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quarta-feira, 2 de março de 2016

NOSSOS 30 ANOS...

★★★★★★★☆
Título: Mistress America
Ano: 2015
Gênero: Comédia
Classificação: 12 anos
Direção: Noah Baumbach
Elenco: Greta Gerwig, Lola Kirk
País: Estados Unidos, Brasil
Duração: 84 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
A vida de Tracy era sem graça e desmotivante, até conhecer sua irmã postiça, Brooke.

O QUE TENHO A DIZER...
Se é fixação de Greta Gerwig em estar perdida no que ser ou fazer nos redores dos 30 anos em Nova York, então parece até justo considerá-la uma excelente aspirante a uma versão feminina, mais contemporânea e despretenciosa de Woody Allen. O que é uma excelente coisa visto que o cinema atualmente carece dessa autoria mais introspectiva, utilizando o cotidiano como uma análise pessoal de escolhas e vontades, e como ele interfere em tudo isso.

Em Frances Ha (2012), filme também dirigido por Baumbach e estrelado por Gerwig (e escrito pelos dois), a protagonista estava prestes a completar 30 anos e se encontrava na difícil situação de se encaixar em algum lugar. O que salvava Frances de crises existenciais era seu inabalável otimismo, que mesmo sem ter onde morar ou dinheiro para comer, conseguia enxergar nas pequenas coisas um motivo para seguir em frente. De qualquer forma, dentro de Frances havia uma frustração, uma agonia por ainda não ter conseguido chegar lá, naquele lugar que ela não sabia exatamente qual era.

Aqui a narrativa é pelo ponto de vista de Tracy (Lola Kirke), uma jovem que acabou de completar 20 anos e que está tendo dificuldades de se adaptar na rotina acadêmica da faculdade por sofrer de procrastinação e pela maneira um tanto inútil com que as matérias são conduzidas. Ela se sente desencaixada do mundo, pois as pessoas a sua volta não pensam como ela e não agem de maneira bastante inteligente como ela espera. Seu hobbie é escrever histórias, e sua aspiração é ser um dia uma grande e reconhecida escritora de sucesso, interessante e rodeada de pessoas importantes em um belo apartamento. Sua atual frustração é não conseguir fazer parte do seleto clube literário da faculdade, o único lugar no qual tem real interesse e acredita que será o ponto de partida de seu promissor futuro. Enquanto não consegue ser aceita pelo grupo, divide seu tempo trocando e comentando textos com seu único amigo e confidente, Tony (Matthew Shear).

Se ignorássemos a sinopse, seria até fácil imaginar que a atriz Lola Kirk representasse uma versão adolescente da protagonista e que a qualquer momento Gerwig entraria em cena em outro espaço e tempo como uma versão mais madura e atual, já que o início do filme causa essa impressão, além de Kirk ter uma semelhança física e comportamental com Gerwig muito grande. Mas na verdade Gerwig é Brooke, a irmã postiça que Tracy terá assim que seus respectivos pais se casarem. Elas não se conheciam, e quando isso acontece a identificação de ambas é imediata, quase simbiótica. O estilo de vida de Brooke, junto com sua personalidade extrovertida, livre e cativante a faz ser uma personagem marcante de uma fantasia que Tracy alimenta para si, aquilo que ela gostaria de ser, mas não imagina um futuro que a faça ser. E a partir de um comentário fantasioso de sua nova irmã, junto com todas as saudáveis impressões construídas, tudo a incentiva escrever sobre isso, e então a Mistress America do título (ou Dona America) surge, em conotação ao seu grande poder e importância.

Toda essa determinação e autoconfiança de Brooke nada mais são do que autodefesas para sua frustração e insatisfação em estar nos seus 30 anos mas sem ter conquistado algo sólido. Como ela mesma caracteriza, uma fase em que a cada ano que se passa as vontades aumentam e se tornam maiores porque as possibilidades se tornam cada vez menores. E tudo na vida da personagem agora se baseia apenas nisso. E por não ser um drama, o que faz toda essa desconfortante situação não se tornar um peso que puxe o filme para baixo é, justamente, o otimismo.

Sim, é como se Brooke desse sequência à vida de Frances na parceria anterior de Noah Baumbach e Greta Gerwig, onde Frances representa o começo de uma vida adulta insegura e indeterminada, e Brooke seja a segunda fase desse processo, em que o foco existe, mas as possibilidades ainda sejam limitadas. Ao mesmo tempo Tracy é um meio termo entre duas personagens tão cotidianas, talvez a caracterização da motivação que as fazem seguir em frente, independente das dificuldades.

É mais um filme interessante dos dois, que dá oportunidade para Gerwig novamente explorar esses conflitos e contradições da vida adulta jovem no seu tom bem humorado, peculiar e despretencioso. Uma visão um tanto "aestética" da realidade, ou seja, com certo tom de improviso, que não segue padrões estéticos convencionas, tal como uma música de Clarisse Falcão, em que tudo a princípio parece não ter ordem nem sentido, mas no fim tem compasso e coerência. E mesmo Gerwig saindo do protagonismo e dando maior espaço para Lola Kirk brilhar, é impossível não dar atenção ao seu carisma, sendo ele quem toma conta de toda a história no fim das contas.

E para Noah Baumbach, que dirige e também divide o roteiro com Gerwig, toda essa visão tragicômica das coisas é um prato cheio para sua perspicácia que igualmente evita o comum sem deixar de lado a vitalidade clássica das coisas, seja na segurança com que conduz as cenas, seja no caos organizado que consegue criar principalmente quando a história engata em alguma situação absurda que promete, como a visita de Brooke a uma antiga colega. É quando percebemos que o roteiro é muito mais sólido do que simplesmente um slice of life (representação de um pedaço da vida ou do cotidiano), mas um condensado contundente de que muitas das nossas vontades e aspirações afloram com o sucesso de outros, e sem querer essa cobiça se transforma em nossas piores frustrações numa cadeia que não tem idade para começar e nem para terminar.

O filme é leve e sem pretenções alguma, assim como foi Frances Ha, e nem por isso deixa de fazer seu espectador pensar sobre a vida ou se identificar com esses filmes e personagens. E tudo isso de forma muito simples e acessível, sem necessidade alguma de tomadas longas com discursos existenciais complexos e alienantes, pelo contrário, tudo dentro de um humor simples, inspirador e motivante.

CONCLUSÃO...
A parceria entre Baumbach e Gerwig é como Tracy e Brooke, e Mistress é mais um filme dos dois que dá certo e que de novo nos leva a fases complicadas da vida, mas que os dois conseguem sintetizar tudo com delicadeza e simplicidade.

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