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segunda-feira, 29 de julho de 2013

TRANSE BANAL...

★★★★
Título: Em Transe (Trance)
Ano: 2013
Gênero: Ação, Suspense
Classificação: 14 anos
Direção: Danny Boyle
Elenco: James McAvoy, Vincent Cassel, Rosario Dawson
País: Reino Unido
Duração: 101 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um auxiliar de leilões se vê envolvido em uma trama onde é utilizada a hipnose para descobrir o paradeiro de uma obra de arte a qual sumiu sem vestígios de suas próprias mãos.

O QUE TENHO A DIZER...
Em Transe é dirigido pelo britânico Danny Boyle. Para quem já conhece sua tragetória e seus filmes, poderia dispensar comentários, mas para quem não conhece ou conhece pouco, vale a pena saber.

Não é à toa que Boyle é por mérito um dos melhores diretores contemporâneos, sua carreira e trajetória por si só demonstram isso. A principal razão é, sem dúvida, a linguagem visual que ele constrói, principalmente nas composições criadas para demonstrar situações bastante subjetivas como a psicose que gradualmente toma conta dos personagens no tardiamente reconhecido Cova Rasa (Shallow Grave, 1994) - um thriller independente que chamou atenção de muitos só quando foi cair nas prateleiras das locadoras, quando tudo ainda era VHS; ou a letargia psicotrópica no cult lisérgico e uma referência de uma geração chamada Trainspotting (1996) - o qual marcou tanto uma década que é difícil encontrar alguma pessoa que não faça referência a ele ou não tenha assistido; ou o horror realista e desesperador de uma guerra pandêmica incontrolável em Extermínio (28 Days Later, 2002); e a atenção dos pequenos aos mínimos detalhes em Quem Quer Ser Um Milhonário? (Slumdog Millionaire, 2008).

Teve filmes pouco expressivos ou lembrados, como o megaproduzido A Praia (The Beach, 2000), que não fez o sucesso esperado e recebeu críticas de mistas a negativas; ou o limite entre a ingenuidade e a corrupção moral do metafórico Caiu do Céu (Millions, 2004); além da brilhante e injustiçada ficção científica Sunshine (2007), uma das únicas homenagens ao clássico espacial de Kubrick que deu certo.

Os pontos altos da carreira do diretor ocorreram em dois momentos:

1) Extermínio, quando ele acertou em cheio ao alavancar o renascimento de um gênero basicamente esquecido, o "survivor horror" classicamente conhecido pela "Trilogia dos Mortos", de George Romero produzido entre as décadas de 70 e 80. Querendo ou não, este filme se tornou uma referência nos que foram lançados posteriormente - incluindo o atual Guerra Mundial Z (World War Z, 2013) - tanto que ganhou uma continuação em 2007 (dirigido pelo espanhol Juan Carlos Fresnadillo), além de uma campanha mundial de fãs que anseiam por um terceiro episódio que Boyle sempre cogitou a vontade de dirigir, mas que pelo excesso de produções e a falta de uma idéia inovadora sejam motivos para ele não realizá-lo.

2) Quem Quer Ser Um Milhonário?, talvez o auge de sua consagração até o momento, além de um dos seus filmes mais redondos e perfeccionistas no sentido narrativo e técnico. O filme concorreu a 10 Oscars, levando 8, incluindo Melhor Diretor e Melhor Filme, dando oportunidade para, dois anos depois, ele novamente acertar com 127 Horas (127 Hours, 2010), novamente utilizando o jogo de imagens para reproduzir a angústia e o sofrimento da solidão e do desespero. Outra vez concorreu a 6 Oscars, incluindo Melhor Filme.

E assim é a carreira de Boyle. Entre altos e baixos e filmes que se bem sucedem ou não, ele é um diretor relevante que conseguiu reestilizar as maneiras de se contar histórias através do apelo visual, em edições ágeis e cortes precisos que exigem atenção do espectador e, inclusive, uma atividade cerebral de leitura dinâmica de imagens, despertanto associações automáticas e uma certa noção semiótica de forma bastante natural e até mesmo didática, dispensando a necessidade de conhecimentos técnicos de tudo isso para haver a compreensão.

Mas claro que uma carreira não é brilhante integralmente, e Boyle já errou em filmes como Por Uma Vida Menos Ordinária (A Life Less Ordinary, 1997) e, agora, com Em Transe.

Em Transe é novamente Boyle brincando com imagens. O filme vem erroneamente sendo associado a Trainspotting (embora Boyle já tenha cogitado a idéia de dirigir uma continuação deste título), e muito do que ele realizou no seu primeiro grande cult está aqui nas edições, nos cortes, o uso do subliminar e também da omissão de informações. Com essas táticas chaves, algumas utilizadas mais, outras menos, ele constrói uma história que engana o espectador a todo momento com cenas confusas e - por poucas vezes - surreais que levam o espectador a se surpreender através da falsa dedução criada pelas ferramentas que Boyle oferece para isso. Isso seria brilhante, caso o filme não tivesse caído em fadados clichés que não costumam ser característicos do diretor.

O filme conta a história de Simon (James McAvoy), um auxiliar de leilões treinado para salvar os objetos valiosos em situações de risco. Obviamente que, durante um leilão, ele seria vítima de um assalto. Agindo de forma ágil para salvar a obra de arte, durante o procedimento de segurança ele é abordado pelo assaltante Franck (Vincent Cassel), que o golpeia na cabeça deixando-o em coma. O problema é que quando Franck abre a bolsa, descobre que dentro dela há apenas a moldura sem a tela. Ao se recuperar, Simon é novamente capturado por Franck, que quer saber onde ele escondeu a obra de arte, mas Simon não sabe dizer, já que agora sofre de uma amnésia que não se sabe se é temporária ou não. Franck busca alternativas e descobre que a hipnose pode ajudar Simon a descobrir o paradeiro da tela. É quando entra em cena a terapeuta Elizabeth (Rosario Dawson), que será uma peça chave para todo o desfecho da trama.

Assim como todos seus filmes anteriores, Em Transe é visualmente interessante, e poderia ter sido excelente se não fosse tão confuso e obsoleto. Assim como dito por Rubens Ewald, o filme até poderia ter funcionado em outra época, quando o uso de uma tática/justificativa tão boba como a hipnose para buscar a solução de fatos insolucionáveis ainda não era banalizado, ou numa época em que filmes de ação com situações absurdas não causavam constrangimento.

A verdade é que, para um diretor tão preciso e atento a detalhes sérios e realistas até mesmo quando fictícios, este filme soa como um grande acidente de percurso. O roteirista Joe Ahearne apresentou o roteiro do filme pela primeira vez a Boyle em meados de 1994, o qual foi recusado pelo diretor que alegou que o filme poderia ser bastante difícil para um roteirista iniciante. Em 2001 o roteirista conseguiu transformar a história em um filme para a televisão, e apenas em 2011 Boyle teve o interesse de dirigí-lo para o cinema com auxílio do roteirista e amigo John Hodge. Mas devido aos preparativos das Olimpíadas em Londres (a qual Boyle foi responsável pela direção da abertura e encerramento), o filme teve um atraso na sua finalização, e a pós produção ocorreu apenas no final de 2012.

A qualidade da produção é indiscutível. As características de Boyle estão explícitas a todo momento. A câmera ágil que busca ângulos inusitados, o jogo de imagens que Boyle faz para criar a atmosfera confusa, a atenção a detalhes e a fluidez. A habilidade do diretor em lidar com tudo isso de forma sublime é inegável, mas o roteiro, mesmo tendo quase duas décadas para ser maturado, não conseguiu deixar de lado o ranso do tempo, sofrendo de absurdos que não cabem mais no século XXI, ainda mais com a facilidade de se encontrar informações sobre qualquer coisa e em qualquer lugar. Chega a ser até constrangedor um erro como o do momento em que estão todos os persnagens em um carro com um cadáver apodrecido no porta mala há semanas e ninguém nem ao menos ter percebido. Só esta pequena situação já coloca o filme com um dos piores desenvolvimentos que assisti nos últimos anos.

Querendo ou não querendo o filme explora a atitude do sonho inconsciente e consciente, além da possibilidade da implantação de idéias, tal qual ocorreu na tentativa frustrada do filme A Origem (Inception, 2010). A diferença é que, visualmente, o contexto de Boyle é muito mais verossímel e sinestésico do que no filme de Chritopher Nolan, justamente pela experiência de Boyle em brincar com imagens e sensações ser maior e a grande característica e trunfo de seus filmes. Mas o roteiro mal desenvolvido não evitou sair da essência interessante para cair no grande cliché romântico. Também não se atentou por construções mais simples, e o resultado de tudo isso é um filme que, tal qual como o filme de Brian De Palma que recentemente assisti, Passion (2012), ele pode até ter uma grande coerência dentro da idéia do próprio diretor, mas para o público em geral - até mesmo para seus fãs - tudo vai soar como algo sem sentido ou fundamento, pois a tentativa de compreendê-lo se torna fútil e frustrante por conta de uma linguagem extremamente complicada para uma resolução simples. Ou seja, pra mim, é aquilo que chamo de redundância cinematográfica, algo que soma absolutamente nada, embora tente demonstrar e fazer o espectador acreditar no contrário a todo momento.

CONCLUSÃO...
Um erro no percurso brilhante na carreira de Boyle. Em Transe pode até ser visualmente interessante e até se bem suceder ao conseguir enganar o espectador utilizando truques de edição e omissão, mas sua resolução se torna boba conforme as peças se encaixam e o espectador conclui a trama. Uma pena e um desperdício que pode até ser salvo pelo ótimo elenco e as habilidades natas de Boyle, mas o roteiro furado se destaca pelo excesso de exageros desnecessários.

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