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terça-feira, 1 de março de 2016

MUDANÇAS E VALORES...

★★★★★★☆
Título: O Verão do Skylab (Le Skylab)
Ano: 2011
Gênero: Comédia
Classificação: 12 anos
Direção: Julie Delpy
Elenco: Julie Delpy, Eric Elmosnino, Emmanuelle Riva, Denis Menochet
País: França
Duração: 114 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Durante o verão de 1979, toda uma família francesa se reune para comemorar os 67 anos da matriarca, e aquilo que parecia uma reunião, se transformou em uma experiência marcante e transformadora.

O QUE TENHO A DIZER...
Julie Delpy é um daqueles multitalentos que raramente se vê. Ela dirige, escreve, atua, edita, compõe e canta. E é difícil citar apenas um que ela seja boa porque faz todos muito bem. Fazer parte da trilogia Antes do Amanhecer, Antes do Por do Sol e Antes da Meia Noite, não é o suficiente para resumir seu talento. Embora a abordagem aqui seja completamente diferente da comédia romântica 2 Dias Em Paris (2 Days In Paris, 2007), ou no drama histórico A Condessa (The Countess, 2009), Skylab não deixa de ser igualmente interessante.

Em uma viagem de trem com seu marido e filhos, Albertine (Karin Vilard) tenta reorganizar os passageiros do vagão para que sua família possa ficar unida. Sem sucesso, ela se senta separada dos demais, e por um momento se permite voltar ao passado. Suas memórias voltam ao verão de 1979, quando tinha apenas 11 anos e sua grandiosa família se reune às vésperas da primeira estação espacial, Skylab, reentrar na atmosfera por um acidente, ameaçando cair em algum território habitado.

Dessa vez Delpy mergulha em uma nostalgia resgatada de sua própria infância em um filme mais autobiográfico do que pareceu ser 2 Dias Em Paris, mas acima de tudo, nos traz de volta uma época que há muito foi esquecida, onde computadores, celulares e a internet não interferiam na natural decorrência de experiências e aventuras da idade. Uma época em que crianças brincavam livres nos quintais de suas casas, exploravam o mundo que as rodeavam e ouviam conversas adultas cujos significados pouco importavam. Adultos e crianças misturados, assuntos dos mais diversos com conotações sexuais e políticas que hoje soariam chocantes, mas eram tão naturais quanto fumar em ambientes fechados. E nem por isso a infância era perdida ou a inocência corrompida, nem mesmo em uma praia de nudismo. Cada um sabia sua idade, seu lugar, e seu respeito. Não havia excesso de malícia, e isso era o que bastava.

Em uma primeira parte a história não evolui muito além de embalar o espectador nessa viagem nostálgica um tanto Woody Allen de ser pelo ponto de vista da pequena e curiosa Albertine. É muito mais apreciada principalmente por quem nasceu entre os anos 70 e 90, pois irão se identificar mais facilmente com essa bagunça familiar costumeira e aquela sensação grandiosa da infância e pré adolescência de que tudo era possível e que apenas o céu era o limite.

Delpy desenvolve uma narrativa que faz toda uma época ter sentido, e constrói com imagens memórias e situações que se perderam com o tempo, como a da família como uma unidade inviolável mesmo entre escândalos da matriarca aniversariante na mesa de almoço enquanto uma discussão política acontece entre uma parte de esquerdistas feministas e outra de direitistas fascistas.

Mas em uma segunda parte, que coincidirá com a queda do Skylab, é quando Delpy emerge a densidade na história e a sensação de tudo estar passível de mudanças é exposto, desde o tio que voltou da guerra com profundos traumas psicológicos, ou até mesmo a própria Albertine que repentinamente atinge a puberdade, pegando todos de surpresa. Uma simbólica metáfora de que o tempo não para e que a modernidade tem feito a maturidade chegar mais precocemente do que se espera, e junto com ela a perda de certos valores morais que a própria Albertine adulta havia perdido. A diretora e roteirista usa a histeria coletiva da possível queda do Skylab como um excelente ponto de tragédia, seja para Albertine que se confronta pela primeira vez com a possibilidade de morrer, como será para os outros o fim de uma era de medo e dúvidas e o começo de um provável futuro promissor.

Com um visual memorável que relembra os principais detalhes da época, e uma bela fotografia que acentua mais ainda o poder familiar perdido e a importância da infância como um fator obrigatório de descobertas e mudanças, Skylab é delicado até mesmo nos momentos em que tenta ser denso, pois Delpy injeta comedidas doses de humor trágico para que esta comédia familiar não se transforme em um drama desnecessário. Afinal, a intenção é mostrar as aventuras e desventuras, os prazeres e desprazeres que transformam indivíduos tão únicos e diferentes em uma unidade tão forte sem uma razão óbvia.

Não é um filme de narrativa dinâmica ou hilária. Um pouco longo até sua conclusão por conta de excessos de cenas para construir essa atmosfera familiar com o espectador, mas que com o passar dos minutos se transforma em uma viagem interessante ao passado, contada de maneira bastante clássica e confortante mesmo assim. Porém, não entrega tudo aquilo que promete. Não é tão cativante quanto se espera, nem tão impressionante como parecia. Poderia ter estendido um pouco mais os conflitos políticos e as diferenças de ideais em um período de ascensão feminista e declínio de intenções comunistas, não pelo drama, mas pelos argumentos em si, pois os melhores diálogos do filme acontecem justamente quando esses temas são postos sobre a mesa.

CONCLUSÃO...
Uma bela e nostálgica viagem ao tempo que devolve valores há muito esquecidos. Se perde um pouco no tempo, se estendendo em situações que pouco levam a algo, e encurtando outras que fariam do roteiro algo não mais interessante, mas que traria um equilíbrio mais apreciável entre o humor cáustico de Delpy e a densidade que a história não construiu apropriadamente.

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