Translate

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

REVIVER OU MORRER? EIS A QUESTÃO...

★★★★★★★☆
Título: The OA
Ano: 2016
Gênero: Suspense, Drama, Ficção
Classificação: 14 anos
Direção: Zal Batmanglij
Elenco: Brit Marling, Jason Isaacs, Scott Wilson, Alice Krige, Patrick Gibson, Phyllis Smith, Brandon Perea, Brendan Meyer, Ian Alexander
País: Estados Unidos
Duração: ~60 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Uma garota que, depois de sete anos, reaparece com estranhas capacidades após passar por uma experiência de vida pós morte.

O QUE TENHO A DIZER...
De tempos em tempos um seriado esquisito aparece. Pode até não ser tão bem realizado, mas se for intrigante, que alimente discussões e controversas, a fórmula cult está pronta. É o que acontece em The OA, a nova empreitada da dupla Zal Batmanglij e Brit Marlin.

Batmanglij e Marling são amigos de longa data, que aos poucos tem dado uma cara diferente no cinema independente norteamericano, e agora é vez de fazerem o mesmo na TV e dispositivos multimídia. The OA é a terceira parceria de ambos como idealizadores, roteiristas e produtores. Batmanglij também continua como diretor, e Marling, como atriz principal. A diferença é que dessa vez o produto agora é direcionado a uma massa na qual os dois nunca atingiram antes, e mesmo que a liberdade criativa seja maior no Netflix, não havendo exigências tão grandes como seria em uma emissora de TV, nota-se que a pressão ainda está lá por parte do público, para o bom ou para o ruim.

O projeto, em andamento desde 2015 e impulsionado pela Plan B, produtora de Brad Pitt, é mais ousado que nos dois longas anteriores da dupla. Com apenas oito episódios que variam em duração, é impossível não fazer algumas assimilações ora com Sense8 (2015), ora com Stranger Things (2016), justamente por ter um grupo de pessoas interligadas sem qualquer semelhança uns com os outros, lidando com situações aparentemente sobrenaturais que envolvem brandas discussões sobre a Física Quântica e dimensões paralelas.

O conteúdo aqui é mais adulto, menos fantástico, fantasioso ou pop. É algo mais científico, mais dramático, com uma abordagem fraternal que igualmente funciona na idéia fundamental de que não estamos sozinhos no espaço, não o nosso lado invisível, ou seja, aquele que nunca mostramos a ninguém. E espaço, para a série, significa o lugar onde sua consciência está no momento. Também há um fundo romântico bastante sutil e diferente, e que acaba sendo o motivo central de tudo, mas em nenhum momento se sobrepõe ou incomoda as demais subtramas, o que evita o melodrama, o sentimentalismo banal e, consequentemente, o abuso do cliché. Tanto que só próximo ao fim que percebemos que o objetivo principal da protagonista é esse, e isso nem é spoiler porque é evidente desde o princípio. É bem menos comercial que as outras duas produções já citadas da casa, é algo diferenciado, um tanto alternativo e que busca um público diferente daquele comum que assina o serviço. Também pode ser visto como uma extensão, ou uma idéia melhor desenvolvida do longa Linha Mortal (Flatliners, 1990), um cult de Joel Schumacher, já que a experiência de vida pós morte é outro tema principal.

Para quem já conhece os dois filmes anteriores de Marling e Batmanglij, não irá se surpreender com essa fixação que ambos possuem pela religiosidade, pelo sobrenatural e o exotérico. Sim, um misto entre os três principais eixos espirituais da sociedade, lidando com ícones e mitos de maneira mista, como se tudo se interligasse e formasse uma coisa só. Para eles essa distinção não existe, e para tentar rebater tudo isso, está a ciência para se opor constantemente às tais teorias que eles desenvolvem, outra coisa na qual é evidente o fascínio. Funciona? Sim. Porque da mesma forma como em A Seita Misteriosa (The Sound Of My Voice, 2011), ou até mesmo em O Sistema (The East, 2013) e A Outra Terra (Another Earth, 2011), a narrativa criada a princípio parece convincente para um dos lados, mas depois se torna dúbia, deixando a favor do espectador a decisão de acreditar ou não naquilo que a história propõe.

Para quem não conhece o estilo da dupla, ou sequer assistiu um de seus dois filmes, The OA é uma grande oportunidade para conhecer. Nele estão absolutamente todos os elementos tanto autorais quanto técnicos de suas produções anteriores. Há uma mistura bem feita daquilo que já fizeram antes, sejam em projetos solos ou em parceria, como que ambos quisessem agora promover ao grande público tudo o que fizeram até hoje, usando eles mesmos como referências principais em seus próprios trabalhos. Não é à toa que Prairie (Brit Marling) é muito semelhante a Maggie, sua outra personagem em A Seita, já que ambas afirmam ser entidades que estão no plano terrestre por algum grande motivo, fora outros detalhes que não valem a pena serem ditos para não estragar algumas supresas que The OA reserva.

É um suspense dramático em sua essência, abraçando tantos estilos que chega ser difícil categorizá-lo de maneira tão específica. O suspense surge pela forma narrativa em primeira pessoa, já que boa parte dos episódios é a protagonista contando sua história aos demais, como uma líder de uma nova religião. A duração de sua narrativa é basicamente o tempo de duração de cada capítulo, já que Prairie é obrigada a viver sob certas restrições familiares.

O roteiro pode pecar por não desenvolver muito bem certas motivações ou interesses que fazem os personagens secundários se interessarem tanto pela estapafúrdia história da protatonista (pois é assim que se parece de início), mas por outro lado essa estrutura deu uma consistência nos personagens sem a necessidade de muita informação, economizando a paciência do espectador nesse sentido. O que é mostrado de cada um já é o necessário para justificar a afinidade de um grupo tão heterogêneo, mas no fundo há uma falta, uma vontade de vê-los realizarem muito mais do que serem meros objetos passivos na história. Mesmo assim o companheirismo e a confiança entre eles cresce nas reuniões, e se desenvolve entre choques e conflitos. No meio de tantas diferenças, é a incompreensão social e a solidão de cada um que forma o elo que os unem, sendo dessa inusitada união que a protagonista se fortalece. Essa honestidade nas diferentes personalidades é resultado do elenco formado por atores pouco conhecidos, mas que convence e emociona, como é o caso de Betty (Phillis Smith), personagem que a princípio pouco tem destaque, mas no fim se transforma em uma das mais emocionantes e memoráveis.

A mensagem (ou moral) primordial da série também tem seus momentos de glória sem aquela sensação de algo banalizado. A maneira como a protagonista socialmente é julgada, ou a forma como seus pais adotivos reagem ao seu comportamento, é entristecedor e sufocante. A inabilidade de compreensão da sociedade, o falso julgamento, a exploração da imagem, a falta de aproximação, a maldade e ambição humana são os grandes vilões. São eles que Prairie quer combater para transformar as coisas à sua volta. Um exemplo disso é quando Prairie conversa com Betty sobre a expulsão de Steve (Patrick Gibson) da escola, afirmando que expulsá-lo é negligenciar a responsabilidade dos professores de ensiná-lo. É por isso que ela precisa de outros, porque grandes modificações necessitam de pessoas dispostas a fazê-las. Não importa se esteja em cativeiro ou fora dele, o que precisamos é dos três C's: confiança, companheirismo e cumplicidade.

Se tem uma coisa intrigante nesse seriado, é que ele pode não oferecer nada do que habitualmente se espera de uma ficção científica, e nem oferecer o drama ou o suspense cliché que poderia; o público também pode não se sentir motivado por ele, ou sequer empolgado a princípio. Mas por alguma razão ele cativa, e mesmo com primeiros episódios pouco interessantes ou sem grandes ganchos finais que nos faça querer devorá-lo em um único dia, ainda há aquela sensação de querermos ser convencidos de alguma coisa, e continuar até chegar ao fim não se torna algo massacrante, pelo contrário, os eventos se engrandecem, uma história de amor original toma forma e o final da temporada é emocionante quando impulsionado pelo trabalho do coreógrafo Ryan Heffington (dos atuais vídeos da cantora Sia), um trabalho essencial para a mitologia desenvolvida na série. A princípio os movimentos realizados podem soar um pouco esquisitos (ou cafonas), mas depois emerge como algo extremamente expressivo, técnico e pontual, que só funcionará quando atingida a perfeição e homogeneidade, independente das afinidades de quem o realiza.

CONCLUSÃO...
The OA pode não ser um dos melhores seriados do ano no Netflix, mas é intrigante mesmo assim. Com narrativa lenta, desenvolvimento comedido e suspense gradual, tenta fugir de clichés e no fim não se mostrar tão inovador ou diferente quanto parecia, mas se diferencia ao fugir de certa convencionalidade, e dar oportunidade aos seus criadores de extenderem um mundo e um estilo próprio para agradar um público que busca fugir do comum. E por que não, dizer que acaba sendo algo bastante motivador, com uma bela mensagem a ser compartilhada.

Nenhum comentário:

Add to Flipboard Magazine.