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sábado, 21 de março de 2015

80tista COMO SE FOSSE HOJE...

★★★★★★★★
Título: Hysterical Blindness
Ano: 2002
Gênero: Comédia, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Mira Nair
Elenco: Uma Thurman, Juliette Lewis, Gena Rowlands, Justin Chambers
País: Estados Unidos
Duração: 99 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Duas amigas lamentam suas vidas de solteira enquanto procuram pelo homem certo.

O QUE TENHO A DIZER...
Nos últimos 15 anos não lembro de ter assistido algo que reproduzisse tão bem os anos 80 como este pequeno filme produzido pela HBO e bastante difícil de ser encontrado (eu mesmo demorei uns 10 anos para conseguir assistí-lo na íntegra). É dirigido por Mira Nair e estrelado por Uma Thurman, Juliette Lewis e Gena Rowlands.

A história é uma adaptação de uma peça homônima escrita por Laura Cahill, a qual também assina o roteiro sobre uma garota, Debby (Uma Thurman), que sofre de um problema hoje em dia conhecido como Transtorno de Conversão, ou mais cientificamente denominado como Transtorno de Sintomas Neurológico Funcionais, problema cujo um dos sintomas convergem para a Cegueira Histérica, na qual a pessoa fica com a visão paralisada, turva ou duplicada por segundos ou minutos durante ou após uma situação bastante estressante que desencadeie uma crise nervosa. De modo bastante vulgar, seria aquilo que sentimos quando dizemos "cego de ódio". Debby tem problemas em se relacionar socialmente por conta de seu temperamento explosivo, sua impaciência, distimia e ansiedade elevados. Isso a leva não apenas a fracassadas tentativas amorosas como também na dificuldade de manter estável as únicas relações duradouras que ela possui com sua melhor amiga Beth (Juliette Lewis) e sua mãe, Virginia (Gena Rowlands).

Tudo começa com Debby indo para um bar com Beth para se divertir e se recuperar de uma crise nervosa que culminou na cegueira momentânea que a deixou afastada do trabalho por alguns dias. Segundo o médico, ela precisava desestressar e se divertir, e é o que ela tentou fazer até se irritar novamente com Beth e ir embora. Enquanto caminha para seu carro, conhece o durão Rick (Justin Chambers), que se oferece em acompanhá-la. Eles trocam algumas palavras e, por educação, ele a convida para se verem novamente no bar no dia seguinte. Obviamente ingênua e inexperiente, Debby volta embora para casa feliz, apaixonada e já acreditando que Rick é o grande possível pretendente de sua vida.

O filme girará inteiramente em torno disso e na dificuldade de Debby em, como diz um dos personagens em um determinado ponto do filme, "enxergar os fatos". A diretora indiana, Mira Nair, que antes já havia feito filmes como Mississipi Massala (1991) ou Kama Sutra (1996), consegue ir além de um filme tipicamente dramático sobre mulheres que não encontram o amor. Ao contrário disso, ela analisa muito profundamente as consequências disso em uma sociedade machista em que as próprias mulheres acreditam que a felicidade é um anel de noivado, além de cobrarem isso delas mesmas de forma tão insistente e doentia que acabam desencadeando os problemas sociais entre elas que comumente é visto na sociedade, como a disputa, a competição, submissão, perda de valores e, no caso de Debby, o desespero ao se ver como uma das últimas do seu grupo de trabalho que ainda continua "solteira e infeliz".

Ainda temos Beth, que representa uma outra porcentagem, a de mães solteiras que são subjulgadas pela sociedade. Se ainda hoje existem situações e atitudes discriminatórias a mulheres assim, imaginar que na década de 80 a situação era muito mais complicada não chega a ser tão difícil. Como também não é difícil imaginar a condição de Virginia, uma sexagenária que, quando menos espera, redescobre o amor de forma bastante natural e espontânea.

É incrível como essa condição social imposta sobre as mulheres se transforma no único objetivo de vida da protagonista, como uma obsessão. Uma obsessão que nunca é alcançada numa sucessão de situações não correspondidas e frustrantes que geram a ansiedade, a impaciência e que culmina na crise nervosa seguida de momentos de baixa auto estima e desmoralização pessoal.

São nesses pequenos filmes que a gente nota como Uma Thurman é uma grande atriz, e como o Globo de Ouro recebido por este papel em 2002 foi merecido. Juliette Lewis não larga a mão de interpretar aquele mesmo estereótipo de Lolita que a revelou em Cabo do Medo (Cape Fear, 1991), mas é sempre bom vê-la bem aproveitada, ainda mais em um filme como esse e na época em que a história é situada, já que a atriz naturalmente se mostra muito a vontade, até mesmo porque ela também é cantora, com três albuns já lançados, fortemente influenciada pelos movimentos new wave e punk desta mesma época. A relação de ambas e a confidência demonstrada é bastante convincente, principalmente por interpretarem as típicas "Garotas Jersey", aquelas descritas por norteamericanos como tipos legais, sensuais e interessantes independente do que estejam fazendo, o que deixa a história de Debby e Beth talvez até mais trágica do que aparenta.

Como dito lá no início, a ambientação, o design de produção, maquiagem, cabelo e a fotografia, são uma das mais bem feitas sobre a década referida tanto quanto em 200 Cigarros (200 Cigarettes, 1999) ou Romy e Michele (1997), desde os mínimos detalhes da cafonice 80tista até nos excêntricos comportamentos sociais. É uma comédia dramática que alegoriza algumas das diferentes condições femininas na sociedade, e a época em que a história acontece só serve para nos mostrar que, mesmo quase três décadas depois, muita coisa ainda continua a mesma. Além de tudo, a cegueira histérica ao qual o título se refere também é uma metáfora da dependência das mulheres nos homens para mudarem suas vidas.

CONCLUSÃO...
Além de recriar com bastante detalhe a década de 80, o filme também desenvolve com profundidade a condição feminina imposta pelas próprias mulheres dentro da sociedade e as prejudiciais consequências disso. Maravilhosamente bem ambientado e interpretado, Mira Nair acerta ao levar para a tela uma peça sensível e até trágica, tanto para a história quanto para tipos encontrados na vida real em qualquer lugar que se vá ainda nos dias de hoje.

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