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sábado, 13 de julho de 2013

O QUE RICHARD É?

★★★★★★★★
Título: O Que Richard Fez (What Richard Did)
Ano: 2012
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Lenny Abramhanson
Elenco: Jack Reynor, Roisin Murphy, Sam Keeley, Fionn Walton, Lars Mikkelsen
País: Irlanda
Duração: 88 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Richard é um jovem bonito, educado, inteligente e popular, que usufrui seu tempo em reuniões saudáveis com seus amigos, em festas particulares, na casa de praia e defendendo seu time de rugby no colégio. Mas em uma noite ele, assim como todos que se relacionam com ele, descobrirão que há uma grande diferença entre aquilo que acreditavam ser, com aquilo que realmente são.

O QUE TENHO A DIZER...
Este filme é uma pequena pérola irlandesa levemente baseada no livro Bad Day In Blackrock (2008), de Kevin Power. O livro, por sua vez, também é levemente baseado em uma história real ocorrida no ano de 2000 em Dublin, quando um jovem estudante chamado Brian Murphy morreu após um violento assalto ao sair de uma casa noturna. Em 2012 ganhou o prêmio de Melhor Filme Irlandês, além de ter sido o filme de maior sucesso comercial do país. Também fez parte da seleção de filmes do Festival de Tribeca 2013, um dos festivais contemporâneos de grande importância e atuação nos EUA quando o assunto é sobre festivais internacionais.

Embora seja irlandês, o filme é em inglês e o cenário de Dublin não parece ser por acaso, já que é uma das capitais mais culturalmente movimentadas, ecléticas e de vida noturna ativa não apenas do país, mas também da Europa, sendo considerada uma das capitais mais jovens do continente, com aproximadamente 50% da população com menos de 25 anos. Logo, o filme começa mostrando a vida de Richard (Jack Reynor), um jovem estudante de classe média alta, bonito, inteligente, educado e rodeado de amigos interessantes e bastante informados cultural e socialmente. Eles se respeitam e interagem sem problemas ou abusos, e assim seguem suas vidas estudando, defendendo o time de rugby do colégio e curtindo a vida em festas privadas ou na casa de praia. O estilo de vida livre e ponderado não poderia ser mais perfeito para ele, que acredita que tudo é possível e atingível. Além de todas as qualidades, Richard também é um garoto apaixonado por Lara Hogan (Roisin Murphy - não confundir com a também cantora irlandesa de mesmo nome), que depois de algumas tentativas felizes consegue conquistar a jovem que tem uma relação indefinida com Cian (Fionn Walton). Tudo flui bem até que em uma fatídica noite tudo é jogado ao chão, quando não apenas ele, mas todos que se relacionam com Richard, descobrem que existe uma grande diferença entre aquilo que imaginamos ser e aquilo que realmente somos.

Não há nada de surpreendente, e o desenvolvimento da história é até bastante previsível a começar por conta do próprio título. Mas o que Richard fez extrapola apenas o que foi feito de fato e segue para o caminho mais substancial que nos faz perguntar "o que Richard é?". E assim o personagem deixa de ser algo, para se transformar em uma referência de nós mesmos e da nossa própria natureza: pessoas capazes de ignorar os limites e de não imaginar que pequenos atos irracionais serão responsáveis por mudanças muitas vezes irremediáveis nas nossas vidas.

Aquilo que somos está em nossa essência, que muitas vezes escondemos ou ocultamos, pois são capazes de comprometer nossa moral e caráter, e fazemos isso em um controle consciente. Todo o ser vivo é dotado da reação de fuga e proteção, reações primitivas de sobrevivência e manutenção da vida. Quando este gatilho é disparado perdemos nosso controle consciente, agindo e reagindo de forma instintiva e impensável. É neste momento que o ser humano, em específico, deixa transparecer sua verdadeira essência, pois o instinto de sobrevivência anula os controles que temos sobre a moral e o caráter. 

A tragetória do personagem é pintada dessa forma, como a de um grande e promissor jovem (a imagem montada pela moral e caráter) para um "monstro" manipulador e mentiroso (a essência instintiva), e o mesmo acontece com todos os demais personagens que passam do controle para o ato instintivo conforme o filme progride e as situações exigem. Porém, entre essas atitudes há outra condição inerente do ser humano chamada culpa. A culpa traz o conflito, que nos faz buscar constantemente a redenção e o perdão, independente de qual ele seja.

A solução para o espectador, que toma o papel de observador, álibi e também de julgador, parece bastante simples, mas o interessante é que a narrativa precisa consegue nos colocar dentro dos conflitos vividos por eles e principalmente por Richard. Conseguimos ter a nítida sensação de como seria estar em seu lugar. Há também o peso da culpa e o sofrimento trazidos pela perda da razão. Talvez a cena que mais deixa explícita essa nuance do controle do consciente/instintivo e o conflito entre eles, é quando Richard confessa a seu pai o que realmente aconteceu. Sentimos o instinto do personagem em tentar controlar seus conflitos e manipular tudo de alguma forma para se abster da culpa, até que em um impulso inconsciente, a verdade sai como um desabafo. É doloroso, mas um alívio até mesmo para o espectador, que até o momento estava com a respiração presa por conta da angústia que o filme constrói com naturalidade.

Aliás, naturalidade é o que mais existe aqui. Abrahamson consegue mostar uma história sobre adolescentes de maneira verdadeira, onde vemos os personagens falando, agindo e se relacionando dentro de linguagens e maneirismos da idade, fugindo de clichés e estereótipos sem alterar sua natureza. Ele faz questão de não fazer de tudo algo simplesmente regado a festas, drogas e sexo, como é costumeiro em filmes do gênero. Há muito mais do que isso. O diretor mostra como a adolescência é a melhor fase da vida, bem como suas transformações até a maturidade. Tudo isso é observado na primeira parte do filme, a relação e o respeito mostrado por eles chega a ser até utópico, mas bonito, motivador e realmente exemplos daquilo que realmente deveria ser. Mas infelizmente a segunda parte do filme é nos jogar na cara como tudo realmente é, e como ainda temos (ou tivemos) muito a aparender, mas foi ignorado por pequenas atitudes engatilhadas pela perda da razão.

O único cliché que o diretor não fez questão de se desvincular para o bem da narrativa foi o romance entre Richard e Lara, e ter transformado a relação entre eles a fonte da redenção e do perdão do personagem, mas da mesma forma mostrando isso de forma simbólica, que significa as pequenas coisas às quais nos apegamos nos momentos de conflito e culpa e que somente eles bastam para tocarmos a vida para frente e ignorar até mesmo as grandes dores e sofrimentos, como a colocar um pano quente sobre tudo, o que pode ser um pouco frustrante para aqueles que esperavam uma atitude mais coerente do personagem. Mas aí é o personagem agindo novamente em sua essência.

CONCLUSÃO...
O Que Richard Fez é uma análise sucinta da própria natureza do homem, e como uma simples atitude pode colocar nossas atitudes conscientes e inconscientes em conflito, dando abertura para as mínimas coisas responsáveis por corromper nosso caráter.

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