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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

MAIS ANOS 80 E STEPHEN KING...

★★★★★★★★☆
Título: It
Ano: 2017
Gênero: Horror, Suspense, Fantasia, Aventura
Classificação: 16 anos
Direção: Andy Muschietti
Elenco: Bill Skarsgård, Jaeden Lieberher, Jeremy Ray Taylor, Sophia Lillis, Finn Wolfhard, Jack Dylan Grazer, Nicholas Hamilton
País: Estados Unidos, Canadá
Duração: 135 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um grupo de crianças se unem para tentar impedir um monstro disfarçado de palhaço de machucar e raptar outras crianças.

O QUE TENHO A DIZER...
A primeira adaptação de It foi feita para a televisão em 1990, quatro anos após o lançamento do livro homônimo de Stephen King. Foi uma minissérie de dois episódios, divididos tal como o livro. Levando a alcunha de Uma Obra Prima do Medo no Brasil, as pessoas se arrepiavam apenas em ver a caixa do VHS duplo nas prateleiras das locadoras. É considerado um clássico do horror, assim como é o livro. Pode soar prepotente intitulá-lo como uma obra prima, mas se analisarmos Pennywise e a sua função na história, o significado não parece tão distante, já que ele existe e se alimenta dos mais profundos medos, e só construindo todo esse cenário com magnitude que ele conseguirá isso. Logo, "uma obra prima do medo" não seria, necessariamente, sobre a obra em si, mas sobre o personagem e a sua função na história.

É claro que a versão de 1990 hoje em dia pouco assusta, e causa mais risos do que medo por conta, principalmente, da evolução narrativa que ocorreu no cinema ao longo dos anos e a mudança drástica daquilo que hoje consideramos terror, onde o gênero aos poucos foi se tornando mais explícito e chocante, deixando de lado a técnica. A sutileza foi substituída pelo banho de sangue, e os efeitos práticos pelos digitais. Hoje em dia filmes de terror agora só lidam com exorcismos exagerados, contos sobrenaturais cheios de efeitos especiais, ou o abuso do gore para ser chocante de maneira fácil. O terror imediatista, assim como tudo tem sido na última década.

O público se desacostumou com o terror de vanguarda, aquilo de causar arrepio na espinha, de deixar a gente tenso na poltrona apenas com o uso adequado da câmera, do som, e da expectativa. Por isso que muitas vezes, nessa nova versão, por mais que o diretor e o roteiro tente apelar para o terror mais visual e sangrento, muita gente saiu do cinema com a sensação de ser muito mais um filme de aventura do que algo assustador. De fato, ele é um pouco dos dois, e foi intencional, mas não deixa de ser um filme horripilante, ou creepy, como diriam os norteamericanos.

O livro, uma bela bitola de mais de mil páginas, é cheias dos mais ricos detalhes que apenas King consegue fazer, e corajoso aquele que conseguir devorá-lo. Primeiro pela sua extensão narrativa, e segundo porque realmente é assustador assim como os demais grandes clássicos do autor, como Carrie, O Iluminado, Cemitério Maldito e Christine, apenas como exemplos.

O grande fator interessante é que esta nova adaptação mantém um pouco das duas atmosferas: a clássica, com preferência aos efeitos práticos, da maquiagem e a preservação da técnica; a atual e moderna, com os efeitos digitais que funcionam na maior parte das vezes, da narrativa e edição mais condensadas e dinâmicas. As interpretações também são, de longe, muito melhores que a versão de 1990, principalmente por parte do elenco infantil, muito mais convincente e espontânea agora do que antes, até porque o diretor fez questão de dar liberdade aos atores de improvisarem. Sobre Pennywise, o de hoje é tão assustador quanto o de antes, e Bill Skarsgård imprimiu uma personalidade tão única a ele quanto Tim Curry. Curry deu ao personagem uma personalidade mais cômica, cheio de perversidade em suas piadas mórbidas e no tom caricato focado no humor físico, enquanto Skarsgård o deixou mais sombrio, expressivo e psicológico, com uma bagagem mais obscura e perturbada. O alívio cômico ainda existe, usado com seriedade para deixar a narrativa mais atraente, e não mais palatável. Tal qual o Coringa, não importa o ator que o interprete, Pennywise oferece material suficiente para ser criado e desenvolvido das mais diferentes formas sem perder sua característica principal, que é desafiar suas presas antes de atacá-las, ebulir o sangue para ele ser mais saboroso, como os vampiros fazem. O instinto selvagem e primitivo do animal caçador farejar o medo e se beneficiar disso.

Assim como Pennywise, que reaparece a cada 27 anos, a indústria do entretenimento também faz ressurgir gêneros, estilos e épocas de tempos em tempos. Seja no cinema, na moda ou na música, a saturação de uma tendência nos obriga a resgatar clássicos. Uma reciclagem necessária para oferecer referências às novas gerações, assim como aquilo que um dia foi feito é referência para nós hoje.

Não é à toa que os anos 80 voltou a ser uma tendência, e estamos sendo bombardeados por essa época por todos os lados, principalmente na música, no cinema e na televisão. Vide Stranger Things (2016-), um dos maiores fenômenos da Netflix, inteiramente baseado na época e que, inclusive, presta grandiosas homenagens ao próprio Stephen King e demais outros nomes responsáveis por importantes referências daquela década, como Spielberg e George Lucas. Tanto é assim que a história original se passa nos anos 60, mas esta readaptação agora se passa em 1987, não apenas para se enganchar na história, mas também no ressurgimento 80tista. E falando em King, é outro que também de tempos em tempos retorna às tendências, e depois de alguns anos em total hibernação, seu nome voltou a ser de grande interesse dos estúdios, principalmente agora, depois de uma leva de boas adaptações de suas obras que tivemos ao longo de todo esse ano, e principalmente do inesperado sucesso desta adaptação, que faturou quase US$700 milhões pelo mundo, se tornando o filme de horror mais bem sucedido da História do Cinema até o momento.

Não se pode ignorar que resgatar uma tendência movimenta o mercado, e tudo aquilo que é relacionado àquela tendência resgatada será igualmente consumido em massa, até ocorrer a saturação e as pessoas enjoarem.

A nova adaptação não foge dessa regra. Segundo o próprio diretor, Andy Muschietti, sua versão nada mais é do que um misto de Goonies (1985) com o horror. Oras, nada diferente da premissa de Stranger Things, que obviamente se baseou nas mesmas referências, fez sucesso com isso, e resgatou uma tendência. Originalmente eram os Irmãos Duffer (criadores, produtores, roteiristas e diretores de Stranger Things) quem tinham a intenção de dirigir o remake de It, mas só não o fizeram porque não tinham popularidade, e estavam focados na estréia da série. De qualquer forma, It vem tão embarcado nessa onda que o sentimento de estar assistindo a série da Netflix é a mesma, tanto que até Finn Wolfhard, que interpreta Mike na série mencionada, também está no elenco aqui. Claro que seu papel é bem diferente, e Richie nada tem a ver com Mike. Mas voltamos na teoria das referências, e quanto mais for possível alguém fazer referências sobre o que está em tendência, mais consumido aquilo será.

Lançado propositalmente 27 anos após a primeira adaptação, o filme não é uma propaganda enganosa. Ele realmente possui mais méritos do que o contrário, principalmente no misto de horror, aventura juvenil e comédia que são feitos tão bem. Não é um filme assustador e de se levar sustos o tempo todo, mas é aterrorizante e tenso na forma como o diretor constrói as cenas mais com técnicas visuais do que sonoras, criando sequências um tanto perturbadoras e aflitivas. O maior potencializador disso é, sem dúvida, Bill Skarsgård. Mesmo com tanta maquiagem, é possível perceber o talento do ator na caricatura mostruosa que ele criou de Pennywise à sua forma. A maquiagem serve mesmo mais para sequer imaginarmos que esse ator tem apenas 27 anos também.

Quando falamos das obras de King, nunca podemos esquecer das influências da realidade em suas fantasias. Aqui é a violência social e a corrupção infantil que toma grande forma, e como as pessoas são facilmente dominadas por aqueles que infligem o medo, de tal forma a marcar a memória, traumatizar a infância e influenciar a vida adulta. O que Muschietti tenta mostrar em muitas cenas é que o grande vilão da história nem é Pennywise de fato, mas as pessoas com quem convivemos no dia a dia, todos os dias do ano, sem 27 anos de hibernação. Da maternidade ultra-protetora e possessiva, do abuso doméstico, do assédio moral, da vulnerabilidade infantil. Pennywise é apenas o produto das doenças sociais que nós mesmos criamos, cultivamos e mantemos por gerações.

Por isso que o vilão não tem uma origem definida. Assim como Fred Krueger em seus primeiros filmes, as figuras mais assustadoras do cinema são aquelas que desconhecemos a origem, pois foram concebidas para serem a personificação do mal. O mal não precisa ser explicado ou definido, ele existe por si só, e todas as vezes que a maldade foi justificada, como o cinema costuma fazer em suas franquias, o medo genuíno deixa de existir. Ainda sobre Krueger, enquanto ele se alimenta do medo das pessoas por pesadelos, Pennywise existe pelo medo real, das aflições e fobias que nos atinge e nos enfraquece perante ele. Não é à toa que outro personagem na história tem tanto destaque. O adolescente Henry Bowers (Nicholas Hamilton) é a versão humana de Pennywise, aquele que igualmente amedronta, persegue, tortura, caça e fere, usando o terrorismo para dominar e camuflar sua covardia.

O roteiro, escrito primeiramente por Chase Palmer e Cary Fukunaga, acabou sofrendo algumas alterações por Gary Dauberman quando Fukanaga abandonou a direção, deixando o projeto por diferenças criativas com o estúdio. Enquanto Fukanaga pretendia explorar o medo através do suspense, mais do que com imagens óbvias, Muschietti preferiu o contrário quando o substituiu na direção, dando preferência às virtudes de Pennywise, que é sua habilidade de materializar o medo dos personagens. A concepção de Fukanaga, de ser mais sutil e subliminar, era interessante, e embora a de Muschietti seja mais óbvia e convencional, acabou funcionando de igual forma pelo simples fato de ter se mantido fiel ao livro e a narrativa de King em sua maior parte.

Portanto, dizer que é uma das melhores adaptações de King até hoje, é correto. Está longe de ser aquele filme de horror que tanto se esperou, mas as boas doses de variação entre os gêneros foi algo bem vindo em uma época em que o cinema tem sido muito pretensioso nas idéias, mas péssimos nas execuções. A segunda parte da história já teve sua produção confirmada, e seu lançamento é previsto para o fim de 2018. Esperaremos para conferir se, como um todo, as duas partes farão jus a todo o universo fantasioso e horripilante de King como se deve.

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