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quarta-feira, 10 de julho de 2013

FRIO, FRUSTRANTE E SUPERFICIAL...

★★★★
Título: Passion
Ano: 2012
Gênero: Suspense
Classificação: 14 anos
Direção: Brian De Palma
Elenco: Rachel McAdams, Noomi Rapace, Karoline Herfurth, Paul Anderson
País: França, Alemanha
Duração: 105 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Sobre a rivalidade entre uma chefe manipuladora de uma agência de publicidade e sua mais competente ajudante, passando pelo roubo de idéia, da humilhação pública até o crime.

O QUE TENHO A DIZER...
Passion é dirigido pelo já antológico Brian De Palma, mas não é uma obra original, sendo um remake do filme francês Crime D'amour (2010), estrelando Ludivine Sagnier e Kristin Scott Thomas. De Palma, há quatro décadas na indústria, ficou famoso por títulos realmente muito bons no passado e até originais, o que faz esse remake soar um tanto desnecessário, ainda mais em um intervalo de apenas 2 anos entre o original e essa nova versão.

No começo da carreira De Palma foi taxado como o "mestre do macabro", por causa do estrondoso sucesso e ícone do terror chamado Carrie (1976) e também de alguns títulos anteriores a ele, pouco conhecidos. Isso foi uma certa alusão ao título de "mestre do suspense" que acompanhava o nome de Hitchcock, diretor o qual De Palma nunca escondeu ser extremamente influenciado e um grande admirador, referenciando e se apropriando do estilo hitchcockiano de maneira óbvia, trazendo muita revolta por parte de uns e admiração por parte de outros, levando a crítica a julgar suas obras como plágios (um absurdo) e De Palma ser duramente taxado como um subdiretor de subprodutos (outro absurdo). A verdade é que ele foi um dos únicos diretores populares de Hollywood a se atrever a isso e, de uma forma ou de outra, se bem suceder, já que essas apropriações acabavam tendo coerência nos contextos e acabaram indo além do que Hitchcock propunha. Hitch só não foi adiante pois sua época não permitia, mas na época de De Palma isso foi possível, e foi o que ele fez. As constantes referências a outro diretores e obras se estenderam durante toda sua carreira e virou uma parte fixa de seu estilo, mas a verdade é que o diretor é eclético. Obviamente seu estilo preferido é o suspense psicológico recheado de erotismo (eu falei erotismo e não sexo), mas ele já fez drama, tentou arriscar na comédia, fez filmes de ação, ficção científica e por aí vai. Ele nunca sequer concorreu a um Oscar, e seus melhores títulos como Scarface (1983) ou Os Intocáveis (The Untouchables, 1987), foram esnobados sem piedade. Por isso ele também figura na gigante lista dos injustiçados.

Além disso, De Palma também criou, dentro de tantas referências, usos e abusos, uma maneira própria de dirigir e compor suas cenas, como as filmagens anguladas, os takes longos e sem cortes, o excesso da câmera lenta, os travellings em 360 graus e, talvez o mais marcante deles, a divisão de tela, mostrando duas (ou mais) diferentes ações em um única cena.

Mas do meio da década de 90 pra cá, De Palma parece não acertar uma. Seu último grande sucesso foi Missão Impossível por ter sido comercial, e os filmes que o sucederam foram grandes naufrágios. Todos os títulos não são ao todo de uma qualidade inegável como a que ele já chegou a ter um dia, embora vale-se dizer que devem ser assistidos por qualidades ímpares e detalhes que apenas De Palma tem certa ousadia em realizar, como a sequencia incial sem cortes de Olhos de Serpente (Snake Eyes, 1998), onde tudo é feito numa sincronia em um deleite para os amantes de takes contínuos; ou o exagero do glamur perigoso e sua tentativa de personificar os tipos femininos que sempre foram presentes no seu estilo em Femme Fatale (2002); ou até mesmo o noir de Dália Negra (Black Dahlia, 2006), baseado na tetralogia de James Elroy - a mesma série de livros que inclui a adaptação Los Angeles - Cidade Proibida (L.A. Confidential, 1997), um grande título que passou despercebido.

Em Passion, De Palma não foge daquilo que mais gosta: do glamour, das femme fatales, do suspense progressivo e do desenvolver lento das histórias até atingir o ápice. Aqui ele reune duas atrizes: a canadense Rachel McAdams e a sueca Noomi Rapace, em uma trama de ambição, obsessão e traição que a princípio foi promovida como um grande thriller erótico e um retorno do diretor à forma, mas que se transforma mais em um grande golpe de marketing do que uma realidade.

O filme já começa como se já estivesse no meio, onde as personagens Christine (Rachel McAdams) e Isabelle (Noomi Rapace) estão em uma sala discutindo o futuro de um grande projeto publicitário que está fadado ao fracasso e poderá colocar o pescoço de ambas pra rolar. Logo no começo é possível perceber uma certa ironia ou um tom de deboche do diretor, pois a começar pelo projeto publicitário das personagens, há uma cafonice enlatada, exagerada e risível no ar, algo do tipo: "não é possível que uma agência tão importante chamaria isso de genial". O senso de humor de De Palma sempre esteve presente, mas aqui é dúbio e não sabemos se podemos confiar no diretor em levar o filme a sério porque esse absurdo causa desconforto.

Christine é a chefe de uma importante agência publicitária, e Isabelle é sua ambiciosa pupila, que vislumbra em sua chefe - com ar de recatada inveja - o futuro que gostaria de alcançar. Christine é a típica chefe mandona e manipuladora que tenta fazer de Isabelle a sua grande marionete e o aeroporto para seus voos mais altos, o estereótipo que a gente cansou de ver por Meryl Streep em O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada, 2006), ou numa relação até bastante similar entre Glenn Close e Rose Byrne no seriado Damages (2007-2012), ou até mesmo por Sandra Bullock em A Proposta (The Proposal, 2009). Até o tom de Rachel McAdams a dizer "isso é tudo" (that's all), a frase que marcou a personagem de Meryl Streep, soa uma "cópia". Tudo isso já é visto e todo esse tom estranho é logo previsto apenas nos 15 minutos iniciais, além de sabermos que o desenrolar da história não será nada agradável para ambas personagens.

Posteriormente o filme muda o tom, caindo para uma rivalidade empresarial que culmina no abuso do poder e em humilhações constantes, desenvolvendo um assédio moral (bulling) bastante evidente e que, por incrível que pareça, é real em diversos ambientes corporativos. É um assunto sério, ignorado, que só é sentido por aqueles que já sofreram, e isso é transposto para a tela de forma bastante convincente e um dos raros momentos onde De Palma não parece zombar.

A impressão que se tem é que o filme finalmente engatou. Ele até referencia Hitchcock novamente na sequencia do crime. É uma cena rápida, com um violino de Pino Donaggio bastante semelhante ao de Bernard Herrmann em Psicose (Psycho, 1960), uma cópia feia, mal feita e desafinada, mas que combina com a cena violenta e impactante e que é assim justamente por durar apenas 5 segundos. Não há como negar que essa agilidade é uma das melhores de todo o filme e poderia ter caído facilmente numa desgraça qualquer. Mas é quando entramos para uma terceira parte que sentimos o diretor degolando cada um dos espectadores, adentrando em um território psicológico confuso que tenta explorar as ilusões do inconsciente, e até que ponto ele se torna consciente e real. Tudo é explorado por imagens e cenografia. É a partir do uso das sombras, das angulações, dos travellings e edição que o diretor vai mostrar as diferentes condições da personagem e não explorando seus comportamentos, chega até a ser algo experimental, mas  De Palma já experimentou tudo isso antes, o que dá uma sensação superficial e de que o desenvolvimento podia ter sido melhor para um diretor tão experiente e cheio de truques.

Óbvio que todo o estilo e as características clássicas do diretor são jogadas na tela nos momentos típicos e previsíveis, e o que De Palma mais gosta de fazer é enganar o público com imagens, como em uma hipnose. Tudo está claro e evidente durante todo o filme, mas a forma como ele encaixa as peças nos coloca na dúvida até mesmo nos momentos de certeza, enganando o espectador com sua marca registrada da tela dividida ao trabalhar com a mudança do foco. Seu estilo pode até soar datado em certos momentos, mas é nostálgico revê-los outra vez e outra vez, filme após filme, e embora o diretor já tenha quatro décadas de trabalho, ainda consegue se manter atual e um símbolo nato do que é criar uma atmosfera adequada a cada história. Mas nesse filme em especial há muito mais erros do que acertos.

O grande problema de Passion é que ele demonstra a todo instante que não foi levado a sério como deveria, e sua narrativa nunca explode para uma conclusão que ofereça um grande êxtase final depois de tantos enquadramentos perfeitos, fotografias deslumbrantes e a exploração de imagens. Pelo contrário, o que é feio passa a se destacar em demasia até cair em uma cachoeira de defeitos (talvez) propositais, o que podem até fazer muito sentido para todo o contexto e para a idéia pessoal do diretor, mas a dificuldade toda é que não vale a pena se esforçar tanto para (tentar) compreender tudo isso em um roteiro que começa com uma grande força, mas depois soa pobre e ultrajado em si mesmo.

A química entre as atrizes é boa e talvez até convincente, mas McAdams, que despontou como uma estrela há poucos anos e ainda se mantém numa crescente ascenção que nunca explode, não é uma atriz de muitos filmes, mas seus constantes investimentos em papéis tolos de comédias românticas simplórias tiraram dela aquilo que ela mostrava ser no começo da carreira: uma menina delicada de voz meiga, mas de presença, que sabia escolher pequenos e bons filmes. O papel representado por ela aqui não foge muito de uma versão adulta do ícone teen, pop e moderno da maldade que ela construiu no passado chamada Regina George, de Meninas Malvadas (Mean Girls, 2004), a diferença é que seu desempenho no filme adolescente é muito mais marcante do que aqui, onde sua postura de mulher bem sucedida e requintada beira ao inadequado cliché, mas não deixa de ter seus momentos marcantes por conta das habilidades do diretor.

O mesmo pode ser dito sobre Noomi Rapace, que virou um grande nome a partir do momento que Hollywood resolveu importá-la e se apropriar do sucesso que a trilogia original da adaptação da série Millenium estava fazendo pelo mundo. Noomi não é uma atriz delicada e carismática, seu jeito matrão e seus traços fortes não condizem com certa delicadeza e ingenuidade que a personagem por vezes tenta demonstrar, mas ela consegue transparecer as emoções nos tons exatos em alguns momentos, o que é interessante.

Mas como um todo, embora seja interessante visualmente, é um desperdício de trabalho em uma carreira tão brilhante quanto a de De Palma. Passion não recebeu críticas positivas, não foi bem recepcionado pelo público e vai ter uma reestréia comercial em Agosto nos Estados Unidos, talvez numa tentativa já falida de pegar carona em algum público que com certeza irá assistir esperando um grande thriller erótico lésbico, mas que sairá absolutamente decepcionado, pois não irá encontrar nada além de frustração, principalmente seus fãs.

CONCLUSÃO...
De Palma ainda continua sendo um grande diretor e ilusionista, sua tentativa em explorar mais as imagens do que os personagens é sempre válida, mas nesse filme chega a soar superficial, parecendo mais uma perda de tempo do que uma grande experiência. Uma pena, para um diretor com um imenso talento.

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