| ★★★★★★★★☆☆ |
Ano: 2015
Gênero: Suspense, Drama, Comédia, Policial
Classificação: 14 anos
Direção: Denis Carvalho
Elenco: Gloria Pires, Adriana Esteves, Camila Pitanga, Cassio Gabus Mendes, Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg
País: Brasil.
O QUE TENHO A DIZER...
Geralmente não assisto novela, mas não resisto quando é bem escrita e por autores que sabem o que faz, e pra isso não me interessa em qual emissora esteja. É também por isso que comento aqui, porque independente do formato que seja, o que realmente importa pra mim é o processo do autor para o papel, do papel para a tela, e da tela para quem consome.
A última novela que assisti foi O Rebu (2014), a qual fiz uma enorme avaliação aqui mesmo. Quem não assistiu perdeu a oportunidade de ver que ela até profetizou muita coisa que anda acontecendo nos bastidores políticos e sociais da nossa atual realidade. E Babilônia também está assim. Ao menos é o que aparenta.
Escrita por Gilberto Braga e Ricardo Linhares (e outros colaboradores), essas duas primeiras semanas mostraram que o folhetim é a clássica parceria de sempre, que novamente brinca com sátiras sociopolíticas condensadas em meio ao suspense policial característico dos autores, mas agora de uma forma muito mais ofensiva. A supremacia da televisão aberta brasileira está abalada, a concorrência está mais acessível, forte e com qualidade superior, e Babilônia surge nessa época de transição de uma emissora que agora tenta reconquistar públicos que perdeu, e que estão cada vez mais exigentes. Exigentes, porém ainda presos a velhas idéias e ransos, o que dificulta a aceitação.
É nessas horas que vemos como Gilberto Braga e até o próprio Linhares conseguem se manter tão atuais como João Emanuel Carneiro ou George Moura e Sérgio Goldenberg, e como o tempo não abala a qualidade de seus textos que evoluem na mesma velocidade que as mudanças no mundo.
Propositalmente ou não, é impossível não ver em Babilônia referência das próprias obras de Braga, como na falta de escrúpulos dos personagens tal qual em Vale Tudo (1988) ou Pátria Minha (1995), ou na relação doentia e obsessiva de Inês com Beatriz tal qual a de Laura Prudente da Costa com Maria Clara Diniz em Celebridade (2003). É como se Braga e Linhares tivessem pego as características mais marcantes de uma grande lista de novelas policiais e colocassem tudo em um único pacote, brincando com os estereótipos e os clichés, algo que não é fácil de se fazer quando se fala de um formato dramatúrgico que depende 90% desses dois elementos, os quais são muitas vezes responsáveis por empobrecer o formato e taxá-lo como um subproduto de entretenimento. A diferença é que Braga e Linhares, assim como outros autores de sua geração, como Silvio de Abreu, ou até mesmo o mais atual João Emanuel Carneiro, conseguem utilizar esses artifícios sem empobrecer a trama. Ou seja, o texto desses autores é tão rico que consegue se sobrepor àquilo que o público já está cansado de ver.
Foi um grande alívio, por exemplo, já sabermos logo no primeiro capítulo que a personagem de Gloria Pires foi a autora do crime no qual a trama principal se desenvolve, ao invés de manter o formato confortável do "quem matou?", que o próprio Braga sempre muito utilizou principalmente depois do famigerado "Quem matou Odete Roitman". Não foi um alívio saber logo de cara quem é o assassino e evitar a tortura psicológica, mas o fato de o próprio autor ter desconstruído uma situação e uma fórmula já solidificada por tantos anos.
Claro que os exageros folhetinescos do horário nobre e aqueles núcleos ralos para "render mais", igual água em detergente, sempre vão existir para fazer tudo parecer mais uma novela de barracos como qualquer outra para conquistar o público fácil. Mas quando se focaliza nos grandes personagens e suas determinadas funções na trama, o que sobra é exatamente a cara do que a população brasileira gradualmente se transformou.
Hipócrita, medíocre, sórdida, mesquinha, manipuladora, oportunista, diminuta, invejosa, cega, dotada de má educação, caráter e princípios. Onde tudo ainda é sustentado e acobertado por pesos de sobrenomes, imagens imaculadas e falso status social.
"Você sabe quem eu sou?", é a pergunta que mais se repetiu nesses doze primeiros capítulos. Tira-se a imagem arrogante e fria dos personagens e não sobra uma lasca sequer de qualquer dignidade. As alegorias estão todas lá, tão diretas que chegam até a doer. Só não enxerga quem não quiser.
É o ser humano e brasileiro sendo mostrado da forma mais decadente possível, que ainda insiste em ser passível por migalhas deixadas pela soberba de outros, que se sujeita a qualque coisa só para ter a oportunidade de vestir a máscara de vítima que cobra o certo quando nem mesmo sabe o que é o certo.
Alguns núcleos cômicos não conseguem aliviar o peso dos diálogos fortes e impactantes, as cenas violentas por conta de uma intolerância que se mostra à flor da pele sobre tudo, e a abordagem de diversos temas delicados demais fazem do beijo das duas senhoras uma discussão inútil de quem ainda insiste em não enxergar as verdadeiras doenças sociais que nos definem para o pior.
É uma Vale Tudo atualizada e compatível com os dias de hoje. A única coisa que quero saber é se vai continuar tão boa e deliciosamente desconfortável nos próximos meses como foi nessas duas primeiras semanas.
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