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segunda-feira, 28 de março de 2016

A PRESSA É O INIMIGO...

★★★★★
Título: Batman vs Superman - A Origem da Justiça (Batman vs Superman)
Ano: 2016
Gênero: Super Herói, Ação
Classificação: 14 anos
Direção: Zack Snyder
Elenco: Henry Cavill, Ben Affleck, Jesse Eisenberg, Amy Adams, Gal Gadot, Laurence Fishburne, Jeremy Irons, Diane Lane
País: Estados Unidos
Duração: 151 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Batman e Superman duvidam das reais intenções heróicas um do outro, surgindo uma inimizade alimentada por um plano de Lex Luthor para que um conflito iminente entre eles aconteça.

O QUE TENHO A DIZER...
A Warner, detentora dos direitos da DC Comics, pode até ter sido um tanto que pioneira nas adaptações de quadrinhos, principalmente quando Tim Burton foi responsável por Batman, entre 1989 e 1991. Digam o que quiserem, sejam fãs ou não de suas adaptações, Burton mostrou que havia possibilidade de adaptar esses universos de outras formas sem descaracterizá-los. Tanto que aquilo que ele criou foi - e ainda é - referência. Basta assistir a trilogia de Christopher Nolan para ter a certeza absoluta disso. Os elementos básicos do ponto de vista criativo de Burton ainda estão lá, confirmados pelo próprio Nolan que afirmou na época que não tinha intenções de esquecer do legado deixado pelo diretor.

O grande problema é que a Warner nunca soube lidar com seus heróis no cinema, e coube à Marvel desbravar esse território com muita esperteza e coerência. A empresa não apenas está há 16 anos adaptando seus próprios heróis com sucesso como criou um novo gênero. Tal qual o estilo Faroeste se tornou um gênero ao longo das décadas, assim se tornaram os filmes de Super-Herois graças à Marvel. E quando essa reprodução assexuada de gêneros acontece, é sinal de que vieram para ficar em definitivo.

O que a Marvel fez foi algo realmente inédito. Criou um universo infinito e que se auto renova tal como seu universo nos quadrinhos. Mais do que isso, inventou uma fórmula, que vem sido repetida com sucesso há aproximadamente uma década, já mostrando sinais de cansaço, mas que ainda funciona.

Apenas os filmes baseados nos heróis da Marvel já arrecadaram no mundo, em uma conta bem rápida, em torno de US$15 bilhões ao longo desses 16 anos. O que é mais que a soma de vários títulos de diversos estúdios por aí no mesmo período.

A intenção de levar A Liga da Justiça para o cinema sempre existiu e os fãs sempre clamaram por isso, mas o milhonário orçamento (que entre 2000 e 2010 beirava os US$350 milhões), assustava e inviava o projeto. Foi com a ousadia da Marvel na reunião de heróis em Os Vingadores (The Avengers, 2012) que a Warner finalmente sacou que isso era possível, e então retomaram a idéia para abocanhar sua parte em um mercado tão lucrativo.

O diferencial da Marvel é que ela, por quase uma década, amaciou o mercado em doses homeopáticas até Os Vingadores se tornar uma trilogia em quatro partes (é isso mesmo), coisa que a Warner não fez em nenhum momento. E como que a correr contra o tempo e compensar a falta de estratégia, resolveu fazer de A Origem da Justiça o ponto de partida de sua empreitada, tentando (reforço: tentando) seguir os mesmos passos e, quiçá, reinventar a fórmula da rival.

Embora Batman sempre seja um sucesso até mesmo quando seja ruim (como as tristes adaptações de Joel Schumacher nos anos 90), o mesmo não se diz mais sobre Superman, um herói alienígena simples que vive a favor da humanidade, sem grandes complexidades, iconizado, solidificado e enferrujado no tempo. Por isso que a adaptação de Bryan Singer não foi mais do que um boo-hoo nostálgico, enquanto o reboot desnecessário de Zack Snyder foi uma tentativa fracassada de obscurecer e dramatizar o herói em um festival de exageros que cometeu o erro mais clássico de todos, e que Burton, lá atrás, já ensinava não fazer: descaracterizar o personagem.

Aliás, é um tanto esquisita a escolha de Zack Snyder para continuar a franquia, já que O Homem de Aço (Man Of Steel, 2013) não recebeu críticas muito positivas, tal qual os filmes anteriores do diretor. Talvez tenha sido a pressa do estúdio em desenvolver esse universo da DC no cinema, ou a falta de disponibilidade de algum diretor mais competente já que, apesar de todos os defeitos de Snyder, seus filmes são visualmente marcantes, como foi 300 (2006) - talvez seu único trabalho digno de nota.

E esse é o grande problema do diretor, pois ele consegue engrandecer personagens em imagens, usando filtros, angulações de câmera, enquadramentos e efeitos que os enaltecem em fotografias bastante cartoonizadas, como quadrinhos pintados por Alex Ross, mas ao mesmo tempo os personagens sofrem nos desenvolvimentos exagerados para coisas muito simples, resultando tudo numa densidade tão profunda quanto um pires.

Isso tudo é notório naquele que foi seu mais ambicioso projeto até hoje, o filme Sucker Punch (2011), visualmente deslumbrante, mas vazio, um exemplar daquilo que se deve e ao mesmo tempo não se deve fazer no cinema fantasioso.

E o tom de A Origem da Justiça é o mesmo. Snyder engrandece os heróis através desse surrealismo das imagens, transformando em titãs os dois personagens principais, além de fazer a participação de Mulher Maravilha (Gal Gadot) ser distanciada de qualquer cafonice de outrora, fazendo valer a interminável espera por sua aparição nos cinemas. Mas isso tudo dura muito pouco e decepciona no resultado final.

A história é uma continuação direta de Homem de Aço, tanto que na sequência inicial revemos a destruição de Metropolis durante a batalha de Superman (Henry Cavill) com o General Zod através do ponto de vista de Bruce Wayne (Ben Affleck), e só vai entender dessa forma quem assistiu ao filme anterior. Para quem não assistiu, a cena será como algo aleatório e sem sentido. A partir daí alguns meses se passam, e Wayne tenta responsabilizar Superman pelo grande massacre civil ocorrido naquele evento. Ao mesmo tempo, Superman considera Batman um mercenário perigoso pela forma tirana com que lida com as coisas, e através de sua identidade de Clark Kent, tanta expô-lo dessa forma usando o Planeta Diário para isso. Enquanto isso, Lex Luthor (Jesse Eisenberg) precisa tirar Superman de seu caminho, aquecendo essa rivalidade ao maquinar um plano "diabólico" para que Batman se volte contra Superman, e vice-versa.

O enredo é até interessante, e se teve algo realmente bom em toda a história foi o ponto de partida de tudo porque os roteiristas utilizaram as críticas que O Homem de Aço recebeu para favorecer a trama. Na época os críticos pelo mundo levantaram a questão de que, já que Superman é um herói e sua missão é salvar vidas, foi bastante incoerente o filme fazê-lo destruir mais da metade da cidade e matar mais gente do que salvar. Foi um grande erro na história e na personalidade do herói simplesmente para favorecer a ação barata e o espetáculo de efeitos visuais que transformou o filme em um disaster movie por excelência. Então, ponto positivo para o roteiro que usou a própria realidade como referência e transformou essas críticas em parte dos questionamentos de Wayne sobre a conduta de Superman.

Só que, se por um lado o começo parecia interessante e promissor, o desenvolvimento de tudo se mostra desastroso. Há uma incoerência de situações e cronologia que não convencem, a começar pela visível diferença de idade entre os personagens. Luthor é mais jovem que Superman, e Batman é mais velho que todos. A impressão que se tem é que tiraram Luthor do seriado Smallville (2001-2011) e o velho Batman de sua versão da série em quadrinhos O Reino do Amanhã (Kingdom Come, 1996), no qual está 20 anos mais velho e sem credibilidade.

Eisenberg dá uma caricatura a Luthor que mais irrita do que impressiona, fazendo do personagem um repeteco empobrecido do Coringa, longe, mas muito longe da diversão que era a versão canastrona de Gene Hackman, ou até mesmo na versão mais sisuda de Kevin Spacey. E falando em distância, o que dizer sobre Cavill? Tão longe da candura de Christopher Reeve, ou tão longe da doçura de Brandon Routh. A personalidade agora introspectiva e cascuda é coerente com algumas fases negras do herói nos quadrinhos e na sua crescente perda de esperança nos humanos, mas no cinema aparenta descaracterizado porque em nenhum momento houve uma construção que levasse a esse ponto com consistência.

Triste também é Lois Lane (Amy Adams), que assim como no filme anterior, entra e sai correndo de cena sem motivos. E por mais que Martha Kent (Diane Lane) tenha uma certa importância na conclusão da história, ela na verdade só aparece para literalmente nos lembrar a todo instante que é mãe do herói e nada mais. Duas atrizes desperdiçadas, que poderiam ter sido poupadas tanto quanto Jeremy Irons no mais insosso Alfred que existe, ou Holly Hunter como a Senadora Finch, que poderia ter sido um excelente acréscimo em toda a franquia como o único grande ponto mediador entre humanos e meta-humanos.

Por incrível que pareça, Ben Affleck é o único que consegue atuar no meio de tudo, o que prova que seus cabelos brancos valeram para algo em uma carreira de ator que mostrou-se melhor na direção. Anos luz distante da interpretação constrangedora de Demolidor (Daredevil, 2003), aquilo que parecia um equívoco supreendentemente não atrapalha. As cenas de batalha de seu personagem são as épicas batalhas de Batman por excelência, cheia de malabarismos, arsenais tecnológicos e porrada. Muita porrada bruta e seca de um Batman velho e impaciente, que deixou a tática de lado para encarar tudo de frente. Se o filme fosse apenas dele - o que quase é - teria sido muito mais empolgante.

E são em sequências como essa que vale a pena assisti-lo, mas tem que ter muita paciência. Snyder arrasta a história desnecessariamente em um filme que consegue ser mais longo que Os Vingadores em sequências de dar bocejo em gente grande. A diferença é que Os Vingadores tem todo um background que fortalece sua história, o que não acontece aqui. Ao contrário, o excesso de informação, de tramas e subtramas é justamente para, como dito acima, compensar o que não se fez até hoje.

Então, o filme parte do errôneo princípio de que nada antes dele aconteceu e que nenhum dos personagens já tiveram suas histórias contadas inúmeras vezes antes. Fica difícil nos convencermos de que eles não conseguem compreender seus métodos de justiça e que ignoram completamente seus atos heróicos pregressos. O roteiro poderia ter sido mais sucinto e usado Lex Luthor de uma forma mais inteligente para gerar uma conspiração mais convincente, menos forçada e artificial como é. Mas ao invés disso trata o espectador até com certa ignorância, pois a maneira como os heróis se tornam inimigos é feita de forma tão banal como se Gothan City e Metropolis fossem dois mundos completamente diferentes e distantes, e que nenhum deles nunca tivesse ouvido falar um do outro ou de suas intenções. Se a rivalidade tivesse surgido por uma coisa mais simples ou cliché como inveja pela popularidade ou pela importância de algum deles, acredite... teria sido muito mais interessante.

Mas mais banal ainda é a hora errada em que certas verdades são reveladas justamente por quem fez segredo sobre elas durante toda a trama capenga, estragando em definitivo o grande efeito surpresa do tão esperado duelo. É frustrante e simplório como magicamente a intriga se resolve depois de Batman passar mais de uma hora sangrando os olhos para destruir um arqui-inimigo que, na verdade, nem ele sabe de verdade porque é. E então, pra compensar esse grande e horroroso desfecho, o vilão Doomsday (que mais parece um troll burro do Senhor dos Anéis) surge em sequências de computação gráfica bem ruins, onde insistem na idéia de que para um monstro ser assustador ele tem que gritar e soltar o bafo fedorento contra a câmera. Tudo muito no escuro para tentar disfarçar defeitos indisfarçáveis, entre um e outro momento dramático profundamente dispensáveis. Aliás, Snyder não se cansa do escuro e dos filtros borrados, coisas que ficam muito piores no 3D.

O roteiro foi estranhamente escrito por Chris Terrio e David Goyer. Estranhamente porque Terrio foi o responsável pelo roteiro de Argo (2012), por sinal dirigido por Affleck, um filme simples com um desenvolvimento empolgante e comedido, elogiado exatamente por isso. E Goyer foi responsável pela trilogia O Cavaleiro das Trevas, de Nolan, elogiados justamente pela trama bem costurada e desenvolvida sem rebosteios. Então é espantoso ver dois roteiristas talentosos e com qualidades tão interessantes oferecerem algo tão desorientado e redigido às pressas, o que prova novamente que o diretor simplesmente deu qualquer atenção a isso.

Não é à toa que a crítica não tem sido favorável, da mesma forma como ele não foi o estrondoso sucesso que se esperava em seu final de semana de estréia. Claro que foi uma estréia boa (US$170 milhões), mas não ultrapassou a de Os Vingadores (US$207 milhões). Portanto acredita-se que o interesse pelo filme caia como uma pedra no oceano nas próximas semanas, e que chegar a US$1 bilhão se torne uma missão custosa, já que é essa a cifra que garantirá as próximas continuações.

O que algumas pessoas me perguntaram, e foi o que perguntei quando pessoas que eu conheço assistiram antes de mim, é se vale a pena e é legal. Vale a pena e é legal, não por todo o produto em si, mas pela materialização da idéia. Ver os três heróis juntos, agigantados na megalomania visual de Snyder, mesmo que por um breve momento, parece valer o preço do ingresso. Mas a história, não se pode negar, por mais que os fãs argumentem nos fóruns por aí, é banal e até ridícula.

Como um todo, vai agradar os fãs mais desesperados e aqueles que pouco se importam com o resto além da ação - e que também há pouco, diga-se de passagem - embora é possível ver que muitos deles sairam desapontados do cinema. A grande preocupação é se a próxima sequência, já entitulada como A Liga da Justiça, cairá nos mesmos problemas, já que insistirão do tenebroso erro de manter Snyder na direção, diretor que provou por A + B que, fora o seu próprio ego, não tem talento suficiente para sustentar outras coisas grandiosas.

CONCLUSÃO...
Aparentemente não é um tipo de filme para ser inteligente, mas o que diferencia as histórias da DC da Marvel é justamente o fato das histórias da DC serem mais densas e adultas, com tramas mais elaboradas, sem muitos alívios cômicos e que fogem do habitual sem deixar de entreter como se deve. Baseando-se nos roteiristas, poderia ter tido o desenvolvimento simples de Argo, com uma trama melhor elaborada como foi O Cavaleiro das Trevas, mas ao invés desse desenvolvimento simples, focado e efetivo, é um filme disperso, cheio de reviravoltas desnecessárias para dar a falsa impressão de grandiosidade que ele de fato não tem. E se existe um verdadeiro inimigo em tudo isso, ele se chama "pressa", algo que a Marvel não teve e, por isso, se manterá no pódio por mais alguns bons anos.

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