes texturas de imagens e camadas novamente cumprem suas funções como em Direito de Amar, pois são elas que diferenciarão os tempos e narrativas. E dessa forma bastante concisa o filme de Ford é um dos melhores e mais perfeccionistas do ano. Esse excesso de perfeição pode parecer enjoativo, mas é o que caracteriza não apenas o estilo do diretor, mas também o gênero que ele tão bem escolheu trabalhar.

O público não parece ter compreendido muito bem a subejtividade e as associações intrinsecas entre as três narrativas, parece não ter compreendido muito as entrelinhas dos objetos, mas o resultado é brilhante, e seu fim simplório, se bem interpretado, deixará um buraco no peito, o mesmo deixado no peito de Edward.

CONCLUSÃO...
É um thriller psicológico e romântico em sua mais expressiva forma, um misto de sensações e emoções, uma mistura de épocas e visuais, uma experiência única em anos. Um dos melhores filmes de 2016 que reafirma Ford não apenas como um grande diretor, mas também como um roteirista perfeccionista que consegue tirar o melhor que a história pode oferecer.

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